Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3144/12.2TBPRD-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÕES LEGAIS INILIDÍVEIS
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
PROCESSO EQUITATIVO
Nº do Documento: RP201806133144/12.2TBPRD-C.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º138, FLS.173-188)
Área Temática: .
Sumário: I - Não padece de inconstitucionalidade material a alínea d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, não violando o direito constitucional a um processo equitativo a associação automaticamente da verificação dos factos nela contemplados a um juízo de insolvência culposa, uma vez que o interessado não está impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de insolvência culposa.
II - A expressão utilizada na al. d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE dirigida à disposição dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiro não se confunde, nem tem equivalente, com a transferência do direito de propriedade dos bens do devedor. A transferência ou alienação do direito de propriedade dos bens do devedor representa apenas uma forma pela qual o administrador pode dispor daqueles bens, mas há outras formas de actuação que implicam uma conduta de dispor dos bens com um alcance diferente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 3144/12.2TBPRD-C.P1
Apelação 1ª

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do presente processo de insolvência foi declarada insolvente a sociedade B…, Ld.ª por sentença proferida a 13/11/2012.
Por apenso aos autos de insolvência, veio o credor Banco C…, S.A.” requerer a qualificação da insolvência da devedora como culposa, com afectação do seu gerente D…, em virtude da sua actuação dolosa que dispôs dos bens da B… em proveito pessoal e/ou de terceiros, agravando a situação de insolvência da sociedade, como decorre da presunção inilidível estabelecida na alínea d), do n.º 2, do art. 186.º do CIRE.
Alega, em síntese, que a sociedade insolvente, representada pelo gerente D…, celebrou por escrituras públicas, seis contratos-promessa de compra e venda, com eficácia real, de 7 fracções autónomas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o n.º 4011, que se encontra hipotecado a favor do C…, negócios esses melhor descritos no art.º 2.º do requerimento inicial apresentado nos autos, e celebrados menos de 30 dias antes do início do processo de insolvência; em cada uma das referidas escrituras, as partes declararam que o preço das fracções prometidas vender se encontrava integralmente pago e que, nas datas referidas nessas escrituras, o gerente da B… teria entregue as chaves das respectivas habitações, operando assim a tradição material dos imóveis em causa; além disso, em todas os mencionados contratos-promessa foi estipulado que a escritura de compra e venda dos imóveis, livres de ónus e encargos, teria de ser marcada pela B… e realizada impreterivelmente até 31/12/2012, sob pena dos promitentes-compradores terem direito à devolução do sinal em dobro. Tais contratos-promessa, outorgados nas vésperas da declaração de insolvência da B…, foram negócios simulados, nos quais as declarações dos outorgantes nas escrituras não têm qualquer correspondência na vontade real das partes, visando enganar os credores da sociedade ora insolvente, não passando de um estratagema fraudulento, concertado entre o gerente da sociedade insolvente e os promitentes-compradores, visando impossibilitar o C… e os demais credores de satisfazerem os seus créditos através do produto da venda das mencionadas fracções. Os promitentes-compradores não entregaram à sociedade insolvente qualquer quantia a título de sinal ou pagamento antecipado do preço dos contratos de compra e venda prometidos e não receberam as chaves das fracções dos imóveis hipotecados, não tendo existido qualquer tradição dos mesmos. As escrituras acima indicadas visaram, de forma fraudulenta, a constituição de direito de retenção a favor dos créditos dos promitentes-compradores, em prejuízo do C… e dos demais credores comuns, atendendo a que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente.
O Administrador da Insolvência procedeu à junção de parecer concluindo pela qualificação da insolvência como fortuita, sustentando que os contratos promessa em causa têm natureza meramente obrigacional, destinando-se as vendas das fracções do seu património a saldar as dívidas da insolvente perante os credores, para além de entender que tais negócios não foram celebrados com dolo ou culpa grave.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de se qualificar a insolvência como fortuita, aderindo ao parecer do Sr. Administrador da Insolvência.
Por despacho de fls. 336, decidiu o Tribunal não usar da faculdade prevista no art.º 188.º n.º 5 do CIRE e determinou a citação do Requerido D….
O Requerido veio deduzir oposição à qualificação da insolvência como culposa, alegando que a situação de insolvência não foi criada ou agravada em consequência da sua actuação, mas em consequência do mercado, que os negócios celebrados pela devedora com os promitentes compradores identificados em 10º e 11º da oposição são aqueles que estão descritos na petição inicial do apenso E (impugnação da resolução dos contratos em beneficio da massa insolvente) e que actuou sempre convicto de que defendia eficazmente os interesses da sociedade devedora, sem prejudicar outrem, designadamente os bancos credores. Admite a factualidade descrita em 1 a 4 do requerimento inicial apresentado pelo credor C…, S.A., mas nega que tais contratos promessa tenham sido celebrados com simulação. Conclui que a sua conduta não integra qualquer uma das previsões dos n.ºs 2 e 3 do art.º 186.º do CIRE, devendo a insolvência ser qualificada como fortuita.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que declarou válida a instância, identificou o objecto do litígio e os Temas da Prova e admitiu os meios de prova apresentados.
Foi determinado, por não oposição das partes, que os presentes autos aguardassem a decisão a proferir na acção de impugnação da resolução dos contratos promessa de compra e venda relativos às fracções autónomas também em discussão neste processo e que constitui apenso E, com fundamento no facto de a questão que se coloca nos presentes autos quanto a tais contratos-promessa, colocar-se igualmente naquela acção de impugnação.
Foi proferida decisão no apenso E, já transitada em julgado.
Por se entender estar o Tribunal habilitado a proferir decisão, face à sentença proferida no apenso E, dispensou-se a produção de ulterior prova, com prolação imediata de sentença, o que não mereceu oposição das partes.
Foi proferida sentença que qualificou como culposa a insolvência de “B…, Lda.” e decidiu em consequência:
a) Declarar afetado pela qualificação culposa da insolvência o requerido D…, fixando-se o grau de culpa como moderado;
b) Decretar a inibição do Requerido D… para administrar patrimónios de terceiros, por um período de 3 (três) anos;
c) Decretar a inibição do Requerido D… para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 3 (três) anos;
d) Determinar a perda, pelo requerido D…, de qualquer crédito eventualmente reclamado pelo mesmo sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente;
e) Condenar o Requerido D… no pagamento de indemnização a favor dos credores, indemnização esta correspondente ao valor dos créditos não satisfeitos, reclamados e reconhecidos pelo Senhor Administrador da Insolvência aos mesmos, no âmbito do apenso de reclamação de créditos, até às forças do respectivo património e com o limite de €10.000,00.”
