Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1900/08.5TJVNF-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
EXECUÇÃO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
ESTADOS MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA
TÍTULO EXECUTIVO
LEI APLICÁVEL
FUNDAMENTOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201009211900/08.5TJVNF-B.P1
Data do Acordão: 09/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 22º, Nº 5 DO REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001, DO CONSELHO, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2000
ARTºS 20º E 21º DO REGULAMENTO (CE) N.º 805/2004, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 21 DE ABRIL DE 2004
Sumário: I - Tanto por força da lei interna (art. 65.°-A, al. e), do Código de Processo Civil) como por força do Regulamento (CE) n.° 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (art. 22.º, n.° 5), os tribunais portugueses têm competência internacional exclusiva para as execuções sobre bens existentes em território nacional fundadas em sentença judicial condenatória proferida por Tribunal de qualquer Estado-Membro da União Europeia.
II - Estando em causa a execução em Portugal de uma decisão judicial proferida por Tribunal Italiano e certificada pelo mesmo Tribunal como “Título Executivo Europeu”, nos termos previstos no Regulamento (CE) n.° 805/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, não compete ao Tribunal da execução avaliar nem do mérito da decisão nem da sua certificação como Título Executivo Europeu (art. 21.°, n.° 2, do dito Regulamento).
III - Esta execução processa-se segundo os trâmites do Estado-Membro de execução e nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução (art. 20.°, n.° 1, do mesmo Regulamento).
IV - Deste modo, a oposição à referida execução apenas pode incidir sobre algum dos fundamentos previstos no art. 814.º do Código de Processo Civil.
V - Invocando o executado a inexistência da dívida, terá que justificá-la no âmbito da al. g) do referido artigo, ou seja, através de "qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação", que seja posterior à data da sentença e, não se tratando da prescrição, se prove por documento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1900/08.5TJVNF-B.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 28-06-2010

Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva
Des. Sílvia Maria Pires

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – Relatório
1. B………., S.A., com sede em ………., concelho de Vila Nova de Famalicão, executada nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que corre termos no ..º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Famalicão com o n.º 1900/08.5TJVNF, instaurada por C………., SRL, sociedade comercial de direito italiano com sede em ………., Itália, deduziu oposição à referida execução, alegando, em síntese: i) a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da referida execução; ii) a falta de título executivo; iii) a falta de causa de pedir; iv) que a executada nada deve à exequente.
A exequente contestou e concluiu pela improcedência de todas aquelas excepções.
No despacho saneador foram apreciadas e decididas as alegadas excepções, as quais foram julgadas todas improcedentes. Pelo que foi decidido julgar a oposição totalmente improcedente e ordenar o prosseguimento da execução.

2. Não se conformando com essa decisão, a oponente apelou para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.º - A exequente deveria ter deduzido o direito de que se arroga titular nos tribunais italianos, desde logo porque está em causa a execução de uma suposta decisão judicial italiana e, de acordo com o ordenamento jurídico nacional, a competência para a execução de uma decisão judicial incumbe ao tribunal onde a mesma (decisão) foi proferida.
2.º - A própria exequente/recorrida admite, com o seu comportamento anterior, a competência dos tribunais italianos, uma vez que despoletou um procedimento de injunção em Itália, que acabou por dar origem à execução dos autos principais, o que não pode deixar de ser considerado como uma admissão do lado da recorrida de que o presente litígio deverá ser dirimido em Itália.
3.º - O Regulamento CE 44/2001 estabelece normas de competência internacional, «regendo em matéria contratual a regra de que o tribunal internacionalmente competente para acção é o do lugar onde a obrigação foi ou deva ser cumprida art. 5.º, n.º 1, al. a)», ou seja Itália.
4.º - Em matéria contratual, o referido Regulamento comunitário estabelece como critério para aferir da competência o lugar onde a obrigação em questão foi ou deva ser cumprida, ou seja o local onde os bens foram entregues.
