Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4725/15.8T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TREINADOR DE MODALIDADES DESPORTIVAS
LIBERDADE CONTRATUAL
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
Nº do Documento: RP201707124725/15.8T8MTS.P1
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 259, FLS 297-324)
Área Temática: .
Sumário: I - O treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo, à luz e para os efeitos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
II - À relação laboral em apreço - treinador adjunto de futebol profissional - que, pelas suas especificidades reclama soluções diversas das impostas pelo regime geral comum, deve ser aplicável por, analogia, nos termos admitidos pelo art.º 10.º do C.C., o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo, designadamente no que respeita à celebração do contratos por determinado tempo - tendo como referência as épocas desportivas -, bem como à sua caducidade, procedendo pois as razões justificativas da regulamentação prevista na LCTD.
III - A Lei n.º 28/98, de 26 de junho, não constitui um regime jurídico excecional, mas antes um regime especial de contrato de trabalho subordinado, nada impedindo, pois, a sua aplicação analógica ao contrato celebrado entre o autor-treinador adjunto de futebol profissional – e o clube Réu.
IV- No domínio do contrato de trabalho desportivo, a lei não impede a inserção de uma condição resolutiva, desde que seja respeitado o disposto no art.º 271.º do Código Civil.
V- Aplicando-se ao caso, por analogia, a Lei 28/98, de 26 de Junho, é de admitir a possibilidade de inserção de cláusula estipulando uma condição resolutiva no contrato de trabalho celebrado com o autor.
VI - Tendo em conta todo o circunstancialismo que está subjacente à contratação do autor, bem como dos demais treinadores adjuntos, a condição resolutiva em discussão assenta em razões relevantes e, por isso mesmo, é razoável e justifica-se, sem que ofenda a disciplina contida na Lei 28/98.
VII – O autor não pode esquecer que aceitou livremente esta cláusula, cujo significado não podia ignorar e contra a qual não se insurgiu a não ser após ver cessado o contrato de trabalho, assim como não pode fazer tábua rasa de todo o circunstancialismo que envolveu a sua contratação, nomeadamente, que só foi contratado pelo clube por exigência do treinador principal, para integrar a “equipa técnica” daquele.
VIII - A formulação da cláusula é apta a servir não só o interesse do clube, mas também o próprio interesse dos autores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4725/15.8T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 Na Comarca do Porto, Matosinhos – Inst. Central – 3.ª Secção Trabalho, B... intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C..., S.A.D., a qual veio a ser distribuída ao Juiz 1, pedindo a condenação da R. nos termos seguintes:
- O reconhecimento do direito do Autor a uma retribuição mensal no valor de € 3.400,00;
- A ilicitude do despedimento do Autor e a condenação da Ré a pagar-lhe as retribuições a que este teria contratualmente direito a receber entre 1 de Julho de 2015 e 30 de Junho de 2016, no valor máximo de € 40.800,00, deduzido do que o mesmo vier a auferir pela mesma atividade no período considerado;
- A condenação da Ré condenada a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia não inferior a € 10.000,00;
- A condenação da Ré a pagar juros sobre as quantias atrás identificadas, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Para sustentar os pedidos alega, no essencial, A Ré é uma sociedade anónima desportiva, cuja equipa de futebol sénior participa nas competições de futebol profissional, organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, disputando atualmente, através da sua equipa sénior principal o Campeonato Nacional da I Liga.
O Autor foi contratado pela Ré no dia 26 de Maio de 2014, para, sob sua autoridade, direção e fiscalização, prestar a atividade de treinador profissional de futebol (adjunto), na equipa da categoria Sénior, para as épocas desportivas de ..../.... e ..../...., com início a 1 de julho de 2014 e termo em 30 de junho de 2016.
Foi acordado que o contrato caducaria uma vez decorrido o prazo estipulado (no final das duas épocas). E, ainda, que a cessação do vínculo contratual do treinador principal, implicaria automaticamente a alteração do prazo de duração do contrato celebrado (Cfr. Segundo ponto da cláusula quarta do contrato de trabalho).
Com efeito, no mesmo dia 26 de Maio de 2014, D... foi contratado pela Ré, para, no mesmo período (épocas ..../.... e ..../....), prestar, sob autoridade, direção e fiscalização desta, a atividade de treinador profissional de futebol principal.
Acontece que, por carta datada de 1 de Julho de 2015, foi comunicada ao Autor a “Cessação da relação laboral” fundada na caducidade do contrato de trabalho ocorrida em 29 de Junho de 2015 e decorrente do termo do prazo de vigência da relação laboral entre Autor e Ré por força da disposição contratual constante do segundo ponto da cláusula quarta do contrato de trabalho, em função de naquela data se ter verificado o despedimento do treinador principal, D..., alegadamente com justa causa.
Assim, o Autor foi, desde o dia 1 de Julho de 2015, impossibilitado de prestar a sua atividade como treinador adjunto de futebol da equipa sénior da Ré.
O que as partes fizeram foi apor no contrato uma verdadeira condição resolutiva, nos termos do disposto no artigo 270.º do Código Civil, uma vez que subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a resolução do negócio jurídico.
Acontece que, não é admissível a aposição de uma condição resolutiva num contrato de trabalho uma vez que a mesma colide com os mecanismos legais de cessação da relação laboral. O IRCT aplicável à relação contratual em apreço – celebrado entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF) e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) — publicado no BTE n.º 20, de 29/05/2012 - prevê taxativamente as causas de extinção do contrato de trabalho, sem que aí se preveja aquela situação. O Código do Trabalho afasta a possibilidade de ser convencionada condição resolutiva e admite apenas o termo resolutivo o que é disciplinado nos artigos 139.º e seguintes.
A condição resolutiva aposta no segundo ponto da cláusula quinta do contrato de trabalho celebrado entre as partes é nula. E, em consequência, a cessação do contrato operada pela Ré é ilícita, constituindo um despedimento nulo, com as inerentes consequências legais.
Procedeu-se à realização de audiência de partes, mas não se logrou alcançar a resolução do litígio por acordo.
Notificada para o efeito, a Ré veio apresentar contestação na qual, para além da arguição do incidente do valor da ação, pugnou pela total improcedência da ação.
Em abono da sua defesa alegou, em síntese, que a relação mantida entre a si e o Autor (treinador adjunto) e restantes adjuntos dependia da manutenção da relação jurídica entre aquela e o treinador principal (D...), que contratou, bem como à sua equipa técnica, escolhida por este e que o acompanhava nos vários clubes por onde havia passado.
A cessação ocorreu por caducidade, porquanto verificou-se a ocorrência de um evento – cessação do contrato do treinador principal – que implicou que o pressuposto da contratação do Autor (o D... ser o treinador do C...) se tenha deixado de verificar. Assim, o Autor deixou de poder prestar a sua actividade e a Ré de a poder receber porquanto tal prestação estava incindivelmente ligada à do treinador principal.
A cláusula 4.ª § 2 do contrato de trabalho do Autor configura a consagração inequívoca desta relação de interdependência do contrato do Autor com o contrato do D....
Assim, a conduta da Ré ao invocar a caducidade do contrato de trabalho com o Autor foi lícita.
Face à inexistência de um despedimento ilícito, não são exigíveis os créditos peticionados pelo Autor na presente acção.
O A. apresentou resposta à contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas pela Ré.
Foi realizada audiência preliminar e, na sua sequência, procedeu-se à elaboração do despacho saneado e à seleção da matéria fáctica admitida por acordo e controvertida (base instrutória).
Oportunamente realizou-se o julgamento com observância de todo o formalismo legal.
Pelo despacho de fls. 169 a 174 foi respondida à matéria incluída na base instrutória.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Nestes termos, tudo visto e ponderado, decide-se:
Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolvo a Ré C..., S.A.D. dos pedidos contra si formulados pelo Autor B....
Custas da ação a cargo do Autor – art. 527º do Código de Processo Civil.
(..)».
I.3 Inconformado com esta decisão, o autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido co o modo de subida e efeito adequados.
As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes:
1. Em causa nos autos está, em primeiro lugar, julgar da legalidade da Cláusula Quarta, § Segundo, do contrato de trabalho celebrado entre as partes, com o seguinte teor: “A celebração do presente contrato é efectuada na sequência da contratação do treinador principal, D..., sendo desde já convencionado que a cessação do vínculo contratual do referido treinador principal, implicará automaticamente a alteração do prazo de duração do presente contrato e a cessação do vínculo com o aqui segundo outorgante, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, seja a que título for, a qualquer dos outorgantes”.
2. Com efeito, foi com invocação do teor desta cláusula que a Recorrida fez cessar a relação laboral existente entre as partes, tendo, por carta datada de 1 de julho de 2015, comunicado ao Recorrente a “Cessação da relação laboral” com fundamento na cessação, por despedimento, do contrato do treinador principal D...”.
3. O Tribunal a quo entendeu que a referida cláusula continha uma condição resolutiva que julgou válida e que, portanto, o contrato de trabalho cessou por caducidade. Ademais, o Tribunal a quo considerou não haver abuso de direito na invocação da caducidade do contrato por parte da Recorrida.
4. O Recorrente discorda frontalmente desta decisão de considerar lícita a cessação do seu contrato de trabalho e válida a referida condição resolutiva (com a inerente preclusão da análise das restantes questões suscitadas nos autos).
5. Com o presente recurso pretende o Recorrente ver revogado o julgamento de alguns pontos da matéria de facto dada como provada, em virtude de considerar que a mesma foi mal julgada, considerando a prova produzida (indicando-se nas alegações os depoimentos e passagens dos mesmos que impunham decisão diferente) e da decisão de direito, quer em virtude de os factos a ter em conta deverem ser outros, quer porque mesmo que os factos fossem os que se deram como provados outra teria que ser a decisão de direito.
6. No que respeita à matéria de facto o Recorrente impugna a resposta dada à matéria de facto elencada sob os números 17, 24, 33 e 34.
7. Tendo em conta a análise que foi feita, nas alegações, do depoimento de parte, dos depoimentos das testemunhas, individualmente considerados e relacionados entre si, tem que ser revogada a decisão quanto à matéria dada como provada em 17, 24, 33 e 34.
8. O ponto 17 da matéria de facto provada deverá ter a seguinte redação:
“17. A cláusula referida na al. J) não foi objeto de qualquer negociação, foi imposta pela Ré, não tendo sido dada ao Autor qualquer hipótese de discussão do seu conteúdo.” Ou, pelo menos, e de forma objetiva: “A cláusula referida na al. J) não foi objeto de qualquer negociação; trata-se de uma cláusula habitualmente inserta nos contratos que a Ré celebra com os treinadores adjuntos, tendo o contrato sido apresentado ao Autor para ser por ele assinado, sem que o seu conteúdo tivesse sido objecto de discussão.”
9. O ponto 24 da matéria de facto provada deverá ter a seguinte redação: “24. No dia 26 de Maio de 2014, o D... compareceu nas instalações da Ré e restantes adjuntos para assinarem os contratos de trabalho sabendo estes já qual seria a remuneração e a duração do contrato proposta pela Ré, o que merecia a sua concordância, tendo sido apenas nesse dia (26 de Maio de 2014) que a Ré conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente o Autor.”
10. Mantendo-se a redação do facto 34, o facto provado sob o n.º 33 deverá, antes, ter o seguinte conteúdo: “33. Provado que, em consequência da cessação do seu contrato, o Autor sofreu desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar.”
11. A proceder a impugnação da matéria de facto acima realizada e decidida a sua alteração nos termos propostos, dúvidas não restam de que a condição resolutiva aposta no contrato foi incluída pela Recorrida, sem negociação prévia com o Recorrente, e para satisfazer unicamente o seu interesse, e não o interesse de ambas as partes, o que inquina a argumentação dada pelo Tribunal a quo para justificar a validade da condição resolutiva e, concomitantemente, da cessação do contrato de trabalho do Recorrente, bem como que o desgosto, a tristeza, a angústia sofridos pelo Recorrente foram provocados pela saída do C..., e pela forma como a saída ocorreu.
12. Mesmo que não se concedesse razão ao Recorrente nessa matéria, o que apenas por dever de patrocínio se equaciona, ainda assim, a decisão recorrida teria que ser revogada dado o crasso erro na aplicação que fez do direito aos factos que deu como provados.
13. O Tribunal a quo considerou que a cláusula quarta, § segundo, do contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Autor, contém uma condição resolutiva, com o que se concorda. Sucede que, o Tribunal a quo considerou que é válida a aposição dessa condição resolutiva, porque foi estabelecida em defesa do treinador-adjunto e do Clube, tutelando legitimamente o interesse de ambas as partes, do que se discorda.
14. Em primeiro lugar, a decisão constitui uma decisão-surpresa, porque só foi invocada pela Recorrida em sede de alegações e não foi um ponto objeto de debate, pelo que não foi produzida qualquer prova sobre se a cláusula estava estabelecida em defesa de ambos os contraentes, pelo que, a conclusão do Tribunal a quo não só não tem qualquer respaldo probatório, como é proferida em violação do disposto no artigo 3.º do CPC, impondo-se, naturalmente a sua revogação. Mesmo que assim não se considere, trata-se de uma decisão ilegal,
15. Desde logo, porque o enquadramento legal que é feito para justificar a validade da aposição de uma condição resolutiva ao contrato de trabalho é insustentável, diríamos, até, que o é, tutele ela os interesses de ambas as partes, ou só de uma.
16. O enquadramento legal feito na decisão recorrida, para considerar válida a condição resolutiva, passa por considerar aplicável ao contrato o disposto no artigo 270.º do Código Civil, de acordo com o princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil) e, por essa via, interpretar o disposto no artigo 340.º e, particularmente, no artigo 343.º, ambos do Código do Trabalho, ali enxertando uma nova dimensão normativa, configurando, entre as formas de caducidade do contrato, a verificação da condição resolutiva aposta no mesmo.
17. No entanto, atento o disposto no artigo 339.º, n.º 1 do Código do Trabalho, as normas respeitantes à cessação do contrato de trabalho têm natureza imperativa, não podendo, portanto, ser afastadas, ou acrescentadas, por IRCT e, muito menos, por contrato individual de trabalho, sendo, pois, ilegal a formulação apresentada.
18. Não serve de argumento para justificar a admissão da aposição de condições resolutivas nos contratos de trabalho a invocação de que a mesma é expressamente prevista no CCT dos Jogadores Profissionais de futebol, no seu artigo 41.º,
19. Em primeiro lugar, porque, em rigor, tal disposição não tem “cobertura” legal, uma vez que nem a lei geral (Código do Trabalho) nem a lei especial (Lei do Contrato de Trabalho Desportivo – Lei n.º 28/98, de 26 de Junho) admitem a aposição de condições resolutivas nos contratos.
20. Em segundo lugar, porque, o que ali se prevê, é a possibilidade de o jogador poder obter a desvinculação válida do contrato sem o acordo do clube, sem ter que o indemnizar, tendo em conta que, por razões de especificidade da atividade futebolística, nomeadamente a necessidade de garantir a estabilidade das competições, o quadro legal do trabalhador desportivo não confere a este o direito de livre denúncia do contrato (cfr. artigo 26.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho) e, sobretudo, não lhe permite ser inscrito por outro clube para poder disputar competições oficiais sem uma prévia desvinculação válida (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 28/98).
21. Com efeito, pretende-se, assim, garantir a estabilidade e verdade desportiva das competições desportivas, e considerando que estas se fazem, fundamentalmente, da competição entre os “trabalhadores desportistas”.
22. A carreira laboral de um desportista é curta e de desgaste rápido, e, também por isso, o contrato de trabalho aparece como suscetível de transação (o chamado “passe”, como vulgarmente é designado e que também aparece identificado como a “venda” do jogador por um clube a outro, e que mais não é, juridicamente, do que o pagamento que um clube que pretende contratar um jogador faz ao outro, com quem ele tem um contrato em vigor, para o “desvincular” desse contrato), de tal forma que o valor desse contrato é suscetível de ser valorizado de diversas formas, chegando a ter que ser declarado à Comissão dos Valores Mobiliários quando se trata de sociedades desportivas cotadas em bolsa de valores.
23. E é isto que faz, também, com que os desportistas sejam valorizados e possam obter rendimentos compatíveis com a curta duração da sua carreira, que, as mais das vezes, têm que gerir para o resto das suas vidas.
24. Tudo isto confere ao contrato de trabalho desportivo, nomeadamente quando se trata de desportistas que atuam em modalidades e competições altamente organizadas e, sobretudo, que envolvem uma componente comercial muito relevante (competições desportivas há que movimentam mais recursos económicos que grandes atividades industriais, e que fazem funcionar, por si só, importantes atividades comerciais e industriais) uma especificidade a que as disposições laborais “gerais” não conseguem responder (basta pensar que no mercado laboral “geral” não ocorre a “venda” de trabalhadores entre empresas).
25. E foi considerando tudo isso que foi criado um quadro legal, regulamentar e contratual, especial, que, em geral, e no caso do futebol em particular, assenta, no essencial, no seguinte: (i) o trabalhador (à semelhança do que ocorre em geral para o empregador) não dispõe do direito de denunciar o contrato, (ii) ao contrário do que acontece no regime laboral geral, o critério de indemnização no caso de rescisão injustificada do contrato, é igual para trabalhador e empregador, (iii) durante o período contratualmente estabelecido de duração do contrato, o jogador só pode inscrever-se por outro clube se houver acordo do clube ou se a rescisão pelo trabalhador for considerada com justa causa (por seu turno, o despedimento com justa causa impede a inscrição por outro clube durante o tempo em que o contrato deveria durar, (iv) só podem ser inscritos jogadores para participarem em competições desportivas em dois momentos durante a época (entre 1 de Julho e 31 de Agosto e entre 1 e 31 de Janeiro), (v) os clubes formadores têm direito a receber uma indemnização dos clubes que celebrarem contrato com o jogador formado até aos 23 anos.
26. Desta forma, assegura-se a estabilidade dos contratos, garante-se o valor económico dos contratos e valorizam-se os rendimentos dos jogadores.
27. Assim, o que se prevê no CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol, é a faculdade de o jogador poder obter unilateralmente a cessação do contrato, em situações em que, objetivamente, se configura o seu interesse em antecipar o fim do contrato, sem ter que ficar sujeito ao pagamento da indemnização legalmente fixada (cfr. artigo 27.º da Lei n.º 28/98), e podendo continuar a desenvolver a sua atividade profissional ao “serviço” de outro clube.
28. Ou seja, e como não podia deixar de ser, sob pena de absoluta ilegalidade, estamos em presença de um regime mais favorável ao trabalhador do que aquele que resulta do quadro legal aplicável, pelo que, mesmo que admitamos que dele resulta uma condição resolutiva do contrato, a mesma seria “salva” por essa via.
29. Em terceiro lugar, porque nem o regime da Lei do Contrato de Trabalho Desportivo (Lei n.º 28/98, de 26 de Junho) e, muito menos, o convencionado no CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol, é suscetível de ser aplicado ao contrato de trabalho dos treinadores de futebol e, por maioria de razão, ao contrato de trabalho dos treinadores adjuntos.
30. Com efeito, não só nenhuma das “especificidades” / singularidades do contrato de trabalho desportivo, que acima se deixaram identificadas, se aplica à situação do contrato de trabalho dos treinadores, como as regras de direito não permitem que se aplique ao contrato de trabalho dos treinadores as normas legais que regulam o contrato de trabalho desportivo.
31. Não se vislumbram especificidades no contrato de trabalho dos treinadores que não sejam acauteladas pela lei geral do trabalho, sobretudo que permitam justificar existir uma lacuna, ou seja, que o legislador, se tivesse pensado naquela situação em concreto, teria adotado um regime jurídico específico para a regular.
32. A carreira do treinador de futebol não é de curta duração; o contrato de trabalho do treinador de futebol não é “cotado”; não se verifica existir o “passe” do treinador; a desvinculação do treinador não importa qualquer instabilidade nas competições desportivas, nem desvirtua a verdade desportiva; as instituições organizadoras das competições desportivas não sentiram qualquer necessidade de criar regras relativas à inscrição dos treinadores: alturas para o efeito ou limitações de mudança durante a época; mesmo a possibilidade de contratação a termo é facilmente suprida pela contratação coletiva ou pela utilização do regime da contratação em regime de comissão de serviço; não existem quaisquer razões que justifiquem a eliminação do direito de denúncia do contrato pelo treinador.
33. Nada na “vida” do contrato de trabalho dos treinadores permite afirmar que o legislador só não adotou um regime especial para o regular porque desconhecia a sua realidade. Aliás, a verdade é que é tanto mais difícil de defender essa tese quanto é sabido que as questões atinentes à situação do contrato dos treinadores é, desde há muito, alvo de profunda discussão pública. Nenhuma razão assiste, pois, a quem defende existir uma lacuna na lei pelo facto de inexistir um regime legal especial para o contrato de trabalho dos treinadores.
34. Acresce que, mesmo que se admitisse existir uma lacuna, ou seja, um caso omisso, no ordenamento jurídico ao não existir um regime jurídico próprio para o contrato de trabalho do treinador, não seria por isso que o intérprete estaria autorizado a aplicar a esse contrato as regras legais do contrato de trabalho desportivo.
35. Em primeiro lugar porque, como se estatui no artigo 10.º do Código Civil: “2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.” Ora, não há analogia entre o contrato de trabalho desportivo e o contrato do treinador desportivo, porque, pura e simplesmente, não se verificam neste caso as razões justificativas da regulamentação do contrato de trabalho desportivo.
36. E, em segundo porque, sendo o regime jurídico do contrato de trabalho desportivo um regime excecional, o mesmo, nos termos do disposto no artigo 11.º do Código Civil, não comporta aplicação analógica (tão só interpretação extensiva, o que é muito diferente).
37. Quanto à aplicação do convencionado no CCT dos jogadores profissionais de futebol ao contrato de trabalho dos treinadores de futebol, atento o inusitado da questão, dispensamo-nos de fundamentar detalhadamente tal impossibilidade.
38. Os artigos 340.º e 343.º, ambos do Código do Trabalho, com a dimensão normativa resultante da interpretação feita na decisão recorrida, segundo a qual é aplicável ao contrato de trabalho o disposto no artigo 270.º do Código Civil, ao abrigo da liberdade contratual (artigo 405.º do CC), e, por isso, constitui uma forma de cessação do contrato, por caducidade, a verificação da condição resolutiva aposta no contrato, estão feridos de inconstitucionalidade, por violação material do estatuído no artigo 53.º da CRP, que proíbe os despedimentos sem justa causa.
39. E mesmo que assim não se entendesse, em toda a sua plenitude, ou seja, abrangendo a proibição em absoluto de aposição de uma condição resolutiva ao contrato de trabalho, sempre temos por inequívoco que os artigos 340.º e 343.º, ambos do Código do Trabalho, com a dimensão normativa resultante da interpretação feita na decisão recorrida, segundo a qual nos termos do disposto no artigo 270.º do Código Civil, e ao abrigo da liberdade contratual (artigo 405.º do CC), pode ser convencionada entre as partes uma condição resolutiva do contrato de trabalho, em que o contrato de trabalho do treinador adjunto cessa (caduca) se cessar, por qualquer forma, o contrato de trabalho do treinador principal, estão feridos de inconstitucionalidade, por violação material do estatuído no artigo 53.º da CRP, que proíbe os despedimentos sem justa causa.
40. O Tribunal a quo inspirou-se, segundo refere, na doutrina do Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 12/11/2012 (Relator António José da Ascensão Ramos), Acontece que,
41. Em primeiro lugar, qualquer semelhança entre a situação analisada naquele aresto e a dos presentes autos é meramente aparente e restringe-se à temática abordada (cláusula resolutiva no âmbito do Desporto). Com efeito, e embora se discorde da solução ali adotada, a verdade é que a doutrina subjacente à mesma não é, sequer, transponível para o caso sub judice, tendo em conta que, não só o teor da cláusula ali analisada é substancialmente diferente do teor da que está em causa nos presentes autos, como também os restantes factos o são.
42. Aliás, se a decisão ali tomada, embora se nos afigure errada do ponto de vista da aplicação do direito, não repugna do ponto de vista da justiça do caso concreto. Com efeito, e salvo o devido respeito, o que naquele caso se deixou demonstrado foi que a verificação de determinado facto (autónomo das partes), que as partes tinham previsto como causa da faculdade de denúncia do contrato por qualquer delas, levou à impossibilidade de “sobrevivência” do empregador e, portanto, de manutenção do contrato de trabalho desportivo.
43. No caso dos autos nada disso acontece. A decisão é errada do ponto de vista da aplicação do direito e é injusta, sendo o seu resultado desadequado e injustificado, à luz de um são sentido de justiça e de equilibrada composição dos interesses em conflito.
44. Como se disse, tudo naquele aresto, que se pretendeu convocar como abonatório, é diferente do caso dos autos.
45. Com efeito, a cláusula analisada no aresto seguido tinha o seguinte conteúdo: “Se, antes do termo do contrato, a G…, S.A. deixar, por qualquer razão, de ser a patrocinadora principal da equipa, qualquer uma das partes poderá denunciar o contrato com efeitos imediatos, sem necessidade de pré-aviso e sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação.” Por outro lado, ficou provado naqueles autos que a patrocinadora em causa constituía, na sua quase totalidade, o meio de financiamento da entidade patronal. Por outro lado, ainda, o contrato de trabalho em causa era celebrado entre um praticante desportivo e um clube.
46. Mesmo para quem, em tese, admite a oponibilidade de uma condição resolutiva ao contrato de trabalho desportivo, fá-lo por considerar que no contrato de trabalho desportivo a mesma, ao contrário do que sucede no regime geral, pode satisfazer um interesse do trabalhador, é o caso de João Leal Amado, citado no aresto seguido: “[a]ssim, enquanto no regime geral a aposição da condição resolutiva não satisfaz nenhum interesse relevante do trabalhador, traduzindo-se tão só num factor de precarização do emprego, já no que diz respeito ao contrato de trabalho desportivo tal cláusula poderá vir de encontro ao interesse do praticante/trabalhador, permitindo-lhe a desvinculação quando, de outra forma, estaria obrigado a manter o contrato até ao fim do prazo.”
47. Mas alerta aquele Autor: “surgindo no contexto desportivo a condição resolutiva num perfil funcional bastante distinto daquele que assume na relação laboral comum, só uma análise casuística das diversas situações concretas, atendendo aos interesses em jogo, e procedendo a uma ponderação criteriosa, o intérprete ficará habilitado a concluir pela sua validade ou invalidade.”
48. A decisão recorrida não fez essa ponderação criteriosa (!), nem sequer atentou na evidente diferença do caso que julgou relativamente ao que foi objeto da decisão a que se pretendeu “colar”.
49. Mesmo no aresto seguido na decisão recorrida não deixou de se invocar: “Para defesa da nossa posição assumimos aqui a posição de Albino Mendes Baptista o qual admitia a condição resolutiva em situações que não determinassem a inversão do risco do contrato e não conduzissem à preterição da disciplina própria do ordenamento juslaboral, dando, a título de exemplo, a inserção no contrato de trabalho de uma cláusula segundo a qual o contrato cessa se determinado financiamento, que a entidade patronal tem fundadas razões para crer que será obtido, não se concretizar[36]”.
50. Ou seja, é tudo diferente! Em primeiro lugar, e ao contrário do que acontecia no caso do aresto citado, não estamos, no caso dos autos, perante um contrato de trabalho desportivo, disciplinado pela Lei do Contrato de Trabalho Desportivo (Lei n.º 28/98, de 26 de Junho), sendo o mesmo regido, como acima justificamos, pelo disposto no Código do Trabalho e pelo CCT aplicável, pelo que o Autor não tinha os constrangimentos de denúncia do contrato decorrentes do contrato de trabalho desportivo, não carecendo, portanto, de proteção para o caso de não pretender continuar a relação contratual com a Ré no caso de cessação do contrato do treinador principal antes do decurso do prazo acordado.
51. Em segundo lugar, enquanto que na situação analisada no aresto invocado a cláusula continha uma faculdade de denúncia do contrato, no caso dos autos estamos perante uma condição que opera automaticamente.
52. Em terceiro lugar, no caso dos presentes autos é manifesto, que a condição resolutiva determina a inversão do risco do contrato e conduz à preterição da disciplina própria do ordenamento juslaboral, permitindo a cessação de um contrato de trabalho em virtude da cessação de outro, cuja cessação não altera, em nada, a condição económica do empregador, nem torna insustentável a subsistência do vínculo laboral assim afetado.
53. A cessação do contrato com o treinador principal não só não tem qualquer impacto na estrutura financeira da Ré, como não afeta, por si só, a possibilidade de prestação da atividade do treinador adjunto (coisa diferente é a Ré não querer o seu contributo).
54. Por outro lado, e considerando a posição do trabalhador (treinador adjunto), a cessação do contrato do treinador principal não contende com nenhum dos direitos ou obrigações resultantes do seu contrato com a Ré.
55. A manutenção dos contratos de trabalho dos treinadores adjuntos na situação de cessação do contrato do treinador principal não levaria certamente a um fim contrário ao termo estabilizador do contrato.
56. Em quarto lugar, e ao contrário do que ocorria no caso tratado no aresto citado na decisão recorrida a cláusula em causa não está totalmente fora do controlo de qualquer acto ou comportamento próprio da entidade empregadora, podendo o seu surgimento resultar de uma atitude fraudulenta do clube para se eximir às suas responsabilidades para com os treinadores adjuntos.
57. É este o caso manifesto dos autos, em que a Recorrida optou pelo despedimento ilícito do treinador principal, vindo, depois, a acordar com ele o pagamento de uma indemnização por tal facto, de forma a fazer funcionar a condição resolutiva inserta nos contratos com os treinadores adjuntos.
58. E é tão manifesto que a condição resolutiva determina a inversão do risco do contrato e conduz à preterição de disciplina própria do ordenamento juslaboral, que o seu teor permite, até, que a Recorrida chegue a uma resolução do contrato por mútuo acordo com o treinador principal, fazendo caducar os contratos com os treinadores adjuntos!
59. É manifesto que, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, a cessação de um contrato porque cessou o de outro trabalhador não é suscetível de satisfazer um interesse do trabalhador na desvinculação antecipada do contrato. Por outro lado, o evento condicionante previsto na cláusula sob apreciação depende, em larga medida, da vontade do Clube ou, pelo menos, é inegável que pode por ele ser provocado, sem possibilidade de reação por parte do trabalhador.
60. Tal cláusula – introduzida sem negociação, no âmbito de um contrato de adesão -, traduz-se, tão só, “num fortíssimo factor de precarização do emprego, ao arrepio do disposto no art.º 53.º da CRP”.
61. O ponto de partida afirmado pelo Tribunal a quo de que a cláusula em apreço está estabelecida em defesa de ambos os contraentes, tutelando legitimamente o interesse de ambas as partes, é, totalmente, infundada. Sem qualquer apoio factual e sem qualquer aderência à realidade. O único interesse tutelado é o da Recorrida, de se ver livre dos treinadores adjuntos sem lhes pagar qualquer indemnização ou, sequer, apresentar justificação, no caso, suscetível de ser por si provocado, de cessar o contrato com o treinador principal.
62. Como referiu a testemunha E... o interesse prosseguido é exclusivamente da Ré e é transparente: “É como digo, é normal, é natural que uma equipa técnica vem com um treinador, se esse treinador sair, eles também terão que sair, como é óbvio.” (…), é uma cláusula que habitualmente colocam nos contratos… (...) dos treinadores adjuntos… (…), no caso do F..., não existe essa cláusula, porque é treinador do C..., no caso dos treinadores que vêm, de novo, com um treinador, é posta essa cláusula, porque o C... não os conhece de lado nenhum.”
63. Mesmo admitindo o alegado interesse, sempre terá que se reconhecer que a amplitude das situações que podem caber naquela cláusula e dar azo à cessação do contrato de trabalho do treinador adjunto, não distinguindo, por exemplo, as cessações lícitas das ilícitas, ou as em que o treinador adjunto tem interesse em fazer cessar o seu contrasto daquelas em que não tem, que mesmo considerando, em tese, admissível a aposição de uma condição resolutiva num contrato de trabalho, a torna inválida.
64. Nunca uma cláusula com esta amplitude, por permitir a cessação do contrato de trabalho de um trabalhador caso aconteça qualquer vicissitude com o contrato de outro, pode ser considerada válida.
65. A cláusula é nula, porque atenta contra normas legais imperativas que impedem que entre as formas de cessação do contrato conste uma condição resolutiva, pelo menos, com o conteúdo da que está em causa nos presentes autos, em que o contrato do treinador adjunto cessa automaticamente se se verificar a cessação do contrato do treinador principal.
66. Mesmo que existisse fundamento para a caducidade do seu contrato de trabalho, a sua invocação pela Recorrida nos presentes autos, como forma de se eximir a indemnizar o Recorrente pelos danos resultantes da cessação do contrato, sempre constituiria um verdadeiro abuso de direito.
67. Nada do que é afirmado na decisão recorrida afasta a existência do abuso de direito da Ré na invocação da condição resolutiva e no não pagamento ao Autor de uma indemnização pela cessação do contrato, nos termos legais.
68. Sendo, formalmente, certo o que o Tribunal a quo refere quanto à indemnização do treinador principal e dos restantes adjuntos, embora seja materialmente inequívoco que a Ré reconheceu a ilicitude do despedimento do treinador principal, indemnizando-o nos exatos termos que resultariam do reconhecimento da ilicitude do despedimento, o certo é que a Recorrida (e só a Recorrida!) reconheceu o direito do treinador principal a ser indemnizado, e indemnizou-o, efetivamente.
69. Reconhecer ao treinador principal esse direito, e, depois, para se frustrar ao pagamento dos treinadores adjuntos, invocar a caducidade do seu contrato, sem direito a qualquer indemnização ou compensação, excede manifestamente o princípio da boa-fé, pelo que não pode deixar de constituir abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio.
70. Foi a Recorrida que deu origem à situação sub judice ao despedir o treinador principal, reconheceu ao treinador principal o direito a ser indemnizado, mas depois, quanto à cessação dos restantes contratos a que, com o seu ato também deu origem, invocou a caducidade!
71. Deve ser revogada a decisão recorrida e a mesma ser substituída por outra que, ao contrário do que se decidiu, julgue ilícito o despedimento do Recorrente, com as inerentes consequências legais, ou seja, que, condene a Ré/Recorrida, nos termos do disposto na cláusula 41.ª do IRCT aplicável, ex vi a sua cláusula 44.ª, n.º 3, a pagar ao Recorrente uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, entre 1 de julho de 2015 e 30 de junho de 2016, bem como uma indemnização pelos danos não patrimoniais que este sofreu.
72. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 343.º do Código do Trabalho e no artigo 39.º do CCT dos Treinadores Profissionais de Futebol, celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (publicado no BTE n.º 20, de 29.05.2012), disposições estas que não admitem a aposição de cláusula resolutiva no contrato de trabalho celebrado por um treinador de futebol, ou, pelo menos, com o conteúdo constante da cláusula quarta, § segundo do contrato celebrado entre as partes, estipulando a caducidade do contrato do Autor em virtude da cessação do contrato de outro trabalhador, no caso, o treinador principal.
73. O despedimento do Recorrente deve ser declarado ilícito, com as inerentes consequências legais, ou seja, nos termos do disposto na cláusula 41.ª do IRCT aplicável, ex vi a sua cláusula 44.ª, n.º 3 o Recorrente tem direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, entre 1 de julho de 2015 e 30 de junho de 2016, bem como a ser ressarcido pelos danos patrimoniais (se superiores) e não patrimoniais que sofreu.
74. Quanto à primeira indemnização, deve ter-se em conta, além da remuneração mensal de € 2.500,00, prevista na cláusula quinta do contrato de trabalho, igualmente, o valor, também contratualizado, desta feita na cláusula sexta, a título de subsídio de habitação, de € 900,00, o qual é um complemento de retribuição, na medida em que o mesmo não ficou dependente de o Autor residir em ... ou de fazer qualquer prova de despender tal montante em habitação, como resultou, aliás, provado (facto n.º 19). A indemnização pela ilicitude do despedimento devida ao Autor deve ser, então, calculada com base numa retribuição mensal no valor de € 3.400,00. O que perfaz um total de € 40.800,00.
75. Contudo, o valor da retribuição mensal tem, ainda, de incluir os prémios devidos em função dos resultados obtidos pela Ré até ao final da época ..../...., época em que foi promovido o despedimento sem justa causa do Autor, ou seja, o valor líquido de € 500,00 por cada vitória da Ré, ao abrigo da cláusula 41.ª do CCT dos Treinadores de Futebol, acrescido do pagamento do prémio pela vitória da U... na época ..../...., no montante de €25.000,00, expressamente previsto no contrato celebrado entre a Ré e o Autor, relegando-se o apuramento do montante global para liquidação de sentença.
76. Indemnização à qual não há a deduzir a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, porque aqui vigora o disposto no CCT, que afasta validamente o Código do Trabalho (cfr. art. 339.º, números 2 e 3 do Código do Trabalho),
77. Nem o montante do subsídio de desemprego recebido pelo Autor, nos termos da cláusula 44.ª, n.º 3, que remete para a cláusula 41.ª, n.º 1, 2.ª parte, todas do CCT dos Treinadores de Futebol, e ao abrigo do art. 393.º, n.º 2, alínea a), que prevê que tem de ser acautelado, como valor mínimo, as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo.
78. Tem o Recorrente, ainda, direito a uma indemnização por danos não patrimoniais, em quantia não inferior a € 10.000,00, que se encontram provados (factos 33 e 34).
Concluiu pedindo a procedência do recurso, sendo a sentença revogada e substituída por outra que:
A) Reconheça ao Autor/Recorrente o direito a uma retribuição mensal no valor de € 3.400,00, a que deve acrescer o valor dos prémios devidos em função dos resultados até ao final da época ..../...., época em que foi promovido o seu despedimento, ou seja, o valor líquido de € 500,00 por cada vitória da aqui Recorrida, e o prémio de €25.000,00 pela vitória da “U...”, a liquidar;
B) Declare a ilicitude do despedimento do Autor/Recorrente e, consequentemente, condene a aqui Recorrida, a pagar-lhe:
i) as retribuições que teria contratualmente direito a receber entre 1 de julho de 2015 e 30 de junho de 2016, e,
ii) a título de indemnização por danos não patrimoniais, em quantia não inferior a € 10.000,00;
iii) quantias estas acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
I.4 A Ré apresentou contra-alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
1. A cessação do contrato de trabalho é lícita, pois o contrato do Apelante cessou por caducidade, pelo que não merece qualquer reparo a decisão recorrida.
2. Do mesmo modo, não deverá deve ser alterada a resposta dada aos pontos da matéria dada como provada na sentença no sentido pretendido pelo Apelante, pelos motivos e depoimentos abundantemente expostos nas alegações.
3. Do mesmo modo, ao abrigo do artigo 636.º, n.º 2, do CPC deverá ser alterada a matéria dada como provada no ponto 19 dos factos provados que deverá ter a seguinte redacção:
O complemento referido na alínea K) foi ajustado em virtude de o Autor residir em Matosinhos e não ficou dependente de o Autor passar a residir em ... ou de fazer qualquer prova de despender tal montante em habitação, sendo um valor habitualmente pago pelo ... sempre que um jogador ou treinador não resida na cidade de ...”, ou, em alternativa “O complemento referido na alínea K) foi ajustado em virtude de o Autor residir em Matosinhos e não ficou dependente de o Autor passar a residir em ... ou de fazer qualquer prova de despender tal montante em habitação”.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença, sem prejuízo do que invoca, ao abrigo dos artigo 636.º, n.º 2, do CPC, quanto ao pedido de alteração relativamente à matéria assente
I.5 Os autos foram apresentados ao Ministério Público nos termos e para os efeitos do art.º 87.º n.º 3 do CT, tendo sido emitido parecer no sentido da rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por falta de indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados.
I.6 Cumpridos os vistos legais, determinou-se que o processo fosse inscrito em tabela para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelo recorrente para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, quanto aos factos 17, 24, 33 e 34.
ii) Por ter proferido uma decisão-surpresa, em violação do disposto no artigo 3.º do CPC, impondo-se, a sua revogação.
iii) Ao julgar válida a Cláusula Quarta, § Segundo, do contrato de trabalho celebrado entre as partes (constante no facto provado 16) e, em consequência, considerando licita a cessação do contrato de trabalho por caducidade.
iv) Ao considerar aplicável ao caso a Lei do Contrato de Trabalho Desportivo (Lei n.º 28/98, de 26 de Junho);
v) Ao afastar a existência do abuso de direito da Ré na invocação da condição resolutiva e no não pagamento ao Autor de uma indemnização pela cessação do contrato.
E, pelo recorrido, nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC para o caso de procedência da pretensão do apelante quanto à ilicitude, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto 19 dos factos assentes.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo ficxou o elenco factual seguinte:
1. O Autor é treinador de futebol. - cfr. al. A) dos factos admitidos por acordo;
2. A Ré é uma sociedade anónima desportiva, cuja equipa de futebol sénior participa nas competições de futebol profissional, organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, disputando atualmente, através da sua equipa sénior principal o Campeonato Nacional da I Liga. - cfr. al. B) dos factos admitidos por acordo;
3. Na preparação da equipa de futebol profissional para as épocas desportivas ..../.... e ..../.... a Ré contactou o treinador D... que pretendia contratar como treinador principal. - cfr. al. M) dos factos admitidos por acordo;
4. Este treinador tinha estado na época anterior ao serviço da G... e, anteriormente, no H..., desempenhando em ambos os clubes as funções de treinador principal das respetivas equipas de futebol. - cfr. al. N) dos factos admitidos por acordo;
5. Foram efetuadas diversas reuniões entre a Ré e o D... para serem acertados os termos do contrato a celebrar, designadamente respeitantes às condições remuneratórias e outras condições contratuais. - cfr. al. O) dos factos admitidos por acordo;
6. Durante as negociações, o treinador D... fez saber à Ré que a indicação dos seus adjuntos lhe incumbiria exclusivamente a ele, por pretender trabalhar com pessoas da sua confiança, o que foi aceite. - cfr. resp. ao ques. 5 da base instrutória;
7. De entre os nomes que indicou à Ré, constava o do aqui Autor, que o D... referiu tratar-se de alguém com quem estava habituado a trabalhar, que já tinha sido seu adjunto, quer na G... quer no H..., e que não pretendia outros adjuntos (nomeadamente que fossem colaboradores do C..., ou que este viesse a indicar ou contratar), com o esclarecimento que a ré tinha ao seu serviço, à data da contratação do Autor, um adjunto que exercia as funções de treinador de guarda-redes (F...), o qual foi colocado a treinar na equipa B por o D... não ter querido trabalhar com esse adjunto (pois da equipa técnica que indicou fazia parte um treinador de guarda-redes, I..., que já havia trabalhado consigo anteriormente). - cfr. resp. ao ques. 6 da base instrutória;
8. A Ré negociou – e acordou - com o D... o pagamento de um valor global retributivo de 600.000€ ilíquidos pelo trabalho desenvolvido por toda a equipa técnica, que o D... depois distribuiria por si e por cada um dos elementos da sua equipa técnica (na qual se incluía o Autor), da forma que entre eles acordassem. - cfr. resp. ao ques. 7 da base instrutória;
9. Para a redação da cláusula referente à retribuição dos contratos de toda a equipa técnica, o D... comunicou à Ré que a retribuição do Autor seria de 30.000€ por ano (e que a dos restantes 4 adjuntos seria de 56.000€) e a sua própria retribuição corresponderia a 346.000€ por ano. - cfr. resp. ao ques. 8 da base instrutória;
10. O Autor foi contratado pela Ré, no dia 26 de Maio de 2014, para, sob sua autoridade, direção e fiscalização, prestar a atividade de treinador profissional de futebol (adjunto), na equipa da categoria Sénior, para as épocas desportivas de 2014/2015 e 2015/2016, com início a 1 de julho de 2014 e termo em 30 de junho de 2016, conforme documento constante de fls. 19 a 21 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. - cfr. al. C) dos factos admitidos por acordo;
11. O Autor foi contratado por indicação do treinador principal, D.... - cfr. al. P) dos factos admitidos por acordo;
12. Nos termos do referido contrato, competia ao Autor, na qualidade de treinador adjunto, assegurar e proceder à preparação, orientação técnica, treino e desempenho competitivo, elaborar e tomar decisões em assuntos de natureza técnica, tática, física e psicológica da equipa sénior de futebol, sob a orientação do treinador principal, conforme documento constante de fls. 19 a 21. - cfr. al. D) dos factos admitidos por acordo;
13. Como contrapartida da atividade exercida, foi acordada uma remuneração global anual, ilíquida, de € 30.000,00 (trinta mil euros) por cada época desportiva, pagos em 12 prestações mensais e iguais por cada época, vencendo-se a primeira no dia 10 de Agosto da respetiva época e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, conforme documento constante de fls. 19 a 21. - cfr. al. E) dos factos admitidos por acordo;
14. Foi acordado que o contrato caducaria uma vez decorrido o prazo estipulado (no final das duas épocas), conforme documento constante de fls. 19 a 21. - cfr. al. F) dos factos admitidos por acordo;
15. Nos termos do referido contrato, as partes estipularam que em tudo o que se revelar omisso, regularão as disposições que sobre a matéria constem da Lei ou IRCT aplicável, designadamente o Contrato coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF) e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), conforme cláusula 12ª do contrato de trabalho constante de fls. 19 a 21. - cfr. al. I) dos factos admitidos por acordo;
16. No contrato de trabalho celebrado entre as partes foi aposta a seguinte cláusula (cfr. segundo ponto da cláusula quarta do contrato de trabalho, cuja cópia consta de fls. 19 a 21):
“A celebração do presente contrato é efectuada na sequência da contratação do treinador principal, D..., sendo desde já convencionado que a cessação do vínculo contratual do referido treinador principal, implicará automaticamente a alteração do prazo de duração do presente contrato e a cessação do vínculo com o aqui segundo outorgante” (o ora Autor), “não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, seja a que título for, a qualquer dos outorgantes”. - cfr. al. J) dos factos admitidos por acordo;
17. A cláusula referida na al. J) foi ajustada entre a Ré e o treinador principal D..., com o esclarecimento que este acertou com a ré todas as condições contratuais para a sua contratação e dos seus adjuntos, nomeadamente do Autor. - cfr. resp. ao ques. 1 da base instrutória;
18. Ficou também contratualizada, na Cláusula Sexta do contrato de trabalho, o pagamento de um subsídio de habitação mensal de 400,00€ no período de vigência do referido contrato, conforme documento constante de fls. 19 a 21. - cfr. al. K) dos factos admitidos por acordo;
19. O complemento referido na al. K) não ficou dependente de o Autor residir em ... ou de fazer qualquer prova de despender tal montante em habitação. - cfr. resp. ao ques. 2 da base instrutória;
20. Não obstante o vertido na Cláusula Sexta do contrato, foi acordado que a ré pagaria a quantia de € 900,00 mensais a título de subsídio de habitação, tendo essa verba sido efetivamente paga ao Autor durante toda a vigência do contrato. - cfr. al. L) dos factos admitidos por acordo;
21. O acréscimo do subsídio de habitação foi ajustado depois da celebração do contrato e teve a ver com o facto de uns dos elementos da equipa técnica do D... (o J...) ter referido que o valor atribuído era insuficiente para custear o pagamento da renda de uma habitação atenta a dimensão do seu agregado familiar, pelo que o Presidente da Ré optou por aumentar o valor pago a título de subsídio de habitação o todos os referidos elementos da equipa técnica, excetuando o D..., fixando-o em € 900,00 mensais. - cfr. resp. ao ques. 11 da base instrutória;
22. No mesmo dia 26 de Maio de 2014, D... foi contratado pela Ré, para, no mesmo período (épocas ..../.... e ..../....), prestar, sob autoridade, direção e fiscalização desta, a atividade de treinador profissional de futebol principal. - cfr. al. G) dos factos admitidos por acordo;
23. O Autor faz parte da equipa técnica que acompanha o D... nos vários clubes que este treinou antes do C..., como é o caso do H... e da G.... - cfr. al. Q) dos factos admitidos por acordo;
24. No dia 26 de Maio de 2014, o D... compareceu nas instalações da Ré com o Autor e restantes adjuntos para assinarem os contratos de trabalho previamente negociados entre a ré e o D... (intervindo este nas negociações com a anuência dos restantes elementos da sua equipa técnica, inclusive do A.), tendo sido apenas nesse dia (26 de Maio de 2014) que a Ré conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente o Autor. - cfr. resp. ao ques. 9 da base instrutória;
25. Todos os adjuntos do D... foram escolhidos por este, sendo que o C... não escolheu qualquer dos adjuntos. - cfr. resp. ao ques. 10 da base instrutória;
26. No dia 1 de Julho de 2015, o Autor deslocou-se às instalações do C..., para exercer as suas funções de treinador adjunto. - cfr. al. R) dos factos admitidos por acordo;
27. Por carta datada de 1 de Julho de 2015, foi comunicada ao Autor a “Cessação da relação laboral” fundada na caducidade do contrato de trabalho ocorrida em 29 de Junho de 2015 e decorrente do termo do prazo de vigência da relação laboral entre Autor e Ré por força da disposição contratual constante do segundo ponto da cláusula quarta do contrato de trabalho, em função de naquela data se ter verificado o despedimento do treinador principal, D..., com invocação de justa causa, conforme documento constante de fls. 22 cujo teor se dá por integralmente reproduzido. - cfr. al. H) dos factos admitidos por acordo;
28. Na sequência dessa deslocação, a Ré comunicou ao Autor a carta referida na al. H) e cuja cópia consta de fls. 22. - cfr. al. S) dos factos admitidos por acordo;
29. O treinador principal, D..., impugnou o seu despedimento, tendo o processo corrido termos na 2.ª Secção do Trabalho – J1, da Instância Central de Águeda (Comarca de Aveiro), sob o processo n.º 1882/15.7T8AGD, no âmbito do qual as partes chegaram a acordo, sendo que a ora Ré obrigou-se ao pagar ao ali Autor, a título de compensarão pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho, a quantia ilíquida de 30.000,00€ e a título de compensação pelos danos não patrimoniais que ali Autor sofreu, decorrentes deste se ter sentido amargurado pela cessação do contrato de trabalho, a quantia ilíquida de 57.000,00€, conforme documento constante de fls. 80 vº a 82 cujo teor se dá por integralmente reproduzido. - cfr. al. U) dos factos admitidos por acordo;
30. No acordo referido na al. U) a ora Ré comprometeu-se a pagar ao ali Autor uma quantia equivalente ao montante líquido das retribuições que ele auferiria até ao fim do contrato se a Ré não tivesse procedido ao despedimento, deduzido do que foi auferir no Clube que passou a treinar. - cfr. resp. ao ques. 13 da base instrutória;
31. O valor total peticionado pelo D... no processo identificado na alínea U) era de 1.024.833,33, conforme documento constante de fls. 101 vº a 102. - cfr. al. V) dos factos admitidos por acordo;
32. O Autor não acompanhou o treinador principal, D..., no seu novo Clube. - cfr. resp. ao ques. 12 da base instrutória;
33. Em consequência da cessação do seu contrato e por não ter acompanhado o D... para o novo clube de futebol (K...), o Autor sofreu desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar. - cfr. resp. ao ques. 3 da base instrutória;
34. Por força de tal circunstancialismo, o Autor sentiu-se amargurado e furioso e passou a apresentar sinais de ansiedade e de irritabilidade. - cfr. resp. ao ques. 4 da base instrutória;
35. O Autor reside em Matosinhos. - cfr. al. T) dos factos admitidos por acordo.
II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Como se lê na conclusão 6, o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a matéria quanto aos factos sob os números 17, 24, 33 e 34.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos estes princípios, conclui-se que o recorrente observou os necessários ónus de impugnação, quanto aos factos 17, 24 e 33. Nas conclusões constam mencionados aqueles factos impugnados e as respostas alternativas aos mesmos, nomeadamente nas sob os números 6 a 10. E, nas alegações, encontra-se a indicação dos meios de prova em que se sustenta para os impugnar e, porque se trata do depoimento de parte do autor e de testemunhos, a indicação dos pontos da gravação em que se situam os extractos que invoca e transcreve.
Conclui-se, pois, que nada obsta à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos 17, 24 e 33.
Contudo, já assim não acontece quanto ao facto 34, indicado na conclusão 6 como um dos que a recorrente impugnar, mas depois não constando nas demais conclusões qual a resposta alternativa que pretende ver considerada provada. De resto, tanto quanto se percebe, em rigor, o autor não pretende impugnar o facto.
Com efeito, na conclusão 10 diz o autor que “Mantendo-se a redação do facto 34, o facto provado sob o n.º 33 deverá, antes, ter o seguinte conteúdo (..)”. E, nas alegações, diz que “Podendo manter-se a redacção do facto 34, o facto provado sob n.º33 se encontra incorrectamente julgado (..).
Seja como for, se o recorrente tinha o propósito de impugnar este facto, o certo é que não observou os necessários ónus de impugnação, pelo que se rejeita a impugnação na parte a respeitante ao facto 34.
II.2.1 No que respeita ao facto provado 17, onde se considerou provado que “A cláusula referida na al. J) foi ajustada entre a Ré e o treinador principal D..., com o esclarecimento que este acertou com a ré todas as condições contratuais para a sua contratação e dos seus adjuntos, nomeadamente do Autor. - cfr. resp. ao ques. 1 da base instrutória”, pretende o autor que a redacção seja alterada, para passar a ser a seguinte:
-«[17] A cláusula referida na al. J) não foi objeto de qualquer negociação, foi imposta pela Ré, não tendo sido dada ao Autor qualquer hipótese de discussão do seu conteúdo.
Defende, ainda, que “pelo menos, e de forma objetiva”, a redacção deve passar a ser: “A cláusula referida na al. J) não foi objeto de qualquer negociação; trata-se de uma cláusula habitualmente inserta nos contratos que a Ré celebra com os treinadores adjuntos, tendo o contrato sido apresentado ao Autor para ser por ele assinado, sem que o seu conteúdo tivesse sido objecto de discussão.”
O facto em causa resulta da resposta dada ao facto controvertido n.º 1 da base instrutória, onde consta:
1)A cláusula referida na al. J) não foi objeto de qualquer negociação, foi imposta pela Ré, não tendo sido dada ao Autor qualquer hipótese de discussão do seu conteúdo?
Texto que foi retirado do alegado pelo autor no art.º 37.º da Pi, onde se lê : ”A cláusula em causa não foi objecto de qualquer negociação, foi imposta pela Ré, não tendo sido dada ao Autor qualquer hipótese de discussão do seu conteúdo”.
Defende o autor que a resposta dada pelo tribunal, para além de ilegal, porque de sentido contrário ao que é perguntado, é absolutamente incompreensível, porque nenhum depoimento prestado em audiência (ou documento existente nos autos) vai nesse sentido. Para sustentar essa posição, invoca o depoimento de parte do recorrente, bem como os testemunhos de I..., L... e E....
Pois bem, concordamos com o autor quando defende que a resposta ao facto 17 não pode ser mantida. Contudo, por razão diversa e que se coloca a montante.
Releva ter presente o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita.
Ora, a formulação do facto controvertido 1 é manifestamente conclusiva e, logo, não deveria ter sido levada à base instrutória.
Na verdade, o autor esqueceu que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC], ónus que não observou neste particular. Limitou-se a alegar conclusivamente que ”A cláusula em causa não foi objecto de qualquer negociação, foi imposta pela Ré, não tendo sido dada ao Autor qualquer hipótese de discussão do seu conteúdo”, quando deveria ter alegados factos concretos que, após sujeitos a prova, caso se demonstrassem, permitissem ao Tribunal a quo extrair aquelas conclusões, a jusante, na sentença.
O Tribunal a quo não devia, pois, ter aproveitado essa alegação, considerando-a para integrar a base instrutória.
Para além disso, note-se, do mesmo vício enfermam qualquer uma das respostas alternativas que o autor vem propor. Por conseguinte, em caso algum poderia ser acolhida a sua pretensão nesta parte.
Assim, decide-se considerar não escritos o facto controvertido 1 e a resposta ao mesmo, eliminando-se esta do elenco dos factos provados, isto é, o facto provado 17.
II.2.2 Segue-se o facto 24 da matéria de facto provada, o qual resulta da resposta ao facto controvertido 9, onde se questiona: No dia 26 de Maio de 2014 o D... compareceu nas instalações da Ré como Autor e restantes adjuntos para assinarem os contratos de trabalho previamente negociados, tendo sido apenas nesse dia (26 de Maio de 2014) que a Ré conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente o Autor?
A resposta que foi dada pelo Tribunal a quo é a seguinte: «No dia 26 de Maio de 2014, o D... compareceu nas instalações da Ré com o Autor e restantes adjuntos para assinarem os contratos de trabalho previamente negociados entre a ré e o D... (intervindo este nas negociações com a anuência dos restantes elementos da sua equipa técnica, inclusive do A.), tendo sido apenas nesse dia (26 de Maio de 2014) que a Ré conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente o Autor”.
Pretende o autor que lhe seja conferida a redação seguinte redação: “[24] No dia 26 de Maio de 2014, o D... compareceu nas instalações da Ré e restantes adjuntos para assinarem os contratos de trabalho sabendo estes já qual seria a remuneração e a duração do contrato proposta pela Ré, o que merecia a sua concordância, tendo sido apenas nesse dia (26 de Maio de 2014) que a Ré conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente o Autor.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a propósito daquela resposta lê-se o seguinte:
(..)
Depoimento de parte do Autor [itens 9 (parte) e 11 (parte)], que reconheceu, parcialmente, tais factos, conforme consta exarado na respetiva acta de audiência de julgamento – cfr. fls. 162.
No tocante à prévia negociação com a ré das condições contratuais vertidas no seu contrato (ques. 9), não obstante o depoente ter mencionado que o treinador D... não havia sido mandatado por si para o efeito, resultou da prova produzida que as negociações decorreram direta e exclusivamente entre a Ré e o D... – por a Ré estar verdadeiramente interessada em contratar o treinador principal, e não qualquer um dos adjuntos -, sendo que este, além de ter imposto a indicação dos elementos que iriam constituir a sua equipa técnica, de que fazia parte o A., acordou com a Ré as condições contratuais dos seus adjuntos (com a anuência destes).
Assim, embora em bom rigor não se possa falar numa negociação direta entre o A. e a ré, a verdade é que não deixou de haver uma negociação indireta, feita através do D....
Acresce que, na sequência da outorga dos contratos, e excetuando o pedido de aumento do subsídio de habitação, nem o Autor, nem os demais adjuntos alguma vez manifestaram oposição aos termos contratuais ajustados pelo D... com a ré, nem o A., antes, contemporaneamente ou depois da outorga do respetivo contrato, exigiu uma negociação individualizada com a Ré sobre as condições contratuais firmadas.
(..)
I...
(..)
Desempenhava as funções de treinador de guarda-redes.
(..)
Confirmou que a sua contratação pela ré se deveu à indicação do seu nome pelo D..., pois nunca aquela o abordou diretamente com vista a esse fim (trata-se, aliás, de uma prática comum na generalidade dos clubes profissionais de futebol de maior renome, em que o treinador principal se arroga o direito de indicar os elementos que farão parte da sua equipa técnica, que na generalidade o acompanham nos diversos clubes para os quais aquele é contratado, facto este que reputamos como público e notório, face às notícias veiculadas sobre o tema pelos diversos órgãos de comunicação social).
(..)
L...
(..)
Confirmou que a sua indicação (e dos demais elementos da equipa técnica) à ré para treinador adjunto se ficou a dever ao C..., pelo que a sua contratação ocorreu na decorrência deste treinador principal.
Embora tenha referido que nenhum deles (adjuntos) mandatou o C... para negociar em nome deles os respetivos contratos, a verdade é que todos eles anuíram nas condições contratuais que aquele lhes indicou (retribuição e duração do contrato), sendo que nenhum deles, quer antes, quer aquando da outorga do contrato ou posteriormente, ou posteriormente, manifestou oposição ao acordado pelo C... em prol de todos os elementos da equipa técnica. Daí que reputemos como manifestamente insubsistente e infundada essa alegada falta de mandato. Assim, embora seja certo que ao assinar o contrato com a ré o seu relacionamento funcional se deva reportar a esta e não ao C..., não deixa de ser verdade que ao anuírem na contratação nos moldes delineados pelo treinador principal com a ré, de que lhes foi dado prévio conhecimento (pelo menos quanto aos seus elementos essenciais, como seja o valor da retribuição e a duração do contrato, sendo que do demais clausulado poderia, se nisso tivesse interesse, inteirar-se logo após lhe ter sido facultado cópia do contrato), acabaram por se conformar com essa atuação do C.... De outro modo, mal se compreenderia que não tivessem exigido uma negociação individualizada com a ré. Como é bom de ver, o problema só se colocou devido ao modo abrupto e inesperado como tais relações laborais cessaram, pois se acaso o contrato tivesse permanecido em vigor pelo prazo acordado tal questão da falta de mandato do C... (com toda a probabilidade) jamais se teria levantado.
(…)
M... (..), Diretor Financeiro do C..., S.A.D., desde o ano de 2002.
(..)
No tocante à negociação com a ré, confirmou que tal ocorreu apenas e tão só com o D..., tendo sido unicamente com ele – e não com os adjuntos – que as conversas decorreram.
Por ter participado na reunião havida entre o Presidente da Ré e o D... – embora não tenha estado sempre presente, visto que, por vezes, tinha de se ausentar por razões profissionais, regressando de seguida à reunião –, revelou ter conhecimento das condições contratuais ajustadas, nomeadamente o valor global retributivo para toda a equipa técnica (600.000€ ilíquidos), competindo ao D... a indicação dos respetivos adjuntos, o seu número e a distribuição/repartição por eles daquele valor remuneratório.
Deu conta que, no âmbito do futebol profissional, é prática o clube escolher (diretamente) o treinador principal e depois este é que indica os adjuntos (quer a indicação das pessoas, quer o número) que pretende que integrem a sua equipa técnica.
(..)
A testemunha apenas conheceu os adjuntos do D... no dia em que estes se deslocaram às instalações da ré para outorgarem os respetivos contratos de trabalho.
- E... (..) funcionário da ré há 13 anos, o qual exerce as funções de Diretor de Recursos Humanos.
(..)
Descreveu em que termos decorreram as negociações da ré com vista à contratação do treinador principal D... e dos treinadores adjuntos que faziam parte da sua equipa técnica, confirmando (o que por todos foi referido) que todos os contactos foram feitos exclusivamente com o D..., não conhecendo inclusivamente na altura os adjuntos por aquele escolhidos para o efeito.
Confirmou ser prática o treinador principal vir acompanhado de uma equipa técnica, o mesmo tendo sucedido aquando da contratação do D.... Nessa decorrência, o treinador de guarda redes, F..., que fazia parte dos quadros da ré, foi colocado a treinar na equipa B, por o D... ter optado por formar a sua equipa técnica exclusivamente por elementos por si escolhidos, da qual fazia parte um treinador de guarda redes (a testemunha I...).
Aquando da negociação entre o Presidente da Ré e o D... a testemunha foi chamado à reunião para discutir as questões financeiras atinentes à remuneração (salários), tendo sido ajustado um valor global retributivo para toda a equipa técnica (600.000€ ilíquidos), competindo ao D... a indicação dos respetivos adjuntos, a definição do seu número e a distribuição pela equipa técnica daquele valor global. Para esse efeito, na referida reunião a testemunha ensaiou diversas simulações, tendo sido o D... que indicou como seria efetuada a distribuição da remuneração por si e pelos seus adjuntos.
Estes apenas compareceram nas instalações da ré no respetivo dia da assinatura dos respetivos contratos e da subsequente cerimónia de apresentação aos sócios e à comunicação social.
(..)».
Sustenta o recorrente que a resposta que foi dada vai além da pergunta e de qualquer facto alegado. Nenhuma alegação foi feita sobre a existência de mandato do D... para negociar os contratos dos seus adjuntos, nomeadamente o do Autor e aqui Recorrente, ou, sequer, de que estes teriam anuído a tal representação.
O que o Autor disse foi que o D... o informou sobre a remuneração proposta e a duração do contrato. O que a Ré referiu foi que tinha negociado a retribuição e a duração do contrato com o D....
Assim, a consideração feita pelo Tribunal a quo de que o D... interveio “nas negociações com a anuência dos restantes elementos da sua equipa técnica, inclusive do A.” não só não tem qualquer apoio na prova produzida nos autos como nem sequer foi alegada pelas partes.
Prossegue, sustentando que da prova produzida não resulta que os contratos de trabalho estavam previamente negociados. Dos depoimentos transcritos resulta é que quando os treinadores adjuntos se deslocaram no dia 26 de Maio de 2014 às instalações da Ré para assinarem os seus contratos já tinham sido informados pelo D... de qual seria a remuneração que iriam auferir e qual seria a duração do contrato, podendo dizer-se que tinham aceite ambas as premissas.
O autor serve-se dos meios de prova que já indicara para impugnar o facto provado 17, nomeadamente, o depoimento de parte do recorrente e os testemunhos de I..., L... e E....
Em confronto com o que resulta da fundamentação do tribunal a quo, nesta encontra-se referência ao depoimento de parte e a estes mesmos testemunhos, mas acresce ainda o de M....
Vejamos o que se retira dos extractos invocados pelo recorrente.
No que respeita ao próprio autor B..., em resposta a questões colocadas pelo Senhor juiz:
i) declarou que “No momento da contratação eu fui contactado pelo senhor D..., tendo ele comunicado que o C... estava disposto a contratar os meus serviços com aquele valor, se eu aceitaria ou não”;
ii) ao responder “Sim é verdade. Após a conversa que tive com o D... deslocamo-nos lá então para assinar o contrato”, confirmou que no dia 26 de Maio de 2014, o D... compareceu nas instalações do C..., acompanhado dele e dos restantes adjuntos, para assinarem os contratos de trabalho previamente negociados; foi apenas nesse dia que o C... conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente a ele autor;
ii) Confirmou, também que as condições contratuais já estavam ajustadas: “Sim, perfeitamente. Eu verifiquei na altura, eu e os restantes colegas, aquilo que me tinha sido comunicado via telefone pelo D...”, designadamente “o valor e a duração”.
Em face desse depoimento, o Senhor Juiz mandou consignar em acta: ”Esclarece que quer a duração do contrato, quer o montante remuneratório que lhe caberia pelo exercício de tais funções, lhe foram transmitidas pelo D..., previamente à outorga do contrato.
De seguida, questionado pelo Senhor Juiz sobre quem é que ajustou as demais condições, se foi o C... sozinho ou o C... e o D..., respondeu: “ Aquilo que, e eu desconheço a forma como as negociações são conduzidas, aquilo que me foi dito foi, de uma forma muito clara, aquilo que acontece é isto, o valor é este. Há ou não vontade, aceitas ou não aceitas. Foi desta forma que me foi… Ok, sim senhora então, vamo-nos encontrar a x horas nas instalações. Portanto, os trâmites da negociação eu desconheço…
Levando a que o Senhor Juiz entendesse proceder à rectificação do que ficara consignado em acta relativamente ao quesito nono, nos termos seguintes: “No dia 26 de Maio de 2014, o D... compareceu nas instalações da Ré, é só um pequena parte, o resto mantém-se, com o Autor e os restantes adjuntos, para assinarem os contratos de trabalho que já estavam previamente formalizados, tendo sido apenas nesse dia, dia 26 de Maio de 2014, que a Ré conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente o Autor”.
Passando ao testemunho de I..., também ele treinador adjunto contratado pelo Réu nas mesmas circunstâncias, dele resulta, no essencial, que a negociação contratual foi feita entre o D... e o Réu C..., sem intervenção dos adjuntos que ele escolheu para o acompanharem ao ser contratado. O D... disse-lhe o valor que auferiria e a que o contrato teria uma duração de dois anos “Que era a duração do contrato dele (D...) também”.
Quanto ao L..., do testemunho resulta que o D..., na sequência de ser convidado para treinador do C... disse, a ele, ao autor e a I... “(Disse-nos) que havia interesse do C... em contar com a nossa colaboração” que a remuneração deles “ foi tratada individualmente com o Presidente do C..., com ele” e que “Obviamente a base geral daquilo que ia acontecer, ele relatou-nos, fez-nos chegar a mensagem”. Quando se deslocou ao C..., já “tinha uma ideia daquilo que ia acontecer…”, designadamente, sabia o prazo “Sim, isso acontece com qualquer treinador com quem trabalhei.”, tendo afirmado em resposta à questão colocada pelo ilustre mandatário do Autor, se “foi nessa base que o Sr. formou a sua opinião, se queria ir ou não queria ir?”: “Claro”.
Por último, do testemunho de E..., também na parte invocada pelo autor, resulta ter este dido que a negociação “Foi quando o D... se reuniu com o Presidente, chamou-me o Presidente para falarmos em termos de valores”. Os treinadores só apareceram “Quando foi para assinar contrato”, confirmando que os contratos já estavam preparados.
Visto tudo isto, não resulta daqui seja o que for que contrarie o que é afirmado pelo tribunal a quo na fundamentação, ao referir o que foi dito pelo autor e pelas testemunhas mencionadas na parte acima transcrita, nem tão pouco a asserção que é feita sobre a negociação, em concreto, a seguinte:
- “No tocante à prévia negociação com a ré das condições contratuais vertidas no seu contrato (ques. 9), não obstante o depoente ter mencionado que o treinador D... não havia sido mandatado por si para o efeito, resultou da prova produzida que as negociações decorreram direta e exclusivamente entre a Ré e o D... – por a Ré estar verdadeiramente interessada em contratar o treinador principal, e não qualquer um dos adjuntos -, sendo que este, além de ter imposto a indicação dos elementos que iriam constituir a sua equipa técnica, de que fazia parte o A., acordou com a Ré as condições contratuais dos seus adjuntos (com a anuência destes).
Assim, embora em bom rigor não se possa falar numa negociação direta entre o A. e a ré, a verdade é que não deixou de haver uma negociação indireta, feita através do D....
Acresce que, na sequência da outorga dos contratos, e excetuando o pedido de aumento do subsídio de habitação, nem o Autor, nem os demais adjuntos alguma vez manifestaram oposição aos termos contratuais ajustados pelo D... com a ré, nem o A., antes, contemporaneamente ou depois da outorga do respetivo contrato, exigiu uma negociação individualizada com a Ré sobre as condições contratuais firmadas”.
Melhor se compreenderá ainda este juízo do tribunal a quo se tivermos em conta este extracto do testemunho prestado pela testemunha I.... Questionada pelo Senhor Juiz sobre o tinha a dizer “quanto ao facto de ter sido explicado, de lhe ter sido dado o contrato para ler, antes de o assinar ou, pronto, no momento em que assinou, e de lhe ter sido explicado estes tais 3 pontos que é a retribuição, a duração e a tal cláusula, que é a ligação entre a dependência do seu contrato e a dependência do contrato do D...”, respondeu “Sim, relativamente à dependência nem sequer ouvi, pronto, li, assinei o contrato, sabia que era 2 anos e os valores, a partir daí… agora relativamente a eu estar ligado ao D..., ele saindo e eu também teria que sair…”. E, logo de seguida, em resposta a questão colocada pela ilustre mandatária da Ré, disse “Não, doutora, eu vou explicar. Não liguei ao que poderia estar por escrito no contrato, porque é normal no futebol… é assim, o treinador principal escolhe os jogadores, porque falamos aqui em termos de verbas, temos um orçamento para jogadores, equipa, orçamento, equipa técnica, o chefe é o treinador e escolhe os jogadores e escolhe as pessoas para trabalhar com ele, dentro daqueles valores, não é? Então escolhe as pessoas da sua confiança e os jogadores que quer ou que não quer. É normal que isso aconteça no futebol. E os contratos são normais, que eu já fiz, quase centenas. Centenas, não, mas dezenas de contratos. Praticamente nunca os li, quer como jogador, quer como treinador”.
Em poucas palavras, o autor e os outros dois treinadores adjuntos foram contratados pelo C... para o exercício das respectivas funções por uma única e exclusiva razão, em concreto, porque o treinador D... manifestou o propósito de se fazer acompanhar por eles, integrando o “seu” grupo de trabalho. Dai que as negociações tenham sido efectuadas através do D..., tendo este contactado cada um deles e recebido a aquiescência em o acompanharem como treinadores adjuntos. Não resulta da prova que algum deles tenha suscitado questões ou imposto exigências para serem negociadas, ou mesmo manifestado o propósito de negociar individualmente as condições contratuais, ou sequer que tenham tido alguma preocupação com os termos em como estavam a ser negociadas as condições de contratação entre o D... e o C.... O que resulta com clareza é que todos eles, pelo menos tacitamente, depositaram no D..., por cuja mão eram levados para o clube, os poderes para proceder à negociação.
Neste quadro de prova, a resposta dada, que a nosso ver se contém dentro do que era questionado, sendo apenas explicativa ao desviar-se da redacção do facto controvertido, está correcta quando menciona, reportando-se ao D..., “intervindo este nas negociações com a anuência dos restantes elementos da sua equipa técnica, inclusive do A.”.
Assim, improcede a impugnação dirigida ao facto provado 24.
II.2.3 Por último, cabe apreciar a impugnação dirigida ao facto 33, resultante da resposta dada ao facto controvertido 3, onde se questiona: 3) Em consequência da cessação do seu contrato o Autor sofreu desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar?”
Respondeu o tribunal a quo:[33] Em consequência da cessação do seu contrato e por não ter acompanhado o D... para o novo clube de futebol (K...), o Autor sofreu desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar.
Pretende o recorrente autor que passe a constar a resposta seguinte:
Provado que, em consequência da cessação do seu contrato, o Autor sofreu desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar.”
Como bem se percebe, apenas está em causa a parte “e por não ter acompanhado o D... para o novo clube de futebol (K...)”.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a propósito desta resposta encontra-se o seguinte:
-«(..)
I... (..) amigo do autor há cerca de 4 ou 5 anos, tendo ambos feito parte da mesma equipa técnica do D... no H..., na G... e no C....
(..)
Desempenhava as funções de treinador de guarda-redes.
(..)
Reportou que, na sequência da cessação do contrato de trabalho, o A. passou por um “bocado mau”, “em termos psicológicos”, por ficar desempregado, sendo que todos os demais elementos da equipa técnica do D..., excetuando o A., decorridos três meses foram contratados para desempenhar funções no K....
(..)
L..., amigo do autor desde o ano de 2010 (conheceu-o quando a testemunha fazia parte da equipa técnica do treinador principal N..., ao serviço do O...), tendo feito parte da equipa técnica do D... no H..., na G... e no C....
(..)
Por ter mantido um contacto próximo com o A., revelou ter conhecimento da sintomatologia e das alterações comportamentais que este apresentou na sequência da cessação do contrato com a ré, nomeadamente sentindo-se amargurado, triste e apreensivo por estar na situação de desempregado. Em sede de contra instância, acabou por esclarecer que essa sintomatologia se ficou a dever não só ao facto de ter saído do C..., mas também por não ter ido para o K... com o D... e a demais equipa técnica.
(…)
P... (..) mãe do autor, que verbalizou ter uma relação muito próxima e quotidiana com o seu filho (todos os dias o A. frequenta a sua casa).
Explicitou a sintomatologia e as alterações comportamentais que o A. vivenciou após a cessação do contrato objeto dos autos (por ex., ansiedade, inquietude e instabilidade emocional), o que atribuiu ao facto de ter deixado de ser treinador, sentindo-se um pouco injustiçado (na sequência da perda da final da U..., no jogo que opôs o C... ao Q..., na época de ..../....).
(..)
S... (..) amigo do Autor há cerca de 25 anos, tendo ambos sido atletas de andebol.
Não está ligado à atividade do futebol, sendo operário fabril.
Mantém uma relação próxima com o A., comunicando regularmente – todas as semanas conversam entre si – e sendo visita assídua um do outro.
Por força dessa relação de amizade revelou ter conhecimento da sintomatologia e das alterações comportamentais apresentadas pelo A. após a cessação do contrato com a ré (por ex., ficou mais fechado, menos comunicativo, triste e mais frio, quando antes era uma pessoa alegre, sentindo-se injustiçado da forma como saiu do clube e apreensivo quanto ao seu futuro, por a sua situação laboral não estar resolvida, mantendo-se desempregado).
- T... (..) companheira do autor há 4/5 anos, com quem vive em união de facto.
Indicou a sintomatologia e as alterações comportamentais apresentadas pelo A. após a cessação abrupta e inesperada do contrato com a ré (por se sentir injustiçado pela forma como o assunto foi tratado, o facto de a situação não lhe ser imputável, o A. passou a isolar-se, ficando mais pensativo, deixando de ter paciência e disponibilidade para o filho de três anos, e manifestando apreensão pela sua situação de desemprego involuntário, tendo também ficado desalentado (embora não com a mesma intensidade) por não ter podido integrar a equipa técnica do D... que o acompanhou para o K..., na época desportiva de ..../.....
Destes testemunhos resulta com clareza que o autor foi o único dos treinadores adjuntos do treinador D... que, após a cessação do contrato de trabalho com o C..., não acompanhou aquele para o exercício das mesmas funções, mas agora num novo clube de futebol, em concreto, o K...”. Não se sabe quais foram as razões porque o autor não pode, mais uma vez, integrar a equipa técnica do D... que o acompanhou para o K..., na época desportiva de ..../...., mas o que interessa é o facto e a repercussão que o mesmo teve no autor, nomeadamente, ao nível psicológico.
Ora, esse efeito é mencionado directamente pelas testemunhas I..., L... e T..., e indirectamente pela testemunha S... (referindo o Tribunal a quo, que este terá testemunhado que o autor estava “apreensivo quanto ao seu futuro, por a sua situação laboral não estar resolvida, mantendo-se desempregado”).
Quanto a este facto o recorrente indica precisamente os testemunhos que o tribunal a quo refere na fundamentação, identificando os extractos relevantes para a sua posição e transcrevendo-os.
Sustenta que «é irrelevante se o Autor sofreu, ou não, por não ter ido para o “K...” com o D..., uma vez que esse facto não é, de facto, imputável à Ré. O que interessava era, tão só, apurar se a cessação do contrato com a Ré tinha provocado no Autor “desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar”.
Em suma, na sua perspectiva se “também, sofreu tudo isso por não ter ido para o “K...” com o D... é irrelevante para a presente ação”.
É evidente que esse facto não é imputável à Ré, mas isso não significa que não tenha interesse para a causa. Se o Autor vem dizer que “em consequência da cessação do seu contrato, (..) sofreu desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar.”, com o propósito de sustentar um pedido de indemnização, não pode deixar de relevar qualquer facto que, para além da cessação do contrato de trabalho, igualmente esteja na base dos sentimentos de desgosto, tristeza e receio pelo futuro profissional.
É certo que as testemunhas P..., T... e S..., respectivamente, a mãe, a companheira e o amigo de infância do autor, procuraram minimizar a importância do facto do autor não ter podido acompanhar o treinador D... para o K..., quando os demais membros da equipa de trabalho entraram nesse novo projecto. Contudo, essa ideia que procuraram transmitir não nos convence.
Importa sublinhar que não considerámos só os extractos dos testemunhos invocados pelo autor. Antes procedemos à audição integral dos testemunhos que indica, da conjugação dos mesmos ficando-nos a convicção no sentido de que o facto do autor não ter continuado a acompanhar a equipa de trabalho do D... contribuiu igualmente para os sentimentos relatados pelas testemunhas.
São realidades distintas, como afirmou a companheira do autor, mas como também disse “obviamente existiu algum desalento”, não ficou tão insatisfeito quanto à situação que ocorreu no C...”, o que significa necessariamente que também esse facto foi relevante e contribuiu para o “desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar”.
Com maior distanciamento e mais objectividade, L..., outro dos treinadores adjuntos, que afirmou ter até levado o autor várias vezes às sessões de treino já no K..., com o propósito deste estar integrado e com aqueles que melhor podiam compreender o seu estado, perguntado se aquele “estava mais aborrecido ou mais magoado por ter saído do C... ou por não ter ido para o K...”, disse: “Acho que é um bocadinho de tudo. Penso que será um bocadinho de tudo, (..) ficando privado de trabalhar no C..., não tendo depois um vínculo profissional com mais nenhum clube, acaba por ser consequência uma coisa da outra”.
Assim, se o próprio autor não põe em causa, nem o podia fazer face à prova produzida, que “também, sofreu tudo isso por não ter ido para o “K...”, não pode o mesmo deixar de ter relevância, dado que também ele concorre para aquele estado psicológico.
Contudo, se é certo que esse facto não pode deixar de ser referido na resposta, já se nos afigura que a redacção dada ao facto pelo Tribunal a quo pode ser melhorada, no sentido de procurar transmitir melhor o que, de resto, até menciona na fundamentação, quando a propósito do testemunho de T..., a companheira do autor, refere dele resultar que aquele “também ficado desalentado (embora não com a mesma intensidade) por não ter podido integrar a equipa técnica do D... que o acompanhou para o K..., na época desportiva de ..../....”.
Com efeito, é esta a ideia global que se retira da conjugação dos testemunhos.
Assim, altera-se a resposta dada ao facto controvertido 3 - facto 33 da sentença - conferindo-lhe a redacção seguinte:
-Em consequência da cessação do seu contrato com o C... e, também, embora não com a mesma intensidade, or não ter acompanhado o D... para o novo clube de futebol (K...), o Autor sofreu desgosto e tristeza e, até, receio pelo seu futuro profissional do qual depende o sustento do seu agregado familiar.
II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Defende o recorrente, que ainda que não seja atendida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sempre a decisão recorrida terá que ser revogada por errada aplicação do direito aos factos, designadamente, por ter considerado válida a cláusula quarta, § segundo, do contrato de trabalho celebrado com a Ré.
Os fundamentos do recurso estruturam-se, no essencial, em quatro linhas de argumentação.
A primeira delas, sustenta que a sentença constitui uma decisão-surpresa, ao considerar que a cláusula estava estabelecida em defesa de ambos os contraentes, o que só em sede de alegações foi invocado pela recorrida, não tendo sido um ponto objeto de debate nem de prova, pelo que a conclusão do Tribunal a quo não só não tem qualquer respaldo probatório, como é proferida em violação do disposto no artigo 3.º do CPC (conclusão 14).
Na segunda defende o recorrente que o enquadramento legal que é feito para justificar a validade da aposição de uma condição resolutiva ao contrato de trabalho é insustentável, não servindo de fundamento a invocação de que a mesma é expressamente prevista no CCT dos Jogadores Profissionais de futebol, no seu artigo 41.º, 19, uma vez que nem a lei geral (Código do Trabalho) nem a lei especial (Lei do Contrato de Trabalho Desportivo – Lei n.º 28/98, de 26 de Junho) admitem a aposição de condições resolutivas nos contratos. O que ali se prevê, é a possibilidade de o jogador poder obter a desvinculação válida do contrato sem o acordo do clube, sem ter que o indemnizar.
Na terceira linha, defende-se que nem o regime da Lei do Contrato de Trabalho Desportivo (Lei n.º 28/98, de 26 de Junho) e, muito menos, o convencionado no CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol, é suscetível de ser aplicado ao contrato de trabalho dos treinadores de futebol e, por maioria de razão, ao contrato de trabalho dos treinadores adjuntos.
E, na quarta e última, sustenta-se que sempre haveria que reconhecer a existência de abuso de direito da Ré na invocação da condição resolutiva e no não pagamento ao Autor de uma indemnização pela cessação do contrato.
Na apreciação destas questões seguiremos ordem diversa daquela que foi inculcada pelo recorrente, afigurando-se-nos que a sequência lógica mais adequada é a seguinte: i) determinação da Lei aplicável; ii) saber se estamos perante decisão surpresa; iii) validade da cláusula quarta, § segundo, do contrato de trabalho celebrado com a Ré; iv) saber se a Ré actuou em abuso de direito.
II.3.1 O Tribunal a quo, com apoio na doutrina e jurisprudência que cita, entendeu que embora o treinador de futebol (ou de outras modalidades desportivas) não deva ser qualificado como praticante desportivo, na falta de regulamentação específica que regule os contrato de trabalho subordinado entre os clubes e treinadores e face à reconhecida inadequação ou desajustamento da aplicação do regime laboral comum a essas situações, que deve atender-se ao regime do contrato de trabalho do praticante desportivo previsto na Lei n.º 28/98, aplicável, por analogia, nos termos do art.º 10.º do Cód. Civil.
Discorda o recorrente autor, contrapondo que não só nenhuma das “especificidades” do contrato de trabalho desportivo, como as regras de direito não permitem que se aplique ao contrato de trabalho dos treinadores as normas legais que regulam o contrato de trabalho desportivo. A seu ver não há especificidades no contrato de trabalho dos treinadores que não sejam acauteladas pela lei geral do trabalho. E, mesmo que se admitisse existir uma lacuna, ou seja, um caso omisso, não seria por isso que o intérprete estaria autorizado a aplicar a esse contrato as regras legais do contrato de trabalho desportivo, dado não existir analogia entre o contrato de trabalho desportivo e o contrato do treinador desportivo, porque não se verificam neste caso as razões justificativas da regulamentação do contrato de trabalho desportivo. Acrescendo que sendo o regime jurídico do contrato de trabalho desportivo um regime excecional, o mesmo, nos termos do disposto no artigo 11.º do Código Civil, não comporta aplicação analógica.
Vejamos então.
A primeira instância começou por assinalar ser entendimento consensual da jurisprudência e doutrina que o treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo para efeitos da Lei n.º 28/98 (LCTD).
Assim o entendemos igualmente. Na verdade, como elucida João Leal Amado, embora reportando-se ao Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 Nov., mas com inteira aplicabilidade à Lei 28/98, dado que quanto ao seu âmbito de aplicação não foi introduzida qualquer alteração, o diploma regula as relações emergentes do contrato de trabalho dos praticantes desportivos, entre os quais não se incluem os técnicos ou treinadores, pois «(..) segundo o art.º 4.º/4 da LBSD, estes últimos são agentes desportivos – “são considerados agentes desportivos os praticantes, docentes, treinadores, árbitros e dirigentes, pessoal médico, paramédico e, em geral, todas as pessoas que intervêm no fenómeno desportivo “ -, mas não praticantes. Compreende-se a restrição do âmbito da lei aos praticantes, deixando de fora outros agentes desportivos, atenta a especificidade apresentada pela respectiva relação laboral» [Contrato de Trabalho Desportivo Anotado, Coimbra Editora, 1995, p. 12/13].
Mas significará isso que então será aplicável o regime laboral comum?
Esse foi o entendimento seguido no Acórdão do STJ de 7 de Outubro de 1987 [proc.º 98S166, José Mesquita, disponível em www.dgsi.pt] como se constata pelo extracto seguinte:
-«(..) já se colocou o problema de saber se aos treinadores de futebol deveria ser aplicável o regime em vigor para os agentes desportivos praticantes - desnecessidade de denúncia prévia - ou antes o regime laboral comum, designadamente o disposto no artigo 46 do DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro, em cujo n. 1 se exige a comunicação até oito dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o não renovar.
É hoje pacífico o entendimento de que um treinador de futebol não pode ser "considerado" agente desportivo praticante e, por isso, lhe é aplicável o regime comum - ver os acórdãos do STJ de 12 de Julho de 1985 - 14 de Abril de 1993 - 28 de Abril de 1993 e 9 de Outubro de 1996, respectivamente, no BMJ, n. 349, pág. 325 e nos Processos ns. 3551, 3542 e 4405, da 4ª Secção».
No entanto, esse entendimento, se bem que assente em fundamentos devidamente sustentados na lei, não resolvia o problema da inadequação ou desajustamento da aplicação do regime geral comum a determinadas situações de contrato de trabalho subordinado, atentas as especificidades próprias, entre elas se contando precisamente a dos agentes desportivos, mais precisamente, a dos treinadores de futebol profissionais.
Disso nos dá nota o malogrado Albino Mendes Baptista, na reflexão a propósito da problemática “É O REGIME LABORAL COMUM APLICÁVEL AOS CONTRATOS ENTRE CLUBES E TREINADORES PROFISSIONAIS?” [Publicado na Revista do Ministério Público, n.º 80, 1999; e, integrando a obra Direito Laboral Desportivo, estudos, Vol. I, Quid Juris, Lisboa, 2003, p. 77 a 88], dizendo “Na verdade, outras realidades estão ainda por disciplinar de forma adequada, como sejam, nomeadamente, o contrato de docência universitária, a relação entre empresas de moda e os seus modelos profissionais, ou o vínculo entre clubes desportivos e os respectivos treinadores”, exemplificando quanto a estes últimos com a interrogação “a reintegração de um treinador de futebol despedido ilicitamente é adequada às características próprias desta relação de trabalho?”. Releva deixar nota que o Autor cita o aresto do Supremo Tribunal de Justiça acima referido, manifestando expressamente a sua concordância, defendendo que “o regime aplicável aos contratos entre treinadores e clubes profissionais, terá de ser o regime laboral comum, embora entendamos que o mesmo se revela desadequado e pouco compatível com a natureza específica desta relação contratual” [Direito Laboral Desportivo, pp. 78/79].
Mais adiante assinala que o STJ naquele aresto “não teve que tomar posição sobre uma matéria fundamental, a saber, é possível contratar um treinador de futebol a termo resolutivo certo”, questão que se coloca em razão do n.º1 do art.º 41.º da LCCT, proceder a enumeração taxativa dos casos de admissibilidade do contrato a termo. No seu entender, o legislador deixou de fora realidades sociais que exigem a admissibilidade da contratação a termo, mostrando-se aquela enumeração taxativa desajustada, sem que o art.º 53.º da CRP o imponha, por dele não decorrer a excepcionalidade da contratação a termo. Diz o autor “Na verdade, a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho a termo desportivo, erigiu a contratação a termo em forma de contratação exclusiva (art.º 8.º), atendendo certamente à especial natureza das relações daí emergentes. O mesmo é válido para os contratos que ligam os clubes e os treinadores”, para afirmar que “O problema é, portanto, de mera inércia legislativa” [Op. cit., 80/81].
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 24-01-2007 [proc.º n.º 06S1821, MÁRIO PEREIRA, disponível em www.dgsi.pt], abordou esta problemática, defendendo o entendimento seguinte:
- «Cingindo-nos apenas aos contratos com treinadores desportivos profissionais, que é o caso que nos ocupa, a existência de uma verdadeira lacuna de previsão resulta do facto do próprio legislador reconhecer, como já se referiu, as especialidades que a actividade desportiva comporta neste preciso domínio e a manifesta dificuldade do regime geral do contrato de trabalho para dar cabal resposta a essas especificidades, o que convoca, por força dos princípios gerais, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art.º 10º do Cód. Civil, e, por esta via, ao regime especial do CTPD, por valerem na situação em causa as razões justificativas da concreta regulamentação normativa da Lei n.º 28/98.
Como já dissemos, a Lei n.º 28/98 consagra o regime especial para o CTPD, mais dispondo, no seu art.º 3º, a aplicação subsidiária ao mesmo das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, ou seja, o regime laboral comum.
Como refere Leal Amado (10), o CTPD é um contrato necessariamente a termo (na maioria dos casos a termo certo, mas admitindo-se, no quadro da previsão da al. b) do art.º 8º, a celebração de contratos a termo incerto, por período inferior a uma época desportiva).
Daí que, entre nós, o contrato a termo seja mesmo a única categoria contratual admitida na relação laboral do praticante desportivo.
O que envolve que não haja lugar à sua conversão em contrato por tempo indeterminado.
O referido autor retira essa natureza imperativa a termo dos seguintes dados:
a) - Do correspondente documento escrito deverá constar a indicação do termo de vigência do contrato – art.º 5º, n.º 2, e) da Lei n.º 28/98.
b) - A falta de redução do contrato a escrito importa a sua invalidade (art.º 5º, n.º 2 da Lei n.º 28/98) – e não apenas a da cláusula do termo resolutivo, com a conversão em contrato por tempo indeterminado, como previsto para o comum dos contratos a termo, no art.º 42º, n.º 3 da LCCT.
c) - A falta de indicação do respectivo termo implica que o contrato se tenha como celebrado por uma época desportiva, ou para a época desportiva no decurso da qual foi celebrado (art.º 8º, n.º 4).
d) A violação dos limites de duração do contrato, previstos no art.º 8º, n.º 1 (mínimo de uma e máximo de oito épocas desportivas), determina a aplicação ao contrato em causa dos prazos mínimo ou máximo admitidos (art.º 9º), não havendo qualquer obstáculo legal à celebração sucessiva e/ou intercalada de contratos de trabalho desportivo a termo entre os mesmos sujeitos.
Também estes aspectos referidos em c) e d) divergem do regime geral do contrato a termo, previsto na LCCT – ver art.ºs 41º-A, n.º 1, 42º, n.º 1, e) e 3, 44º, n.º 2 e 46º, n.º 4 da LCCT – constituindo normas especiais em relação àquele.
Como já dissemos, a consagração de um regime especial para o CTPD, na Lei n.º 28/98, como anteriormente no DL n.º 305/95, traduz o reconhecimento das particularidades da actividade desportiva profissional, de que podemos salientar a curta carreira do praticante desportivo, ditada pela perda de qualidades físicas e atléticas, carreira sujeita a um desgaste rápido, circunstância que justifica ou explica a opção legislativa da impossibilidade de vinculação do praticante desportivo por tempo indeterminado ou por período superior ao máximo previsto.
Acresce que estamos numa área de actividade com natureza e fisionomia próprias, em que os empregadores visam a obtenção de resultados, não apenas económicos mas também desportivos, não raramente interligados entre si, objectivos definidos por factores e conjunturas que se vão alterando (vg. por variação de disponibilidades financeiras, por vezes contingentes, como são, por exemplo, os patrocínios, ou o sucesso ou insucesso desportivo), o que reclama a possibilidade de adaptar a qualidade dos plantéis, isto é, o grupo de praticantes desportivos disponíveis, a esses objectivos, sem esquecer, por outro lado, a necessidade de estabilização desses plantéis, dentro das respectivas épocas desportivas para que foram definidos, com a impossibilidade de o praticante desportivo operar a rescisão do contrato de trabalho por sua pura vontade, mediante pré-aviso (11).
Isto, essencialmente, em ordem a salvaguardar os projectos desportivos dos clubes empregadores».
Este entendimento vem sendo acolhido uniformemente pelo mesmo mais alto Tribunal, nomeadamente, nos acórdãos seguintes: de 12-9-2007, proc.º n.º 4107/06, MARIA LAURA LEONARDO; de 10.7.2008, proc.º n.º 3660/07, MÁRIO PEREIRA; e, de 20.5.2009, proc.º n.º 3445/08, SOUSA GRANDÃO (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido decidiu também a Relação de Lisboa, em acórdão de 11-11-2009 [Proc.º 3987/03.8TTLSB.L1-4, ISABEL TAPADINHAS, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário consta o seguinte:
-[I] O contrato de trabalho do praticante desportivo (CTPD) constitui uma espécie própria de vínculo laboral, cujo regime normativo – Decreto-Lei nº 305/95, de 18 de Novembro, posteriormente revogado pela Lei nº 28/98, de 26 de Junho –, consagra as especificidades da relação jurídica que se propõe regular.
[II] Nos termos e para os efeitos enunciados nos referidos diplomas, um treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo.
[III] Todavia, a falta de regulação própria para os contratos de trabalho de outros agentes desportivos, que não se encontram regulados naqueles diplomas, designadamente dos treinadores, não determina, sem mais, a aplicação da lei geral do trabalho, antes impõe, face a uma reconhecida lacuna de previsão, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art. 10.º do Cód. Civil e, por via deles, a aplicação, a tais agentes, do regime vertido nos mencionados diplomas – Decreto-Lei nº 305/95 e Lei nº 28/98.
[IV] Daí que, por via da referida integração de lacuna, a um contrato de trabalho celebrado com um treinador de futebol seja de aplicar o regime normativo do CTPD, do qual decorre que o contrato a termo é a única categoria contratual admitida na relação laboral do praticante desportivo não havendo lugar à sua conversão em contrato por tempo indeterminado e não o Código do Trabalho ou a legislação pré vigente que aquele revogou.
[V] (..)».
Importando fazer notar que neste aresto nem estava em causa o exercício das funções de treinador das equipas profissionais, mas antes uma situação em que autor exerceu funções de Treinador de Futebol das equipas jovens.
Sendo também de assinalar que o Supremo Tribunal de Justiça, confirmou aquele aresto, em Acórdão de 16-11-2010 [Proc.º 3987/03.8TTLSB.L1.S1, SOUSA PEIXOTO, disponível em www.dgsi.pt], onde se escreve -após referência ao entendimento jurisprudencial do STJ que acima apontámos - o seguinte:
«(..) afigura-se-nos que a falta de regulação legal do contrato de trabalho dos treinadores profissionais de futebol é de imputar a alguma inércia do legislador, devida certamente ao facto do regime que na prática vinha sendo seguido ser mais ou menos consensual entre os respectivos interessados, ao facto de serem poucos os litígios decorrentes dessa contratação e ainda ao facto de, em 1996, ter sido celebrado um contrato colectivo de trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 27, de 22.7.1997, que foi alvo de Portaria de Extensão, publicada no BTE, 1.ª série, n.º37, de 8.10.1997, o que tornou praticamente desnecessária a publicação de legislação específica sobre a matéria.
(…)
Com o evoluir do fenómeno desportivo, tal regulação passou a ser uma necessidade, por ser manifesto que, em certos aspectos, nomeadamente no que toca à temporalidade do vínculo contratual, o regime laboral comum não se adequava minimamente ao regime que na prática tinha sido adoptado no meio social desportivo, daí resultando a existência da correspondente lacuna legislativa de previsão.
(…)
A lacuna de previsão afigura-se-nos, por isso, manifesta, não havendo, deste modo, razões para nos desviarmos da posição assumida por este Supremo Tribunal nos quatro acórdãos a que atrás fizemos referência.
(…)
É certo que os casos tratados naqueles acórdãos diziam respeito a treinadores (um de voleibol e os outros de futebol) de equipas profissionais, o que não sucedia com o autor da presente acção, que foi treinador das chamadas camadas jovens, mais concretamente dos iniciados, juvenis e seniores, mas, em nossa opinião, o que realmente releva para dar por verificada a lacuna legislativa não é a natureza profissional ou não profissional da equipa que é treinada, mas sim o facto do treinador exercer a sua actividade em termos profissionais, como sucedia com o autor que, como tal, se encontrava inscrito na ANTF (facto n.º 15). A especificidade do contrato é aí que reside».
Releva ainda deixar nota que o aqui relator seguiu esta linha de entendimento, intervindo também como relator no recurso de apelação n.º APELAÇÃO n.º 3345/11.0TTLSB.L1, em acórdão de 24 de Setembro de 2014, da Relação de Lisboa, consignando-se no respectivo sumário, no que aqui releva, o seguinte:
I. À relação laboral em apreço só subsidiariamente é aplicável o regime geral comum do contrato de trabalho, nomeadamente na LCT e na LCCT (art.º 5.º do CCT e art.º 3.º da Lei 28/98), regendo-se o contrato inicialmente celebrado entre A. e R, bem como os subsequentes pelo disposto no estabelecido no CCT entre a ANT e a LPFP, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 27, de 22.7.1997, bem como na Lei 28/98 (LCTD), este aplicável por analogia.
II. Em suma, entende-se que o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo seja aplicável à relação laboral em apreço, por analogia, nos termos admitidos pelo art.º 10.º do C.C., nomeadamente nos seus números 1 e 2. Com efeito, trata-se de uma relação laboral que pelas suas especificidades reclama um regime adequado, com soluções diversas das impostas pelo regime geral comum, designadamente no que respeita à celebração do contratos por determinado tempo - tendo como referência as épocas desportivas -, bem como à sua caducidade, procedendo pois as razões justificativas da regulamentação prevista na LCTD.
III. Contudo, essa aplicação analógica só terá lugar relativamente aos aspectos em que o contrato de trabalho seja omisso.
Aresto esse que foi confirmado por acórdão do STJ de 25-06-2015 [Proc.º 3345/11.0TTLSB.L1.S1, Conselheiro FERNANDES DA SILVA, disponível em www.dgsi.pt], lendo-se no respectivo sumário o seguinte:
I - O treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo, à luz e para os efeitos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
II - Contudo, por se tratar de uma relação laboral que, pelas suas especificidades, reclama um regime adequado, existe evidente lacuna (legislativa) de previsão, devendo aplicar-se, por analogia, o regime jurídico ali previsto, com soluções diversas das impostas pelo regime laboral comum, designadamente no que respeita à celebração de contratos por tempo determinado (reportado às épocas desportivas), bem como à sua caducidade.
II - A Lei n.º 28/98, de 26 de junho, não constitui um regime jurídico excecional, mas antes um regime especial de contrato de trabalho subordinado, nada impedindo, pois, a sua aplicação analógica a contratos de trabalho a termo certo, celebrados entre um clube de futebol e um treinador, válidos e perfeitamente autónomos entre si, cujo termo, uma vez alcançado, fez operar, sem mais, (isto é, sem necessidade de qualquer comunicação das partes), a sua caducidade.
III - As razões justificativas da referida aplicação analógica, in casu – por força da equiparação das especificidades funcionais de ambos os profissionais – não colidem com o direito, liberdade e garantia de segurança e estabilidade no emprego e de proibição de despedimentos sem justa causa, previstos nos artigos 13.º, 18.º e 53.º, da Constituição da República Portuguesa.
(..)».
Pois bem, não vemos razões suficientemente válidas para nos afastarmos deste entendimento.
Convirá ter presente os factos seguintes:
- A Ré é uma sociedade anónima desportiva, cuja equipa de futebol sénior participa nas competições de futebol profissional, organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, disputando atualmente, através da sua equipa sénior principal o Campeonato Nacional da I Liga. (facto 2).
- O Autor é treinador de futebol (facto 1).
- Foi contratado pela Ré, no dia 26 de Maio de 2014, para, sob sua autoridade, direção e fiscalização, prestar a atividade de treinador profissional de futebol (adjunto), na equipa da categoria Sénior, para as épocas desportivas de 2014/2015 e 2015/2016, com início a 1 de julho de 2014 e termo em 30 de junho de 2016 (facto 10,
- Competia ao Autor, na qualidade de treinador adjunto, assegurar e proceder à preparação, orientação técnica, treino e desempenho competitivo, elaborar e tomar decisões em assuntos de natureza técnica, tática, física e psicológica da equipa sénior de futebol, sob a orientação do treinador principal (facto 12).
- Nos termos do contrato, as partes estipularam que em tudo o que se revelar omisso, regularão as disposições que sobre a matéria constem da Lei ou IRCT aplicável, designadamente o Contrato coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF) e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), conforme cláusula 12ª do contrato de trabalho constante de fls. 19 a 21. (facto 15).
- Na preparação da equipa de futebol profissional para as épocas desportivas 2014/2015 e 2015/2016 a Ré contactou o treinador D... que pretendia contratar como treinador principal. - cfr. al. M) dos factos admitidos por acordo (facto 3);
- Foram efetuadas diversas reuniões entre a Ré e o D... para serem acertados os termos do contrato a celebrar, designadamente respeitantes às condições remuneratórias e outras condições contratuais (facto 5). - cfr. al. O) dos factos admitidos por acordo;
- Durante as negociações, o treinador D... fez saber à Ré que a indicação dos seus adjuntos lhe incumbiria exclusivamente a ele, por pretender trabalhar com pessoas da sua confiança, o que foi aceite (facto 6).
- De entre os nomes que indicou à Ré, constava o do aqui Autor, que o D... referiu tratar-se de alguém com quem estava habituado a trabalhar, que já tinha sido seu adjunto, quer na G... quer no H..., e que não pretendia outros adjuntos (nomeadamente que fossem colaboradores do C..., ou que este viesse a indicar ou contratar), com o esclarecimento que a ré tinha ao seu serviço, à data da contratação do Autor, um adjunto que exercia as funções de treinador de guarda-redes (F...), o qual foi colocado a treinar na equipa B por o D... não ter querido trabalhar com esse adjunto (pois da equipa técnica que indicou fazia parte um treinador de guarda-redes, I..., que já havia trabalhado consigo anteriormente) (facto 7).
- A Ré negociou – e acordou - com o D... o pagamento de um valor global retributivo de 600.000€ ilíquidos pelo trabalho desenvolvido por toda a equipa técnica, que o D... depois distribuiria por si e por cada um dos elementos da sua equipa técnica (na qual se incluía o Autor), da forma que entre eles acordassem (facto 8).
- Para a redação da cláusula referente à retribuição dos contratos de toda a equipa técnica, o D... à Ré que a retribuição do Autor seria de 30.000€ por ano (e que a dos restantes 4 adjuntos seria de 56.000€) e a sua própria retribuição corresponderia a 346.000€ por ano. - cfr. resp. ao ques. 8 da base instrutória (facto 9);
- O Autor foi contratado por indicação do treinador principal, D... (facto 11).
- Como contrapartida da atividade exercida, foi acordada uma remuneração global anual, ilíquida, de € 30.000,00 (trinta mil euros) por cada época desportiva, pagos em 12 prestações mensais e iguais por cada época, vencendo-se a primeira no dia 10 de Agosto da respetiva época e as restantes em igual dia dos meses subsequentes (facto 13).
- Foi acordado que o contrato caducaria uma vez decorrido o prazo estipulado (no final das duas épocas (facto 14)
- No contrato de trabalho celebrado entre as partes foi aposta a seguinte cláusula:
A celebração do presente contrato é efectuada na sequência da contratação do treinador principal, D..., sendo desde já convencionado que a cessação do vínculo contratual do referido treinador principal, implicará automaticamente a alteração do prazo de duração do presente contrato e a cessação do vínculo com o aqui segundo outorgante” (o ora Autor), “não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, seja a que título for, a qualquer dos outorgantes” (facto 16)
- A cláusula referida na al. J) foi ajustada entre a Ré e o treinador principal D..., com o esclarecimento que este acertou com a ré todas as condições contratuais para a sua contratação e dos seus adjuntos, nomeadamente do Autor (facto 17).
- Ficou também contratualizada, na Cláusula Sexta do contrato de trabalho, o pagamento de um subsídio de habitação mensal de 400,00€ no período de vigência do referido contrato (18).
- Esse não ficou dependente de o Autor residir em ... ou de fazer qualquer prova de despender tal montante em habitação (facto 19).
- Não obstante o vertido na Cláusula Sexta do contrato, foi acordado que a ré pagaria a quantia de € 900,00 mensais a título de subsídio de habitação, tendo essa verba sido efetivamente paga ao Autor durante toda a vigência do contrato (facto 20).
- O acréscimo do subsídio de habitação foi ajustado depois da celebração do contrato e teve a ver com o facto de uns dos elementos da equipa técnica do D... (o J...) ter referido que o valor atribuído era insuficiente para custear o pagamento da renda de uma habitação atenta a dimensão do seu agregado familiar, pelo que o Presidente da Ré optou por aumentar o valor pago a título de subsídio de habitação o todos os referidos elementos da equipa técnica, excetuando o D..., fixando-o em € 900,00 mensais. (facto 21).
- No mesmo dia 26 de Maio de 2014, D... foi contratado pela Ré, para, no mesmo período (épocas ..../.... e ..../....), prestar, sob autoridade, direção e fiscalização desta, a atividade de treinador profissional de futebol principal (facto 22).
- O Autor faz parte da equipa técnica que acompanha o D... nos vários clubes que este treinou antes do C..., como é o caso do H... e da G... (facto 23)
- No dia 26 de Maio de 2014, o D... compareceu nas instalações da Ré com o Autor e restantes adjuntos para assinarem os contratos de trabalho previamente negociados entre a ré e o D... (intervindo este nas negociações com a anuência dos restantes elementos da sua equipa técnica, inclusive do A.), tendo sido apenas nesse dia (26 de Maio de 2014) que a Ré conheceu os adjuntos do D..., nomeadamente o Autor (facto 24).
- Todos os adjuntos do D... foram escolhidos por este, sendo que o C... não escolheu qualquer dos adjuntos (facto 25).
É neste contexto, marcado por particularidades específicas, que se distanciam claramente das normais situações de celebração de contratos de trabalho que surge a relação contratual entre A e R.
A Ré pretende resultados desportivos, sendo isso que explica que ao contratar um determinado treinador aceite que este lhe imponha a indicação dos seus treinadores adjuntos (facto 6), bem assim que tenha sido este a “que (..) acertou com a ré todas as condições contratuais para a sua contratação e dos seus adjuntos, nomeadamente do Autor (facto 17), e tenha “intervindo (..) nas negociações com a anuência dos restantes elementos da sua equipa técnica, inclusive do A. (facto 24). Foi o treinador principal que acordou um valor global em contrapartida do trabalho a desenvolver por “toda a equipa técnica”, que definiu os valores de retribuição a atribuir a si próprio e a cada um dos treinadores adjuntos que indicou, bem assim que tenha que negociou todas as demais condições contratuais, designadamente, quanto à caducidade dos respectivos contratos.
Neste quadro, seguindo-se a orientação jurisprudencial reiterada nos arestos já mencionados, entende-se, como também o entendeu o tribunal a quo, que o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo seja aplicável à relação laboral em apreço, por analogia, nos termos admitidos pelo art.º 10.º do C.C., nomeadamente nos seus números 1 e 2. Com efeito, trata-se de uma relação laboral que pelas suas especificidades reclama um regime adequado, com soluções diversas das impostas pelo regime geral comum, designadamente no que respeita à celebração do contratos por determinado tempo - tendo como referência as épocas desportivas -, bem como à sua caducidade, procedendo pois as razões justificativas da regulamentação prevista na LCTD.
Contudo, como igualmente é sublinhado pela jurisprudência apontada, essa aplicação analógica só terá lugar relativamente aos aspectos em que o contrato de trabalho seja omisso. Como elucida o AC. do STJ de 16-11-2010, “(..) na falta de regulamentação legal expressa, nada obsta a que as partes fixem livremente o conteúdo do contrato e neles insiram as cláusulas que lhes aprouver. O princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405.º do Código Civil assim o permite”.
Cabe ainda salientar que também não procede o argumento do recorrente, no sentido de a tal obstar o art.º 11.º do CC. Mas vejamos porquê.
A posição do parte do pressuposto de que a Lei 28/98 [LCTD] constituirá um regime “excepcional”, não comportando, por isso, aplicação analógica.
Porém, salvo o devido respeito, a Lei 28/98 consagra antes um regime especial de contrato de trabalho subordinado, tal como o são, entre outros, o regime do trabalho em comissão de serviço, consagrado pela primeira vez no Decreto-Lei n.º 409/91, de 16 de Outubro (actualmente inserido no CT, nos artigos 161.º a 164.º) ; ou o regime do Trabalho de Estrangeiros, à época introduzido pela Lei n.º 20/98, de 12 de Maio, ou o contrato de trabalho de Serviço Doméstico, então constante no Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro.
Como ensina Oliveira Ascensão, ao carácter normal da chamada regra geral, contrapõem-se as normas especiais e as excepcionais. Uma regra é especial em relação a outra quando, sem contrariar substancialmente o princípio nela contido, a adaptar a circunstâncias particulares. A especialidade pode ser característica de todo um ramo de direito, como acontece, p. ex., entre o direito civil e o direito comercial, ou de institutos jurídicos ou disposições particulares. [O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1980, p. 209].
Continuando a seguir a lição do mesmo autor, no que respeita às regras excepcionais, “Duas normas podem ter entre si a relação regra-excepção; à regra estabelecida pela primeira opõe-se a excepção, que para um círculo mais ou menos amplo de situações é aberta pela segunda. A excepção é pois necessariamente de âmbito mais restrito que a regra, e contraria a valoração ínsita nesta, para atingir finalidades particulares” [Op. cit. 382].
A Lei 28/98 teve como antecedente o Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, em cujo preâmbulo o legislador expressa o seguinte:
- «A crescente complexidade que vem assumindo o fenómeno desportivo, em especial no atinente à actividade desportiva orientada para o rendimento, suscita, com premência sempre maior, conflitos de interesses que ao direito cabe harmonizar.
É o que sucede, com particular acuidade, no domínio do contrato de trabalho dos praticantes desportivos, onde a necessidade de intervenção legislativa se justifica em razão das especialidades que a actividade desportiva comporta e a que o regime geral do contrato de trabalho não pode responder inteiramente.
O presente diploma visa, por isso, colmatar esta lacuna, regulando, no desenvolvimento da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo), o contrato de trabalho dos praticantes desportivos. Entende-se, contudo, que o novo regime se deve limitar a preencher as lacunas resultantes das especialidades inerentes à natureza e à fisionomia próprias deste vínculo, permanecendo o regime geral do contrato de trabalho como subsidiário.
Para além disso, considera-se, igualmente, que a disciplina legal do contrato de trabalho dos praticantes desportivos não carece de ser exaustiva, aqui se justificando, de modo muito especial, quer o recurso à via contratual, quer o reconhecimento de formas diversas de auto-regulamentação da actividade desportiva, em particular através de convenções colectivas de trabalho.
Aproveita-se, por último, esta oportunidade para definir a disciplina do contrato de formação desportiva, estabelecido a partir do paradigma oferecido pelo regime jurídico do contrato de aprendizagem.
(…)».
Como flui desta exposição de motivos, o legislador justificou “a necessidade de intervenção legislativa (…) em razão das especialidades que a actividade desportiva comporta e a que o regime geral do contrato de trabalho não pode responder inteiramente (…)».
Salvo o devido respeito, não cremos seja duvidoso que o contrato de trabalho desportivo é um contrato especial de trabalho, sujeito ao regime jurídico especial consagrado primeiro pelo DL 305/95 e, posteriormente, pela Lei 28/98, que visa dar resposta normativa às peculiaridades da relação de trabalho desportivo; em tudo o não previsto no regime especial, aplica-se subsidiariamente o regime geral comum do contrato de trabalho (cfr. art.º 2.º do DL 305/95 e art.º 3.º da Lei 28/98).
Assim sendo, não tem aqui aplicação o disposto no art.º 11.º do CC.
Não é despiciendo assinalar que neste sentido, acolhendo os fundamentos invocados no Ac. da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2014, como acima referido, relatado pelo aqui relato, pronunciou-se o STJ no acórdão de 25-06-2015, também acima indicado.
Concluindo, improcede esta linha de argumentação do recorrente.
II.3.2 Coloca-se agora a questão de saber se a decisão de direito tomada pelo Tribunal a quo constitui uma decisão-surpresa.
Como se deixou já enunciado, sustenta o recorrente que só nas alegações produzidas finda a produção de prova, a recorrida veio defender que o segundo ponto da cláusula quarta do contrato de trabalho é válida, alegando que estava estabelecida em defesa de ambos os contraentes, por essa razão não tendo sido objeto do debate nem de qualquer prova pelas partes.
Releva assinalar que na petição inicial o autor veio sustentar que a cláusula 4.ª, segundo parágrafo, consubstancia “uma a verdadeira condição resolutiva, nos termos do disposto no artigo 270.º do Código Civil, uma vez que subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a resolução do negócio jurídico”, não admissível por colidir com os mecanismos legais de cessação da relação laboral, “[P]ois (..) não defende ambos os contraentes, defende apenas a Ré, que fazendo cessar o contrato com o treinador principal fica desonerada de cumprir as obrigações assumidas para com o Autor” (artigos 15, 16 e 36).
Por sua banda, a Ré veio defender que a situação dos autos situação configura uma hipótese de união de contratos em que os contratos dos adjuntos estão incindivelmente ligados ao do treinador principal e que, contrariamente ao que o Autor alega, a cláusula em causa não configura uma verdadeira condição, mas um termo incerto, porquanto se trata de um acontecimento futuro e certo.
O tribunal a quo entendeu “a referida condição resolutiva inserida no contrato de trabalho do Autor é válida”, asserção que justificou com aprofundada fundamentação, como mais adiante se verá, nela referindo, entre um dos argumentos utilizados e também devidamente sustentados, que “A cláusula em apreço está estabelecida em defesa de ambos os contraentes, tutelando legitimamente o interesse de ambas as partes”.
Em suma, é a esta parte da fundamentação da sentença que o recorrente se refere, sustentando constituir uma decisão surpresa.
O artigo 3.º do CPC, com a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”, no seu n.º3, dispõe o seguinte:
[3] O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A norma foi introduzida com a reforma do Código de Processo Civil, operada em 1995/1996 pelos Decretos-Lei nºs 329°-A/95 de 12 de Dezembro e 180/96 de 25 de Setembro, acentuando a importância dos princípios da contraditório e da igualdade das partes, passando aquele a ter uma ampliada consagração legal.
Deste princípio decorre que cada parte é chamada a apresentar as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas e a pronunciarem-se sobre o valor e resultado de umas e outras e, portanto, salvo caso de manifesta desnecessidade, não é lícito ao juiz decidir sobre questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Visto noutra perspectiva, significa isto também, que se porventura o juiz conclui que para a apreciação e decisão do litígio vai debruçar-se sobre questão que as partes não suscitarem nos seus articulados, nem sobre ela tiveram oportunidade de se pronunciarem, a fim de evitar a prolacção de uma decisão surpresa, antes de avançar, sob pena de incorrer em nulidade que pode influir no exame ou decisão da causa (art.º 195.º 1, CPC), deve ordenar a notificação das partes dando-lhes conta daquele propósito e facultando-lhes a possibilidade de exercerem o contraditório.
Assim, se o “(..) juiz proferir a sentença (..) baseado em questão de facto ou de direito que as partes não tenham tido em conta nas suas alegações e que não tenha sido ainda considerada no processo (art. 3-3), a sentença é prematura, ocorrendo anulabilidade nos termos do art. 195-1, a arguir no prazo de dez dias do art. 149 -1” [José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 328].
Nos termos do art.º 199.º nº1 do CPC, a arguição da nulidade conta-se do dia, em que depois de cometida, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas aqui só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse conhecer com a diligência devida.
No caso dos autos, o prazo legal de dez dias para arguir a nulidade (art.º 149.º n.º 1, CPC) conta-se a partir da data da notificação sentença, visto que a partir daí o autor tomou conhecimento da alegada nulidade.
A sentença foi notificada ao autor por carta registada expedida em 27-07-2016 e, nessa mesma data, ao seu ilustre mandatário, neste caso por via electrónica. Assim, presume-se que a notificação foi efectuada a 1 de Agosto de 2016 (sexta-feira) [art.º 248.º do CPC).
Contudo, sendo certo que nessa data estavam em curso as férias judiciais, bem assim que o processo não tem natureza urgente, o prazo de dez dias para a arguição da anulabilidade suspendeu-se imediatamente (art.º 138.º 1, do CPC), só vindo a correr no primeiro dia após o reinício da actividade normal dos tribunais, a 1 de Setembro de 2016.
Os dez dias concluíram-se no dia 10 de Setembro de 2016, mas como esse dia foi um sábado, dia em que os tribunais estão encerrados, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, em concreto, 12 de Setembro de 2017 (art.º 138.º n.º2, CPC).
Não obstante, a arguição da nulidade processual poderia ainda ter sido suscitada, independentemente de justo impedimento, até ao 3.º dia útil seguinte subsequente ao termo do prazo, neste caso mediante o pagamento de multa (art.º 139.º n.º 5, do CPC), ou seja, no limite, até ao dia 15 de Setembro de 2016.
Importa ter também presente que, conforme decorre do n.º 3, do artigo 199.º do CPC, a arguição de nulidades processuais secundárias só pode ser feita perante o tribunal de recurso se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo de arguição.
Ora, esse pressuposto não se verifica no caso.
Com efeito, o recurso só foi interposto a 3 Outubro de 2016, logo, bem depois do termo do prazo de arguição da nulidade.
Por conseguinte, o recorrente deveria ter arguido a nulidade que entende existir junto do tribunal a quo dentro daquele prazo. Como assim não procedeu, só a vindo arguir nas alegações de recurso, ou seja, já depois de esgotado o prazo, se porventura existir, a alegada nulidade ficou suprida.
Improcede, pois, também esta linha de argumentação.
II.3.3 Defende o recorrente que o tribunal a quo errou ao considerar válida a condição resolutiva, na consideração de ser aplicável ao contrato o disposto no artigo 270.º do Código Civil, de acordo com o princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil) e, por essa via, interpretar o disposto no artigo 340.º e, particularmente, no artigo 343.º, ambos do Código do Trabalho, configurando, entre as formas de caducidade do contrato, a verificação da condição resolutiva aposta no mesmo.
No seu entender, atento o disposto no artigo 339.º, n.º 1 do Código do Trabalho, as normas respeitantes à cessação do contrato de trabalho têm natureza imperativa, não podendo, ser afastadas, ou acrescentadas, por IRCT e, muito menos, por contrato individual de trabalho. Nem serve de argumento a invocação de que a condição resolutiva é expressamente prevista no CCT dos Jogadores Profissionais de futebol, no seu artigo 41.º, uma vez que nem o Código do Trabalho nem a Lei do Contrato de Trabalho Desportivo admitem a aposição de condições resolutivas nos contratos. Os artigos 340.º e 343.º, ambos do Código do Trabalho, com a dimensão normativa resultante da interpretação feita na decisão recorrida, estão feridos de inconstitucionalidade, por violação material do estatuído no artigo 53.º da CRP, que proíbe os despedimentos sem justa causa.
Defende também, que a condição resolutiva determina a inversão do risco do contrato e conduz à preterição da disciplina própria do ordenamento juslaboral, permitindo a cessação de um contrato de trabalho em virtude da cessação de outro, cuja cessação não altera, em nada, a condição económica do empregador, nem torna insustentável a subsistência do vínculo laboral assim afetado.
O ponto de partida afirmado pelo Tribunal a quo de que a cláusula em apreço está estabelecida em defesa de ambos os contraentes, tutelando legitimamente o interesse de ambas as partes, é, infundado.
A cláusula é nula, porque atenta contra normas legais imperativas que impedem que entre as formas de cessação do contrato conste uma condição resolutiva, pelo menos, com o conteúdo da que está em causa nos presentes autos, em que o contrato do treinador adjunto cessa automaticamente se se verificar a cessação do contrato do treinador principal.
Na fundamentação da sentença, pronunciando-se sobre esta questão, o tribunal a quo fez consignar o seguinte (na transcrição não se incluem as notas de rodapé):
-«No contrato celebrado as partes estabeleceram a seguinte cláusula:
“A celebração do presente contrato é efectuada na sequência da contratação do treinador principal, D..., sendo desde já convencionado que a cessação do vínculo contratual do referido treinador principal, implicará automaticamente a alteração do prazo de duração do presente contrato e a cessação do vínculo com” o ora Autor, “não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, seja a que título for, a qualquer dos outorgantes”. - cfr. al. J) dos factos admitidos por acordo;
A mencionada cláusula traduz uma condição resolutiva, prevista no art. 270º do Código Civil, na medida em que as partes subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a resolução do negócio jurídico3, qual seja a cessação do contrato do treinador principal, D....
A validade da aposição de uma condição resolutiva no contrato de trabalho subordinado é uma questão há muito discutida na doutrina e na jurisprudência.
Como salienta António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1994, p. 599, não nos podemos esquecer que uma indiscriminada aposição de termos ou condições nos contratos de trabalho, nomeadamente quando estes sejam resolutivos, será uma forma de precarizar as relações laborais, razão pela qual o direito laboral tem um papel intervencionista4.
O art. 135º permite que ao contrato de trabalho seja aposta, por escrito, condição ou termo suspensivo, nos termos gerais, prevendo-se no art. 139º e ss. o regime do termo resolutivo.
Partindo deste silêncio do legislador relativamente à condição resolutiva, há quem defenda que tal pareça indicar que o legislador não a quis permitir, não parecendo existir aqui qualquer lacuna5.
Todavia, como se explicitou no Ac. do TRP de 12/11/2012 (Relator António José da Ascensão Ramos), in ww.dgsi.pt. – cuja fundamentação, atenta a sua adequação à questão supra enunciada, seguiremos de perto, sem prejuízo de lhe introduzirmos ligeiras alterações ao nível da atualização dos preceitos normativos –, no que concerne à condição resolutiva o Código do Trabalho nada diz. «Perante tal silêncio e vigorando no nosso sistema jurídico o princípio da liberdade contratual – artigo 405º do Código Civil – parece que inexistem obstáculos à sua admissibilidade. No entanto, no âmbito laboral existem regras limitativas dessa liberdade contratual, nomeadamente quando a mesma colide com a protecção da parte mais fraca do vínculo laboral, ou seja, o trabalhador. Existindo a possibilidade de precarização do vínculo laboral a lei com a sua capa proteccionista condiciona a estipulação de certas condições nos contratos.
A questão da admissibilidade da condição resolutiva nos contratos de trabalho tem merecido alguma discussão doutrinária com soluções diversas.
(…).
O Professor António Monteiro Fernandes preconiza que traduzindo-se a condição resolutiva, no plano prático, em consequências muito próximas das do termo incerto, admitido pela lei para um número relativamente vasto de hipóteses, a actual admissibilidade da contratação a termo incerto leva-nos a encarar como susceptível de legitimar a aposição de condição resolutiva a ocorrência de situação enquadrável na tipologia do artigo” 140.° “do Código do Trabalho […].
Já o Professor Jorge Leite, apesar de continuar a defender, no âmbito do Código do Trabalho de 2003, a inaplicabilidade da condição resolutiva ao contrato de trabalho, faz tal defesa, nas suas palavras «agora, porém, com algumas dúvidas»[…].
Nas palavras de Leal Amado «na medida em que viola normas imperativas – máxime as que estabelecem o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, normas estas que gozam mesmo de uma natureza absolutamente imperativa, não podendo ser afastadas ou modificadas por instrumento de regulamentação colectiva ou pelo contrato de individual (art. 339º, nº 1 […]) – uma condição resolutiva que seja aposta ao contrato de trabalho deverá, pois, ser substituída pelas normas violadas, conforme dispõe o art. 121º, nº 2 do CT […] (…)».
Adverte, no entanto este ilustre Professor, que tudo isto vale relativamente ao trabalhador comum, pois há casos em que a resposta pode ser diferente, nomeadamente, nos contratos de trabalho desportivo, onde a condição resolutiva pode assumir contornos de autêntico instrumento de libertação contratual para o praticante desportivo”.
[[…].
Ora, é neste campo do trabalho desportivo, com as especificidades próprias, que a questão da admissibilidade da condição resolutiva tem de ser apreciada, sendo certo que a Lei nº 28/98, de 26 de Junho, também omissa relativamente à condição resolutiva.
Na apreciação desta questão o professor João Leal Amado salienta que sendo o contrato de trabalho desportivo, por força da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, um contrato de trabalho a termo e, sendo, este termo estabilizador […] e não limitativo, como é em relação ao trabalho comum, tal circunstância altera de forma decisiva o contexto normativo em que se move a condição resolutiva. Ou seja, enquanto o trabalhador comum pode dissolver o vínculo ante tempus, já o trabalhador desportivo apenas o poderá fazer se, para o efeito, tiver justa causa (artigo 26º, nº 1, alínea d) da Lei nº 28/98, de 26 de Junho) […], sendo, neste caso, a liberdade de desvinculação do trabalhador desportivo fortemente restringida, qualificando-se o termo, portanto, como termo estabilizador[…].
Assim, enquanto no regime geral a aposição da condição resolutiva não satisfaz nenhum interesse relevante do trabalhador, traduzindo-se tão só num factor de precarização do emprego, já que no que diz respeito ao contrato de trabalho desportivo tal cláusula poderá vir de encontro aos interesse do praticante/trabalhador, permitindo-lhe a desvinculação quando, de outra forma, estaria obrigado a manter o contrato até ao fim do prazo. Nestes casos a condição resolutiva «pode aqui assumir contornos de autêntico instrumento de libertação contratual para o praticante trabalhador»[…].
E à questão de que se uma condição for estipulada no interesse de ambas as partes será razoável proclamar a invalidade desta cláusula, com o argumento de que ela se analisa numa condição resolutiva, o Professor João Leal Amado responde, «cremos que não», dando como exemplo, uma cláusula em que as partes acordaram que o contrato se extinguirá verificando-se a despromoção do clube. Esta cláusula, vincula o aludido professor, pode tutelar interesses relevantes e legítimos de ambas as partes: do clube empregador, que, atingido pela despromoção, vê afectadas as suas fontes de receita (televisão, publicidade, espectadores, associados, etc.) e pode precisar reduzir as despesas, redimensionando o respectivo plantel; do praticante desportivo, a quem a baixa de escalão competitivo pode não interessar do ponto de vista da sua valorização profissional, preferindo a sua desvinculação, para celebrar contrato com outro clube da divisão superior[…].
No entanto, isto não pode significar que, neste domínio desportivo, seja admissível juridicamente qualquer condição resolutiva, a qual tem de ser lícita, não podendo ser contrária à lei, máxime à Lei nº 28/98, de 26 de Junho, quer porque ofenda ostensivamente as suas disposições, quer porque defraude os seus comandos ou princípios normativos […].
Surgindo no contexto desportivo a condição resolutiva num perfil funcional bastante distinto daquele que assume na relação laboral comum, só uma análise casuística das diversas situações concretas, atendendo aos interesses em jogo, e procedendo a uma ponderação criteriosa, o intérprete ficará habilitado a concluir pela sua validade ou invalidade […]”.
As referidas considerações explicitadas a respeito dos praticantes desportivos são, quanto a nós, igualmente transponíveis, com as devidas adaptações, para os treinadores profissionais de futebol.
Como vimos, não existe no nosso ordenamento jurídico um diploma legal que enquadre o esquema contratual de um treinador profissional de desporto, diferentemente do que sucede com os praticantes desportivos profissionais, que dispõem de um regime jurídico próprio (a referida Lei nº 28/98, de 26 de Junho).
Estando em causa uma relação emergente de um contrato de trabalho desportivo celebrado entre um treinador profissional e uma sociedade desportiva filiados na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, aplica-se o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a LPFP e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (publicado no BTE, n.º 20, de 29/05/2012), que de algum modo mitiga a mencionada lacuna legal.
Nesse CCT está prevista a aplicação subsidiária das normas do Código do Trabalho (cl.ª. 5ª).
O Código do Trabalho dispõe que "[a]o contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade" (art. 9º).
Múltiplas normas do Código do Trabalho não são compatíveis com as particularidades da profissão de treinador desportivo profissional, pelo que os nossos Tribunais Superiores têm vindo a optar por integrar a lacuna legal por via da aplicação analógica do regime jurídico do praticante desportivo profissional, que não através do recurso ao Código do Trabalho.
No caso, as partes acordaram, como já salientamos, na seguinte cláusula:
“A celebração do presente contrato é efectuada na sequência da contratação do treinador principal, D..., sendo desde já convencionado que a cessação do vínculo contratual do referido treinador principal, implicará automaticamente a alteração do prazo de duração do presente contrato e a cessação do vínculo com o aqui segundo outorgante” (o ora Autor), “não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, seja a que título for, a qualquer dos outorgantes”.
Ora, ao contrário do defendido pelo Autor, por referência à fundamentação do citado Ac. do TRP de 12/11/2012 e às particularidades que o caso concreto apresenta, julgamos que a referida condição resolutiva inserida no contrato de trabalho do Autor é válida.
Vejamos.
A cláusula em apreço está estabelecida em defesa de ambos os contraentes, tutelando legitimamente o interesse de ambas as partes.
No que diz respeito ao clube empregador, na medida em que o Autor, sendo treinador adjunto, foi contratado por indicação e na sequência da contratação do treinador principal, D..., o qual, durante as negociações com o clube, fez saber que a indicação dos seus adjuntos lhe incumbiria exclusivamente a ele, por pretender trabalhar com pessoas da sua confiança, não pretendendo outros adjuntos (nomeadamente que fossem colaboradores do C..., ou que este viesse a indicar ou contratar), sendo que dos nomes indicados constava o do ora Autor, que o D... referiu tratar-se de alguém com quem estava habituado a trabalhar, que já tinha sido seu adjunto, quer na G..., quer no H... (cfr. als. P) e Q) dos factos admitidos por acordo e resp. aos ques. 5, 6 e 10 da base instrutória)].
Como refere Rui Vaz Pereira, in “Treinador Desportivo: Regime jurídico Precisa-se”, in Desporto & Direito, n.º 26, pp. 193/194, frequentemente os treinadores desportivos encontram-se rodeados de um conjunto de outros técnicos (preparadores físicos, médicos, massagistas e até psicólogos) que o auxiliam e complementam a sua aticidade – a denominada “equipa técnica” – em virtude da crescente complexidade das atividades desportivas e das vantagens que decorrem da especialização e da divisão do trabalho. Sucede não raras vezes que o clube celebra contratos de trabalho com cada um desses elementos, fixando individualmente condições remuneratórias e até diferentes prazos de duração do vínculo.
Muitas destas “equipas técnicas” só trabalham juntas, o que significa que, caso o treinador principal veja cessada a sua relação laboral com o clube, os restantes membros da “equipa técnica”, em particular os treinadores adjuntos, regra geral, seguirão, igualmente, um caminho idêntico6.
Ora, no caso sub júdice, não obstante o A. e os demais treinadores adjuntos terem celebrado com a ré contratos de trabalho autónomos ou individualizados, não podemos olvidar o concreto circunstancialismo subjacente a essa contratação nos termos supra explicitados. Como se viu, tal contratação correspondeu a uma exigência formulada pelo treinador D... aquando das negociações tendentes à sua contratação como treinador principal, o qual exigiu trabalhar com uma “equipa técnica” por si exclusivamente escolhida, rejeitando outros adjuntos (nomeadamente que fossem já colaboradores do C..., ou que este viesse a indicar ou contratar), o que veio a ser aceite pela ré, sendo que esta não conhecia sequer nenhum dos adjuntos do D..., apenas os tendo conhecido quando estes, juntamente com o D..., compareceram nas instalações da Ré para assinarem os contratos de trabalho (cfr. resp. aos ques. 5, 6 e 9 da base instrutória).
Quer por força da estreita relação de confiança que vigorava entre o treinador principal e os treinadores adjuntos que faziam parte da sua “equipa técnica” - os quais foram por si (exclusivamente) escolhidos e aquando da sua contratação não eram colaboradores da Ré -, quer por referência à relação de dependência intrínseca entre a contratação dos adjuntos e a contratação do treinador principal, julgamos justificar-se a caducidade dos contratos de trabalho dos treinadores adjuntos logo que cessa a relação laboral com o treinador principal.
E, no que concerne ao Autor/trabalhador (e aos demais treinadores adjuntos), a referida condição resolutiva é, igualmente, do seu interesse.
Suponhamos que, na vigência da relação laboral com o clube, o treinador principal D... recebe um convite de um outro clube com condições contratuais mais vantajosas (por ex. remuneratórias ou de participação numa liga de futebol mais competitiva) e, antes do termo do contrato, decide antecipadamente colocar fim à relação laboral que mantém com o clube a fim de “abraçar” esse novo desafio profissional7. Nessa hipótese, também os adjuntos, que constituem a sua “equipa técnica”, ver-se-ão imediatamente desvinculados da relação contratual que mantém com o clube, sem estarem obrigados à observância de um prazo de aviso prévio ou sequer ao pagamento de uma indemnização por força dessa cessação abrupta e imediata (cl.ªs. 42ª, 46ª e 47ª), podendo, sem qualquer constrangimento, acompanhar o treinador principal nessa nova etapa profissional. Ou seja, a referida cláusula funcionará como um efetivo “instrumento de libertação contratual” para o treinador adjunto em face da desvinculação do treinador principal.
Por outro lado, não resulta dos autos que a imputação por parte do clube ao treinador principal da justa causa de despedimento tenha tido qualquer intuito fraudulento para se eximir às suas responsabilidades quer para com o treinador principal, quer para com os restantes elementos da sua equipa técnica.
É certo que a invocada justa causa de despedimento não chegou a ser reconhecida judicialmente, uma vez que na ação de impugnação de despedimento instaurada pelo treinador principal D... contra a ora ré, que correu termos na 2.ª Secção do Trabalho – J1, da Instância Central de Águeda (Comarca de Aveiro), sob o processo n.º 1882/15.7T8AGD, as partes outorgaram transação, nos termos da qual foi acordado o pagamento pela ré de uma quantia pecuniária a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho (cfr. al. U) dos factos admitidos por acordo).
Todavia, a referida transação judicial – como adiante explicitaremos - não constitui obstáculo à validade da cláusula contratual objeto de apreciação.
Assim, face ao seu concreto conteúdo, ao seu teor, aos interesses (de ambos os contraentes) que visa salvaguardar, à especificidade da natureza de treinador adjunto, e ao contexto da contratação dos adjuntos que faziam parte da equipa técnica do treinador principal D..., não vislumbramos que a mencionada condição resolutiva lese direitos e garantias do Autor, treinador adjunto, enquanto trabalhador.
Aliás, no sentido da admissibilidade deste tipo de condição resolutiva, o Contrato Colectivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 33, de 08 de Setembro de 1999, prevê, no seu artigo 41º, n.º 1, alínea d), que o contrato de trabalho desportivo caduca nos casos previstos neste CCT ou nos termos gerais de direito, designadamente “verificando-se a condição resolutiva aposta ao contrato, nomeadamente se for convencionada a extinção do contrato em caso de descida de divisão do clube ou sociedade desportiva, ou na eventualidade de determinada verba ser oferecida ao clube e ao jogador por parte de outro clube interessado nos seus serviços”.
Pelo exposto, na decorrência da cessação do contrato de trabalho do treinador principal, é de concluir que o contrato de trabalho do Autor cessou em virtude da caducidade, nos termos das clªs. 37ª, al. b) e 39ª, nº 1, do CCT aplicável».
Não vislumbramos nos argumentos esgrimidos pelo recorrente, razões jurídicas suficientemente fortes para pôr em causa a aprofundada e criteriosamente sustentada fundamentação jurídica expendida na sentença, que globalmente acompanhamos.
A questão fulcral consiste em saber se o segundo ponto da cláusula quarta do contrato de trabalho, é válido. Lê-se no nesse ponto (facto 16) o seguinte:
- “A celebração do presente contrato é efectuada na sequência da contratação do treinador principal, D..., sendo desde já convencionado que a cessação do vínculo contratual do referido treinador principal, implicará automaticamente a alteração do prazo de duração do presente contrato e a cessação do vínculo com o aqui segundo outorgante” (o ora Autor), “não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, seja a que título for, a qualquer dos outorgantes”.
Concorda-se com o tribunal a quo quando afirma que a cláusula consubstancia uma condição resolutiva, nos termos previstos no art.º 270.º do CC, na medida em que as partes subordinaram a um acontecimento futuro – a cessação do vínculo com o treinador D....
Dispõe o art.º 270 do C.C. que “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo resolutiva”.
No entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, a condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico. Como ensina Manuel de Andrade [Teoria Geral da Relação Jurídica - Vol II, Almedina, p. 356] condição é “uma cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que, ou só verificado tal acontecimento futuro e incerto é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então, só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)”.
Quanto a esse ponto também não discorda o autor. Defende é que a aposição dessa cláusula contraria normas imperativas respeitantes à cessação do contrato de trabalho, nomeadamente, os artigos 339.º 1, 340.º e 343.º do CT/09, não sendo por isso válida.
É certo que o Código do Trabalho consagra, como princípio geral, que as normas sobre a cessação do contrato de trabalho têm natureza absolutamente imperativa, não podendo ser afastadas ou modificadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo nos casos previstos no próprio Código (art.º 339.º 1, CT).
Uma das modalidades da cessação do contrato de trabalho é a caducidade (art.º 340.º al. a), CT).
Vindo depois o artigo 343.º do CT, dizer que “[O] contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: [a)] verificando-se o seu termo; [b)] Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber; [c)] Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.
A caducidade é o fenómeno de extinção de um direito, ou de outra situação jurídica - como é o caso de uma relação contratual -, por efeito da ocorrência de um puro facto jurídico, em sentido estrito (não manifestação de vontade) [cfr., Castro Mendes, Teoria Geral, Vol. II, AAFDL, 1979, p. 68].
E, como logo se retira do início do artigo 343.º, ao estabelecer que “o contrato de trabalho caduca nos termos gerais”, as situações depois identificadas nas alíneas a) a c), são meramente exemplificativas, existindo outras causas de caducidade (nos termos gerais), desde logo com menção no próprio Código do Trabalho, como é o caso da perda definitiva de carteira profissional ou do título com valor legal equivalente (art.º 117.º nº2).
Por outro lado, na indagação sobre a validade da cláusula, deve ter-se presente a existência de regimes especiais de contrato de trabalho subordinado, como é o caso da Lei do Contrato de Trabalho Desportivo (Lei 28/98), podendo consagrar soluções que se afastem do regime geral do Código do Trabalho.
O que está em causa é, pois, saber se a condição resolutiva aposta na cláusula é legalmente impossível, caso em que se considerará como não escrita (art.º 271.º n.º2, CC).
Como se observa no aresto desta Relação e secção de 12-11-2012, que o tribunal a quo acompanhou [proc.º 502/10.0TTVFR.P1, Desembargador António José Ramos, disponível em www.dgsi.pt], no que concerne à condição resolutiva o Código do Trabalho nada diz. Daí que, “vigorando no nosso sistema jurídico o princípio da liberdade contratual – artigo 405º do Código Civil – parece que inexistem obstáculos à sua admissibilidade”. No entanto, como se assinala logo de seguida, em contraponto há que ter presente que “no âmbito laboral existem regras limitativas dessa liberdade contratual, nomeadamente quando a mesma colide com a protecção da parte mais fraca do vínculo laboral, ou seja, o trabalhador. Existindo a possibilidade de precarização do vínculo laboral a lei com a sua capa proteccionista condiciona a estipulação de certas condições nos contratos”.
Dá-nos conta a sentença, designadamente pela remissão feita para aquele aresto, que a questão da admissibilidade de aposição de condição resolutiva nos contratos de trabalho tem merecido alguma discussão doutrinária com soluções diversas.
Pronunciando-se sobre essa problemática, António Monteiro Fernandes escreve o seguinte [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p.335/336]:
-«(..)
No que toca à condição resolutiva, a lei é omissa e há que preenche a lacuna pelos meios usuais.
Poderia sustentar-se que a inclusão de tal cláusula traduz, basicamente, um acordo das partes quanto aos pressupostos da cessação do contrato (só que se trata de pressupostos incertos no momento da estipulação), acordo esse admissível nos mesmos termos em que o é o de revogação do contrato de trabalho com ou sem prazo (art.º 349.º).
Tal posição seria decerto a mais plausível num contexto legislativo diverso do actual; em sentido oposto jogava a extrema saliência assumida pela preocupação de estabilidade ou segurança do emprego, e, mais particularmente, a posição que o legislador assumiu em face da contratação do contrato a termo. Ponderava-se, nesse contexto, que “o motivo pelo qual a lei proíbe (…) o termo resolutivo incerto radica no interesse do trabalhador em manter um vínculo contratual estável, o qual apenas cede perante necessidades temporárias de mão-de-obra por parte das empresas».
Ora, a condição resolutiva traduz-se, no plano prático, em consequências muito próximas das do termo incerto, admitido pela lei para um número relativamente vasto de hipóteses. Por isso, a actual admissibilidade da contratação a termo incerto leva-nos a encarar como susceptível de legitimar a aposição de condição resolutiva a ocorrência de situação enquadrável na tipologia abrangida pelo art. 140º/3 CT”.
Como se menciona na sentença recorrida, aqui também por remissão ao Acórdão desta Relação de 12-11-2012, entendimento diverso quanto à admissibilidade de aposição de condição resolutiva tem João Leal Amado. Contudo, já no que respeita ao contrato de trabalho desportivo, afirma este autor - ainda reportando-se ao Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, mas com fundamentos perfeitamente transponíveis para a Lei 28/98 - afigurar-se-lhe “muito difícil contestar a aponibilidade desta cláusula acessória ao contrato de trabalho desportivo, contando, como é evidente, que seja respeitado o disposto no art. 271.º do CCiv, isto é, que a condição não seja contrária à lei (quer porque a ofenda frontalmente, quer porque a defraude) ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes” [Contrato de trabalho Desportivo, Coimbra Editora, 1995, p. 32]. Para que melhor se perceba, defende o autor o seguinte:
-«(..)
No domínio do contrato de trabalho desportivo, a lei é também omissa relativamente à condição resolutiva. Existe, todavia, um aspecto que imporá pôr em relevo: o contrato de trabalho desportivo é, por força dessa mesma lei, um contrato a termo; e, sobretudo, o termo é qui estabilizador e não limitativo (..) o que altera a meu ver decisivamente, o contexto normativo em que se move a condição resolutiva. Com efeito, no regime geral o trabalhador pode sempre, quando e pelas razões que entenda (sem justa causa), pôr licitamente fim ao contrato, quer se trate de um contrato de duração indeterminada (..), quer mesmo tratando-se de um contrato a termo (..). Ou seja, em ralação ao trabalhador o termo configura-se como limitativo e não estabilizador, conservando aquele a faculdade de dissolver o vínculo ante tempus. Ora, coisa bem diferente se passa no domínio do contrato de trabalho desportivo, pois neste o termo é estabilizador: o praticante desportivo só poderá extinguir licitamente o contrato antes da verificação do respectivo termo se para tanto tiver justa causa (..).
Assim sendo, enquanto no regime geral a aposição da condição resolutiva não satisfaz nenhum interesse relevante do trabalhador – este, registando-se qualquer ocorrência que leve a querer pôr fim ao contrato, pode livremente fazê-lo, estando apenas adstrito a pré-avisar a entidade empregadora -, traduzindo-se, tão só, num fortíssimo factos de precarização do emprego, ao arrepio do disposto no art.º 53.º da CRP, já no que concerne ao contrato de trabalho desportivo ta cláusula poderá vir de encontro aos interesses do praticante/trabalhador, permitindo-lhe a desvinculação quando, doutra forma, estaria adstrito a manter o contrato até ao fim do respectivo prazo. Ou seja, a condição resolutiva, que em geral se traduz num instrumento de precarização, pode assim assumir contornos de autêntico instrumento de libertação».
No mesmo sentido e com razões próximas, pronunciava-se também Albino Mendes Baptista [“Direito Laboral Desportivo, estudos”, vol. I, Quid Juris, Lisboa, 2003, p. 28/29], defendendo:
Convém ter presente que o aludido art.º 27.º da Lei 28/98, de 26 de Junho, está pensado de acordo com uma lógica de proibição da rescisão do contrato sem justa causa por iniciativa do praticante desportivo.
Aplicar essa norma, sem qualquer esforço interpretativo de adequação , a situações em que o praticante desportivo se desvincula sem invocação de qualquer motivo (situação manifestamente diferente da invocação de motivo insubsistente), parece de todo rejeitar.
Na verdade, a lei não impede, por exemplo, a inserção no contrato de uma condição resolutiva nos termos do qual o contrato cessa se surgir um clube de maior dimensão interessado na contratação de um certo praticante desportivo, a troco do pagamento de uma determinada verba estipulada.
Nesta situação o praticante desportivo pode ter manifesto interesse nessa cláusula”.
De resto, reiterando entendimento já antes afirmado, pois como se refere no Acórdão desta Relação de 12-11-2012, o autor defendera já admitir a condição resolutiva em situações que não determinassem a inversão do risco do contrato e não conduzissem à preterição de disciplina própria do ordenamento juslaboral, dando, a título de exemplo, a inserção no contrato de trabalho de uma cláusula segundo a qual o contrato cessa se determinado financiamento, que a entidade patronal tem fundadas razões para crer que será obtido, não se concretizar [A aponibilidade da condição resolutiva ao contrato de trabalho, Revista do Ministério Público nº 74, Ano 1998, pp. 131].
Em suma, contrariamente ao que vem defender o recorrente, cremos poder afirmar-se com segurança que no domínio do contrato de trabalho desportivo, a lei não impede a inserção de uma condição resolutiva, desde que seja respeitado o disposto no art.º 271.º do Código Civil.
Ora, como se concluiu no ponto antecedente, no caso vertente é aplicável, por analogia, a Lei 28/98, de 26 de Junho, sendo, pois, de admitir a possibilidade de inserção de cláusula estipulando uma condição resolutiva no contrato de trabalho celebrado com o autor.
Prosseguindo. Mas será que, como defende o recorrente, a condição resolutiva aposta no contrato determina a inversão do risco do contrato e conduz à preterição da disciplina própria do ordenamento juslaboral, ao permitir a cessação de um contrato de trabalho em virtude da cessação de outro, não devendo por isso ser aceite?
Como ponto de partida importa ter presente que a cláusula, contendo aquela condição resolutiva, foi aceite livremente pelas partes contraentes. Com efeito, assinaram o contrato e nada opuseram a essa parte do contrato ou qualquer outra.
Se é certo que dos factos resulta não ter havido intervenção directa do autor na negociação do contrato – nem dos demais treinadores adjuntos - também não o é menos que toda a negociação foi feita pelo D..., com a anuência dos restantes elementos da sua equipa técnica, inclusive do A. (facto 24), abrangendo desde a indicação de quem seria contratado como treinador adjunto, período de contratação e condições remuneratórias, até à cláusula em questão (facto 17). Os factos provados 5 a 18 são elucidativos dessa realidade muito específica que tem na sua base o facto de o Autor, bem como os demais treinadores adjuntos terem sido contratados pela Ré, apenas em razão de integrarem a “equipa técnica” escolhida pelo treinador principal D..., que “que durante as negociações, (..) fez saber à Ré que a indicação dos seus adjuntos lhe incumbiria exclusivamente a ele, por pretender trabalhar com pessoas da sua confiança, o que foi aceite” [Facto 6].
Realidade que o tribunal a quo refere na fundamentação, reconhecendo-lhe, e bem, o relevo preponderante que teve para determinar a celebração do contrato de trabalho com o autor e, também, a inclusão no mesmo da cláusula em discussão, assinalando, ainda, que esta é uma situação comum no âmbito da contratação de treinadores de futebol nas equipas dos grandes clubes que participam nas competições de futebol profissional, quer a nível nacional quer internacional. Escrevendo, ainda, com o apoio nas palavras de Rui Vaz Pereira [“Treinador Desportivo: Regime jurídico Precisa-se”, in Desporto & Direito, n.º 26, pp. 193/194], que “frequentemente os treinadores desportivos encontram-se rodeados de um conjunto de outros técnicos (preparadores físicos, médicos, massagistas e até psicólogos) que o auxiliam e complementam a sua aticidade – a denominada “equipa técnica” – em virtude da crescente complexidade das atividades desportivas e das vantagens que decorrem da especialização e da divisão do trabalho. Sucede não raras vezes que o clube celebra contratos de trabalho com cada um desses elementos, fixando individualmente condições remuneratórias e até diferentes prazos de duração do vínculo.
Muitas destas “equipas técnicas” só trabalham juntas, o que significa que, caso o treinador principal veja cessada a sua relação laboral com o clube, os restantes membros da “equipa técnica”, em particular os treinadores adjuntos, regra geral, seguirão, igualmente, um caminho idêntico”.
De resto, os factos provados nestes próprios autos revelam essa realidade, desde logo o sob o n.º 7, onde se consignou o seguinte: “De entre os nomes que indicou à Ré, constava o do aqui Autor, que o D... referiu tratar-se de alguém com quem estava habituado a trabalhar, que já tinha sido seu adjunto, quer na G... quer no H..., e que não pretendia outros adjuntos (nomeadamente que fossem colaboradores do C..., ou que este viesse a indicar ou contratar), com o esclarecimento que a ré tinha ao seu serviço, à data da contratação do Autor, um adjunto que exercia as funções de treinador de guarda-redes (F...), o qual foi colocado a treinar na equipa B por o D... não ter querido trabalhar com esse adjunto (pois da equipa técnica que indicou fazia parte um treinador de guarda-redes, I..., que já havia trabalhado consigo anteriormente).
Como já se afirmou, aplica-se ao caso, por analogia as regras do contrato de trabalho desportivo, na medida em que a relação laboral em presença pelas suas especificidades reclama um regime adequado com soluções diversas das impostas pelo regime geral comum.
O art.º26.° da Lei 28/98, entre as formas de cessação do contrato de trabalho desportivo, prevê a caducidade [al. a)].E, como também concluímos, no âmbito do contrato de trabalho desportivo é de aceitar, porque a lei não o proíbe, a inserção de uma condição resolutiva (desde que seja respeitado o disposto no art.º 271.º do Código Civil).
Tendo em conta todo o circunstancialismo que está subjacente à contratação do autor, bem como dos demais treinadores adjuntos, a condição resolutiva em discussão assenta em razões relevantes e, por isso mesmo, é razoável e justifica-se, sem que ofenda a disciplina contida na Lei 28/98.
O clube contratou o Autor, bem como os demais treinadores, apenas porque o treinador D... impôs essa condição, a qual foi aceite na consideração de se estar a contratar uma “equipa técnica” de trabalho da confiança daquele treinador. Numa qualquer outra contratação futura de um novo treinador principal, a normalidade das coisas no circuito do futebol profissional, mormente no âmbito dos clubes com mais elevado nível competitivo, em que se inclui o Réu, levará com toda a probabilidade à contratação de novos treinadores adjuntos da confiança do treinador que se pretender contratar, porque também esse exigirá trabalhar com a sua “equipa técnica”.
Portanto, sendo essa a realidade (e normalidade) das coisas no âmbito da contratação de treinadores de futebol profissional pelos clubes de mais elevado nível competitivo – e com maior capacidade financeira -, visto com o rigor e objectividade necessários, o interesse nos treinadores adjuntos é, pelo menos em regra, acessório. Estes são levados pela mão dos treinadores principais. E, se assim é, faz sentido, sendo razoável e justificando-se, que o Réu - ou qualquer outro clube – procure acautelar a caducidade dos contratos dos treinadores adjuntos por mero efeito da verificação de um facto futuro e incerto, nomeadamente a cessação do contrato de trabalho com o treinador principal.
Acresce, acolhendo-se o entendimento do tribunal a quo, que a cláusula em discussão serve o interesse de ambas as partes, justificando essa asserção, nos termos seguintes:
-“E, no que concerne ao Autor/trabalhador (e aos demais treinadores adjuntos), a referida condição resolutiva é, igualmente, do seu interesse.
Suponhamos que, na vigência da relação laboral com o clube, o treinador principal D... recebe um convite de um outro clube com condições contratuais mais vantajosas (por ex. remuneratórias ou de participação numa liga de futebol mais competitiva) e, antes do termo do contrato, decide antecipadamente colocar fim à relação laboral que mantém com o clube a fim de “abraçar” esse novo desafio profissional7. Nessa hipótese, também os adjuntos, que constituem a sua “equipa técnica”, ver-se-ão imediatamente desvinculados da relação contratual que mantém com o clube, sem estarem obrigados à observância de um prazo de aviso prévio ou sequer ao pagamento de uma indemnização por força dessa cessação abrupta e imediata (cl.ªs. 42ª, 46ª e 47ª), podendo, sem qualquer constrangimento, acompanhar o treinador principal nessa nova etapa profissional. Ou seja, a referida cláusula funcionará como um efetivo “instrumento de libertação contratual” para o treinador adjunto em face da desvinculação do treinador principal”.
Não se reconhece, pois, razão o autor ao vir sustentar que o único interesse tutelado é o da Recorrida.
O argumento de que esta é uma forma “de se ver livre dos treinadores adjuntos sem lhes pagar qualquer indemnização ou, sequer, apresentar justificação, no caso, suscetível de ser por si provocado, de cessar o contrato com o treinador principal”, não impressiona.
Salvo o devido respeito, o autor não pode esquecer que aceitou livremente esta cláusula, cujo significado não podia ignorar e contra a qual não se insurgiu a não ser após ver cessado o contrato de trabalho. Mais, assim como não pode fazer tábua rasa de todo o circunstancialismo que envolveu a sua contratação, nomeadamente, que só foi contratado pelo clube por exigência do treinador principal, para integrar a “equipa técnica” daquele.
A formulação da cláusula é apta a servir não só o interesse do clube, mas também o próprio interesse dos autores, p. exemplo, na hipótese configurada na fundamentação da sentença. Repare-se que nesse caso, independentemente do treinador principal por termo à sua relação contratual com ou sem justa causa, ou por mútuo acordo com o clube, sempre os treinadores adjuntos estariam arredados do eventual litígio que emergisse entre aquele e o C... em razão da ruptura da relação contratual, vendo imediatamente cessados os respectivos contratos por caducidade, sem qualquer constrangimento, designadamente, não estando sujeitos ao risco de serem confrontados com eventual pedido indemnizatório por inexistência de justa causa.
Não foi esse o caso, tendo disso o Réu a fazer cessar o contrato do treinador principal. Mas, num cenário diferente e por quaisquer outras razões, nada impedia que se configurasse aquela situação ou similar, em que o treinador principal tivesse interesse em pôr termo ao contrato para enveredar por outro projecto profissional mais atraente, parecendo-nos normal que nesse caso também os treinadores adjuntos tivessem interesse em continuar a integrar a equipa técnica, convindo-lhes ficar imediatamente libertos do vínculo contratual e sem qualquer dever de indemnização, para, sem mais, terem o caminho aberto para acompanhar aquele e partilharem esse novo projecto.
E, o tribunal a quo, com pertinência, cuidou até de ilustrar essa realidade, lendo-se na sentença:
Também nesta domínio ocorre, por vezes, uma similitude entre os treinadores profissionais e o(s) praticante(s) desportivo(s), no que respeita à disputa pelos serviços dos treinadores, especialmente se estiverem associados a uma imagem de sucesso desportivo, integrando, portanto, a lógica de funcionamento do mercado desportivo.
Caso paradigmático aconteceu com as contratações pelo Chelsea dos treinadores José Mourinho e André Vilas Boas, quando estes ainda tinham contrato válido com o F.C. Porto, o que envolveu, pelo menos quanto ao segundo treinador, o pagamento da “cláusula de rescisão” estabelecida com o clube”.
Por toda esta ordem de razões, reitera-se, cremos que a cláusula servia tanto os interesses da Ré como os dos treinadores adjuntos, incluindo o autor.
Por conseguinte, improcedem estes argumentos.
II.3.4 Numa derradeira linha argumentativa, sustenta o autor que mesmo que existisse fundamento para a caducidade do seu contrato de trabalho, a sua invocação pela Recorrida nos presentes autos, como forma de se eximir a indemnizar o Recorrente pelos danos resultantes da cessação do contrato, sempre constituiria um verdadeiro abuso de direito. Tendo a Ré reconhecido a ilicitude do despedimento do treinador principal, indemnizando-o nos exatos termos que resultariam do reconhecimento da ilicitude do despedimento, para depois invocar a caducidade do contrato dos treinadores adjuntos, sem direito a qualquer indemnização ou compensação, excede manifestamente o princípio da boa-fé.
Afirma que a decisão recorrida não afasta a existência do abuso de direito da Ré na invocação da condição resolutiva e no não pagamento ao Autor de uma indemnização pela cessação do contrato, nos termos legais.
Pronunciando-se sobre esta questão, o Tribunal a quo fez constar na sentença o que se passa a transcrever (a transcrição não integra as múltiplas notas de rodapé):
-«Defende, porém, o Autor que, mesmo que existisse fundamento para a caducidade do contrato de trabalho do Autor, a sua invocação pela Ré nos presentes autos, como forma de se eximir a indemnizar o Autor pelos danos resultantes da cessação do contrato, sempre constituiria um verdadeiro abuso de direito.
Quanto a nós a invocação dessa exceção (perentória) é extemporânea, visto que a mesma deveria ter sido alegada na petição inicial, e não na resposta à contestação, porquanto este articulado não serve para o Autor esclarecer ou reelaborar o conteúdo da petição inicial (cfr. neste sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in obra citada, pág. 354 e Albino Mendes Baptista, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 2ª ed., pág. 155).
De qualquer modo para a hipótese de assim não ser atendido e uma vez que o instituto do abuso de direito sempre poderá ser conhecido oficiosamente oferece-nos dizer o seguinte.
Preceitua a propósito o art. 334º do Cód. Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, "a concepção adoptada de abuso de direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites"8.
De seguida, continuam os mesmos autores a afirmar que:
«Exige-se que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos "exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça» e o Prof. Vaz Serra à «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».
O abuso de direito pressupõe logicamente que o direito existe, embora o seu titular se exceda no exercício dos seus poderes.
A fórmula adotada no atual Código Civil não se delimita tão só ao ato de emulação, entendido como o exercício de um direito sem utilidade própria e só para prejudicar outrem. Numa visão bem mais abrangente e ampla, o citado preceito normativo abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar9.
Segundo o legislador, a determinação da legitimidade ou ilegitimidade do exercício do direito, ou seja, da existência ou não de abuso do direito, afere-se a partir de três conceitos: a boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito.
A manifestação mais clara do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança - exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões (Vaz Serra, RLJ, 111º, 296). Como figuras próximas, temos a renúncia e a neutralização do direito. Segundo Baptista Machado, esta última figura é considerada, em geral, como uma modalidade especial da proibição do venire contra factum proprium e ocorre quando se verificam cumulativamente as seguintes circunstâncias: o titular dum direito deixa passar longo tempo sem o exercer; com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; movida por esta confiança e com base nela, essa contraparte orienta em conformidade a sua vida, tomando medidas ou adoptando programas, de sorte que o exercício tardio e inesperado do direito lhe acarretará uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado (RLJ 118º pág. 228).
Ora, relativamente aos argumentos aduzidos pelo A. diremos que, no caso sub judice, é certo que no âmbito da ação de impugnação de despedimento instaurada pelo treinador principal D... contra a ré, as partes alcançaram uma transação judicial, nos temos da qual esta se obrigou a pagar àquele uma determinada quantia pecuniária (no valor global de 87.000,00€) a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho e danos de natureza não patrimonial (cfr. al. U) dos factos admitidos por acordo).
E o mesmo sucedeu nas demais ações judiciais instauradas pelos restantes treinadores adjuntos que faziam parte da equipa técnica do treinador principal D... – e cujo concreto circunstancialismo da invocação de caducidade do contrato de trabalho por parte do clube é similar ao do ora Autor -, os quais também celebraram com a ré transação judicial, tendo-se esta obrigado a pagar-lhes uma determinada quantia pecuniária (no valor global de 7.500,00€) a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação dos respetivos contratos de trabalhos e danos de natureza não patrimonial (cfr. documentos constantes de fls. 132 a 137).
Ora, diversamente do propugnado pelo Autor, o facto de a ré ter celebrado uma transação com o treinador principal – bem como com os adjuntos -, não equivale ao reconhecimento do direito que aquele se arrogava – ou seja, da ilicitude do despedimento -, tão pouco daí se podendo inferir a conclusão contrária (i.e., de que o D... considerou lícito o seu despedimento).
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., p. 856, «o fim do contrato é prevenir ou terminar um litígio. (…). A transacção tem por objecto recíprocas concessões (…).Na transacção, nem há desistência plena, nem reconhecimento pleno do direito. Também não há na transacção o ânimo de fixar ou determinar a situação jurídica anterior das partes (…); a ideia básica dos contraentes é a de concederem mutuamente e não a de fixarem rigidamente os termos reais da situação controvertida (…)».
Ora, tendo avaliado os riscos que poderiam advir do decurso da ação, mediante concessões e cedências mútuas das respetivas pretensões (art. 1248º do C.Civil), as partes das referidas ações optaram por colocar fim ao litígio que as dividia, mediante o pagamento aos respetivos demandantes de uma quanta pecuniária, subtraindo a sua apreciação ao Tribunal.
Daí que, com o devido respeito por opinião contrária, não se possa inferir da transação outorgada na ação instaurada pelo treinador principal D... uma situação consubstanciadora de abuso de direto por parte da ré.
Por outro lado, à semelhança do ocorrido nas demais ações instauradas pelos demais treinadores adjuntos, para efeitos de transação judicial também na presente ação a ré disponibilizou-se a pagar ao Autor, pelo menos, o mesmo valor a que se obrigou naquelas ações, o que não mereceu a anuência do ora demandante, que pretendia um valor pecuniário superior.
Inexiste, por conseguinte, também aqui qualquer desigualdade de tratamento.
Não tendo sido viável obter um consenso das partes quanto ao valor pecuniário a atribuir ao A., impõe-se ao Tribunal decidir em conformidade com as regras adjetivas e substantivas aplicáveis à situação dos autos.
Nessa medida, explicitados os termos das transações outorgadas nas restantes ações movidas contra a Ré e do insucesso da tentativa de conciliação na presente ação, não vislumbramos em que termos a invocação da caducidade do contrato por parte da ré representa o exercício de um direito «em termos clamorosamente ofensivos da justiça» ou uma «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante», na modalidade de “venire contra factum proprium”, motivo por que julgo improcedente tal exceção».
Como assinala o Tribunal a quo o autor só veio suscitar a questão de abuso de direito na resposta à contestação. Escreveu ai o seguinte:
[98] Mesmo que existisse fundamento para a caducidade do contrato de trabalho do Autor (o que não se configura como possível), a sua invocação pela Ré nos presentes autos, como forma de se eximir a indemnizar o Autor pelos danos resultantes da cessação do contrato, sempre constituiria um verdadeiro abuso de direito. Na verdade,
[99] E como já se fez referência, a Ré reconheceu o direito do treinador principal a ser indemnizado e indemnizou-o, efetivamente. Ora,
[100] Reconhecer ao treinador principal esse direito, e, depois, para se frustrar ao pagamento dos treinadores adjuntos, invocar a caducidade do seu contrato, sem direito a qualquer indemnização ou compensação, excede manifestamente o princípio da boa-fé, pelo que não pode deixar de constituir abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio.
[101] Foi a Ré que deu origem à situação sub judice ao despedir o treinador principal, reconheceu ao treinador principal o direito a ser indemnizado, mas depois, quanto à cessação dos restantes contratos a que, com o seu ato também deu origem, invoca a caducidade!
O tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão suscitada pelo autor, analisando todos os argumentos que foram invocados, com criteriosa e aprofundada fundamentação, em termos que merecem a nossa inteira concordância.
O recorrente insurge-se contra o decidido, mas nada mais aduz para além daquilo que alegou na resposta à contestação. Com efeito, limita-se a replicar no recurso o acima se transcreveu daquele articulado.
Vale isto por dizer, que o recorrente não traz aqui qualquer argumento susceptível de pôr em causa a certeza e correcção que já reconhecemos à apreciação feita pelo Tribunal a quo.
Por conseguinte, não se vislumbrando que haja qualquer argumento relevante a rebater e não se vendo necessidade de repetir o que já foi clara e seguramente explicitado pelo tribunal a quo, adere-se à fundamentação transcrita.
Consequentemente, também nesta parte improcede o recurso.
III. O recorrido, fazendo uso do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC, para o caso de procedência da pretensão do apelante quanto à ilicitude, veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto 19 dos factos assentes.
Não se tendo merecido acolhimento o recurso do recorrido, fica prejudicada a apreciação desta impugnação.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (art.º 527.º do CPC).

Porto, 12 de Julho de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
__________
SUMÁRIO
I - O treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo, à luz e para os efeitos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
II - À relação laboral em apreço - treinador adjunto de futebol profissional - que, pelas suas especificidades reclama soluções diversas das impostas pelo regime geral comum, deve ser aplicável por, analogia, nos termos admitidos pelo art.º 10.º do C.C., o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo, designadamente no que respeita à celebração do contratos por determinado tempo - tendo como referência as épocas desportivas -, bem como à sua caducidade, procedendo pois as razões justificativas da regulamentação prevista na LCTD.
III - A Lei n.º 28/98, de 26 de junho, não constitui um regime jurídico excecional, mas antes um regime especial de contrato de trabalho subordinado, nada impedindo, pois, a sua aplicação analógica ao contrato celebrado entre o autor-treinador adjunto de futebol profissional – e o clube Réu.
IV- No domínio do contrato de trabalho desportivo, a lei não impede a inserção de uma condição resolutiva, desde que seja respeitado o disposto no art.º 271.º do Código Civil.
V- Aplicando-se ao caso, por analogia, a Lei 28/98, de 26 de Junho, é de admitir a possibilidade de inserção de cláusula estipulando uma condição resolutiva no contrato de trabalho celebrado com o autor.
VI - Tendo em conta todo o circunstancialismo que está subjacente à contratação do autor, bem como dos demais treinadores adjuntos, a condição resolutiva em discussão assenta em razões relevantes e, por isso mesmo, é razoável e justifica-se, sem que ofenda a disciplina contida na Lei 28/98.
VII – O autor não pode esquecer que aceitou livremente esta cláusula, cujo significado não podia ignorar e contra a qual não se insurgiu a não ser após ver cessado o contrato de trabalho, assim como não pode fazer tábua rasa de todo o circunstancialismo que envolveu a sua contratação, nomeadamente, que só foi contratado pelo clube por exigência do treinador principal, para integrar a “equipa técnica” daquele.
VIII - A formulação da cláusula é apta a servir não só o interesse do clube, mas também o próprio interesse dos autores.

Jerónimo Freitas