É com esta decisão que o Requerido não se conforma e dela vem interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que declare a insolvência como fortuita, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1ª- O recurso é interposto da sentença proferida nos autos a fls., a qual decidiu (i) qualificar a insolvência como culposa, declarando afetado o aqui recorrente, e ainda (ii) decretar as inibições das alíneas b) e c) da decisão, e a perda de créditos da alínea d), para além da condenação da alínea e) também da parte decisória;
2ª- Ao conferir-se às situações ou factos-índices elencados nas alienas a) a i) do nº2 do artigo 186º do C.I.R.E. a natureza de presunções legais, na vertente inilidível, é fundamento de violação do direito fundamental do recorrente ao processo equitativo consagrado no nº4 do artigo 20º da C.R.P.;
3ª- Para que a insolvência possa ser qualificada como culposa é necessário que a atuação do devedor tenha sido causa da situação de insolvência ou do seu agravamento, uma vez que o devedor pode ter atuado dolosamente, mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência;
4ª- Como resulta da douta decisão em apreço, é apontada ao gerente da devedora, nestes autos, que foi sempre quem representou a devedora nos contratos promessa em apreço, uma omissão da diligência média que um homem normal adota na sua conduta, ou seja, uma culpa leve ou moderada;
5ª- A culpa da entidade coletiva é a culpa de quem a representou no ato que integra a fattispecie, razão pela qual, sendo leve ou moderada a culpa do gerente autor dos atos, também leve ou moderada é a culpa da devedora, o que é causa de não verificação do pressuposto dolo ou culpa grave para a qualificação da insolvência como culposa;
6ª- A insolvente devedora dedica-se, profissional e empresarialmente, à venda de imóveis próprios, do que fazia atividade única e com o intuito do lucro, como se vê do objeto social, e as frações em apreço tinham como destino normal económico a venda, constituindo, pois, o designado património instável ou volátil, pelo que que as promessas de venda em causa inseriram-se no âmbito da utilização, uso e fruição normal do património da insolvente, consubstanciando atos de administração e não de disposição.
7ª- Não vem indiciado que a eventual diminuição da garantia patrimonial dos credores da insolvente seja correlativa de igual diminuição provinda o ato de disposição do património deste em favor do devedor ou de terceiro.
8ª- É que, para os fins em presença, só há que falar em proveito quando o ato de disposição se traduz na outorga de um beneficio sem uma justa ou legitima correspondência prestacional, pois que se existe correspondência prestacional do terceiro, não há proveito deste, mas sim o recebimento do que lhe compete, justa e legitimamente, receber;
9ª- Ao invés, a matéria de facto provada, evidencia que todos os terceiros efetuaram essa correspondência prestacional, sendo justo e legitimo receberem o bem que pagaram;
10ª- Evidencia ainda a matéria de facto que os terceiros tiveram de realizar obras de construção civil, que pagaram autonomamente do seu bolso, para poderem usar e fruir das frações contratualizadas nos contratos promessa em apreço, o que implicitamente permite concluir que a devedora nem podia tirar qualquer proveito do uso das frações;
11ª- A inexistência do requisito proveito impede a verificação deste facto-índice, e não permite concluir pela qualificação da insolvência como dolosa.
12ª- Pelas razões acima expendidas quanto às questões submetidas à douta apreciação e decisão de V.Exªs, a também douta sentença em crise deve ser revogada, qualificando-se esta insolvência como fortuita.
O Ministério Público veio apresentar contra alegações pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença proferida.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da inconstitucionalidade da interpretação do art.º 186.º n.º 2 al. a) a i) do CIRE no sentido de integrarem presunções legais inilidíveis;
- da (não)verificação dos requisitos da insolvência culposa quanto ao dolo ou culpa grave do Requerido, quando à existência de actos de disposição de bens e quanto ao proveito do devedor ou de terceiro.
III. Fundamentos de Facto
Não tendo sido impugnada a decisão da matéria de facto e não havendo lugar a qualquer alteração da mesma, de acordo com o disposto no art.º 663.º n.º 6 do C.P.C. remete-se para a decisão do tribunal de 1ª instância que considerou provados os seguintes factos que se reproduzem:
1. A sociedade “B…, Lda” foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos principais em 13-11-2012, a qual foi requerida pelo credor E…, por acção apresentada a juízo em 28-09-2012.
2. A Requerida foi constituída em 5 de Janeiro de 1994, tendo por objeto social a indústria de construção civil e obras públicas e ainda a urbanização de terrenos, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim, com o capital social de 224.459,04 euros, composto, desde 5/08/2010, por uma quota social no valor nominal de €112.229,52, titulada por F… e uma quota social no valor nominal de €112.229,52, titulada por G…, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente, tendo sido nomeado, em 31/01/2012, como gerente, D….
3. No apenso de reclamação de créditos (apenso B) foram reclamados e reconhecidos pelo Senhor Administrador da Insolvência créditos no montante global de €13.754.753,59.
4. Em 05-11-2012, a ré, através do seu gerente, prometeu vender a H…, I…, J… e K…, que prometeram comprar, uma fracção autónoma designada pelas letras “AG”, correspondente a uma habitação do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …, …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011.
5. Em 31-08-2012, a ré, através do seu gerente, prometeu vender a L…, que prometeu comprar, uma fracção autónoma designada pela letra “V”, correspondente a uma habitação do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., ….., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011.
6. Em 05-09-2012, a ré, através do seu gerente, prometeu vender a M…, LDA., que prometeu comprar, uma fracção autónoma designada pela letra “W”, correspondente a uma habitação do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011, e as fracções autónomas designadas pelas letras “I” e “L”, correspondentes a habitações e suas dependências, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números .., .., .., .. e .., apoiada na Rua …, números …, …, …, …, …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9154 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2982.
7. Em 26-09-2012, a ré, através do seu gerente, prometeu vender a N…, LDA., que prometeu comprar, as fracções autónomas designadas pelas letras “AN” e AQ”, correspondente a habitações, ambas do prédio urbano sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº 4011, a fracção autónoma designada pela letra “J” correspondente a habitação do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números .., .., .., .. e .., apoiada na Rua …, números …, …, …, .., …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9154 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2982, e a fracção autónoma designada pela letra “R”, correspondente a habitação do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números .., .. e .., apoiada na Rua …, números …, …, …, …, …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9293 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº1991.
8. Em 27-09-2012, a ré prometeu vender a N…, LDA., que prometeu comprar, uma fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente a um estabelecimento e uma fracção autónoma designada pelas letras “AC”, correspondente a uma habitação, ambas do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011, e a fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente a uma habitação do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números .., .. e .., apoiada na Rua …, números …, …, …, …, …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9293 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº1991.
9. Em 07-11-2012, a ré prometeu vender a N…, LDA., que prometeu comprar, uma fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente a um estabelecimento do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números .., .., .., .. e .., apoiada na Rua .., números …, …, …, …, …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9154 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2982.
10. Em 11-09-2012, a ré prometeu vender a O…, que prometeu comprar, uma fracção autónoma designada pela letra “AH”, correspondente a uma habitação do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011.
11. Por cartas registadas com aviso de recepção, todas elas datadas de 17-05-2013, o administrador da insolvência procedeu à resolução incondicional dos contratos promessa supra identificados, as quais se mostram juntas aos autos de impugnação de resolução – apenso E – a fls. 210 a 214 e cujo teor se dá por reproduzido.
12. Em 19-8-2013, H…, I…, J…, K…, L…, M…, LDA., N…, LDA., e O…, vieram, nos termos do disposto no artigo 125° do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, interpor acção de impugnação da resolução efectuada pelo Sr. Administrador da Insolvência contra a MASSA INSOLVENTE DE “B…, LDA.”, a qual foi julgada totalmente improcedente, por sentença proferida em 28-7-2013, já transitada em julgado – apenso E.
13. Resultaram provados na Sentença proferida no apenso E, para além do referido em 4 a 11, os seguintes factos:
“14. Em 15/11/2001, os 1ºs autores [H…, I…, J…, K…] venderam à insolvente, que lhes comprou, um imóvel, conforme tudo se vê da escritura pública de fls.9 do Livro 496B do então Cartório público de Ovar, junta a fls. 61 a 64 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15. Desse preço, a insolvente ficou a dever aos 1ºs autores a quantia de PTE40.000.000$00, hoje e por via da conversão oficial na nova moeda corrente em Portugal, a quantia de €199.519,15.
16. A insolvente não pagou, total ou parcialmente, a quantia de €199.519,15 aos 1ºs autores.
17. Em 17-2-2010, a insolvente prometeu vender aos 1ºs autores, que prometeram comprar, a fracção autónoma designada pelas letras “AG”, correspondente a uma habitação tipo T3 do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011.
18. O preço acordado no contrato promessa foi de €:175.000,00.
19. O preço foi consignado como pago pelos 1ºs autores à insolvente, por via da compensação parcial com igual quantia do crédito que os 1ºs autores detinham e exarado na acima identificada escritura pública, à qual conferiram o carácter de sinal.
20. A escritura notarial definitiva de compra e venda seria marcada pela insolvente, devendo esta avisar os 1ºs autores do dia, hora e local da outorga, através de carta registada com uma antecedência de 15 dias.
21. Em execução do contrato promessa, a insolvente entregou aos 1ºs autores as chaves da fracção autónoma designada pelas letras “AG” e suas pertenças, que os 1ºs autores dela receberam, pelo que os 1ºs autores passaram a usar, gozar e fruir dessa fracção a partir da identificada data de 17-02-2010.
22. Como resulta ainda do contrato promessa, os 1ºs autores e a insolvente convencionaram que a escritura definitiva referente ao contrato promessa seria celebrada até ao dia 31-05-2011, prazo a que atribuíram a natureza de prazo limite e absoluto para a celebração da escritura.
23. Até ao dia 31-05-2011, a insolvente não designou dia, hora e local para a outorga da escritura definitiva de compra e venda da fracção autónoma referida no contrato, e dela não avisou os 1ºs autores.
24. A insolvente não designou dia, hora e local para a outorga da escritura pública de venda da fracção aos 1ºs autores.
25. Pelo que, os 1ºs autores, nos termos do contrato, resolveram este, e exigiram da insolvente o pagamento do dobro do sinal prestado, ou seja, da quantia de €:350.000,00.
26. Em 15-10-2010, o 2º autor [K…], prometeu vender, e a insolvente prometeu comprar, o prédio urbano sito na Rua …, nº…, freguesia de …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 1513 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 50190.
27. Pelo preço de €150.000,00 que a insolvente se obrigou a pagar no acto da escritura definitiva, a qual deveria ser outorgada até ao dia 30-06-2011, data convencionada como prazo limite e absoluto para a assinatura pelas partes do contrato definitivo.
28. A insolvente, que estava obrigada a designar o dia, hora e local para a outorga da escritura com o 2º autor, mas não o fez até ao dia 30-06-2011, incumpriu definitivamente esse contrato, em razão do que se constituiu devedora da cláusula penal convencionada para o caso de incumprimento do contrato, no montante de €75.000,00.
29. Em 20-09-2011 e por acordo escrito celebrado entre a insolvente e o 2º autor, este aceitou reduzir à quantia de €65.000,00 o valor da mencionada cláusula penal, e a insolvente obrigou-se a pagá-la até ao dia 20-01-2012, e caso não o fizesse, convencionaram que tal quantia seria havida como sinal e pagamento do preço de €70.500,00 da fracção autónoma designada pela letra “V”, correspondente a uma habitação do tipo T-Um no quarto andar, e lugar de aparcamento e arrumos na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 - V e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011-… - V.
30. A insolvente não mais pagou ao 2º autor a quantia de 65.000,00 euros até ao dia 20-01-2012.
31. Nessa data de 20-01-2012, a insolvente prometeu vender ao 2º autor, que prometeu comprar, a fracção “V” acima identificada nos termos do contrato que celebraram.
32. A insolvente não designou dia, hora e local para a outorga da escritura definitiva, pelo que incorreu em incumprimento definitivo do contrato em virtude de o prazo convencionado possuir natureza peremptória, ou seja, era o prazo limite e absoluto para que a insolvente cumprisse a sua obrigação.
33. O 2º autor, face ao incumprimento e apesar de não se revelar necessário, procedeu à resolução do contrato, e reclamou o pagamento da quantia de €130.000,00, equivalente ao dobro do sinal prestado.
34. Em simultâneo com a outorga do contrato promessa de compra e venda com eficácia real e tradição do objecto que o Administrador da Insolvência resolveu, o 2º autor pagou, como reforço de sinal, a quantia de cinco mil euros, que a insolvente dele recebeu e da qual deu quitação.
35. Por escrito particular datado de 28-05-2009, a 3ª autora [M…, LDA.], adquiriu à 4ª autora [N…, LDA.] a parte de €:470.000,00 do crédito que esta detinha sobre a insolvente.
36. Do que a insolvente ficou ciente.
37. Em 30-06-2009 e por acordo escrito celebrado entre a insolvente e a 3ª autora, foi acordada a forma de pagamento da divida de €470.000,00, em onze prestações trimestrais, iguais e sucessivas de quarenta mil euros cada uma e ainda uma prestação de trinta mil euros, vencendo-se a primeira em 30/09/2009 e as demais no último dia dos trimestres seguintes, e caso a insolvente não pagasse, convencionaram que tal quantia seria havida como sinal e pagamento do preço de €117.000,00 da fracção autónoma designada pela letra “W” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011, do preço de €126.000,00, €170.000,00 e €135.000,00 das fracções autónomas designadas pelas letras “I”, “P” e “AB” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2982.
38. A insolvente não pagou à 3ª autora nenhuma das prestações do predito acordo.
39. Em 15-09-2010, a insolvente prometeu vender à 3ª autora, que prometeu comprar, uma fracção autónoma designada pela letra “W”, correspondente a uma habitação do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011, e as fracções autónomas designadas pelas letras “I” e “L”, correspondentes a habitações e suas dependências, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números .., .., .., .. e .., apoiada na Rua …, números …, …, …, …, …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9154 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2982.
40. Em 26-01-2012, a insolvente e a 3ª autora procederam à alteração das convenções do contrato promessa datado de 15-09-2010, estabelecendo-se uma condição essencial no contrato consistente na fixação do prazo até ao dia 31-05-2012 como prazo limite para a outorga da escritura definitiva, clarificando-se desde logo que ocorreria incumprimento definitivo do contrato pela insolvente caso esta não marcasse a escritura definitiva até esse dia 31-05-2012.
41. A insolvente nunca marcou a escritura definitiva até ao dia 31-05-2012 ou até um qualquer outro dia: pura e simplesmente nunca a designou.
42. A 3ª autora resolveu o contrato promessa e seu aditamento celebrados com a insolvente e exigiu-lhe o pagamento de quantia igual ao dobro do sinal prestado ou seja, da quantia de €:732.000,00.
43. Por escrito particular datado de 30-04-2009, a 4ª autora, adquiriu a P…, Ldª, a parte de €1.203.000,00 do crédito que esta detinha sobre a insolvente.
44. Do que a 1ª ré ficou ciente.
45. A insolvente contratou com a P…, Ldª a execução da empreitada de construção civil, envolvendo, entre o mais, o fornecimento de materiais e mão-de-obra para a edificação dos empreendimentos da 1ª ré conhecidos por Edifício …, situado em …, Ovar, Edifício “…”, “…” e “…” situados em Vila Nova de Gaia.
46. O crédito cedido estava titulado pelas facturas nºs .... no valor de €60.500,00, 2006 no valor de €33.346,75, 2008 no valor de €159.952,32, 2012 no valor de €99.843,15, 2013 no valor de €54.601,25, 2014 no valor de €21.967,55, 2018 no valor de €60.469,75, 2019 no valor de 33.940,50, 2020 no valor de €32.113,90, 2025 no valor de €18.360,00,2026 no valor de €42.696,00, 2027 no valor de €44.862,00, 2034 no valor de €30.420,00, 2037 no valor de €34.776,00, 2038 no valor de €21.093,00, 2039 no valor de €45.896,50, 2041 no valor de €30.000,00, 2046 no valor de €17.424,00, 2047 no valor de €30.396,00, 2048 no valor de €24.480,00, 2049 no valor de €6.000,00, 2053 no valor de €144.000,00 e 2059 no valor de €156.000,00.
47. Em 30-06-2009 e por acordo escrito celebrado entre a insolvente e a 4ª autora, foi acordada a forma de pagamento da dívida de €730.000,00, em onze prestações trimestrais, iguais e sucessivas de sessenta mil euros cada uma e ainda uma prestação de setenta mil euros, vencendo-se a primeira em 30/09/2009 e as demais no último dia dos trimestres seguintes, e caso a insolvente não pagasse, convencionaram que tal quantia seria havida como sinal e pagamento do preço de €52.500,00 da fracção autónoma designada pela letra “G”, de €107.000,00 da fracção designada pelas letras “AC”, de €70.000,00 da fracção autónoma designada pelas letras “AN” e €92.000,00 da fracção autónoma designada pelas letras “AQ” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011, do preço de €102.900,00 da fracção autónoma designada pela letra “H”, de €120.000,00 da fracção designada pela letra “J”, ambos do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2982, e do preço de €96.000,00 da fracção autónoma designada pela letra “N”, de €91.000,000 da fracção designada pela letra “R”, ambos do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº1991.
48. A insolvente não pagou à 4ª autora nenhuma das prestações do predito acordo.
49. Em 15-09-2010, a insolvente prometeu vender à 4ª autora, que prometeu comprar, as fracções autónomas designadas pelas letras “G”, “AC”, “AN” e “AQ” todas do prédio urbano, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., … e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011, as fracções autónomas designadas pelas letras “H” e “J” ambas do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números 15, 35, 39, 45 e 49, apoiada na Rua …, números …, …, …, …, …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9154 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2892, e das fracções autónomas designadas pelas letras “N” e “R”, ambas do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua sem denominação oficial números .., .. e .., apoiada na Rua …, números …, …, …, …, …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 9293 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº1991.
50. Em 26-01-2012, a insolvente e a 4ª autora procederam à alteração das convenções do contrato promessa datado de 15-09-2010, estabelecendo-se uma condição essencial no contrato consistente na fixação do prazo até ao dia 31-05-2012 como prazo limite para a outorga da escritura definitiva, clarificando-se desde logo que ocorreria incumprimento definitivo do contrato pela insolvente caso esta não marcasse a escritura definitiva até esse dia 31-05-2012.
51. A insolvente nunca marcou a escritura definitiva até ao dia 31-05-2012 ou até um qualquer outro dia: pura e simplesmente nunca a designou.
52. A 4ª autora resolveu o contrato promessa e seu aditamento celebrados com a insolvente e exigiu-lhe o pagamento de quantia igual ao dobro do sinal prestado, ou seja, da quantia de €1.460.000,00.
53. Em Novembro de 2008, a 5ª autora [O…] extinguiu, por divórcio, o casamento com Q…, com quem foi casada em comunhão de adquiridos.
54. A 5ª autora e seu ex-marido acordaram, no âmbito da partilha do património comum do ex-casal, em atribuir à 5ª autora o crédito que a sociedade detida pelo ex-cônjuge da 5ª autora detinha sobre a insolvente no valor de €95.000,00, proveniente da execução de empreitadas de pintura em obras de construção civil promovidas pela insolvente de acordo com as respectivas actividades e objectos sociais.
55. Por contrato promessa de compra e venda celebrado entre a 5ª autora e a insolvente, esta prometeu vender e a 5ª autora prometeu comprar uma fracção autónoma designada pelas letras “AH”, correspondente a uma habitação Tipo T2, localizada no quinto andar esquerdo da entrada nº…, com entrada pelo número 36 da Rua … do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado “Edifício …“, sito no … da Avenida …, números …./…., …., …., …. e Rua …, números .., .., .. e .., freguesia de …, concelho de Ovar, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 6063 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº4011.
56. Este contrato foi alterado nos termos do contrato de 27-01-2012.
57. A escritura notarial definitiva de compra e venda seria marcada pela insolvente, devendo esta avisar a 5ª autora do dia, hora e local por carta registada com uma antecedência de 15 dias.
58. Como resulta ainda do contrato, a 5ª autora e a insolvente acordaram em que a escritura definitiva referente ao contrato promessa seria celebrada até ao dia 31-03-2012, prazo a que atribuíram a natureza de prazo limite e absoluto para a celebração da escritura.
59. Até ao dia 31-03-2012, a insolvente não designou dia, hora e local para a outorga da escritura definitiva de compra e venda da fracção autónoma referida no contrato, e dela não avisou a 5ª autora.
60. A insolvente não designou dia, hora e local para a outorga da escritura pública de venda da fracção com a 5ª autora.
61. Pelo que, a 5ª autora, nos termos do contrato, resolveu o contrato, e exigiu da insolvente o pagamento do dobro do sinal prestado, ou seja, da quantia de €190.000,00.