5.º - Ora, as mercadorias foram vendidas pela recorrida à recorrente de acordo com a cláusula ex works (vd. docs. n.ºs 1 e 2), ou seja na fábrica da recorrida, pelo que, também por este motivo, a competência incumbe aos tribunais italianos.
6.º - Quanto à falta de título executivo, sempre se dirá que, mesmo nos casos em que era necessária a declaração prévia de exequatur, assistia ainda à executada o direito de, em sede de oposição, suscitar e discutir tais questões, como se pode comprovar da douta jurisprudência supra citada.
7.º - Assim, e por maioria de razão, se agora nem sequer a execução da decisão exequenda é antecedida de qualquer controlo e da aludida declaração de executoriedade, maior pertinência e base legal tem a possibilidade de o devedor poder discutir, nomeadamente em sede da presente oposição, a própria dívida exequenda, afinal, o que a recorrente pretende e pretendeu fazer ao deduzir a presente oposição.
8.º - O suposto título dado à execução não se integra no conceito de título executivo europeu.
9.º - O regulamento n.º 805/2004 invocado pela exequente para tentar convencer o Tribunal de que está munida de um título executivo reporta-se a decisões judiciais e a processos judiciais.
10.º - Mas, como é entendimento unânime em Portugal, a injunção não é um processo judicial stricto sensu, nem, muito menos, a mera aposição (pelo secretário judicial) da fórmula executória num requerimento de injunção constitui uma decisão judicia! emanada de um Tribunal ou proferida por um Magistrado.
11.º - O procedimento de injunção apresentado pela exequente em Itália não é apto a preencher a previsão legal necessária a que seja considerada uma decisão judicial, não integrando, consequentemente, a categoria de títulos executivos europeus, pelo que a exequente não dispõe de título executivo, nem exequível.
12.º - Por outro lado, compulsada a documentação que acompanha a citação para a execução dos autos principais, da mesma consta o seguinte:
- a citação foi efectuada sem prova de recepção pela recorrente (vd. ponto 11.1 da tradução certificada da certidão do título dado à execução em que é afirmado que a citação foi efectuada ao abrigo do art. 14.º do Regulamento 805/2004);
- o devedor não foi informado sobre as diligências processuais necessárias (vd. ponto 12.2 da tradução certificada da certidão do título dado à execução em que não é afirmado que o devedor foi informado nos termos do art. 17.º do Regulamento 805/2004);
- o devedor impugnou a decisão (vd. ponto 13.4 da tradução certificada da certidão do título dado à execução em que é respondido afirmativamente à questão se o devedor impugnou a decisão de acordo com os requisitos processuais relevantes).
13.º - Impõe-se assim concluir que a exequente/recorrida não dispõe de título executivo válido e eficaz.
14.º - Acresce que, compulsado o douto requerimento inicial, constata-se que, no campo destinado à exposição dos factos, apenas é feita referência e remissão para os documentos que o instruem, o que é manifestamente insuficiente para permitir à recorrente saber, por exemplo e através do douto requerimento inicial, a que título e com que fundamento está a ser accionada, até peia referência expressa na tradução certificada da certidão do título dado à execução quanto à ausência de prova de recepção da citação e do fornecimento à recorrente das informações sobre os procedimentos necessários para contestar o crédito exequendo.
15.º - Ocorre manifesta falta de causa de pedir, estando posto em causa, ab initio, o principio do contraditório, uma vez que, face designadamente ao princípio da estabilidade da instância e tendo em consideração todo o (insuficiente) histórico processual, a recorrente tem o direito de, pela simples leitura da teor do requerimento executivo, saber o que está verdadeiramente em questão nos presentes autos, o que manifestamente não sucede no caso dos autos, o que afecta de modo particularmente gravoso os seus meios de defesa perante a pretensão da recorrente.
16.º - O que verdadeiramente releva no requerimento inicial, que, recorde-se constitui uma peça ou um articulado jurídico, é a exposição de factos e não o mero preenchimento de espaços em branco num impresso pré-configurado, cabendo à exequente o ónus de elucidar o Tribunal e a executada/recorrente dos fundamentos da pretensão exequenda que vem deduzir a Juízo, conforme jurisprudência unânime supra-citada.
17.º - Assistia e assiste à recorrente a possibilidade legal e processualmente admissível de suscitar a questão da inexistência da dívida exequenda.
18.º - Enquanto a exequente foi uma sociedade comercial em funcionamento nunca houve qualquer interpelação para pagamento ou contacto com a recorrente para esse efeito e só após a declaração de insolvência da sociedade de direito italiano C………., SRL, é que a (pseudo) questão foi suscitada pelo administrador de insolvência, tanto mais que estão em causa supostas dívidas datadas de 2002.
19.º - Deveria e deve ser dada hipótese à recorrente discutir e provar nomeadamente que:
- entre si e a então C………., SRL, tiveram lugar várias transacções comerciais, concretizadas em vendas de máquinas à recorrente;
- na sequência e por obra da compra de duas máquinas de texturizar à C………., SRL, a recorrente foi confrontada com inúmeras situações de bloqueio da produção, provocando graves problemas de qualidade nos fios produzidos pela recorrente, o que originou inúmeras reclamações, perdas de clientes e cancelamentos de encomendas, o que levou a recorrente a imputar à C………., SRL, a perda dos respectivos montantes;
- a recorrente emitiu e enviou à C………., SRL, 2 notas de débito do valor total de 203.700 euros, que a C……….., SRL, aceitou, pelo que esta ficou a ser credora da D………., SRL, tendo posteriormente operado a compensação parcial do valor do crédito da recorrente, tendo ainda a recorrente ficado com um crédito de cerca de 53.000 euros;
- a final a exequente não é credora da recorrente, antes sendo a recorrente credora da exequente.
20.º - A douta sentença recorrida vedou essa possibilidade à recorrente, de forma que a recorrente considera insustentada e ilícita, para além de pôr em causa o princípio do contraditório, que, conforme já se disse, não pode ser considerado cumprido com a tramitação irregular e desconforme ao ordenamento jurídico nacional que se descreveu supra.
Contra-alegou a exequente, concluindo pela improcedência do recurso.

3. Tratando-se de recurso interposto em acção instaurada no ano de 2008, a sua tramitação e julgamento rege-se pelo regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08 (cfr. art. 12.º deste decreto-lei).
Em matéria de delimitação do objecto do recurso, importa deixar aqui a seguinte nota:
O regime processual civil português não prevê a possibilidade de um segundo julgamento e uma segunda decisão sobre a mesma causa. O que prevê é a possibilidade de impugnar as decisões judiciais por meio de recursos (art. 676.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Que podem ser ordinários ou extraordinários (art. 676.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Os recursos ordinários, como é o caso da apelação, não têm o alcance de um segundo julgamento. "Destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas" (ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2008, p. 25). São, pois, "recursos de reponderação e não de reexame visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último", cabendo-lhes "apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la" (LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 7).
O mesmo entendimento é sufragado pela jurisprudência, de que é exemplo o acórdão do STJ de 28-05-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 160/09.5YFLSB), o qual também considerou que "os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo, e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido ou formulação de pedidos diferentes".
Assim, em face das disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, e 684.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é e só pode ser a decisão recorrida, no todo ou em parte. E não, directamente, as questões suscitadas nos articulados, salvo em caso de omissão de pronúncia, desde que suscitada no recurso a respectiva nulidade (art. 668.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil). O que neste caso não aconteceu.
Ora, a matéria que consta das conclusões 6.ª a 20.ª, relativa à falta de título executivo, à falta de causa de pedir e à inexistência da dívida exequenda, é a repetição da matéria alegada pela ora recorrente no requerimento de oposição à execução. Tal alegação não se dirige à decisão recorrida, nem visa rebater os argumentos nela invocados para julgar improcedentes essas excepções. Dirige-se directamente contra o requerimento executivo e contra o título executivo, com total indiferença pela decisão proferida na 1.ª instância, como se esta decisão não existisse.
Neste contexto, o objecto da presente apelação, na parte que se refere à matéria das conclusões 6.ª a 20.ª, extravasa a finalidade e o âmbito que a lei define e permite para este tipo de recurso. Pelo que, quanto a tais questões, há que apreciá-las por referência ao que consta da decisão recorrida, e não por referência ao que consta dos articulados.
E assim, tomando por referência o teor da decisão recorrida e as conclusões formuladas pelo recorrente que se reportam àquela decisão, as questões de que cabe conhecer são as seguintes:
1) competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do objecto da execução a que se refere a presente oposição;
2) se inexiste título executivo;
3) se há falta de causa de pedir;
4) se inexiste a dívida exequenda.

II – Fundamentos
4. Interessam à apreciação das questões que constituem o objecto do recurso os factos seguintes:
1) A sociedade comercial C………., SRL, com sede em Itália, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Famalicão, acção executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra a sociedade comercial B………., LDA, com sede em Vila Nova de Famalicão (fls. 133).
2) No requerimento executivo alegou, além do mais, o seguinte (fls. 132):
«3.º Por sentença de condenação proferida nos referidos autos foi a Executada condenada a pagar à Exequente a quantia de € 162.039,95 (cento e sessenta e dois mil e trinta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), aos quais deverão acrescer juros de mora a partir de 22 de Dezembro de 2002 sobre € 141.872,25 (cento e quarenta e um mil oitocentos e setenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos), e juros de mora desde 31 de Outubro de 2002 sobre o montante de € 20.167,70 (vinte mil cento e sessenta e sete euros e setenta cêntimos).
4.º A Executada foi ainda condenada a pagar as despesas do procedimento, as quais atingem o montante de € 2.375,74 (dois mil trezentos e setenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos);
5.º O Tribunal de Lecco é um órgão jurisdicional de um Estado-Membro da União Europeia, tendo a sentença proferida sido certificada como título executivo europeu, de acordo com o disposto no Regulamento que cria o Título Executivo Europeu para Créditos não contestados Regulamento (CE) n.º 805/2004, do Parlamento e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, conforme certificado de título europeu que se junta como doc. 2.
6.º A dívida é certa e exigível, constituindo a sentença ora dada à execução título executivo europeu, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil e do artigo 25.º do citado Regulamento, aplicável na ordem jurídica interna ex vi o disposto no n.º 3 do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa.»
3) Apresentou como título executivo certidão da sentença condenatória proferida em 26-06-2006, pelo Juiz do Tribunal de Lecco, em Itália, no procedimento de injunção n.º 786/06, instaurado naquele Tribunal pela ora exequente contra a ora executada, acompanhada da certidão de citação à ora executada, com as respectivas traduções, nos termos certificados a fls. 135 a 185, e o documento intitulado "Certificado de Título Executivo Europeu Decisão Judicial", emitido pelo mesmo Tribunal, também acompanhado da respectiva tradução, nos termos que consta a fls. 186 a 194.

5. Acerca da questão da (in)competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da execução aqui em causa, a decisão recorrida concluiu pela competência dos tribunais portugueses e, no plano da competência interna, pela competência do Tribunal da comarca de Vila Nova de Famalicão, com os seguintes fundamentos:
"… estamos perante um litígio privado internacional entre duas sociedades comerciais, a oponente, com sede em Portugal (Vila Nova de Famalicão) e a Autora sedeada em Itália (Lecco).
Sendo aqui aplicável para se aferir da incompetência/competência em causa, o dito Acto Normativo do Conselho da União Europeia (o Regulamento) — refere-se ao Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que cita anteriormente — que vincula as jurisdições dos dois Estados envolvidos no conflito, os quais, entre os demais Membros da União, são obrigatoriamente por ele abrangidos art. 249.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia.
Ora, contrariamente às razões que a oponente agora procura esgrimir, a presente execução tem por base uma sentença que considerou um descrito relacionamento comercial firmado entre A. e Ré que não deixa de consubstanciar um ou mais contratos comerciais, cuja exacta qualificação jurídica para aqui não releva e que esta não cumpriu.
Deste modo, atendendo ao mencionado Regulamento e ao disposto nos artigos 22.º, 38.º e 39.º do referido diploma, facilmente se constata ser nossa a competência executiva".
E após transcrever estas disposições legais, concluiu:
"Comprova-se assim que a competência internacional deste Tribunal existe nos termos previstos no referido Regulamento CE e no art. 65º-A, al. e), e 94.º, n.º 4, do CPC, face à existência de bens em território nacional e mais concretamente em Vila Nova de Famalicão".
A esta fundamentação — que, adianta-se desde já, nos parece que fez um enquadramento correctíssimo da lei aplicável e concluiu pela decisão que se impunha proferir, já que, perante os instrumentos legais vigentes, seja a lei interna, designadamente o Código de Processo Civil, sejam os instrumentos legais da União Europeia relativos a esta matéria, a competência para executar judicialmente o património dos cidadãos de cada Estado-Membro é exclusivo dos tribunais do local da situação dos bens — a recorrente contrapõe com a seguinte argumentação: i) que estando em causa "a execução de uma decisão judicial incumbe ao tribunal onde a mesma (decisão) foi proferida", ou seja, ao Tribunal de Lecco, em Itália; ii) que o Regulamento (CE) n.º 44/2001 estabelece, no art. 5.º, n.º 1, al. a), que, em matéria contratual, é competente para acção o Tribunal do lugar onde a obrigação foi ou deva ser cumprida, concluindo que também por esta via a competência incumbe aos tribunais italianos porquanto "as mercadorias foram vendidas pela recorrida à recorrente de acordo com a cláusula ex works (…), ou seja na fábrica da recorrida", em Itália.
Como facilmente se intui, qualquer destes dois argumentos não tem aplicação ao caso concreto aqui em apreciação.
O primeiro, porque remete para uma norma de competência interna, constante do art. 90.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que apenas tem aplicação nas execuções de sentenças proferidas pelos tribunais portugueses. Neste caso, trata-se de execução baseada em sentença proferida por tribunal estrangeiro e a própria lei interna contém uma norma específica para a execução em Portugal de sentença estrangeira. Essa norma consta do art. 95.º do Código de Processo Civil, e dispõe que "a competência para a execução fundada em sentença estrangeira determina-se nos termos do artigo 91.º". Segundo este último artigo, "é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado". Critério que aplicado ao presente caso também determinaria que a competência para esta execução coubesse ao Tribunal da comarca de Vila Nova de Famalicão, onde efectivamente foi instaurada.
Mas a questão que a recorrente suscitou não respeita ao âmbito da competência interna. Respeita, sim, ao âmbito da competência internacional, que visa aferir se, entre os tribunais italianos, que proferiram a sentença executiva, e os tribunais portugueses, onde reside a executada e estão situados os bens a executar, a qual deles compete o poder de realizar o direito da exequente, nos termos em que por esta foi requerido.
Ora, em matéria de competência internacional, o art. 65.º-A do Código de Processo Civil, prescreve, com referência à sua al. e), que "sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, os tribunais portugueses têm competência exclusiva para: … e) As execuções sobre bens existentes em território português".
E para que dúvidas não haja, faz-se notar que esta norma foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, em cujo preâmbulo o legislador fez realçar que "passam os tribunais portugueses a ter competência internacional exclusiva para as execuções sobre bens existentes em território nacional, em consonância com o regime do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000".
E, com efeito, em matéria de execução de decisões, o citado Regulamento contém norma específica sobre a atribuição de competência entre os tribunais dos Estados-Membros. Essa norma consta do n.º 5 do art. 22.º e dispõe que: "Têm competência exclusiva … em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado-Membro do lugar da execução".
Esta norma de atribuição de competência exclusiva aos tribunais do Estado-Membro do lugar da execução já responde e inviabiliza o segundo argumento invocado pela recorrente.
É que o critério de atribuição de competência previsto no art. 5.º, n.º 1, al. a), do Regulamento, aqui invocado pela recorrente, apenas tem aplicação às acções de natureza declarativa em que esteja em causa matéria contratual. Este critério não é extensivo às acções executivas porque o Regulamento contém normas específicas de atribuição de competência para estas acções, designadamente a que ficou acima indicada (art. 22.º, n.º 5) e as que foram transcritas e aplicadas na decisão recorrida.
Donde se conclui que a decisão recorrida que declarou a competência internacional dos tribunais portugueses e, dentre estes, do Tribunal da comarca de Vila Nova de Famalicão é legal e é correcta.

6. Quanto à questão da falta de título executivo, a decisão recorrida, depois de citar e transcrever os arts. 3.º a 6.º do Regulamento (CE) n.º 805/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, que criou o Título Executivo Europeu para créditos não contestados, disse o seguinte:
"Compulsado o título executivo europeu dado à execução constata-se que o mesmo preenche todos os requisitos processuais aplicáveis e constantes do referido Regulamento. (…).
E mostrando-se preenchidos os requisitos de forma enunciados no Capítulo III, para créditos não contestados considera-se que o título executivo europeu dado à presente execução é válido, reconhecido sem necessidade de executoriedade e não pode ser novamente apreciado o seu mérito.
Efectivamente e conforme referido pela exequente e constante do regulamento supra citado, o art. 21.º do mesmo dispõe: "2. A decisão ou a sua certificação como Título Executivo Europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro de execução".
Face a tal facilmente se constata que, tratando-se tal título europeu de sentença judicial e como tal reconhecida, os fundamentos para a oposição devem seguir os motivos apenas tipificados no art. 814.º do CPC.
E dispõe esse artigo que a oposição só pode ter por fundamento qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento.
Ora no caso concreto, e com o devido respeito por opinião contrária, não nos parece que a oponente respeite tais fundamentos, uma vez que não tendo contestado a acção no tribunal europeu de origem, vem agora tentar discutir o mérito do referido título, apresentando factos modificativos, nomeadamente o instituto da compensação.
E fá-lo relativamente a factos anteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração que correu termos no Tribunal de Lecco, conforme se constata pelo teor de fls. 49 a 53 do doc. 1 do requerimento executivo, os quais nem se mostram provados por documento, conforme exige tal dispositivo.
Desta forma e porque com tal dispositivo se pretende evitar a renovação da discussão do mérito da causa, a qual deverá ocorrer na acção declarativa, impedindo decisões contraditórias, exceptuando-se os factos que ocorram posteriores a tal discussão e sejam provados documentalmente, não pode a oponente fazer uso da defesa por impugnação, nos termos em que o faz.
Tanto mais, que relativamente ao Titulo Executivo Europeu aqui dado à execução está o Estado Membro de Execução (VNF) impedido de discutir novamente o mérito da causa, já decidido pelo Tribunal de Origem (Lecco) art. 21º n.º 2 do referido Regulamento CE".
Como se constata, esta fundamentação não se limitou a apreciar a existência e validade do título executivo apresentado pela exequente. Também resolveu a questão da alegada inexistência da dívida. Dizendo que, estando em causa a execução de uma decisão judicial certificada pelo tribunal competente como "Título Executivo Europeu", era insusceptível de ser reapreciada e revista quanto ao seu mérito pelo tribunal da execução (art. 21.º, n.º 2, do citado Regulamento). E processando-se a sua execução segundo "os trâmites do Estado-Membro de execução" e "nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução" (art. 20.º, n.º 1, do Regulamento), a oposição apenas podia incidir sobre algum dos fundamentos previstos no art. 814.º do Código de Processo Civil. O que quer dizer que a alegada inexistência da dívida só podia decorrer de "qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento" [cfr. al. g)]. O que não é manifestamente a situação alegada pela recorrente.
Em relação a esta fundamentação, o que de relevante contrapõe a recorrente?
Diz que o "suposto título dado à execução não se integra no conceito de título executivo europeu" porque se refere a uma mera "fórmula executória aposta num requerimento de injunção" por secretário judicial e, por isso, não é uma verdadeira decisão judicial nem emerge de um processo judicial, e o Regulamento n.º 805/2004 exige que o título executivo europeu se reporte a decisões judiciais e a processos judiciais; levanta questões relacionadas com a certificação do título executivo, designadamente acerca da sua citação, e diz que impugnou a decisão exequenda.
Ora, quanto à natureza judicial da decisão exequenda, é verdade que o Título Executivo Europeu tem que reportar-se a decisão judicial ou como tal considerada pelo Regulamento. É o que decorre das disposições dos arts. 3.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, do citado Regulamento. O primeiro dispões que: "O presente regulamento é aplicável às decisões, transacções judiciais e instrumentos autênticos sobre créditos não contestados". O segundo define o conceito de "decisão", dispondo que: "Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições: 1. «Decisão»: qualquer decisão, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação, pelo secretário do tribunal, do montante das custas ou despesas do processo". No mesmo sentido aponta o considerando n.º 7).
No que respeita ao título executivo aqui em causa, sendo verdade que a decisão nele certificada foi proferida no âmbito de um procedimento de injunção, tal não significa, só por si, que a decisão não tenha sido proferida por um juiz. E, com efeito, segundo a certificação que consta dos autos, a decisão exequenda foi proferida por juiz e está assinada por juiz (cfr. fls. 146 e tradução a fls. 139).
É que este procedimento de injunção foi tramitado e decidido segundo o regime vigente na lei processual italiana. E não pelo regime da injunção que vigora em Portugal, regulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, em que a recorrente se baseia.
No regime da injunção que vigora em Portugal, é verdade que, se o requerido, depois de notificado, não deduzir oposição, compete ao secretário judicial conferir força executiva ao requerimento de injunção, mediante a aposição da fórmula «Este documento tem força executiva» (art. 14.º, n.º 1). Isto porque este procedimento de injunção "tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro" (art. 6.º).
Sucede que não é exactamente assim o regime do procedimento de injunção que vigora em Itália (e noutros países da União Europeia, como a Espanha e a França). Nestes, a competência para proferir a decisão no âmbito do procedimento de injunção pertence a um juiz. E, por isso, essa decisão tem a natureza de "judicial" para efeitos do Regulamento (CE) n.º 805/2004, já que cabe no âmbito da definição dada pelo n.º 1 do art. 4.º. E, neste contexto, pode ser certificada como Título Executivo Europeu [cfr. neste sentido, ANA CANIÇO, "Aspectos fundamentais do Título Executivo Europeu", na Revista do Ministério Público, ano 29 (2008), n.º 113, p. 117-130 (121)].
Por isso é que a decisão exequenda foi proferida e está assinada por juiz e pôde ser certificada como Título Executivo Europeu. Não competindo ao tribunal da execução avaliar nem do mérito da decisão nem da sua certificação como Título Executivo Europeu (art. 21.º, n.º 2, do Regulamento). O que desde logo inutiliza as demais questões levantadas pela recorrente relacionadas com a certificação do título, como a que diz respeito à sua citação e à impugnação da decisão.
Faz-se notar, porém, que impugnar a decisão não é a mesma coisa que contestar o crédito. Ora, da certificação do título consta que o crédito não foi contestado. Que é o pressuposto que releva para efeitos da aplicação do Regulamento n.º 805/2004.
Para além disso, está também certificado que a decisão já não é impugnável e tem força executiva no Estado-Membro de origem, ou seja, em Itália.
Perante o que fica dito, dúvidas não há de que existe título executivo, o qual é válido e é directamente exequível em Portugal nas mesmas condições das decisões judiciais condenatórias aqui proferidas.

7. No que respeita à causa de pedir, a decisão recorrida considerou o seguinte:
"No caso concreto do requerimento executivo consta a remessa para o título executivo que o acompanha, o qual se trata de Titulo Executivo Europeu, baseado em sentença que refere os factos que fundamentam o pedido, as datas e as facturas que a executada ora oponente foi condenada a pagar à exequente e o motivo de tal.
Deste modo e ao abrigo do art. 810.º, n.º 3, al. b), do CPC não era a exequente obrigada a fazer exposição sucinta dos factos, uma vez que todos estes constam do Titulo Executivo, que é uma sentença.
De qualquer forma, refira-se que a oponente soube devidamente interpretar o título, apresentando oposição por impugnação em conformidade, a qual só não foi admitida por não se mostrar incluída nos fundamentos para oposição à execução com base em sentença, previstos no art. 814.º do CPC.
Por todo o exposto, nos termos do disposto nos artigos 193.º, n.º s 1 e 2, alíneas a), b) e c), 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º, n.º 2, 494.º, n.º 1, alínea b), e 810.º, n.º 3, al. b), todos do C.P.C., julgo improcedente a arguida excepção de ineptidão da petição inicial".
A recorrente repete a alegação de que "tem o direito de, pela simples leitura do requerimento executivo, saber o que está verdadeiramente em questão nos presentes autos, o que manifestamente não sucede no caso dos autos, o que afecta de modo particularmente gravoso os seus meios de defesa perante a pretensão da recorrente".
Ora, a decisão recorrida já respondeu em termos suficientemente bem esclarecidos a esta questão. A qual não passa de mero exercício de retórica, sem qualquer fundo de verdade com o conteúdo do requerimento executivo, onde foi suficientemente exposto o objecto da execução, como se infere do que ficou transcrito supra sob o item 2) do n.º 4.
Com efeito, a executada já teve oportunidade de exercer a sua defesa contra o direito de crédito da exequente, no âmbito do processo que decorreu em Itália, fazendo-se expressamente constar da própria decisão exequenda, de que a recorrente foi oportunamente notificada e de que lhe foi entregue cópia, o seguinte: "avisa o devedor que tem o direito de deduzir oposição ao presente dentro do prazo de quarenta dias a partir da data da notificação e que, na ausência (dessa oposição) se procederá com a execução forçada".
Estando aqui em causa uma execução de sentença condenatória, a causa de pedir é constituída pela obrigação de pagar à exequente as quantias mencionadas na decisão condenatória (capital em dívida, juros e despesas judiciais).

8. Sumário:
i) Tanto por força da lei interna (art. 65.º-A, al. e), do Código de Processo Civil) como por força do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (art. 22.º, n.º 5), os tribunais portugueses têm competência internacional exclusiva para as execuções sobre bens existentes em território nacional fundadas em sentença judicial condenatória proferida por Tribunal de qualquer Estado-Membro da União Europeia.
ii) Estando em causa a execução em Portugal de uma decisão judicial proferida por Tribunal Italiano e certificada pelo mesmo Tribunal como "Título Executivo Europeu", nos termos previstos no Regulamento (CE) n.º 805/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, não compete ao Tribunal da execução avaliar nem do mérito da decisão nem da sua certificação como Título Executivo Europeu (art. 21.º, n.º 2, do dito Regulamento).
iii) Esta execução processa-se segundo os trâmites do Estado-Membro de execução e nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução (art. 20.º, n.º 1, do mesmo Regulamento).
iv) Deste modo, a oposição à referida execução apenas pode incidir sobre algum dos fundamentos previstos no art. 814.º do Código de Processo Civil.
v) Invocando o executado a inexistência da dívida, terá que justificá-la no âmbito da al. g) do referido artigo, ou seja, através de "qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação", que seja posterior à data da sentença e, não se tratando da prescrição, se prove por documento.

III – Decisão
Pelos fundamentos expostos:
1) Julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
2) Custas pela apelante (art. 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Relação do Porto, 21-09-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires