Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
282/18.1T9PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: DÍVIDAS FISCAIS
EXECUÇÃO FISCAL
PIC EM PROCESSO PENAL
REALIDADES DISTINTAS
PRAZO PRESCRICIONAL
PERDA DE VANTAGENS
Nº do Documento: RP20191210282/18.1T9PRD.P1
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A liquidação e cobrança de dívida fiscal, em execução fiscal, e o pedido de indemnização resultante da prática de crimes fiscais, em processo penal, são realidades distintas, que obedecem a causas de pedir diferentes, podendo gerar pedidos também diferentes.
II – À responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), é aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária.
III – Ao pedido de indemnização civil em processo penal, no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, porque não tem por objecto a definição e exequibilidade de acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos, é aplicável a lei civil.
IV - Apesar de os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podem naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes.
V – No que concerne ao pedido de indemnização civil em processo penal, o prazo prescricional não é o previsto no art.º 63º, n.º 2, da Lei n.º 17/2000, de 8/08, mas sim o previsto no art.º 498º do Código Civil.
VI - A vantagem do crime corresponde a um benefício e a eliminação de um benefício não está limitada a objectos certos e determinados.
VII - O confisco das vantagens não constitui um mecanismo eventual ou facultativo de assegurar as finalidades que lhe estão subjacentes, mas antes uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre que, por imperativo legal, com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos.
VII - Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, tendo presente a sua natureza e finalidade (marcadamente preventivas) e o seu carácter sancionatório (análogo à da medida de segurança) e, para além disso, sendo obrigatório, o juiz não pode, na sentença penal, deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possam coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens.
VIII - Tendo ficado demonstrado que a recorrente obteve uma vantagem patrimonial ilícita, decorrente da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, não podia o tribunal a quo deixar de a condenar, como condenou, no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem, mostrando-se totalmente irrelevante para o efeito a circunstância de ter sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado Instituto da Segurança Social.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 282/18.1T9PRD.P1
Recurso Penal
Juízo Local Criminal de Felgueiras
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
No âmbito do processo comum singular que, sob o nº 282/18.1T9PRD, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Felgueiras, B… e “B1… Unipessoal, Lda”, devidamente identificadas nos autos, foram submetidas a julgamento, mediante a acusação do Ministério Público da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal e art. 107.º, n.º 1 e 2, ex vi do art. 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/7, ilícito consubstanciado nos factos narrados na respectiva peça acusatória.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente reproduzida, foi proferida a sentença datada de 6/5/2019 e depositada no dia seguinte, tendo as arguidas B… e “B1… Unipessoal, Lda” sido condenadas pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30.º, nº 2 e 79º do Código Penal, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT, nas penas de 200 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, e de 200 dias de multa, à taxa diária de 10,00€, respectivamente.
Além disso, na procedência do pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP foram as arguidas/demandadas atrás identificadas condenadas no pagamento da quantia de €69.591,80, acrescida de juros de mora, sobre o montante de €55.230,73 e calculados à respectiva taxa legal, calculada nos termos dos artigos 16.º, do Decreto-Lei nº 411/91, de 17/10 e 3.º, do Decreto-Lei nº 73/99, de 16/3, até efectivo e integral pagamento.
Finalmente, ao abrigo do disposto no art.º 111.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código Penal, e a título de perda de vantagem patrimonial, foram as arguidas condenadas a pagar ao Estado Português a quantia de €55.230,73.
Inconformada com a decisão condenatória, dela interpôs recurso a arguida B… para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a manutenção da sentença recorrida no que concerne à questão da condenação das arguidas no pagamento da quantia equivalente à vantagem patrimonial obtida com a prática do crime, por a considerar conforme com a jurisprudência dos Tribunais Superiores mais recente sobre tal matéria.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público na 1ª instância, se pronunciou pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apresentando a recorrente a resposta que consta de fls. 307, na qual reiterou os fundamentos do recurso já invocados na respectiva motivação.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo as questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art. 410º, nº 2 ou o art. 379º, nº 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes:
1) O direito de indemnização exercido pela Segurança Social encontra-se prescrito?
2) Foi correctamente determinada a condenação da recorrente no pagamento da quantia equivalente à vantagem patrimonial decorrente da prática do crime em causa?
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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.
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Factos provados
1) A sociedade arguida B1…, Unipessoal, Lda. é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Felgueiras, sob o n.º ………, com sede social na …, …, Felgueiras.
2) Esta sociedade arguida dedica-se ao corte e costura de calçado.
3) A gerência da sociedade arguida “B1…, Unipessoal, Lda.” está desde a data da constituição, que ocorreu em 08.01.2004 até à data, a cargo da arguida B….
4) A arguida B… era o responsável por toda a actividade desenvolvida na sociedade arguida, nomeadamente no tocante ao preenchimento de declarações sociais e ao apuramento e pagamento de todos os impostos e contribuições sociais devidas e à sua entrega ao Estado e à Segurança Social.
5) Durante o referido período relativo aos meses de Outubro de 2011 a Junho de 2013, no exercício das respectivas funções de gerente, era a arguida B… quem dirigia as actividades da sociedade arguida e quem procedia ao pagamento das remunerações aos seus empregados e ao gerente da mesma, cabendo-lhe igualmente a tarefa de efectuar as deduções a tais remunerações, correspondentes às cotizações devidas à Segurança Social e entregar o respectivo montante às Segurança Social.
6) No período compreendido entre Outubro de 2011 a Junho de 2013 a sociedade arguida na prossecução e exercício da sobredita actividade descrita em 2.º, possuía diversos trabalhadores a seu cargo, a quem pagava, mensalmente, os respectivos salários.
7) Para além desses trabalhadores, a aludida sociedade tinha ainda um gerente, o qual também recebia remunerações de carácter mensal.
8) A arguida B… encontra-se inscrita na Segurança Social Portuguesa e registada, como membro do órgão estatutário, com o NISS …………, tendo nas circunstâncias de tempo indicadas, prestado à sociedade arguida trabalho remunerado, mas apresenta contribuições como trabalhador por conta de outrem na empresa.
9) A sociedade arguida encontra-se igualmente inscrita na Segurança Social também inscrita com o NISS ………. possuía diversos trabalhadores, a quem pagava salários e efectuava as correspondentes deduções para a Segurança Social e do sócio gerente.
10) Nos períodos indicados em 6), a arguida B…, em representação da sociedade arguida, efectuou pagamentos salariais aos seus empregados e sócio gerente, mas este na qualidade de trabalhador por conta de outrem, sendo que dessas remunerações brutas lhes retirou as seguintes quantias, a título de contribuições para a Segurança Social:
11) A arguida B… e a sociedade arguida B1…, Unipessoal, Lda., não entregaram as quantias elencadas em 10), no valor total de €55.230,73 (cinquenta e cinco mil e duzentos e trinta euros e setenta e três cêntimos) à Segurança Social até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem nos noventa dias subsequentes.
12) Em 26/02/2018, a arguida B… e a sociedade arguida “B1…, Unipessoal, Lda.”, na pessoa do seu legal representante, foram notificados para pagar a quantia total em dívida, elencada em 10), acrescida dos respectivos juros de mora, não o tendo, contudo, feito nos trinta dias subsequentes ao recebimento de tal notificação, mostrando-se tal montante por pagar até à presente data.
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13) A arguida B…, por si e em representação da sociedade arguida “B1…, Unipessoal, Lda.”, agiu, no desenvolvimento de um plano gizado, com o propósito alcançado de fazer suas e de integrar nos cofres da sociedade arguida todas as importâncias supra referidas e descritas, e de as utilizar na sua gestão corrente, em proveito da sociedade arguida, bem sabendo que tais quantias pertenciam à Segurança Social, e que, desta forma, actuavam sem a autorização, contra a vontade e em prejuízo da Segurança Social.
14) A arguida B…, por si e em representação da sociedade arguida “B1…, Unipessoal, Lda.”, após não ter entregue pela primeira vez os montantes destinados à Segurança Social que havia deduzido nas aludidas remunerações dos seus trabalhadores e gerente, praticou o mesmo tipo de conduta ao longo de vários meses seguintes e interpolados, convencendo-se, mercê da facilidade com que sucessivamente logrou concretizar os seus intentos, de que a sua actuação estava ser bem sucedida, o que o levou à reiteração da prática supra descrita, da mesma forma, ao longo do período de tempo supra referido
15) Até à presente data e sem qualquer causa justificativa, a arguida B…, por si e em representação da sociedade “B1…, Unipessoal, Lda.”, não regularizou a sua situação com a Previdência e nada pagou à Segurança Social Portuguesa e recusou-se a satisfazer as suas obrigações contributivas em dívida, encontrando-se a Segurança Social patrimonialmente lesada no correspectivo montante.
16) A arguida bem sabia que tinha o dever de entregar nos cofres da Segurança Social Portuguesa as quantias em dinheiro relativas às cotizações que cobrou e ilegitimamente reteve.
17) A arguida agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
18) Até à data, e apesar de há muito terem expirado os prazos para entrega do imposto exigível e de terem decorrido já mais de noventa dias após o termo daqueles, as arguidas não procederam ao seu pagamento.
19) O montante de quotizações em dívida, e relativo ao período da gerência da arguida B…, ou seja, entre os meses de Outubro de 2011 a Junho de 2013, ascende à quantia global de €55.230,73, acrescida dos respectivos juros, contabilizados à data da dedução do pedido de indemnização civil – 18.12.2018 -, no montante de €14.361,07, na quantia global de €69.591,80.
20) A Arguida B…:
a) actualmente é gerente de uma empresa de calçado, auferindo um vencimento mensal de cerca de €600,00;
b) é solteira, não tem filhos e vive sozinha em casa arrendada e pela qual paga a título de renda a quantia mensal de €150,00, mais cerca de €50,00 para o condomínio;
c) tem a 4ª classe;
d) Do seu CRC não constam antecedentes criminais.
21) A sociedade Arguida:
a) encontra-se fechada desde 2012 ou 2013 e encerrada a para efeitos de IVA;
b) quando encerrou tinha ao seu serviço cerca de 60 trabalhadores;
c) laboravam em instalações arrendadas e pelas quais pagavam uma renda mensal de cerca de €1.500,00;
d) Do seu CRC não constam antecedentes criminais.
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Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, contestação no pedido de indemnização civil ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
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A) Da prescrição do direito de indemnização deduzido pelo Instituto da Segurança Social:
Defende a recorrente que a lei prevê um regime especial de prescrição de créditos da Segurança Social derivados de cotizações e contribuições, segundo o qual a obrigação de pagamento das mesmas prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida, verificando-se, no presente caso, que a obrigação de pagamento de cada uma das cotizações há muito se encontra prescrita.
Contudo, a recorrente confunde a prescrição da prestação tributária com a prescrição do direito de indemnização fundado na prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social.
Com efeito, e como se fez notar no acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº 1/2013 [2], “São realidades distintas que não se confundem, a liquidação e cobrança de dívida fiscal, por via fiscal, em execução fiscal, e o pedido de indemnização resultante da prática de crimes fiscais, que de per se, obedecem a causas de pedir diferentes, podendo gerar pedidos também diferentes. É que como salienta GERMANO MARQUES DA SILVA, “o valor do dano causado à administração tributária corresponde, em regra, ao valor da prestação tributária em falta, mas a causa do dano é outra, é a prática do crime. Pode até suceder que o crime não tenha causado prejuízo equivalente ao da prestação tributária em dívida, ou porque não existe qualquer prestação tributária em dívida ou porque o prejuízo causado pelo crime foi inferior ao do valor da prestação tributária devida. Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483º a 498º do Código Civil, aplicáveis por remissão do art. 129º do Código Penal, porque nunca se referem aos danos emergentes do crime, salvo quando o art. 3º, al. c), do RGIT manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código Civil. A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente do crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social.”[GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, p. 455]. O objecto do pedido de indemnização civil não é a dívida tributária qua tale, mas o prejuízo, gerador de responsabilidade civil e do dever de indemnizar, nela fundamentado, emergente da conduta danosa e imputada, integrante da prática do crime de abuso de confiança fiscal, constitutiva de responsabilidade por factos ilícitos, submetida ao regime dos artºs 129º do CP e 483º, e segs do CC. e consubstanciada na não entrega à Segurança Social, entrega essa legalmente obrigatória, de determinada quantia integrante da prestação tributária, e que, por omissão dolosa, lhe provocou, assim, o prejuízo correspondente.
A responsabilidade por factos ilícitos, decorrente da prática de um crime, não se confunde assim, com a responsabilidade administrativa-tributária. O pedido de indemnização civil em processo penal, no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não tem por objecto a definição e exequibilidade de acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos que daí surge nos termos dos artºs 483 e segs. do Código Civil”. (…)”.
Portanto, e como se sustenta nos Acórdãos do STJ, de 11/12/2008 e de 29/10/2009 [3], a indemnização pedida nos processos crime por abuso de confiança contra a segurança social não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podendo naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes. Em síntese, como salienta Germano Marques da Silva [Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, 2009, pags 121 a 124]: “Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483º a 498º do Código Civil, aplicáveis por remissão do artº129º do Código Penal. […] A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente de crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social.
[…] A dívida tributária existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais.

Do exposto decorre que pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes dos crimes e respondem não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da lei civil”.
Portanto, e como se afirma no acórdão do STJ de 27/1/2016 (disponível em www.dgsi.pt), “O pedido de indemnização civil em processo penal, no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não tem por objecto a definição e exequibilidade de acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos que daí surge nos termos dos art.s 483 e segs. do Código Civil.”
Por isso é que, como se salienta neste acórdão do STJ, “a questão da prescrição coloca-se quanto ao direito à indemnização e não quanto à obrigação tributária devida à Segurança Social”. E, neste contexto, o que é relevante não é a prescrição da prestação tributária, mas sim o prazo de prescrição do direito à indemnização [4].
Daí que o prazo prescricional a que o direito de indemnização da demandante está sujeito seja não o previsto no art. 63.º, n.º 2, da Lei n.º 17/2000, de 8/8, mas sim o prazo previsto no art. 498.º, do Código Civil.
E este prazo, de acordo com o artigo 498º, n.º 3, do Código Civil, é o prazo de prescrição do ilícito criminal, se este for mais longo: “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”. Como o direito à indemnização por
factos ilícitos prescreve no prazo de três anos (art. 498º, 1 do Código Civil) e o prazo de prescrição do crime é de cinco anos, é este o prazo aplicável [5].
Também prescrevem no prazo de cinco anos “os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos” (cfr. artigo 310º, alínea d) do Código Civil).
Assim, o prazo de prescrição do direito à indemnização cível, pelos danos decorrentes da prática do ilícito penal é de cinco anos.
De acordo com o disposto no artigo 129º do Código Penal, tal prazo está sujeito às regras previstas na lei civil sobre a contagem, interrupção e suspensão do prazo da prescrição.
O prazo da prescrição só começa a correr quando “o direito puder ser exercido”, nos termos do disposto no artigo 306º, nº 1 do Código Civil e interrompe-se com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito, face ao disposto no artigo 323º, nº 1 do Código Civil, sendo que, nestes casos, o novo prazo só começa a correr a partir do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo – art. 327º, 1, do Código Civil.
Por sua vez, o artigo 77º do Código de Processo Penal regula o exercício do direito à indemnização, estabelecendo os prazos em que o mesmo pode ser exercido. Deste modo, antes da notificação do lesado para deduzir o pedido cível, o direito à indemnização não poderia ser exercido. Assim, só a partir dessa notificação começou a correr o prazo de prescrição do pedido de indemnização civil [6].
Revertendo para o caso em apreço e compulsados os autos, verifica-se que o lesado (ISS, I.P.) foi notificado da acusação, por carta registada expedida em 3/12/2018 e recebida em 6/12/2018 (cfr. fls. 209 e 211). Do que decorre que só a partir da referida notificação poderia deduzir o pedido de indemnização civil (art. 77º, n.º 2 do Código de Processo Penal). Isto é, só a partir de tal data o seu direito à indemnização poderia ser exercido, considerando o disposto no art. 71º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da adesão [7].
Assim, nos termos do art. 306º, 1 do Código Civil, só a partir daí o direito à indemnização poderia ser exercido e, portanto, só a partir de então poderia começar a correr o prazo da respectiva prescrição. Nos termos do art. 323º, 1 do Código Civil, a prescrição interrompeu-se com a notificação das arguidas / devedoras de que foi deduzido o pedido de indemnização civil, o que sucedeu através das cartas expedidas a 19/2/2019, altura em que foram notificadas para contestar tal pedido (como resulta da análise do histórico do processo, resultante da plataforma citius) [8].
Dado que a interrupção da prescrição resultou da notificação da dedução do pedido de indemnização civil (presumivelmente, cinco dias após ter sido requerida – art. 323º, nº 2, do CCivil), o novo prazo só começa a correr a partir do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo (art. 327º, 1 do CCivil). Do que decorre que, manifestamente, o aludido prazo de cinco anos ainda não decorreu (o prazo foi interrompido e o novo prazo ainda não começou a correr, já que a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância não transitou em julgado), não se verificando, consequentemente a invocada prescrição.
Nestes termos, embora por razões diversas das invocadas pelo tribunal a quo, julga-se improcedente a prescrição do direito à indemnização invocada pela arguida B… no respetivo recurso.
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B) Da condenação da recorrente no pagamento da quantia equivalente à vantagem patrimonial decorrente da prática do crime em causa.
Discorda a recorrente da sua condenação no pagamento ao Estado da quantia equivalente à vantagem patrimonial obtida, argumentando não fazer sentido “o deferimento judicial de ambas as pretensões - procedência do pedido civil formulado e perda da vantagem patrimonial - que se conjugam até no mesmo processo, pois que o objeto de uma é coincidente com o objeto da outra.”.
Na sua opinião, “vale também aqui o princípio de que o recurso ao instituto de perdimento a favor do Estado apenas se justifica quando o lesado se desinteressa da recuperação do seu património.”.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o art. 110º, nº 1, alínea b), nº 3 e nº 4, do Código Penal, na versão da Lei nº 30/2017, de 30 de Maio (de modo equivalente ao art. 111º, nºs 2 e 4, do CP, na redacção anterior):
“1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objecto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no art. 112º-A”.
Como é salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/2/2019 (disponível em www.dgsi.pt e que aqui se seguirá de perto), a concretização das finalidades subjacentes ao confisco das vantagens do crime poderá erigir-se, brevemente, segundo uma lógica de confluência de dois vectores primaciais.
Primeiramente, à perda das vantagens deverá reconhecer-se, uma marcada finalidade preventiva. Como ensina Figueiredo Dias, “Nas vantagens (…) o que está em causa primariamente é um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o “crime” não compensa». Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspecto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração). (…) necessidade de «aniquilamento do benefício patrimonial ilicitamente conseguido» e, consequentemente, de o Estado «não tolerar uma situação patrimonial antijurídica», operando a «restauração da ordenação dos bens correspondentes ao direito»”.
Num exercício em que se convocam as preponderantes finalidades preventivas e se relacionam os interesses em causa, João Conde Correia estabelece que “O património do condenado deve ser restituído à situação anterior ao seu cometimento, àquilo que ele teria se não o tivesse praticado. Só desta forma será possível, quer ao nível individual, quer ao nível colectivo, prevenir a prática de futuros crimes, impedindo a sua reprodução. O Estado não pode, ao mesmo tempo, proibir uma determinada conduta e permitir que o condenado dela beneficie.”
Na verdade, trata-se do único mecanismo eficaz e não ingénuo de dissuasão da criminalidade que visa o lucro, que é aquela que mais prejuízos inflige aos cidadãos (ainda que muitas vezes sem vítimas identificadas). Poderemos, assim, seguindo esta lógica identificar o segundo grupo de valores protegidos com a remoção das vantagens do crime através do confisco.
Como se refere a este respeito no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2015, de 12 de Agosto de 2015, “(…) além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto”.
Também Euclides Dâmaso e José Luís Trindade reconhecem que o confisco das vantagens serve outros interesses para além das finalidades preventivas, que unanimemente lhe são reconhecidas. Afirmam estes autores que “vai-se cimentando a ideia que a perda ou confisco serve três objectivos:
- o de acentuar os intuitos de prevenção geral e especial, através da demonstração de que o crime não rende benefícios;
- o de evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes, propiciando, pelo contrário, a sua aplicação na indemnização das vítimas e no apetrechamento das instituições de combate ao crime; e
- o de reduzir os riscos de concorrência desleal no mercado, resultantes do investimento de lucros ilícitos nas actividades empresariais”.
Em concretização da necessidade de «restauração da ordem patrimonial» enquanto conjunto de valores protegidos, será ainda imprescindível acrescentar que as medidas ablativas das vantagens do crime visam, não só assegurar a sobrevivência do Estado de Direito, mas essencialmente proteger valores fundamentais de toda a comunidade.
O confisco produz um efeito dissuasivo, mediante o reforço da noção de que o crime não compensa.
Por outro lado, assinala-se que, ao contrário do que sucede no confisco dos instrumentos ou dos produtos, onde o fundamento do confisco radica nas características de um objecto concreto, já no caso das vantagens o que está em causa é um benefício económico, ou se preferirmos, um incremento patrimonial, pelo que, na restauração da situação económica existente antes da prática do crime, é absolutamente indiferente que o confisco opere por referência às vantagens directas ou ao seu valor. Não existe no âmbito do confisco das vantagens qualquer racionalidade na distinção, para estes efeitos, entre o confisco dos activos gerados directamente pela prática do crime, ou o confisco do respectivo valor.
A vantagem do crime corresponde a um benefício e a eliminação de um benefício não está limitada a objectos certos e determinados, sendo a legitimidade dessa eliminação exactamente a mesma, quer incida sobre os bens imediatamente adquiridos ou sobre quaisquer outros. É ao abrigo desta validação hermenêutica que o legislador estabelece a obrigatoriedade do confisco das vantagens directas, ou se estas já não existirem, do seu valor.
Assim, o confisco das vantagens não constitui um mecanismo eventual ou facultativo de assegurar as finalidades que lhe estão subjacentes. O legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos – como claramente resulta do disposto no artigo 110.º do Código Penal, na redacção introduzida com a Lei 30/2017, reproduzindo, no essencial, o disposto no art. 111º do Código Penal, na versão anterior à entrada em vigor daquele diploma legal.
Portanto, não se atribui ao intérprete ou ao realizador do direito qualquer margem de discricionariedade na aplicação deste mecanismo ablativo. Em primeiro lugar, é imperioso ter presente que independentemente da controvérsia relativa à definição da sua natureza jurídica, o confisco das vantagens do crime tal como desenhado no artigo 110.º do Código Penal, constitui uma providência que integra ainda o conceito operativo de “acção penal”, enquanto multiversum composto pelas matérias relativas à questão penal, traduzidas adjectivamente na investigação criminal bem assim como pelas matérias relativas à questão patrimonial com o seu equivalente na investigação financeira e patrimonial com vista a assegurar o confisco. Nesta conjuntura, os imperativos constitucionais e estatutários que legitimam e vinculam a intervenção do Ministério Público no domínio do exercício da acção penal determinam não só a sua promoção nas matérias relativas à responsabilização penal, mas igualmente nos domínios relativos à questão patrimonial ou ao confisco, sem que se admita a possibilidade de prescindir ab initio de qualquer deles. Como lucidamente afirma João Conde Correia, não existe possibilidade legal de se prescindir do confisco “mesmo nos casos em que no confronto com a pena aplicada ele seja insignificante, implique a utilização de maios ou custos desproporcionados, torne muito difícil a obtenção da própria condenação ou seja óbvia a inexistência de bens confiscáveis, o Ministério Público e o juiz não podem prescindir da questão patrimonial e restringir o objecto do processo à questão penal. A adesão do confisco à sorte do processo penal é total, precludindo qualquer tipo de ponderação sobre a sua pertinência ou utilidade prática”.
Também este Tribunal da Relação do Porto vem decidindo, maioritariamente, na sua jurisprudência mais recente e à qual aderimos, relativamente à questão enunciada pelo recorrente [9], que no tocante à articulação entre a responsabilidade civil (ou fiscal) e perda de vantagens, o instituto da perda de vantagens marca sempre a sua autonomia.
Assim, e como é salientado no acórdão deste TRP, de 22/3/2017 (relatado pelo Desembargador Francisco Mota Ribeiro e disponível para consulta em www.dgsi.pt), verificados os necessários pressupostos legais, a perda da vantagem decorrente da prática do crime terá de ser decretada sempre, “e também sem prejuízo do que a Administração Fiscal possa vir ou não a decidir e a conseguir no âmbito da pretensão assente na respetiva obrigação fiscal – aliás, numa harmonia ontologicamente perfeita. Isto é, se efetivamente cobra o crédito a ela correlativo ou não, se o deixa ou não prescrever, se em relação a ele deixa ou não operar qualquer fundamento de oposição, etc. Porque a questão da determinação da perda de vantagens, conexionada que está diretamente com o crime praticado, e competindo ao Tribunal decidi-la na sentença penal, não pode ser deixada à sorte (abdicando o Tribunal de tal poder-dever de decisão, omissão que seria sempre irreversível), de uma futura e eventual reclamação dos valores que o Fisco pudesse entender serem devidos e ao sucesso que tal pretensão pudesse ter. Sendo que é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o caráter sancionatório de tal medida.” [10].
Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas, o seu carácter sancionatório análogo à da medida de segurança [11] e, para além disso, obrigatório, subtraído a qualquer critério de oportunidade ou utilidade, o juiz não pode deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, na sentença penal. E isto independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil (e do seu desfecho), ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possa coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens [12] [13].
Só em situações comprovadas e concretas de inutilidade – pois, como se acentua no acórdão deste TRP, de 11/4/2019 [14], o Estado não pode receber duas vezes a mesma quantia - se poderá verificar uma específica e excepcional subsidiariedade entre os dois institutos [15].
Algo que, porém, não sucede no caso concreto.
Deste modo, tendo ficado demonstrado que a recorrente obteve uma vantagem patrimonial ilícita, decorrente da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, não podia o tribunal a quo deixar de a condenar, como condenou, no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem (cfr. o art. 110º, n.º 4, do CPP, na redacção em vigor à data da prática dos factos), mostrando-se totalmente irrelevante para o efeito a circunstância de ter sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado Instituto da Segurança Social.
Improcede, assim, totalmente o presente recurso.
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III - Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UC.
Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 10 de Dezembro de 2019.
Liliana de Páris Dias
Cláudia Rodrigues
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[1] Mantendo-se o texto original, nomeadamente quanto à respectiva ortografia.
[2] Trata-se do acórdão publicado no DR 1ª Série-A, em 7/1/2013, que fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. no artº 107º nº 1, do R.G.I.T., é admissível, de harmonia com o artº 71.º, do C.P.P., a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objecto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social.»
[3] Invocados no acórdão do STJ de 27/1/2016 (Relatora: Conselheira Helena Moniz), disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr., neste sentido, para além do mencionado acórdão do STJ, datado de 27/1/2016, os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto, de 23/2/2011 (proferido no processo n.º 690/06.0TAMCN.P1), e de 11/5/2016, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. expressamente neste sentido, o acórdão do STJ de 27/1/2016 e o acórdão deste TRP, de 11/5/2016.
[6] Cfr., expressamente neste sentido, o acórdão do STJ de 27/1/2016 e da RP de 11/5/2016 e de 23/2/2011, já citados.
[7] A lei processual penal - art. 71.º, do CPP - consagrou o princípio de adesão, de acordo com o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, com a acusação ou após a pronúncia (art. 77.º, do CPP), só podendo sê-lo em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei de acordo com o tipificado nas várias alíneas do art. 72.º, do CPP.
[8] Como se observa no citado acórdão do STJ, de 27/1/2016, contrariamente do sustentado pela recorrente quanto à inexistência de causas de suspensão da prescrição, a dedução do pedido de indemnização civil em sede de processo penal configura uma causa de interrupção da prescrição, para efeito do disposto no art. 323.º, n.º 1, do Código Civil, com a consequente interrupção do prazo logo que decorram 5 dias, caso a notificação do aludido pedido de indemnização civil não ocorra nesse prazo.
[9] Ou seja, a de saber se a declaração de perda das vantagens do crime se deve restringir aos casos em que o ofendido não dispõe de outro meio legal para exercer os seus direitos.
[10] Em sentido absolutamente idêntico, afirma-se no acórdão do TRP de 26/10/2017 (relatado pelo Desembargador Vítor Morgado), igualmente disponível em www.dgsi.pt: “Tenha ou não deduzido pedido civil, tenha ou não a Autoridade Tributária entendido que dispõe de meios suficientes para a cobrança coerciva do imposto devido, há lugar, nos termos do artº 111º CP, num crime de burla tributária, ao decretamento de perda de vantagens obtidas com a prática do crime”.
Veja-se, ainda, os acórdãos deste TRP, de 11/4/2019 (Relator: Desembargador João Venade), de 24/10/2018 (Relator: Desembargador José Piedade), de 12/9/2018 (Relatora: Desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa), de 25/9/2019 e de 12/7/2017 (Relator: Desembargador Jorge Langweg), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Na Relação de Guimarães, veja-se o recente acórdão relatado pela Desembargadora Isabel Cerqueira, datado de 14/1/2019, também disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[11] Como é salientado no acórdão do TRP, 22/3/2017, a autonomia entre os dois institutos afirma-se logo “num plano desde logo iminentemente substantivo, o facto de aquele assumir uma natureza sancionatória análoga à da medida de segurança e o outro apenas uma natureza fundamentalmente ressarcitória das perdas e danos sofridos pelo ofendido ou lesado com o comportamento ilícito típico.”
[12] Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, página 142: «e se a vantagem obtida corresponder integralmente ao imposto em dívida? Parece-nos que mesmo neste caso o tribunal deve condenar na perda de vantagem correspondente, ainda que se entretanto tiver sido pago o imposto em dívida deva considerar não haver já lugar à condenação por essa vantagem pertencer ao Estado a título de imposto já cobrado. …».
[13] Por condensar tudo o que vem de ser exposto, reproduz-se o sumário do acórdão deste TRP, de 25/9/2019 (relatado pelo Desembargador Jorge Langweg).
I - O instituto da perda de vantagem do crime constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, com intuitos exclusivamente preventivos.
II - Não é determinante da inviabilidade da sua efectivação a opção pela execução tributária ou a omissão de dedução de pedido de indemnização civil.
III - Tanto a doutrina como a jurisprudência consideram que a perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através da qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito.
IV - A vontade do ofendido a propósito da obtenção do ressarcimento devido não pode afectar o exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa.
V - A circunstância de o ofendido ser o próprio Estado, dotado de mecanismos de ressarcimento coercivo bem mais amplos que os concedidos aos particulares, não pode justificar solução diversa, sob pena de colocar em crise o ius imperium manifestado no aludido instrumento de política criminal e os fins preventivos do direito sancionatório.
VI - Os mecanismos de cobrança coerciva à disposição do Estado/Autoridade Tributária não deixam de estar sujeitos a determinados requisitos e condicionalismos, não havendo uma absoluta garantia de concretização do ressarcimento.
VII – Também eles não afastam a necessidade de fazer vingar os fins de prevenção prosseguidos pelo instituto de perda da vantagem patrimonial.
[14] Relatado pelo Desembargador João Venade e disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr., no mesmo sentido, os acórdãos deste TRP de 22/3/2017 e de 26/10/2017.