62. Pelo menos desde 17/02/2010 e até hoje que os 1ºs autores usam, gozam e fruem da referida fracção autónoma que a insolvente lhes entregou nos termos do contrato promessa.
63. O que os 1ºs autores fazem por forma consecutiva à vista de todos e sem oposição de ninguém, e na convicção de que exercem, em exclusivo benefício e no seu próprio interesse, direito próprio, e que não lesam direito de outrem, designadamente da ré.
64. Os 1ºs autores realizaram a suas expensas obras de modificação da fracção “AG”, e instalaram o respectivo fornecimento de electricidade e água.
65. Os 1ºs autores detêm materialmente a fracção que prometeram comprar à insolvente, conservando-a, mantendo-a e dela dispondo como querem, sem qualquer reserva ou oposição de quem quer que seja, designadamente da ré.
66. Os 1ºs autores pagam a taxa de condomínio.
67. Na fracção e com o consentimento dos demais 1ºs autores reside o 1º autor K…, que nela pernoita, toma e confecciona as suas refeições, recebe conhecidos e amigos, passa as horas de lazer.
68. Os 1ºs autores mantêm o uso, gozo e fruição da fracção e seus pertences como vinham fazendo ao abrigo do contrato de 17-2-2010, nos termos deste e até hoje.
69. Desde data não concretamente apurada do ano de 2012, o 2º autor recebeu as chaves da fracção “V” e suas pertenças, e passou a usar, gozar e fruir da habitação e seus pertences, como se de coisas suas se tratasse, e na convicção de que exerce este direito em benefício próprio, e que com ele não lesa direito de outrem.
70. Desde então o 2º autor usa, goza e frui da fracção supra descrita por forma consecutiva, à vista de todos e sem oposição de ninguém, na convicção de que exerce, em exclusivo benefício e no seu próprio interesse, um direito próprio, e que não lesa direito de outrem, designadamente da ré.
71. O 2º autor fez obras de construção civil na fracção, que pagou do seu bolso, e procura dar de arrendamento a terceiro.
72. Para tanto, o 2º autor tem feito deslocar ao local vários mediadores imobiliários, que visitam a fracção com interessados em arrendá-la, sem qualquer restrição ou reserva, designadamente da ré.
73. O 2º autor paga a electricidade e a taxa de condomínio da fracção.
74. Desde data não concretamente apurada do ano de 2012, a insolvente entregou à 3ª autora, que dela recebeu, todas as chaves de todos os imóveis identificados no contrato promessa e seu adiamento, pelo que a 3ª autora passou a usar, gozar e fruir dos imóveis e seus pertences como se de coisas suas se trate.
75. Desde então a 3ª autora usa, goza e frui dos imóveis descritos, por forma consecutiva, à vista de todos e sem oposição de ninguém, na convicção de que exerce, em exclusivo benefício e no seu próprio interesse, um direito próprio, e que não lesa direito de outrem, designadamente da ré.
76. Tal convicção advém-lhe também do facto de os preços dos imóveis referidos no contrato promessa em crise estarem integralmente pagos, pois que à data em que foi celebrado o contrato, toda a divida da insolvente para com a 3ª autora estava vencida e era exigível, e os respectivos valores havidos como sinais e princípio de pagamento dos preços dessas fracções, como convencionado.
77. A 3ª autora realizou a suas expensas obras de modificação nas fracções referidas, com vista ao arrendamento delas, designadamente reparação de portas e pinturas, requereu luz para as mesmas e paga a taxa de condomínio.
78. A 3ª autora arrendou algumas das fracções a terceiros.
79. A 3ª autora paga a electricidade dos imóveis.
80. Em data não concretamente apurada mas no decurso de 2012, a insolvente entregou à 4ª autora, que dela recebeu, todas as chaves de todos os imóveis identificados no contrato promessa em apreço e seu adiamento, pelo que a 4ª autora passou a usar, gozar e fruir dos imóveis e seus pertences como se de coisas suas se trate.
81. Desde então a 4ª autora usa, goza e frui dos imóveis descritos por forma consecutiva, à vista de todos e sem oposição de ninguém, na convicção de que exerce, em exclusivo benefício e no seu próprio interesse, um direito próprio, e que não lesa direito de outrem, designadamente da ré.
82. Tal convicção advém-lhe também do facto de os preços dos imóveis referidos no contrato promessa em crise estarem integralmente pagos, pois que à data em que foi celebrado o contrato, toda a divida da insolvente para com a 4ª autora estava vencida e era exigível, e os respectivos valores havidos como sinais e princípio de pagamento dos preços dessas fracções, como convencionado.
83. A 4ª autora realizou a suas expensas obras de modificação nas fracções referidas, com vista ao arrendamento delas, designadamente reparação de portas e pinturas, requereu luz para as mesmas e paga a taxa de condomínio.
84. A 4ª autora arrendou algumas das fracções a terceiros.
85. A 4ª autora paga a electricidade dos imóveis.
86. Em execução do contrato, em data não concretamente apurada do ano de 2012, a insolvente entregou à 5ª autora as chaves da fracção autónoma designada pelas letras “AH” mencionada, e suas pertenças, que a 5ª autora dela recebeu, pelo que esta passou a usar, gozar e fruir dessa fracção.
87. Desde então e até hoje que a 5ª autora usa, goza e frui da fracção autónoma “AH” acima mencionada que a insolvente lhe entregou, o que faz por forma consecutiva, à vista de todos e sem oposição de ninguém, e na convicção de que exerce, em exclusivo benefício e no seu próprio interesse, direito próprio, e que não lesa direito de outrem, designadamente da ré.
88. A 5ª autora realizou a suas expensas obras de modificação e conservação da identificada fracção “AH”, e instalou o respectivo fornecimento de electricidade e água.
89. A 5ª autora detém materialmente a fracção que prometeu comprar à insolvente, conservando-a, mantendo-a e dela dispondo como quer, sem qualquer reserva ou oposição de quem quer que seja, designadamente da ré.
90. A 5ª autora paga a taxa de condomínio.
91. A 5ª autora mantém o uso, gozo e fruição da fracção e seus pertences como vinha fazendo e até hoje, da forma descrita.”
IV. Razões de Direito
- da inconstitucionalidade da interpretação do art.º 186.º n.º 2 al. a) a i) do CIRE no sentido de integrarem presunções legais inilidíveis
Alega o Recorrente que o conferir-se às situações elencadas nas al. a) a i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, a natureza de presunções legais inilidíveis viola o direito fundamental a um processo equitativo previsto no art.º 20.º n.º 4 da CRP.
Na decisão recorrida a insolvência foi qualificada como culposa, por verificação da previsão da al. d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE tendo o tribunal a quo considerado que tal faz presumir não só a existência de culpa, mas também da causalidade entre a actuação e a criação ou agravamento do estado de insolvência.
Importa então avaliar se a interpretação da norma neste sentido é materialmente inconstitucional.
A insolvência pode ser fortuita ou culposa, conforme decorre do art.º 185.º do CIRE.
O incidente da qualificação da insolvência como culposa representa uma responsabilização do insolvente, do devedor ou dos administradores da pessoa colectiva, perante a criação ou o agravamento de uma situação de degradação patrimonial, económica ou financeira da empresa, sem que haja uma iniciativa de a definir, com prejuízo para os credores.
A noção de insolvência culposa vem prevista no art.º 186.º do CIRE que, no seu n.º 1 dispõe: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”
Já o n.º 2 deste artigo acrescenta: “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º.
Por seu turno, o n.º 3 deste artigo consagra uma presunção de culpa grave quando constatadas as situações previstas nas suas alíneas, que são o incumprimento, por parte do devedor:
a) de requerer a declaração de insolvência,
b) da obrigação de elaborar as suas contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
É pacífico que para a qualificação da insolvência como culposa nos casos previstos no n.º 3, se exige ainda a prova do nexo de causalidade entre a actuação presumida e a situação de insolvência prevista no n.º 1 do art.º 186.º do CIRE, mas já não ocorre tal exigência no caso das situações previstas do n.º 2- vd. neste sentido, entre outros e a título de exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/07/2009, in. www.dgsi.pt.
De acordo com a previsão do n.º 1 do art.º 186.º do CIRE, é necessária a verificação de três requisitos para que possa concluir-se que a insolvência é culposa:
- que tenha havido comportamentos que tenham criado ou agravado a situação de insolvência;
- que tal conduta seja dolosa, ou pelo menos que haja culpa grave;
- que tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo.
Tal como nos diz o Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 9/10/2014, in. www.dgsi.pt: “A culpa do devedor ou dos seus administradores decorre de um juízo de censurabilidade, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhes seja dirigida essa censura. A censurabilidade da conduta é uma apreciação de desvalor que resulta do reconhecimento de que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que actuaram, sempre poderiam ter agido e ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente. A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados. O desvalor que fundamenta a ilicitude da conduta do devedor ou dos seus administradores encontra-se no resultado: a criação ou agravamento da situação de insolvência.
O n.º 2 do artigo em questão vem consagrar nas suas diversas alíneas o que têm vindo a ser qualificadas de presunções juris et de jure de insolvência culposa, ou seja, verificada qualquer uma das circunstâncias aí previstas o juiz deve qualificar a insolvência como culposa, enquanto, diferentemente no n.º 3 o legislador vem apenas estabelecer uma presunção de culpa grave, ilidível mediante prova em contrário, sendo ainda necessário que as circunstâncias aí previstas tenham criado ou agravado a situação de insolvência da empresa, nos termos previstos no n.º 1 – vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/04/2009 no proc. 369/07.6TBCDN-B.C1 ou Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/12/2016, no proc. 262/15.9T8AMT-D.P1, ambos in. www.dgsi.pt.
É contra esta interpretação, que foi a seguida na sentença recorrida, que se insurge o Recorrente, defendendo que o direito a um processo equitativo, previsto no art.º 20.º n.º 4 da CRP, impõe que a parte possa apresentar e provar as suas razões de facto e de direito que afastem a presumida qualificação da insolvência como culposa.
O art.º 20.º da CRP sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” vem dispor no seu n.º 1 que: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. O n.º 4 deste artigo, que é invocado pelo Recorrente, estabelece que: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
É o Código Civil que nos vem dar a noção de presunção, no art.º 349.º como uma ilação que a lei (no caso de presunção legal) ou o julgador retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. A presunção tem sempre na sua base um ou mais factos que a parte tem sempre a possibilidade de contrariar, de modo a evitar que dele se retire a conclusão da existência do facto desconhecido.
Sobre esta questão da inconstitucionalidade das normas do art.º 186.º n.º 2 do CIRE vale a pena ponderar e recolher os ensinamentos precisamente da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que sobre ela já se pronunciou, decidindo no sentido em que não as considerar afectadas por um juízo de inconstitucionalidade.
Diz-nos o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 570/2008 proferido no processo 217/08 que decidiu não julgar inconstitucional a norma da al. a) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE: “(…) é duvidoso que na previsão do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE se instituam verdadeiras presunções. Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa.
De todo o modo, numa ou noutra perspectiva (presunção inilidível de culpa, factos-índice ou tipos secundários de insolvência culposa), o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adopção das medidas restritivas previstas no artigo 189.º do CIRE contra os administradores julgados responsáveis pela insolvência. Ora, mais do que a determinação da natureza da norma (estabelecimento de uma presunção juris et de jure ou qualificação jurídica dos factos tipificados), o que é decisivo para a questão de constitucionalidade suscitada é que, perante a prova de determinados comportamentos dos administradores da sociedade insolvente, se conclui pela verificação desse requisito, sem necessidade, nem sequer possibilidade, de um juízo casuístico efectuado pelo julgador perante todo o circunstancialismo do caso concreto.
É esta consequência jurídica, esta limitação do campo de valoração judicial autónoma do significado normativo da conduta prevista e, correspondentemente, do âmbito da defesa potencial do interessado, que importa confrontar com as normas e princípios constitucionais alegadamente violados.
A garantia da via judiciária para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos envolve, não apenas a atribuição aos interessados de um direito de acção judicial, mas também o direito a um processo equitativo (n.º 4, do artigo 20.º, da C.R.P.). Neste direito inclui-se a proibição da indefesa, ou seja, a exigência de que o processo seja estruturado de tal modo que não impeça as partes de apresentar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas e de controlar as provas do adversário e de discretear sobre os resultados de umas e outras (cf., referindo outros, acórdão n.º 658/06, www.tribunalconstitucional.pt).
Isso não obsta, porém, a que o legislador estabeleça presunções iuris et iure, com as consequentes limitações ao âmbito da prova dos factos que as poderiam infirmar, desde que as mesmas visem atingir um fim legítimo e não se revelem desproporcionadas.
Ora, o estabelecimento da presunção em análise tem a vantagem de evitar a subjectividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, ao mesmo tempo que supera as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência. São objectivos perfeitamente legítimos, alicerçados não só em razões de segurança jurídica, mas também de justiça material, que justificam uma limitação ao âmbito de apreciação e, consequentemente, ao objecto de prova, mediante a imposição normativa (ex vi legis) de uma conclusão jurídica, perante a verificação de certos factos que o interessado pode discutir nos termos gerais.
Na previsão normativa em apreciação, o facto que o legislador considerou suficiente para impor a qualificação da insolvência como culposa foi a destruição, danificação, inutilização, ocultação, ou desaparecimento, no todo ou em parte considerável, do património do devedor. Ora, a prática de actos que determinem a perda ou subtracção de parte considerável dos bens que constituíam o património do comerciante em quebra, caracterizando-se a situação de insolvência por uma incapacidade do devedor de cumprimento das suas obrigações vencidas (artigo 3.º do C.I.R.E.), é determinante dessa insolvabilidade, num juízo de adequação social normativo (Carneiro da frada, ob. cit. pág. 966). Perante tais factos, credencia-se como razoável e adequado que, sem mais, o legislador considere a situação de insolvência culposa, para os referidos efeitos (Repare-se que a qualificação atribuída não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou de responsabilidade civil – cfr. artigo 185.º do C.I.R.E.). São tão flagrantemente reprováveis e aptos para causar a situação de insolvência que a indiscutibilidade do inerente juízo de culpa se revela adequada aos fins em vista com a qualificação da falência.
Pode, pois, concluir-se que os objectivos visados com o estabelecimento da automática inerência do juízo normativo de culpa à prova da verificação da situação descrita no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do C.I.R.E., são legítimos e que essa automaticidade ex vi legis se revela adequada, necessária e razoável, como meio de atingir esses objectivos, sem que o núcleo essencial da exigência constitucional do processo equitativo seja atingido, pelo que a respectiva norma não se mostra ferida de inconstitucionalidade.”
A avaliação que aqui é feita para a previsão da al. a) pode estender-se à previsão das restantes alíneas do n.º 2 do art.º 186.º, já que todas elas contemplam situações de tal forma graves e adequadas a causar ou a agravar a situação de insolvência do devedor, que impõem a formulação de um juízo de censura ou, no dizer do acórdão citado, “a indiscutibilidade do inerente juízo de culpa se revela adequada aos fins em vista com a qualificação da falência.”
Com referência às diversas situações previstas nas várias alíneas do art.º 186.º n.º 2 do CIRE, naturalmente que o interessado não está impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de uma insolvência culposa, estando dessa forma garantida a existência de um processo equitativo, que não é posto em causa pela circunstância de se associar à verificação daquelas condutas um necessário juízo de culpa e de causalidade que prescinde da sua avaliação em cada caso.
Pode assim dizer-se que a prova dos factos contemplados nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE faz presumir a insolvência como culposa, o que deve ser declarado pelo juiz, sem necessidade de avaliação em concreto quer do nexo de causalidade entre tal facto e a criação ou agravamento da situação da insolvência, quer da culpa – vd. neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/09/2016 no proc. 612/14.5TBVIS-B.C1 in. www.dgsi.pt
Conclui-se pelo exposto que as normas invocadas pelo Recorrente não padecem de inconstitucionalidade material por não violarem o direito constitucional a um processo equitativo, ao associar automaticamente a verificação dos factos nelas contemplados a um juízo de insolvência culposa.
- da (não) verificação dos requisitos da insolvência culposa quanto ao dolo ou culpa grave do Requerido, quando à existência de actos de disposição de bens e quanto ao proveito do devedor ou de terceiro.
Entende o Recorrente que os factos provados não permitem concluir pela verificação da previsão do art.º 186.º n.º 2 al. d) do CIRE, por não terem existido actos de disposição de bens da sociedade mas de mera administração, não estando também provado o proveito pessoal ou de terceiro, nem que o mesmo actuou com culpa grave.
A sentença recorrida qualificou a insolvência como culposa fazendo funcionar a presunção legal, alicerçada na verificação da previsão do art.º 186 n.º 2 al. d) do CIRE, considerando os vários contratos promessa celebrados com tradição dos imóveis, como disposição de bens da devedora em proveito de terceiro.
Já se referiu, na apreciação da questão anterior a interpretação que deve ser dada ao art.º 186.º n.º 2 do CIRE ao reportar-se à insolvência culposa, e que nos escusamos de repetir, apenas se lembrando que, dispondo as várias alíneas do n.º 2 sobre as diversas circunstâncias que a verificarem-se determinam sempre que se considere a insolvência culposa, fica dispensado a avaliação da culpa e do nexo de causalidade em concreto.
A questão suscitada pelo Recorrente relativamente à avaliação da sua culpa no caso fica assim prejudicada pela decisão de não considerar inconstitucional a interpretação da norma em questão nesse sentido, concluindo-se que deve ser declarada a insolvência como culposa desde que se verifiquem os pressupostos previstos nas suas várias alíneas.
Na situação em presença está apenas em causa a previsão da al. d) do n.º 2 que o tribunal a quo considerou preenchida pelo que é apenas à sua avaliação que nos iremos ater, orientada para as discordâncias manifestadas pelo Recorrente
De acordo com o art.º 186.º n.º 2 al. d): “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.”
Os factos provados que estão em causa como integrando a previsão desta norma, referem-se à celebração de sete contratos promessa de compra e venda de imóveis, abrangendo um total de 14 fracções autónomas propriedade da insolvente, com a entrega efectiva dos bens aos promitentes compradores que deles passaram a usar e fruir, com a particularidade do pagamento do preço dos imóveis pelos promitentes compradores se considerar sempre feito pelo encontro de dívidas da insolvente para com eles.
A expressão utilizada na al. d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE dirigida à disposição dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiro não se confunde, nem tem equivalente, com a transferência do direito de propriedade dos bens do devedor. A transferência do direito de propriedade dos bens do devedor representa apenas uma forma pela qual o administrador pode dispor daqueles bens, mas há outras formas de actuação que implicam uma conduta de dispor dos bens com um alcance diferente. Pode dizer-se que o administrador dispõe também dos bens do devedor quando, designadamente, sobre eles constitui outros direitos menores (comodato, usufruto, arrendamento, etc.) ou quando os limita com algum ónus ou garantia que sobre eles passam a incidir (hipoteca, penhor, etc.).
Afigura-se, por outro lado, que a dicotomia que o Recorrente invoca entre actos de administração e de disposição, para concluir que a celebração dos contratos promessa em questão, com a tradição dos imóveis, se trataram de meros actos de administração integrados na actividade normal e no objecto social da devedora, não tem qualquer aplicação caso. Pelo contrário, o que se verifica é que pode haver actos de administração do património da devedora pelo seu administrador que sempre implicam que este disponha daqueles bens na asserção da norma em causa. Outro entendimento implicaria até que, em última análise, nem a venda de imóveis pudesse ser considerada um acto de disposição de bens, porque integrado na actividade societária da devedora e na administração do seu património.
O comportamento de um administrador de colocar à sua disposição ou de terceiros os bens da sociedade que administra, nomeadamente com a outorga de um qualquer contrato que tenha como objecto aqueles bens, constitui um acto de disposição desses mesmos bens, ainda que não haja transferência do direito de propriedade sobre eles. O direito de propriedade dos bens mantém-se na sua esfera jurídica mas agora desvalorizado por força da limitação determinada por aqueles actos de disposição que têm como contrapartida o benefício correspondente do próprio ou de terceiros.
A disposição dos bens do devedor pessoa colectiva pelos seus administradores, em proveito pessoal ou de terceiro, prevista na norma mencionada, não pode ser interpretada tão restritivamente como pretende o Recorrente, no sentido de se referir apenas a um comportamento dirigido para os casos em que há uma transferência do direito de propriedade dos bens da devedora para o administrador ou para terceiro em seu benefício. Essa é apenas uma das situações que podem integrar-se naquela norma e seria uma interpretação redutora daquela previsão tal entendimento, que se crê não ser consentida pela mesma, já que limita o significado da expressão “disposição de bens”.
No que consideramos ser a melhor interpretação desta norma, diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/09/2017 no proc. 7353/15.4T8VNG-A.P1 in. www.dgsi.pt : “Efectivamente, o proveito pessoal ou de terceiros compreende todas as situações em que os bens da sociedade insolvente são colocados à disposição do administrador ou de terceiros, ou seja, a previsão legal é preenchida não apenas quando por negócio jurídico a titularidade do direito sobre os bens da insolvente é transferida para o administrador ou para terceiros, mas também quando, independentemente disso, é consentido a estes que usem os bens, que deles retirem proveito e utilidade em benefício próprio e esta fica, na prática, numa situação equivalente à de não ser proprietária desses bens ou de não ter qualquer direito de gozo dos mesmos.”
Em conclusão, considera-se que pode haver actos de administração de uma empresa, que não obstante se integrem no âmbito do desenvolvimento normal da sua actividade societária, são em simultâneo actos de disposição de bens para efeitos da previsão da norma mencionada, não se limitando o significado de tal expressão a um acto de transferência ou alienação do direito de propriedade. Assim, ao celebrar os contratos promessa sobre 14 fracções, procedendo à sua entrega ao promitentes vendedores, o Requerido dispôs destes bens da devedora.
Resta então saber se tais actos foram praticados em proveito de terceiros, o que o Recorrente também vem pôr em causa.
Não se vê como considerar que os promitentes compradores não retiraram proveito da realização dos contratos promessa com a tradição dos imóveis, nos termos em estes foram celebrados, conforme decorre dos factos provados e atentos os efeitos jurídicos que surgem associados àqueles acordos das partes.
Tal como refere a este propósito a sentença recorrida:
“Assim, ao celebrar os negócios jurídicos em causa, em datas tão próximas da sua declaração de insolvência (dois desses negócios inclusive após a instauração do processo de insolvência), a insolvente/devedora actuou dispondo de bens seus, em proveito pessoal dos terceiros adquirentes (promitentes-compradores), pois ao transmitir-lhes a posse dos imóveis objeto desses negócios (traditio) neste contexto de promessa com eficácia real, conferiu-lhes uma garantia de tal forma “musculada” que permite qualificar esse acto como uma verdadeira disposição dos imóveis a favor de terceiros, para efeitos de qualificação nos termos da norma legal já citada. Ou seja, a insolvente transferiu para a esfera de domínio dos promitentes compradores desses contratos os poderes de actuação material sobre os imóveis que lhe pertenciam, sendo que ao constituir esse direito de retenção, a insolvente passou a permitir que os terceiros promitentes-compradores não só passassem a poder recusar a entrega desses imóveis enquanto a devedora não cumprisse os contratos, como também passassem a poder executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores. Com efeito, não perdendo o interesse na prestação da promitente-vendedora (insolvente), os promitentes-adquirentes poderiam recorrer à execução específica dos contratos-promessa e, de modo a produzir os efeitos da declaração negocial da insolvente faltosa (representada pelo administrador da insolvência após declaração de insolvência), poderiam pedir, através da ação, se declarasse transmitido a favor dos mesmos o direito de propriedade sobre os imóveis que foram objeto desses negócios. O direito de retenção, porque dispõe de sequela – de que a inerência, ou seja, inseparabilidade do direito real e da coisa é a noção base – é um verdadeiro real, prevalecendo mesmo sobre o direito de crédito garantido por hipoteca ainda que anteriormente constituída, i.é, registada (artº 759º, nº 2 do Código Civil). Assim, com a celebração dos contratos-promessa em causa, dotados de eficácia real, a insolvente constituiu direito de retenção a favor dos créditos dos promitentes-compradores, impossibilitando o “C…, Lda.” e os demais credores de satisfazerem os seus créditos através do produto da venda daquelas frações.”
Com a realização dos contratos promessa em questão acompanhados com a tradição dos imóveis que eram sua propriedade, a devedora ficou na situação de não poder no futuro retirar qualquer benefício daqueles seus bens que passaram não só a ficar na disponibilidade de terceiros com a possibilidade de deles usufruirem e gozarem sem contrapartida, como lhes conferiu a partir daí um direito real de retenção sobre tais bens, com efeitos jurídicos muito relevantes a seu favor. Com refere o citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a respeito de situação semelhante: “Aliás, a celebração do referido contrato promessa dotado de eficácia real com tradição da coisa a favor do promitente-comprador equivale, em termos práticos, a um acto de transferência da sua propriedade já que, nos termos do artigo 106.º, nº 1 do CIRE, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa sob pena da produção dos efeitos previstos no n.º 5 do artigo 104º.”
O benefício dos terceiros que são no caso os promitentes compradores, resulta de com a celebração daqueles contrato promessa com tradição dos bens os mesmos passarem a dispor não só daqueles bens, mas também de uma garantia adicional relativamente ao seu crédito, constituída pelo direito de retenção sobre os imóveis, num patente beneficio para si, em prejuízo dos restantes credores da insolvente que deixam de poder contar com a disponibilidade daqueles bens enquanto garantia geral, ou especial no caso da hipoteca, do seu crédito.
O facto de ter existido uma contra - prestação dos terceiros, como decorre dos factos provados, não com a entrega de dinheiro mas traduzida no facto dos bens lhe terem sido entregues pelo administrador da insolvente em pagamento de créditos que detinham sobre a mesma, não obsta a essa conclusão. Pelo contrário, não fora aqueles contratos promessa com tradição da coisa, chegariam ao processo de insolvência com um crédito comum sobre a devedora, em vez de um crédito garantido que sempre lhes permite o seu ressarcimento antes de outros credores e dessa forma lhes dá uma maior probabilidade de ressarcimento. Finalmente, mesmo no caso de entenderem resolver o contrato promessa por incumprimento da devedora na celebração do contrato prometido, sempre lhes seria permitido, em circunstâncias normais, ver aumentado o valor do seu crédito.
Não pode por isso considerar-se que não houve por parte do Requerido disposição de bens da devedora em proveito de terceiros apenas pelo facto de ter existido uma contra prestação dos mesmos, em razão de um crédito pré existente sobre a devedora, que os contratos com a entrega dos imóveis pretenderam ressarcir. Regista-se ainda que o Requerido dispôs de 14 imóveis da devedora, limitando o seu direito de propriedade sobre os mesmos, com uma importância económica que não pode deixar de ser tida como relevante no seu património.
Está assim verificada a previsão do art.º 186.º n.º 2 al. d) do CIRE o que determina a qualificação da insolvência como culposa, como entendeu a sentença proferida porque o Requerido, administrador da devedora dispôs de um conjunto significativo de bens desta em benefício de terceiros, em detrimento de outros credores, por isso de forma ilegítima.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pelo Requerido totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique
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Porto, 13 de Junho de 2018
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva