Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2076/17.2T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CPAS
CONTRIBUÍÇÕES
CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES
ACÇÃO EXECUTIVA
Nº do Documento: RP201807112076/17.2T8AGD.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 839, FLS.153-159)
Área Temática: .
Sumário: I - A Caixa de Previdência B…, como outras instituições de previdência, foi integrada no sistema de segurança social.
II - As sucessivas leis sobre o sistema da segurança social sempre dispuseram que a cobrança coerciva dos valores relativos às quotizações era efectuada através de execução fiscal, cabendo aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer das impugnações judiciais.
III - Actualmente o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, cujo âmbito de aplicação são todos os regimes abrangidos pelo sistema previdencial, no artigo 3º, estabelece, nomeadamente, que são subsidiariamente aplicáveis quanto à relação jurídica contributiva as disposições da Lei Geral Tributária.
IV - Se à relação jurídica contributiva se aplica a Lei Geral Tributária (LGT) então é porque estão em causa relações jurídico tributárias. - (artigo 1º da LGT).
V - São as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social as competentes para presente execução, competindo ao tribunal tributário de 1.ª instância da área onde corre a execução decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e a verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos de execução. (artigo 5º do mencionado Decreto-Lei n.º 42/2001).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2076/17.2T8AGD.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
Na presente execução ordinária em que é exequente Caixa de Previdência B… e executada C… instaurada para pagamento de contribuições devidas à exequente, foi proferido o seguinte despacho:
Da exceção de incompetência material
A Caixa de Previdência B… intentou acção executiva contra C…, dando à execução certidão de dívida emitida pela Direcção da B….
Para tal, alegou, no requerimento executivo, os seguintes factos:
«1.º A Executada, sendo advogada de profissão, encontra-se obrigatoriamente inscrita na Caixa de Previdência B…, doravante designada B…, nos termos do disposto no art.º 29.º, n.º 1 do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, e anteriormente nos termos do art.º 5.º, n.º 1 da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril.
2.º E estando inscrita na B…, a Executada tem de pagar mensalmente as contribuições para a Caixa, a que se refere o art.º 79.º e seguintes do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho (e anteriormente art.º 72.º e seguintes da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção introduzida pela Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro).
3.º Sucede que a Executada não tem pago as contribuições para a B…, a que está obrigada, devendo, a 20 de Maio de 2017, a quantia de 19.654,95€ (dezanove mil, seiscentos e cinquenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), sendo 12.216,70€ (doze mil, duzentos e dezasseis euros e setenta cêntimos) de contribuições em dívida e 7.438,25 € (sete mil, quatrocentos e trinta e oito euros e vinte e cinco cêntimos) a título de juros, conforme certidão de dívida emitida pela B…, de 20 de Maio de 2017 (Doc. 1).
4.º A Executada devidamente interpelada pela B… a efectuar o pagamento das contribuições em dívida, não o fez.
5.º Pelo que a B… se viu forçada a recorrer aos meios judiciais para cobrar a dívida de contribuições.
6.º Assim, com a presente execução, a B… pretende haver da Executada a quantia de 19.654,95€ (dezanove mil, seiscentos e cinquenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos) acrescida dos juros moratórios, sobre o valor das contribuições em dívida, contados à taxa de 4,966% (em 2017), e nos anos subsequentes à taxa de juros que for fixada nos termos do disposto no art.º 81.º, n.º 4 do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, até ao integral e efectivo pagamento.
7.º A certidão de dívida emitida pela Direcção da B…, de 20 de Maio de 2017, constitui título executivo nos termos do disposto no art.º 703.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C. e do art.º 81.º, n.º 5 do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho.
8.º Termos em que se requer a V. Exa se digne ordenar a citação da Executada para pagar à B… a quantia exequenda de 19.654,95€ (dezanove mil, seiscentos e cinquenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), titulada pela certidão de dívida emitida pela B… em 20 de Maio de 2017, acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos, sobre o valor das contribuições em dívida, no ano de 2017, contados à taxa de 4,966%, e nos anos subsequentes à taxa de juro que for fixada nos termos do disposto no art.º 81.º, n.º 4 do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, até ao integral e efectivo pagamento, acrescido ainda das despesas com a presente acção, nas quais se incluem as custas judiciais e as despesas com o agente de execução, sob pena do prosseguimento da execução, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.
Notificado o exequente para se pronunciar quanto à possível exceção de incompetência material neste tribunal, veio o mesmo defender a sua competência pelos fundamentos melhor aduzidos no requerimento antecedente, que se chamam aqui à colação.
*
Cumpre apreciar.
Compete aos tribunais judiciais apreciar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurídica (prescreve o art. 80º da LOSJ que “compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais.”).
Nos termos do disposto no artº 1º, nº 1, do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, rectificada pela Declaração de Rectificação nº
14/2002, de 20 de Março e alterada pela Lei nº 4-N/2003, de 19 de Fevereiro e Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Dispõe o artº 4º, nº 1, al. o), do ETAF, que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
A propósito da competência dos Tribunais Administrativos escreveu-se que “nas propostas de lei que o Governo apresentou à Assembleia da República, foi assumido o propósito de pôr termo a essas dificuldades, consagrando um critério claro e objectivo de delimitação nestes dois domínios. A exemplo do que, como vimos, acabou por suceder em matéria ambiental, o critério em que as propostas se basearam foi o critério objectivo da natureza da entidade demandada: sempre que o litígio envolvesse uma entidade pública, por lhe ser imputável o facto gerador do dano ou por ela ser uma das partes no contrato, esse litígio deveria ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos Propunha-se, assim, que a jurisdição administrativa passasse a ser competente para apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvessem pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado” (neste sentido FREITAS DO AMARAL e AROSO DE ALMEIDA, in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, p. 34).
No presente caso, importa, antes de mais, determinar o suporte fáctico que se deve ter em conta na aferição deste pressuposto.
Na apreciação da questão da competência material deve-se analisar concretamente a causa de pedir e o pedido formulado. Isto porque a competência deve ser determinada em função do modo como a causa é delineada na petição inicial e não pela controvérsia que resulta da confrontação entre a acção e a defesa (neste sentido o Ac. RP de 4/3/2002, disponível nas bases jurídico-documentais do Instituto das tecnologias de Informação na Justiça, sendo o referido douto acórdão acessível, por exemplo, pelo descritor data, que acima se indica, e ainda, entre outros, Ac. do STJ de 11/12/2002, proferido no recurso de revista nº 1193/02, da 4ª Secção e Ac. RP de 25/2/2002, CJ, I, 252).
De acordo com MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 91, a competência do Tribunal determina-se pelo pedido do Autor, pelo quid disputatum/quid decidendum, em antítese com o que será mais tarde o quid decisum.
A competência em razão da matéria, como pressuposto processual, é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, atendendo-se ao direito de que a Autora se arroga e que pretende ver judicialmente protegido.
No caso sub judice, a Caixa de Previdência B…, pessoa coletiva de direito público, pretende obter a cobrança de contribuições, com base na referida certidão de dívida, à mencionada executada.
Ora, a Caixa de Previdência B… “é uma pessoa colectiva pública que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária.
Reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da B…, ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, para cuja apreciação são competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos artºs. 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF.” – conforme já foi decidido pelo Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 27.04.2017, relator FONSECA DA PAZ, in www.dgsi.pt.
Efetivamente, se os tribunais administrativos são materialmente competentes para conhecer e dirimir os conflitos de interesses entre a Caixa de Previdência B… e os seus associados, então não podem deixar de ser competentes para dirimir todos os conflitos entre os mesmos, designadamente os casos, como o dos autos, em que se pretende cobrar coercivamente as contribuições devidas por um associado.
Aliás, se o tribunal administrativo conhecer de um litígio em que se discuta se um associado deve certas contribuições ou multas e decidir que são devidas, a sentença que condenar o associado a pagar a dívida há-de ser executada, no caso de não haver pagamento voluntário, na jurisdição a que pertence o tribunal que a proferiu.
Com efeito, nos termos da al. n), do n.º 1, do artigo 4.º, da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a «Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal».
De facto, a jurisprudência tem já vindo a decidir que as relações jurídicas que se estabelecem entre a Caixa de Previdência B… e os seus associados assumem natureza administrativa e, por isso, nos termos da al. o), do n.º 1, do artigo 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a «Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores» (cfr. Nomeadamente Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2016, in www.dgis.pt).
Foi também decidido no Acórdão da Relação de Lisboa de 09.03.2017, in www.dgis.pt, que: “As relações jurídicas estabelecidas entre a Caixa de Previdência B… (B…) e os seus associados, são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na referida al o) do nº 1 do art 4º do ETAF.”, entre outros.
Nesta decorrência, concluímos que no caso em apreço estamos perante litígio que envolve uma relação jurídica administrativa e fiscal, cabendo assim o pedido executivo formulado à jurisdição administrativa, entendimento este que passaremos a seguir em casos semelhantes.
Saliente-se que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, podendo tal incompetência absoluta ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cfr. artºs 96º e 97º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A incompetência absoluta do tribunal constitui uma excepção dilatória e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do disposto nos artºs 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. a), todos do Código de Processo Civil.
Em todo o caso, sempre se dirá que a absolvição da presente instância não obsta a que a Exequente intente uma nova ação no tribunal materialmente competente.
Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, declaro este Tribunal Judicial materialmente incompetente para decidir a presente causa, e em consequência absolvo a Executada C… da presente instância executiva.
Custas a cargo da Exequente, que fixo a taxa de justiça em 2 UC´s (artº 7º, 4, do RCP).”
A Caixa de Previdência B… interpôs recurso, concluindo:
1.ª O Tribunal a quo é o tribunal competente para a decisão e tramitação deste Processo executivo.
2.ª Pois a B…, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma Forte componente privatística.
Com efeito,
3.ª A B… «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa…» (cf. Art.º 1.º, n.º 1 do regulamento Aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06) não fazendo parte do sistema Público de segurança social (cf. Ilídio das Neves in “Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva”).
4.ª A B… não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas A um mero poder de tutela (cf. Art.º 97.º do regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06), sendo essa tutela meramente inspectiva.
5.ª A B… não faz parte da administração directa ou indirecta do Estado.
6.ª Os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas Eleitos «pelas assembleias dos B1… e dos associados da Câmara dos B2…».
7.ª Mas além disso a B… não é financiada com dinheiros públicos, sejam Oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.
8.ª Pelo que a B… não deve ser qualificada como uma mera “entidade pública”.
9.ª As contribuições para a B… não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões.
10.ª As contribuições para a B… assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de Reforma a ser percebida pelo beneficiário.
11.ª A este facto acresce que, nos termos do disposto no art.º 80.º, n.º 4 do Regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.
12.ª Nos termos da sentença recorrida, os tribunais administrativos e fiscais seriam os competentes para a tramitação e decisão de execução fundada em certidão de dívida reportada a contribuições para instituição de previdência.
13.ª Todavia, o n.º2 do art.º 148.º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.
14.ªNo novo regulamento da B…, aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06, não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à B… sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças ou na secção de processos da segurança social.
15.ª O que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do novo regulamento da B…, pela Autoridade Tributária e Aduaneira(AT) à Direcção da B….
16.ª E porque “não há direito sem acção”, não resta à B… outro caminho se não recorrer aos tribunais judiciais, como no presente caso, para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.
17.ª Assim a interpretação das referidas normas de modo a concluir pela Incompetência do Tribunal a quo, acarretaria o incumprimento de preceito constitucional, constante do art.º 20.º, n.º 1 da CRP, que estipula que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…»
18.ª Tendo em conta o princípio constitucional previsto no art.º 20.º, n.º 1 da CRP que dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…», a interpretação conjugada da alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 32/2002, de 19/02) e do n.º 2 do art.º 148.º do CPPT, perfilhada na sentença recorrida, ou seja, de que apenas os tribunais administrativos e fiscais seriam competentes para dirimir os litígios entre a B… e os seus beneficiários, é inconstitucional por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 da CRP, na medida em que, como vimos, levará a um verdadeiro “beco sem saída” pois a B… ficaria, dessa forma, sem possibilidade de poder cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários.
19.ª Pois, as dívidas à B… não poderão ser cobradas judicialmente nem nos tribunais administrativos e fiscais, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela AT, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela Segurança Social, por falta de norma habilitante para o efeito.
20.ª A sentença recorrida violou, assim, o art.º 2.º, n.º 2 do C.P.C.; o art.º 179.º, n.º 1 e 2 do NCPA e o art.º 148.º, n.º 2 do CPPT; o art.º 81.º, n.º 5 do RB…;
A alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o artigo o art.º 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa Nestes termos e nos mais de direito e com o douto suprimento de V. Exas.
Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue o Tribunal a quo, como competente em razão da matéria para tramitar e julgar a presente acção executiva, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se a competência para a presente execução pertence à categoria dos tribunais judiciais ou à categoria dos tribunais administrativos e fiscais.

II – Fundamentação de facto.
Para a decisão pleito releva a factualidade que se extrai do relatório supra.

II – Fundamentação de direito
É incontroverso que a Caixa de Previdência B… tem a natureza de pessoa colectiva de direito público.
Estas pessoas colectivas são criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos e, por isso, dotadas, em nome próprio, de prerrogativas de autoridade, isto é, exorbitantes do direito privado (poderes e deveres públicos).
Mas a criação por entidade pública de uma pessoa colectiva não é, só por si, uma referência clara da natureza desta. Tão-pouco o regime, tal como resulta do acto de criação e dos respectivos estatutos.
As pessoas colectivas públicas são organismos de certo modo integrados no Estado e que o auxiliam na prossecução de interesses que, em dado momento histórico, ele chamou à sua esfera de acção, e em que na ausência de precisão de critérios distintivos da realidade em causa, se deverá atender, face a cada uma das entidades colectivas, aos índices já mencionados» e que são: fim, titularidade de poderes de autoridade, criação e integração.
A criação por entidade pública de uma pessoa colectiva não nos dá, só por si, uma referência clara da natureza desta. Tão-pouco o regime, tal como resulta do acto de criação e dos respectivos estatutos. (vide PGRP00002586,em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/099a60729272c1ac80256f72003ab9c8?OpenDocument&ExpandSection=-1).
A Caixa de Previdência B… foi criada pelo DL n.º 36550, de 22/10/47, como instituição de previdência reconhecida pela Lei n.º 1884, de 16/3/35 e pertencente à categoria “caixas de reforma ou de previdência”.
Esta instituição de previdência social, como outras, foi integrada no sistema de segurança social.
As sucessivas leis sobre o sistema da segurança social sempre dispuseram que a cobrança coerciva dos valores relativos às quotizações era efectuada através execução fiscal, cabendo aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer das impugnações judiciais.
Actualmente rege o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, cujo âmbito de aplicação são todos os regimes abrangidos pelo sistema previdencial aplicáveis aos trabalhadores por conta de outrem ou em situação legalmente equiparada para efeitos de segurança social, aos trabalhadores independentes, bem como o regime de inscrição facultativa. - (artigo 1º).
O artigo 2º da lei preambular deste Código refere expressamente que o mesmo é aplicável, com as necessárias adaptações, às instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 549/77, de 31 de Dezembro.
O artigo 3º do Código estabelece o seguinte: “São subsidiariamente aplicáveis: a) Quanto à relação jurídica contributiva, a Lei Geral Tributária; b) Quanto à responsabilidade civil, o Código Civil; c) Quanto à matéria procedimental, o Código do Procedimento Administrativo; d) Quanto à matéria substantiva contraordenacional, o Regime Geral das Infrações Tributárias.”
Se à relação jurídica contributiva se aplica a Lei Geral Tributária (LGT) então é porque estão em causa relações jurídico tributárias. - (artigo 1º da LGT).
O nº 2 deste preceito prescreve:”Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas.”
O Regulamento da B…, aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, logo no seu artigo 1º, nº 2 estatui que “A Caixa rege-se pelo presente Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações.”
Assim, o mencionado Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social não é aqui afastado, antes pelo contrário.
Logo, há que concluir que as contribuições aqui em causa revestem natureza tributária pelo que são necessariamente cobradas em execução fiscal, sendo as impugnações e reclamações judiciais da competência dos tribunais tributários.
Resta apurar onde são instauradas e processadas as execuções fiscais referentes a estas contribuições.
O Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro criou as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, definiu as regras especiais daquele processo e adequou a organização e a competência dos tribunais administrativos e tributários.
Este diploma alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2014 (com republicação) - Diário da República n.º 81/2014, Série I de 2014-04-28, em vigor a partir de 2014-04-29 e pelo artigo 18.º da Lei n.º 64/2012 - Diário da República n.º 246/2012, Série I de 2012-12-20, em vigor a partir de 2012-12-21) dispõe-se: “1 - O presente diploma aplica-se ao processo de execução de dívidas à segurança social.
2 - Para efeitos do presente diploma, consideram-se dívidas à segurança social todos os montantes devidos às instituições do sistema de segurança social ou pagos indevidamente por estas a pessoas singulares, coletivas ou outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente: a) Contribuições, quotizações, taxas, incluindo as adicionais e juros; b) Prestações, subsídios e financiamentos de qualquer natureza, incluindo juros; c) Coimas e outras sanções pecuniárias, custas e outros encargos legais; d) Reposições de pagamentos indevidos efetuados por qualquer instituição do sistema de segurança social. 3 - O processo de execução de dívidas à segurança social aplica-se igualmente às situações de incumprimento relativas à obrigação de reposição de prestações de qualquer natureza pagas por fundos cujo funcionamento ou gestão, estratégica ou operacional, tenham sido legalmente entregues a instituições do sistema de segurança social.”
E o artigo 3º-A deste Dec-Lei republicado rege que “Compete ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.), a instauração e instrução do processo de execução de dívidas à segurança social”
Na realidade, não pode haver direito sem tutela jurisdicional efectiva, sendo esta um direito fundamental.
Da análise de toda a legislação explanada se apura que são as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social as competentes para presente execução, competindo ao tribunal tributário de 1.ª instância da área onde corre a execução decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e a verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos de execução. (artigo 5º do mencionado Decreto-Lei n.º 42/2001).
Portanto, a matéria em análise pertence inteiramente à jurisdição administrativa e fiscal.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida com a fundamentação expendida.
Custas pela apelante.

Porto, 11 de Julho de 2018
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante