Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
37/21.6Y3VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
VALOR DA COIMA
TEMPOS DE CONDUÇÃO
PAUSAS
PERÍODOS DE REPOUSO
REGISTOS
ACTO DE FISCALIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
Nº do Documento: RP2021121537/21.6Y3VNG.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, MANTIDA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 1, do artigo 49.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, ao condicionar a admissibilidade do recurso aos casos em que tenha sido “aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente”, reporta-se ao valor da coima individualmente considerada aplicada pela prática de uma determinada contra-ordenação, mas já não à coima única aplicada em cúmulo jurídico, quando for caso de pluralidade de infracções.
II - Estando a actividade da arguida desdobrada entre o transporte de passageiros de serviço regular, concessões inferiores a 50 km de extensão (+/-70%) e a realização de outros serviços de transportes não regulares/ocasionais, caracterizando-se estes últimos por estarem fora do âmbito das concessões inferiores a 50 km de extensão, aplicam-se-lhe regras distintas consoante os seus veículos estejam a circular numa ou noutra situação, sendo que neste último caso, estão sujeitos ao aparelho de controlo, por não se enquadrarem na previsão do art.º3.º/ al. a), do Regulamento n.º 561/2006, ou seja, não se aplicam as regras nele previstas [art.º 1.º]“ em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros”.
III - Estando o veículo a circular para efectuar um transporte público de passageiros, em serviço ocasional para a D…, em Espinho – essa actividade, em concreto, a condução pelo motorista, no que respeita ao controle de tempos de condução, pausas e períodos de repouso, não se inscrevia na previsão do art.º 3.º /al. a), do Regulamento n.º 561/2006, antes se enquadrando no previsto no art.º 2.º/1 al. b), aplicando-se as regras do mesmo, por se estar perante transporte rodoviário “De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade”.
IV - Do art.º 46.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 não pode retirar-se que a entrada em vigor desse instrumento legal está dependente da publicação de um diploma que o regulamente. A norma refere-se aos “atos de execução” mencionados no regulamento e tem em vista acautelar matérias relativamente às quais foram introduzidas alterações de procedimentos dependentes de actos de execução dos Estados Membros, que caso não tenham sido adoptadas até à entrada em vigor do Regulamento, ou enquanto não o forem, na medida em que obstam aplicação daquelas, quanto às mesmas “(..) mantém-se transitoriamente em vigor o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, inclusive no seu Anexo I B, até à data de aplicação dos atos de execução referidos no presente regulamento”.
V - É no acto de fiscalização pelos agentes de controlo autorizados, designadamente, as autoridades policiais, que o condutor deve apresentar os elementos ali referidos ou, na falta destes, por não existirem ou por não estarem na sua posse, qualquer documento comprovativo que justifique o incumprimento.
VI - A Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento nº 561/2006, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida. Para excluir essa responsabilidade cabe à empresa demonstrar que pôs à disposição do motorista do seu veículo todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, nomeadamente de documentos demonstrativos da impossibilidade de apresentar escalas de serviço relativas aos 28 dias anteriores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 37/21.6Y3VNG.P1
Recurso de Contra-ordenação laboral
4.ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO
I.1 A sociedade B…, Lda, notificada da decisão administrativa da Autoridade Para as Condições do Trabalho - Centro Local do Grande Porto, aplicando-lhe a coima única no valor de 5.870,00€, (cinco mil, oitocentos e setenta euros), pela prática das contra-ordenações a que se referem os processos nºs ……818, ……819, ……822, ……823, ……824, ……122, ……323, ……338 e ……341, os quais foram apensos, dela discordando deduziu impugnação judicial.
Nos referidos processos foram-lhe imputadas as contra-ordenações e aplicadas as coimas seguintes:
A- No processo nº……341 a coima de 2.700,00€ - dois mil e setecentos euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo 36.º, n.º 2, Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014, e no artigo 14 nº 6 da Lei 27/2010 de 30 de agosto;
B- No processo nº……818 a coima única de 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
C - No processo nº……819 a coima única de 230,00€ - duzentos e trinta euros, pela pratica da contraordenação p. e p. no art.º 216, nº1 e 4, do Código de Trabalho, conjugado com os artigos 1º, nºs 1 e 3, 3º e 5º da Portaria nº 983/2007, de 27 de agosto;
D - No processo nº……822 a coima de 230,00€ - duzentos e trinta euros, pela pratica da contraordenação p. e p. do artigo 216, nº1 e 4, do Código de Trabalho, conjugado com os artigos 1º, nºs 1 e 3, 3º e 5º da Portaria nº 983/2007, de 27 de agosto;
E - No processo nº……823 a coima de € 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela pratica da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
F - No processo nº……824 a coima de € 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
G - No processo nº……122 a coima de € 630,00€ - seiscentos e trinta euros, pela pratica da contraordenação p.e p. no artigo 8 nº 6, com referência ao artigo 4º, alínea h) do Regulamento CE 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, a título negligente;
H - No processo nº……338 - 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela pratica da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
Para sustentar a impugnação judicial alegou, no essencial, que relativamente aos processos ……818, ……819, ……822, ……823, ……824, ……323, ……338 e ……341, cumpriu todas as obrigações que, no quadro legal se lhe impõe, não tendo assim praticado as contraordenações que lhe são imputadas, pugnando pela sua absolvição. Aceita, no entanto, que praticou a contraordenação aplicada no processo ……122, sendo de manter a coima que nesses autos de contraordenação lhe foi aplicada.
O recurso foi recebido, tendo sido designada data para realização do julgamento.
I.2 Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente impugnação judicial, em consequência:
1) Absolvo a arguida, B…, Lda, da prática das contraordenações a que respeitam os processos ……819 e ……822, dando sem efeito a coima que nestes lhe foi administrativamente imposta, no montante de 230,00 euros em cada um deles, pela prática das contra ordenações p. e p. nos art.ºs 216.º n.º 4 do CT, e 1º, nºs 1 e 3, 3º e 5º da Portaria nº 983/2007, de 27 de Agosto.
2) Confirmo a decisão da autoridade administrativa nos demais, e consequentemente, condeno a mesma arguida:
A- No processo nº……341 na coima de 2.700,00€ - dois mil e setecentos euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo 36.º, n.º 2, Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014, e no artigo 14 nº 6 da Lei 27/2010 de 30 de agosto;
B- No processo nº……818 na coima de 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
C -No processo nº……823 na coima de € 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela pratica da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
E - No processo nº……824 na coima de € 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
F - No processo nº……338 na coima de 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela pratica da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de Agosto;
G – No processo nº……122, no montante de € 630,00€ seiscentos e trinta euros, pela pratica da contraordenação p.e p. no artigo 8 nº 6, com referência ao artigo 4º, alínea h) do Regulamento CE 561/2006,do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, a título negligente, esta não impugnada pela arguida.
3) Efectuando o cumulo jurídico das coimas, descritas em 2) e pelas quais a arguida vai condenada, ao abrigo do disposto no art.º 19.º do RGCOC, condeno a arguida na coima única de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros).
Custas pela arguida, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC.
Notifique e deposite.
[..]».
I.3 Discordando desta decisão a arguida interpôs recurso, o qual foi admitido e fixados o efeito e modo de subida adequados. Apresentou as respectivas alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
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Termos em que, se requer a V. Ex.ªs se dignem admitir o recurso ora interposto e que a sentença proferida pelo tribunal “a quo” seja revogada, considerando que a recorrente não praticou os ilícito pela qual vem acusada.
I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Ministério Público apresentou contra-alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
I - A decisão recorrida é clara quanto à fundamentação dos motivos de facto e de direito em que o tribunal ancorou a sua convicção.
II - Fez uma correcta apreciação da prova, não se verificando qualquer insuficiência para a decisão, não enfermando a decisão recorrida de qualquer vício de fundamentação, ou de qualquer nulidade daí decorrente.
III - Os factos dados como provados mostram-se claros, precisos e concisos e correctamente subsumidos ao direito aplicável.
IV - Não foram violadas as disposições legais indicadas pela recorrente nem um qualquer outro normativo.
I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), referindo que, sob pena de repetições desnecessárias, nada mais há a acrescentar ao já explanado nas contra alegações apresentadas, às quais expressamente adere, emitindo parecer no sentido de o presente recurso não obter provimento.
I.6 Foi cumprido o disposto no art.º 418.º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e o projecto de acórdão por via electrónica, após o que se determinou a sua inscrição para julgamento em conferência.
I.7 QUESTÃO PRÉVIA: admissibilidade do recurso
No que concerne ao direito adjectivo, aplica-se o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Coloca-se a questão prévia de decidir sobre a admissibilidade do recurso na parte dirigida a pôr em causa a sentença ao manter a decisão da ACT, relativamente às contra-ordenações seguintes:
B- No processo nº……818 na coima de 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
C -No processo nº……823 na coima de € 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela pratica da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
E - No processo nº……824 na coima de € 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de agosto;
F - No processo nº……338 na coima de 845,00€ - oitocentos e quarenta e cinco euros, pela pratica da contraordenação p. e p. no artigo n.º 16º nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março conjugado com o artigo 21 e 14 nº 6 da lei 27/2010 de 30 de Agosto;
G – No processo nº……122, no montante de € 630,00€ seiscentos e trinta euros, pela pratica da contraordenação p.e p. no artigo 8 nº 6, com referência ao artigo 4º, alínea h) do Regulamento CE 561/2006,do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, a título negligente, esta não impugnada pela arguida.
Conforme o disposto no n.º 1, do artigo 49.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da sentença, além do mais, quando for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC.
Para além dos casos enumerados no citado n.º 1, «pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência» - n.º 2, do mesmo normativo.
Nestes casos, cabe ao recorrente justificar a admissibilidade do recurso, em requerimento autónomo, constituindo questão prévia a apreciação e decisão do mesmo (art.º 50.º n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 107/2009).
À recorrente foi imputada pelo ACT a prática de oito contra-ordenações, tendo sido condenada no pagamento de oito coimas, uma por cada um desses ilícitos de mera ordenação social, para depois lhe ser fixada, em cúmulo jurídico, a coima única no valor de 5.870,00€.
Na impugnação judicial pôs em causa a prática das contra-ordenações imputações e as coimas aplicadas, excepto quanto à respeitante ao processo ……122, com a qual se conformou, inclusive quanto ao montante da coima [630,00 €].
A impugnação judicial procedeu parcialmente, nomeadamente, quanto às coimas aplicadas no âmbito dos processos ……819 e ……822, cada um delas no valor de € 230,00. Quanto às demais contra-ordenações imputadas, bem como quanto às respectivas coimas, o Tribunal a quo julgou a impugnação judicial improcedente e manteve a decisão administrativa, em consequência procedendo a novo cúmulo jurídico das coimas individualmente mantida, condenando a arguida “ ao abrigo do disposto no art.º 19.º do RGCOC, condeno a arguida na coima única de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros)”.
Como é entendimento pacífico, o n.º 1, do artigo 49.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, ao condicionar a admissibilidade do recurso aos casos em que tenha sido “aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente”, reporta-se ao valor da coima individualmente considerada aplicada pela prática de uma determinada contra-ordenação, mas já não à coima única aplicada em cúmulo jurídico, quando for caso de pluralidade de infracções.
Só esta interpretação tem cabimento, posto que o n.º3, do mesmo artigo, vem dizer que “Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites”.
Com efeito, como elucida o acórdão desta Relação de 15/10/2012 [Proc.º nº 602/11.0TTGMR.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt] “O legislador, ao dispor, como dispôs, no nº 3 do ar. 49º da Lei 107/2009, de 14.09, não poderia deixar de saber que, contemplando a decisão condenatória várias infrações, estas não poderiam deixar de ser objeto de cúmulo jurídico e, por consequência, da aplicação de uma coima única encontrada a partir das coimas parcelares correspondentes a cada uma das infrações cometidas, pelo que a citada norma reporta-se ao valor da coima parcelar”.
Por conseguinte, verificando-se que as coimas acima enunciadas são em valor inferior 25 UC, o recurso, no que a elas respeita, só poderia ser eventualmente admissível a título excepcional, nos termos previstos no n.º2, do art.º 49.º da Lei 107/2009, caso se verificassem os necessários requisitos e, para além disso, assinalámos, desde que o recorrente o tivesse requerido em conformidade com o disposto no art.º 50.º n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 107/2009.
Assim, por inadmissível, rejeita-se o recuso na parte em que se insurge contra a sentença por ter mantido a decisão da ACT, imputando à arguida e recorrente a prática das contra-ordenações acima indicadas, designadamente, as seguintes:
- B- No processo nº……818 na coima de 845,00€C;
- C -No processo nº……823 na coima de € 845,00€;
- E - No processo nº……824 na coima de € 845,00€;
- F - No processo nº……338 na coima de 845,00€;
- G – No processo nº……122, no montante de € 630,00€.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), as questões colocadas para apreciação - na parte admitida do recurso -, consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao confirmar a decisão da autoridade administrativa e condenar a recorrente “A- No processo nº……341 na coima de 2.700,00€ - dois mil e setecentos euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo 36.º, n.º 2, Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014, e no artigo 14 nº 6 da Lei 27/2010 de 30 de agosto;”.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos fixados pela 1.ª instância com relevo para a apreciação do recurso – na parte em que o recurso foi admitido -, são os seguintes:
1. A arguida “B…, S.A.”, com NIPC NIF ………, com sede e local de trabalho na Rua …, n.º …., ….-… …, Vila Nova de Gaia, está licenciada para o transporte público de passageiros pelo respetivo órgão regulador IMT, em diversas modalidades arguida a sociedade
2. E tem como objeto social o transporte interurbano em autocarros (CAE …..);
3. A sua atividade principal reside em grande parte no transporte de passageiros de serviço regular (+/-70%) sendo o ocasional e especializado a parte restante.
4. A arguida opera, no que tange aos transportes de passageiros de serviço regular, concessões inferiores a 50 km de extensão.
5.Todavia, a arguida realiza outros serviços de transportes rodoviários de passageiros não regulares/ocasionais, e sujeitos ao aparelho de controlo.
Relativos ao processo nº……341:
6. No dia 20 de outubro de 2019, pelas 15H55, na rotunda de Acesso à AE .. em …, concelho de Vila Nova de Gaia, a arguida mantinha em circulação o veículo pesado de passageiros, identificado com a matrícula ..-UC-.., de sua propriedade.
7. A viatura era conduzida por C…, que na jornada do trabalho do dia 20 de outubro de 2019, efetuava um transporte público de passageiros, serviço ocasional para a D…, em Espinho.
8. Na data e hora acima mencionada, e no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito o agente da Guarda Nacional Republicana, solicitou, ao acima identificado condutor, a apresentação das folhas de registo, referentes aos 28 dias anteriores ao dia da fiscalização, ou seja desde o dia 22 de setembro a 19 de outubro de 2019.
9. O condutor não exibiu ao militar autuante os registos referentes aos dias 26 de setembro, 1, 4, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, e 18 de outubro de 2019.
10. Consta do auto de notícia que o condutor declarou que nesses dias esteve a realizar transporte regular de passageiros para a entidade patronal, nas linhas de …/…, ...-…,…-…, e …-…;
11. No decurso da fiscalização o condutor não exibiu Horário de Trabalho, Isenção de Horário de Trabalho, Livrete Individual de Controlo, escala de serviço, ou declaração de atividade que corroborasse tais declarações.
12. O motorista fiscalizado exibiu registos tacográficos relativos ao período exigível, que se reportam a serviços ocasionais.
13. A arguida autenticou o Livrete Individual de Controlo para o condutor/ trabalhador fiscalizado, com data de vigência a 29/07/2019, que o trabalhador recebeu em 24/07/2019.
14. A arguida não observou o padrão médio de um empregador avisado, informado e prudente, não agindo com cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
15. Consta do Registo Nacional de Infratores a punição da arguida por factos análogos aos dos autos.
II.2 MOTIVAÇÃO
No plano do direito substantivo, às questões em apreço aplica-se a Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, diploma que estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas n.ºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro.
II.2.1 Em apreciação coloca-se a questão de saber se o o Tribunal a quo errou o julgamento ao confirmar a decisão da autoridade administrativa e condenar a recorrente “A- No processo nº……341 na coima de 2.700,00€ - dois mil e setecentos euros, pela prática da contraordenação p. e p. no artigo 36.º, n.º 2, Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014, e no artigo 14 nº 6 da Lei 27/2010 de 30 de agosto”.
Na fundamentação da decisão recorrida, no que concerne à imputação dessa contra-ordenção, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
-«I - No âmbito do processo nº ……341 vem imputada à arguida a prática de infração contraordenação prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 25.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, com referência ao 36.º, n.º 1, Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014.
Quanto a esta contraordenação resultaram provados os seguintes factos:
6- No dia 20 de outubro de 2019, pelas 15H55, na rotunda de Acesso à AE .. em …, concelho de Vila Nova de Gaia, a arguida mantinha em circulação o veículo pesado de passageiros, identificado com a matrícula ..-UC-.., de sua propriedade.
7. A viatura era conduzida por C…, que na jornada do trabalho do dia 20 de outubro de 2019, efetuava um transporte público de passageiros, serviço ocasional para a D…, em Espinho.
8. Na data e hora acima mencionada, e no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito o agente da Guarda Nacional Republicana, solicitou, ao acima identificado condutor, a apresentação das folhas de registo, referentes aos 28 dias anteriores ao dia da fiscalização, ou seja desde o dia 22 de setembro a 19 de outubro de 2019.
9 - O condutor não exibiu ao militar autuante os registos referentes aos dias 26 de setembro, 1, 4, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, e 18 de outubro de 2019.
10 - Consta do auto de notícia que o condutor declarou que nesses dias esteve a realizar transporte regular de passageiros para a entidade patronal, nas linhas de …/…, …-…, …-…, e …-…;
11 - No decurso da fiscalização o condutor não exibiu Horário de Trabalho, Isenção de Horário de Trabalho, Livrete Individual de Controlo, escala de serviço, ou declaração de atividade que corroborasse tais declarações.
12. O motorista fiscalizado exibiu registos tacográficos relativos ao período exigível, que se reportam a serviços ocasionais.
13. A arguida autenticou o Livrete Individual de Controlo para o condutor/ trabalhador fiscalizado, com data de vigência a 29/07/2019, que o trabalhador recebeu em 24/07/2019.
Nos termos do disposto da legislação acima citada:
Artigo 36º
Registos que devem acompanhar o condutor
1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006.
2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) O seu cartão de condutor;
ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) n.o 561/2006;
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.
Ora, da factualidade dada como provada, constata-se que a arguida cometeu, de facto esta contraordenação que lhe vem imputada.
Com efeito, nesse dia, o motorista C…, efetuava um serviço ocasional, para o qual a arguida está efetivamente licenciada. Ou seja, não efetuava carreira regular, com menos de 50 Km, pelo que assim sendo, tinha a obrigatoriedade de apresentar o registo dos últimos 28 dias. Não o fez, e pese embora tenha de facto apresentado os registos referentes aos dias em que efetuou transportes ocasionais, não comprovou o que se passou nos restantes (se esteve de folga ou a “fazer carreiras”- leia-se percursos com menos de 50 Km de extensão) não tendo aliás e de resto apresentado, comprovativo de que assim sucedeu, não exibiu Horário de Trabalho, Isenção de Horário de Trabalho, escala de serviço nem sequer o Livrete Individual de Controlo, invocando que se “se esqueceu”.
Face à matéria provada, e ao direito aplicável, duvidas não restam que a arguida cometeu esta contra ordenação, não se vislumbrando qualquer causa de exclusão de ilicitude ou da culpa, de devendo ser sancionada pela prática da mesma, nos termos do disposto no art.º 14.º n.º 4 al. a da Lei 27/2010 de 30.8, com coima de) De 20 UC a 300 UC em caso de negligência, agravada nos seus limites máximos e mínimos em 30%, e virtude de se tratar de transporte de passageiros (cfr. art.º 14.º n.º 6 da citada Lei)».
Recorrendo às alegações de recurso para melhor compreensão da posição defendida pela recorrente no que concerne a esta imputação em concreto, argumenta esta o seguinte:
VII- Não praticou a infracção inserta na alínea a), do no 1, do art.º 25.ºda Lei 27/2010, cm referência ao artigo 36º, n.º 1 do Regulamento (EU) no 165/2014.
VIII- Isto porque o imputado à recorrente diz respeito a violações de motorista que: “conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
(...)
XIX - O motorista fiscalizado conduzia uma viatura equipada com tacógrafo digital, com a marca Siemens- Continental Automotive GmbH onde se encontrava inserido o seu CQM com o número …….., e não como lhe foi imputado no n.º 1, do artigo 36.º do Regulamento (EU) 165/2014.
X/XI - O Governo português não regulamentou e adotou o quadro legislativo, até à presente data, do Regulamento (EU) no 165/2014, que dispõe no seu artigo 46.º (Medidas transitórias) para tais casos que ”Se os atos de execução referidos no presente regulamento não forem adotados de modo a poderem ser aplicados quando este o for, mantém-se transitoriamente em vigor o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, inclusive no seu Anexo I B, até à data de aplicação dos atos de execução referidos no presente regulamento”.
XII- Igualmente não poderia proceder a promoção jurídica suportada na Lei 27/2010 porquanto, esta foi publicada alguns anos antes do Regulamento que a decisão diz aplicar, sendo que o objeto de tal Lei se encontra plasmado no artigo 1.º da mesma, de forma imperativa, não cabendo nele o referido Regulamento.
XIII/XIV- Atento o artigo 46.ºdo Regulamento citado, tem que entender-se que no quadro interno jurídico se encontra em vigor Regulamento (CEE) n..º 3821/85, este, sim, contemplado na Lei 27/2010 (alínea b), do n..º1, do artigo 1.º).
XV- Regulamento adotado na Portaria 983/2007 de 27 de agosto, a qual tem com o objeto as “Condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afeto à exploração de veículos automóveis e forma do registo dos tempos de trabalho e de repouso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou no AETR”.
XVI/XVII- O registo, para trabalhadores móveis, como é o caso do motorista fiscalizado, é feito em LIC (n.º 2 e 3, do artigo 1.º e artigo 3.º, ambos da referida Portaria), que corresponde ao documento nominado por “escala” na alínea c), do n.º 1, do artigo 25.º da Lei 27/2010.
XVIII/XIX- A recorrente autenticou o Livrete/Escala (número 13 MF) e o motorista recebeu-o (número 13 MF).
XX- Era obrigação do senhor motorista ter o livrete em seu poder porque se encontrava ao serviço, de forma a poder apresentá-lo ao agente fiscalizador (alíneas c) e d) do artigo 6.º da Portaria 983/2007).
XXI- O motorista declarou no tribunal que tinha esquecido o LIC no outro autocarro.
XXII. O motorista relatou a atividade entre os dias 26-09-2019 a 17-10-2019, com base no LIC que tinha em seu poder, sem que de tal relato emergisse qualquer violação à sua obrigação de não ter organizado o trabalho de modo que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
Após essas alegações, consta, sob o título “EM CONCLUSÃO QUANTO A ESTE PROCESSO”, o seguinte:
1 - A recorrente deu total cumprimento ao quadro legal em vigor, nomeadamente, de forma que, tal como o contido no n.º 2, do artigo 13.º da referida Lei 27/2010, quando ali se determina que: “A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março”;
2 - A imputação feita à recorrente, o fato que lhe é imputado (no I Do Direito aplicável às contra ordenações conforme sentença recorrida) não se encontra contemplado no quadro jurídico português, porquanto o Regulamento (EU) no 165.º/2014, não se mostra adotado na legislação portuguesa;
3 - Finalmente dos autos e fatos provados não se evidenciam fundados motivos para imputar à recorrente responsabilidade pela infração cometida, tão pouco a nível de negligência.
II.2.2 Impõe-se assinalar que a recorrente vem invocar factos que não constam do elenco da matéria provada pelo Tribunal a quo, quando não o deveria fazer, pois como bem saberá o recurso é apreciado apenas face à matéria de facto provada pela 1.ª instância, logo, sendo de todo inútil estribar-se em factos que estão à margem desse elenco.
Ora, não resulta dos factos provados que o veículo pesado de passageiros, identificado com a matrícula ..-UC-.., ou seja, a conduzida pelo motorista C…, no dia 20 de outubro de 2019, pelas 15H55, na rotunda de Acesso à AE .. em …, concelho de Vila Nova de Gaia, quando foi fiscalizado, estivesse equipada com tacógrafo digital.
Diga-se, ainda, que nem tão pouco tal consta do auto de notícia levantado pelo agente da GNR, nem dos factos provados relativos a este processo constantes da decisão final da ACT. De resto, a defesa da ali arguida não passou por essa alegação, mas antes [pontos 5 e 6 da defesa] que a sua actividade principal reside em grande parte no transporte de passageiros de serviço regular e só opera concessões inferiores a cinquenta quilómetros de extensão, «[ponto 7 da defesa] como tal, os seus motoristas fazem os registos de tempos de trabalho nos termos do disposto no quadro legal estabelecido no DL 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com a portaria de regulamentação n.º 938/2007, de 27 de Agosto”, [ponto 8 da defesa] tendo dado cumprimento ao aí estabelecido, tendo fornecido ao trabalhador o LIC [Livrete individua do condutor].
Por conseguinte, as alegações constantes nos pontos VII, VIII e XIX, acima reproduzidas, não podem ser consideradas, visto assentarem num facto não provado.
Por outro lado, o mesmo é de dizer quanto ao alegado no ponto XXII acima transcrito. De acordo com os factos provados 9, 10 e 11, na acção de fiscalização o condutor não exibiu “os registos referentes aos dias 26 de setembro, 1, 4, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, e 18 de outubro de 2019”, tendo declarado que “nesses dias nesses dias esteve a realizar transporte regular de passageiros para a entidade patronal, nas linhas de …/…, …-…, …-…, e …-…”, mas não “não exibiu Horário de Trabalho, Isenção de Horário de Trabalho, Livrete Individual de Controlo, escala de serviço, ou declaração de atividade que corroborasse tais declarações”.
É certo que a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo refere que «[..] no depoimento da testemunha C…, que trabalha como motorista para a recorrente e que por referencia aos factos imputados à arguida no dia 20.10.2019 (Proc ……341) referiu que era ele quem conduzia o veiculo ligeiro de passageiros nesse dia; que não tinha consigo o registo de atividade diária dos últimos dias, pois que se tinha esquecido da mesma no outro autocarro, mas que a caderneta estava devidamente validada com o carimbo do ACT e com data de 29.7.2019. Com base na mesma, relatou a sua atividade entre os dias (intercalados) de26.9.2019 a 17.10.2019”.
Contudo, daí não pode a recorrente extrapolar que [ponto XXII] “O motorista relatou a atividade entre os dias 26-09-2019 a 17-10-2019, com base no LIC que tinha em seu poder, […]”, como que a sugerir que o motorista tinha em seu poder o LIC quando foi fiscalizado, ou se não é essa a intenção, pelo menos a pretender que o facto de o motorista ter o LIC em seu poder na audiência de julgamento supre a falta de apresentação naquele acto. Para além disso, não resultou igualmente provado que o condutor, nos dias relativamente aos quais não apresentou registos, estivesse efcectivamente a trabalhar nos termos que declarou ao Senhor Agente. Apenas está provado que fez essa declaração, que é coisa bem diferente, mas não a comprovou, como o elucida claramente o facto provado 11, na medida em que não apresentou qualquer dos documentos que poderiam evidenciar essa afirmação.
Justamente por isso, na fundamentação de direito o Tribunal a quo conclui como segue:
Ora, da factualidade dada como provada, constata-se que a arguida cometeu, de facto esta contraordenação que lhe vem imputada.
Com efeito, nesse dia, o motorista C..., efetuava um serviço ocasional, para o qual a arguida está efetivamente licenciada. Ou seja, não efetuava carreira regular, com menos de 50 Km, pelo que assim sendo, tinha a obrigatoriedade de apresentar o registo dos últimos 28 dias. Não o fez, e pese embora tenha de facto apresentado os registos referentes aos dias em que efetuou transportes ocasionais, não comprovou o que se passou nos restantes (se esteve de folga ou a “fazer carreiras”- leia-se percursos com menos de 50 Km de extensão) não tendo aliás e de resto apresentado, comprovativo de que assim sucedeu, não exibiu Horário de Trabalho, Isenção de Horário de Trabalho, escala de serviço nem sequer o Livrete Individual de Controlo, invocando que se “se esqueceu”».
Não obstante concordarmos com esta conclusão do Tribunal a quo, não podemos deixar de dizer que a fundamentação deveria ser mais completa, de modo a permitir perceber com clareza as razões subjacentes a essa consideração.
Mostra-se, pois conveniente, senão mesmo necessário, proceder a essa explicação, tanto mais que serve para rebater os argumentos invocadas pela recorrente, nomeadamente, o apelo à Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, que se prende com a argumentação que logo usou na defesa apresentada no âmbito do procedimento administrativo, na consideração que atenta a sua actividade de transporte de passageiros de serviço regular e o facto de só operar concessões inferiores a cinquenta quilómetros de extensão, “os seus motoristas fazem os registos de tempos de trabalho nos termos do disposto no quadro legal estabelecido no DL 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com a portaria de regulamentação n.º 938/2007, de 27 de Agosto”.
II.2.3 O Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, conforme indicado no art.º 1.º, “regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho” [n.1]; e, “transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário” [n.º2].
Estabelece o art.º 4.º desse diploma, no que aqui interessa, o seguinte:
[1] No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.
[2]- A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.
[..]»
Por seu turno, o REGULAMENTO (CE) n.º 561/2006 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 15 de Março de 2006, [art.º 1.º] relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.º 3821/85 e (CEE) n.º 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho”, que [art.º 1.º] ”[..] estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária. O presente regulamento pretende igualmente promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados-Membros e das práticas laborais no sector dos transportes rodoviários”, começa por delimitar as situações de transporte rodoviário a que se aplica, no art.º 2.º, e aquelas que estão excluídas do âmbito da sua aplicação, agora no art.º3.º, entre elas constando os [al. a] “Veículos afectos ao serviço regular de transporte de passageiros, cujo percurso de linha não ultrapasse 50 quilómetros”.
Por último, a Portaria n.º 938/2007, de 27 de Agosto, conforme decorre do seu art.º1.º: [n.º1] “regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho”; [n.º2] “[..] estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho”; e, estabelece que [n.º3] «O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários”.
Vem depois o art.º 3.º, com a epigrafe “Registo”, dizer que “O registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características: […]».
Do regime decorrente da conjugação destes normativos, retira-se que a argumentação da recorrente tem apoio, no que concerne à sua actividade “principal”, nos factos provados 1 a 4, onde consta assente:
1. A arguida “B…, S.A.”, com NIPC NIF ………, com sede e local de trabalho na Rua …, n.º …., ….-… …, Vila Nova de Gaia, está licenciada para o transporte público de passageiros pelo respetivo órgão regulador IMT, em diversas modalidades arguida a sociedade
2. E tem como objeto social o transporte interurbano em autocarros (CAE …..);
3. A sua atividade principal reside em grande parte no transporte de passageiros de serviço regular (+/-70%) sendo o ocasional e especializado a parte restante.
4. A arguida opera, no que tange aos transportes de passageiros de serviço regular, concessões inferiores a 50 km de extensão.
Contudo, provou-se também que a arguida [facto 5] “[..] realiza outros serviços de transportes rodoviários de passageiros não regulares/ocasionais, e sujeitos ao aparelho de controlo”.
Ou seja, estando a actividade da arguida desdobrada entre o transporte de passageiros de serviço regular, concessões inferiores a 50 km de extensão (+/-70%) e a realização de outros serviços de transportes não regulares/ocasionais, caracterizando-se estes últimos por estarem fora do âmbito das concessões inferiores a 50 km de extensão, aplicam-se-lhe regras distintas consoante os seus veículos estejam a circular numa ou noutra situação, sendo que neste último caso, estão sujeitos ao aparelho de controlo, por não se enquadrarem na previsão do art.º3.º/ al. a), do Regulamento n.º 561/2006.
Dito de outro modo, nesse caso não tem aplicação o Regulamento CEE 561/2006, ou seja, não se aplicam as regras nele previstas [art.º 1.º] “em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros”.
Ora, conforme resulta dos factos 6 e 7, na situação concreta a que respeita a imputação da contra-ordenação em causa, o veículo fiscalizado, pesado de passageiros, com a matrícula ..-UC-.., propriedade da recorrente, naquela ocasião conduzido por C…, “efetuava um transporte público de passageiros, serviço ocasional para o D…, em Espinho”.
Vale isto por dizer, que nessa ocasião - estando o veículo a circular para efectuar um transporte público de passageiros, em serviço ocasional para a D…, em Espinho – essa actividade, em concreto, a condução pelo motorista C…, no que respeita ao controle de tempos de condução, pausas e períodos de repouso, não se inscrevia na previsão do art.º 3.º /al. a), do Regulamento n.º 561/2006, antes se enquadrando no previsto no art.º 2.º/1 al. b), aplicando-se as regras do mesmo, por se estar perante transporte rodoviário “ De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade”.
Aqui chegados, coloca-se então a questão relativa à aplicação do art.º 36.º, n.º 1, Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, opondo a recorrente que o Governo português não regulamentou e adotou o quadro legislativo, até à presente data, do Regulamento (EU) no 165/2014, pelo que face ao disposto no seu art.º 46.º ”tem que entender-se que no quadro interno jurídico se encontra em vigor Regulamento (CEE) n.º 3821/85, este, sim, contemplado na Lei 27/2010 (alínea b), do n.º1, do artigo 1.º)”.
Não acolhemos este argumento.
A Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, como decorre do seu artigo 1.º, veio estabelecer o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas n.ºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro.
Mais precisamente, no que aqui releva, transpôs aquelas directivas na parte respeitante a:
a)- Regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março;
b)- Controlo, no território nacional, da instalação e utilização de tacógrafos de acordo com o Regulamento (CE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e da aplicação das disposições sociais constantes do regulamento referido na alínea anterior.
O Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, é “relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, que revoga o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e que altera o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários”, refere entre os considerandos que justificaram a sua feitura, no que aqui releva, o seguinte:
Considerando o seguinte:
(1) O Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho (3) estabelece disposições relativas à construção, instalação, utilização e ensaio de tacógrafos. Esse regulamento foi alterado por várias vezes de modo substancial. A fim de assegurar uma maior clareza, importa, por conseguinte, simplificar e reestruturar as suas principais disposições.
(2) A experiência revela que, para garantir a eficácia e a eficiência do sistema tacográfico, certos elementos técnicos e certos procedimentos de controlo devem ser melhorados.
(3) Certos veículos beneficiam de uma isenção das disposições do Regulamento (CE) n. o 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho (4). Por uma questão de coerência, deverá ser também possível isentar esses veículos da aplicação do presente regulamento.
(4) Os tacógrafos deverão ser instalados em veículos aos quais seja aplicável o Regulamento (CE) n.º 561/2006. […].
[…]
(31) Os atos de execução adotados para efeitos do presente regulamento que irão substituir o disposto no Anexo I B do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 e outras medidas de execução deverão estar em vigor até 2 de março de 2016. Todavia, se por qualquer motivo esses atos de execução não forem adotados a tempo, deverão ser adotadas medidas transitórias que salvaguardem a necessária continuidade.
(32) Os atos de execução referidos no presente regulamento não deverão ser adotados pela Comissão quando o comité referido no presente regulamento não emitir parecer sobre o projeto de ato de execução apresentado pela Comissão.
(33) No âmbito da aplicação do Acordo AETR, as referências ao Regulamento (CEE) n.º 3821/85 deverão entender-se como sendo feitas ao presente regulamento. A União analisará as medidas adequadas a tomar na Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa para assegurar a necessária coerência entre o presente regulamento e o Acordo AETR.
(34) A Autoridade Europeia para a Proteção de Dados foi consultada nos termos do artigo 28.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n. o 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho ( 2 ), e emitiu parecer em 5 de outubro de 2011 ( 3 ).
(35) Por conseguinte, o Regulamento (CEE) n.º3821/85 deverá ser revogado»
Por seu turno, estabelecem os artigos 1.º e 2.º o seguinte:
Artigo 1.º Objeto e princípios
1. O presente regulamento estabelece as obrigações e os requisitos relacionados com a construção, instalação, utilização, ensaio e controlo dos tacógrafos utilizados nos transportes rodoviários para verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n. º 561/2006, da Diretiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (4) e da Diretiva 92/6/CEE do Conselho (5).
Os tacógrafos devem cumprir os requisitos do presente regulamento no que se refere às condições de construção, instalação, utilização e ensaio.
2. O presente regulamento estabelece as condições e os requisitos ao abrigo das quais as informações e os dados que não sejam dados pessoais, registados, tratados ou armazenados pelo tacógrafo podem ser utilizados para fins distintos da verificação do cumprimento dos atos a que se refere o n.º1.
Artigo 2.º Definições
1. Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as definições constantes do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º561/2006.
2. Para além das definições referidas no n.º 1, para efeitos do presente regulamento aplicam-se as seguintes definições:
[..]»
Como logo se retira destes considerandos e, também, dos artigos 1.º e 2.º, o Regulamento (UE) n.º 165/2014 não veio introduzir um regime originário em matéria de controle de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros. Por um lado, mantem-se vigente o Regulamento (CE) n.º 561/2006, apenas se introduzindo alterações às normas referidas no art.º 45.º. Por outro, o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 é revogado, passando a vigorar este Regulamento, mas tendo em vista alcançar por via das alterações introduzidas, em geral, a simplificação e reestruturação das principais disposições, o melhoramento de certos elementos técnicos e certos procedimentos de controlo para garantir a eficácia e a eficiência do sistema tacográfico, assim como rever outros aspectos, entre eles, estendendo a outros veículos a isenção de sujeição às do Regulamento (CE) n.º 561/2006.
O art.º 46.º, a que apela a recorrente para sustentar que o Regulamento UE) n.º 165/2014, não tem vigência em território nacional, em razão de não ter sido ainda regulamentado, dispõe o seguinte:
Artigo 46.º Medidas transitórias
Se os atos de execução referidos no presente regulamento não forem adotados de modo a poderem ser aplicados quando este o for, mantém-se transitoriamente em vigor o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, inclusive no seu Anexo I B, até à data de aplicação dos atos de execução referidos no presente regulamento».
Ora, salvo o devido respeito, desta norma não pode retirar-se, com parece pretender sugerir a recorrente, que a entrada em vigor da Regulamento (UE) n.º 165/2014 está dependente da publicação de um diploma que o regulamente.
A norma refere-se aos “atos de execução” mencionados no regulamento, p. ex., no art.º 12.º, relativo a pedidos por fabricantes para homologação de “modelo de unidade-veículo, sensor de movimentos, folha de registo ou cartão tacográfico”, que devem ser efectuados junto das “autoridades de homologação para esse efeito designadas por cada Estado-Membro” [n.º1], dispondo depois o n.º2, que “Os Estados-Membros comunicam à Comissão até 2 de março de 2015 o nome e as informações de contacto das autoridades designadas a que se refere o n.º 1 e, posteriormente, eventuais atualizações, se necessário. A Comissão publica a lista das autoridades de homologação designadas no seu sítio web e procede à atualização dessa lista”. Na sequência dessa norma, vem depois dizer o art.º 14.º, com a epígrafe “Marca de homologação” [sublinhado e realce nosso]: “Os Estados-Membros atribuem ao requerente uma marca de homologação, conforme a um modelo preestabelecido, para cada modelo de unidade-veículo, sensor de movimentos, folha de registo ou cartão tacográfico que homologuem nos termos do artigo 13. º e do Anexo II. Os modelos são adotados pela Comissão, através de atos de execução, pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 42.º, n.º 3.”
Afigura-se-nos, pois, que a norma tem em vista acautelar matérias relativamente às quais foram introduzidas alterações de procedimentos dependentes de actos de execução dos Estados Membros, que caso não tenham sido adoptadas até à entrada em vigor do Regulamento, ou enquanto não o forem, na medida em que obstam aplicação daquelas, quanto às mesmas “(..) mantém-se transitoriamente em vigor o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, inclusive no seu Anexo I B, até à data de aplicação dos atos de execução referidos no presente regulamento”.
De igual modo não acolhemos o argumento da recorrente, ao defender que se mantém vigente o Regulamento (CEE) n.º 3821/85, por ser este o “contemplado na Lei 27/2010 (alínea b), do n.º1, do artigo 1.º)”.
É certo que o art.º 1.º n.º1, al. b), da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, refere o Regulamento (CE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro. Porém, acautelando essa e outras referências, o Regulamento (UE) n.º 165/2014, estabelece no art.º 47.º, com a epígrafe “Revogação”, o seguinte: “É revogado o Regulamento (CEE) n.º 3821/85. As referências ao regulamento revogado devem entender-se como sendo feitas ao presente regulamento”.
Por conseguinte, aquela referência do art.º 1.º n.º1, al. b), da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, deve ser entendida como feita ao Regulamento (UE) n.º 165/2014, a partir da sua entrada em vigor, nos termos estabelecidos no artigo 48.º, nomeadamente, os seguintes:
-«O presente regulamento entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.
Sob reserva das medidas transitórias previstas no artigo 46. o , o presente regulamento é aplicável com efeitos a partir de 2 de março de 2016. No entanto, as disposições dos artigos 24.º, 34.º e 45.º são aplicáveis com efeitos a partir de 2 de março de 2015».
Por último, em reforço da afirmada desnecessidade de regulamentação, sublinha-se que o próprio Regulamento (UE) n.º 165/2014 é concluído com a regra seguinte: “O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros”.
Não temos, pois, dúvidas quanto à sua aplicabilidade ao caso, mormente, quanto ao estabelecido no artigo 36.º, com a epígrafe “Registos que devem acompanhar o condutor”, cujo teor é o seguinte:
1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n. o 561/2006.
2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) O seu cartão de condutor;
ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) n. º 561/2006;
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.
3. Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29.º , n.º 2, e do artigo 37.º, n.º2, do presente regulamento.
Como decorre com clareza dos n.ºs1 e 2, é no acto de fiscalização pelos agentes de controlo autorizados, designadamente, as autoridades policiais, que o condutor deve apresentar os elementos ali referidos ou, na falta destes, por não existirem ou por não estarem na sua posse, qualquer documento comprovativo que justifique o incumprimento.
No caso, pelo agente da GNR, no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito, foi solicitado ao condutor C…, a apresentação das folhas de registo, referentes aos 28 dias anteriores ao dia da fiscalização, ou seja desde o dia 22 de setembro a 19 de outubro de 2019 [factos 7 e 8].
O condutor exibiu registos tacográficos relativos ao período exigível, que se reportam a serviços ocasionais [facto 12], mas já não exibiu os “registos referentes aos dias 26 de setembro, 1, 4, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, e 18 de outubro de 2019” [fact9 9], tendo declarado “que nesses dias esteve a realizar transporte regular de passageiros para a entidade patronal, nas linhas de …/…, …-…, …-…, e …-…” [facto 10].
Contudo, “não exibiu Horário de Trabalho, Isenção de Horário de Trabalho, Livrete Individual de Controlo, escala de serviço, ou declaração de atividade que corroborasse tais declarações”.
Dito de outro modo, se o condutor naqueles outos dias relativamente aos quais não apresentou registos de tacógrafo esteve de facto “a realizar transporte regular de passageiros para a entidade patronal, nas linhas de …/…, …-…, …-…, e …-…”, caso em que a prestação da sua actividade, no que respeita ao controle de tempos de condução, pausas e períodos de repouso, estaria a coberto da previsão do previsão do art.º 3.º /al. a), do Regulamento n.º 561/2006, logo, não sendo obrigatório o uso de tacógrafos e sendo esse controle efectuado através dos registos efectuados no Livrete Individual de Controlo, então deveria ter consigo esse documento para o demonstrar.
Em alternativa, poderia também ter demonstrado o que declarou mediante exibição de Horário de Trabalho, Isenção de Horário de Trabalho, escala de serviço, ou declaração de atividade que corroborasse tais declarações. Enfim, teria que dispor de elementos que permitissem ao agente fiscalizador, naquele próprio acto, verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006.
Acontece que o motorista não dispunha de qualquer elemento e, logo, não ficou demonstrado que nos dias 26 de setembro, 1, 4, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, e 18 de outubro de 2019, efectivamente estivesse a desempenhar a actividade que alegou, justificando assim a falta dos registos referentes a esses dias.
Assim sendo, só pode concluir-se que no acto de fiscalização o motorista do veículo da recorrente não cumpriu o dever de apresentação dos registos tacográficos desse dia e dos 28 dias anteriores, ou de outros elementos que permitissem ao agente da GNR concluir que tal não era devido, mas sempre fazendo, através deles, a verificação do cumprimento dos tempos de condução, pausas e tempos de repouso, em conformidade com o previsto no art.º 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014.
Para esses casos o art.º 25.º, com a epígrafe “Apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização”, da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, estabelece o seguinte:
1 — Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor;
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável.
[..].
Assim sendo, resta concluir que se mostra verificada a prática da infração imputada, constituindo a mesma contra-ordenação muito grave.
Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos desta Relação, todos disponíveis em www.dgsi.pt, de 19-03-2018 [proc.º 204/17.8T8MTS.P1, Desembargadora Teresa Sá Lopes]; de 4-11-2019 [proc.º 5135/18.0T8OAZ.P1, Desembargador Nelson Fernandes];e, de 18-01-2021 [Procº nº 4169/19.2T8OAZ.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho].
II.2.4 Afirmada aquela conclusão, importa atentar no art.º 13.º [Responsabilidade pelas contra-ordenações], dispondo, na parte que aqui interessa, o seguinte:
1. A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
[..]».
Vem a recorrente defender que autenticou o Livrete/Escala (número 13 MF) e o motorista recebeu-o (número 13 MF), sendo obrigação deste tê-lo em seu poder porque se encontrava ao serviço, de forma a poder apresentá-lo ao agente fiscalizador.
Nesse pressuposto, defende que deu total cumprimento ao quadro legal em vigor, nomeadamente, de forma que, tal como o contido no n.º 2, do artigo 13.º da referida Lei 27/2010, quando ali se determina que: “A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março”.
Esta argumentação só poderia ter base factual desde que tivesse ficado provado que o condutor, tal como declarou ao Senhor Agente da GNR, nos dias relativamente aos quais não apresentou registos de tacógrafo - 26 de setembro, 1, 4, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, e 18 de outubro de 2019 - esteve de facto “[..]a realizar transporte regular de passageiros para a entidade patronal, nas linhas de …/…, …-…, …-…, e …-…”.
Ora, como já se disse e repetiu, tal não ficou provado. Apenas está provado que foi prestada essa declaração.
Daí que o que esteja em causa seja a falta de apresentação dos registos relativos àqueles dias.
Assim, este argumento não pode ser acolhido, dada a manifesta irrelevância.
Mais defende a recorrente, que dos factos provados não se evidenciam fundados motivos para imputar à recorrente responsabilidade pela infração cometida, tão pouco a nível de negligência.
Acompanhando o Acórdão desta Secção de 19 de Março de 2018 – já acima referido -, “a Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais.”
Ora, percorrendo os factos provados, logo se vê que a Recorrente não logrou excluir a sua responsabilidade, com base no disposto no artigo 13º da Lei 27/2010, ou seja, não logrou demonstrar que tenha organizado o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir o disposto no Regulamento (CE) n.º 561/2006, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
É certo ter ficado provado [facto 13] que a a arguida autenticou o Livrete Individual de Controlo para o condutor/ trabalhador fiscalizado, com data de vigência a 29/07/2019, que o trabalhador recebeu em 24/07/2019, mas tal é manifestamente insuficiente, desde logo, pelas razões já referidas.
Como sintetiza o sumário do acórdão desta secção de 07-04-2016 [Poc.º 2850/15.4T8AVR.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt], «A responsabilidade pela contraordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos arts. 15° n.º 7, al. a), e als. i) e iii) do Regulamento CEE n.º 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, 14º n.ºs 1 e 4, al. a) e 25º n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08 [não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente encarregado da fiscalização] impende, nos termos do nº 1 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08, sobre o empregador, a menos que este faça a prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no nº 2 desse art. 13º», lendo-se na respectiva fundamentação o seguinte:
[..] a organização do trabalho a que se reporta o nº 2 do art. 13º da Lei 27/2010 não tem a ver apenas com o cumprimento dos tempos de condução e repouso, mas também com o controlo dos mesmos, nomeadamente com a obrigação de apresentação das folhas de registo quando solicitadas pela autoridade competente, constituindo este um dos aspetos dessa organização e impendendo, como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional acima transcrito, “sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes (….) e ao controlo da utilização dos tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário”. Aliás, no nº 3 do art. 13º da Lei 27/2010, em que se preveem as situações em que o condutor é o responsável pela infração, não se incluem imediata ou automaticamente as situações relativas ao controle da utilização dos registos ao contrário do que sucede com a previsão da responsabilidade dos motoristas pela infração ao disposto no art. 22º. Se tivesse sido intenção do legislador subtrair a responsabilidade da entidade empregadora pela contraordenação prevista no art. 25º desse diploma certamente que o teria dito. E não o disse».
No mesmo sentido, no acórdão de 18-12-2018, desta Relação e Secção [Proc.º n.º 158/18.2T8VFR.P1, Desembargador Rui Penha, disponível em www.dgsi.pt], no qual interveio como adjunto o aqui relator, consignou-se no sumário, na parte que aqui importa, o seguinte:
-« [..]
II - A Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento nº 561/2006, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida.
III - Para excluir essa responsabilidade cabe à empresa demonstrar que pôs à disposição do motorista do seu veículo todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, nomeadamente de documentos demonstrativos da impossibilidade de apresentar escalas de serviço relativas aos 28 dias anteriores.
[..]».
Conclui-se, pois, que também quanto a este ponto improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 9 e Tabela III do RCP].

Porto, 15 de Dezembro de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes