Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0324038
Nº Convencional: JTRP00036535
Relator: MÁRIO CRUZ
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
NULIDADE
Nº do Documento: RP200311110324038
Data do Acordão: 11/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - Numa decisão arbitral é obrigatória a análise crítica dos meios de prova, não bastando a indicação dos meios de prova e da matéria provada.
II - Tal omissão provoca a anulação de arbitragem, conforme o artigo 23 n.3 da Lei n.31/86 de 29 de Agosto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
O Senhor Presidente da Câmara Municipal do..... e a “Sociedade....., SA” decidiram submeter a Tribunal Arbitral a solução do diferendo existente entre a Câmara Municipal do..... e a referida Sociedade....., SA Construtora, a respeito da indemnização a atribuir a esta, na sequência de contrato da construção do túnel rodoviário n.º 4.
Na Convenção de Arbitragem apresentada e assinada por ambas as entidades, dava-se conta do litígio em presença pela forma seguinte:

A obra foi adjudicada pelo valor base de 923.768.343$00 a que acrescia o respectivo IVA, sendo o prazo inicial de 20 meses.
A “Sociedade....., SA”, alegando terem ocorrido circunstâncias e vicissitudes no decorrer da obra e a que é alheia, e que causaram quer um forte agravamento dos encargos, quer a dilatação do prazo por mais 257 dias com consequentes sobrecustos, pretende ser ressarcida de prejuízos que diz ter sofrido no valor global de 297.888.000$00.
A Câmara Municipal do....., por sua vez, entende que o valor justificado para efeito de ressarcimento dos prejuízos havidos se reduz a 2.053.210$00, considerando a pretensão do Empreiteiro sem fundamento na sua quase totalidade.

Depois de ambas as partes terem aceitado o Regulamento da Arbitragem, o Regulamento de Custas e Preparos e a Tabela de Honorários e Encargos Administrativos que lhes foram apresentados pelo Tribunal, delimitaram o objecto de litígio a submeter a julgamento aos pontos seguintes:
1. Reconhecimento da existência de factos alheios ao Empreiteiro que originaram o agravamento de encargos e custos de empreitada e a dilatação do prazo por mais 257 dias e consequentes sobrecustos;
2. Fixação do quantum indemnizatório devido pela Câmara Municipal do..... ao Empreiteiro.

A Sociedade......, SA apresentou então a sua petição, narrando os factos e circunstâncias em que pretendia assentar o pedido de ressarcimento pelos prejuízos, atribuindo-os ao atraso na entrada da posse de parte dos terrenos, e nas condições imprevisíveis de solo que encontrou. (fls. 40 a 67). Juntou documentos.
A Câmara Municipal do..... contestou, impugnando parte da materialidade fáctica aduzida pela referida Empresa, só aceitando indemnizar a Empreiteira por uma pequena parte da importância reclamada (2.053.210$00 devido a quebra de rendimento devido à execução de guarda-chuvas, mas acrescenta-lhe também agora, 8.357.799$00 por trabalhos não previstos), louvando-se em Pareceres emitidos pelas firmas “H.....” que fiscalizou a execução dos trabalhos e “G......” que prestou serviços de assessoria técnica à obra. (fls. 374-378). Juntou também documentos.

Por ter resultado infrutífera a tentativa de conciliação, foi então lavrada a condensação, com a indicação dos factos assentes (fls. 499) e a daqueles que passariam a integrar a base instrutória (fls. 500 a 512)

Veio depois a ocorrer a audiência de discussão e julgamento, começando os Exm.ºs Mandatários das Partes por dar como assentes parte dos factos que constituíam a base instrutória e rectificar alguns lapsos existentes nesta, e, ao longo das inquirições das testemunhas ouvidas, foram assentando noutros factos que estavam incluídos na base instrutória, dela os retirando. (fls. 557 –561, 564-566, 569-572).

O Tribunal acordou depois nas respostas a dar aos factos quesitados na base instrutória (fls. 633 a 637).
Ambas as partes alegaram por escrito, em conformidade com o art. 10.º-2 do Regulamento do Tribunal Arbitral (fls. 650-661 e 671-680)

Foi depois proferido Acórdão Arbitral, que terminou com a condenação do Município do..... a pagar à “Sociedade....., SA” a quantia de:
a) € 1.218.984,72,
b) acrescida de € 30.308,39 contra a devolução dos materiais devidamente identificados e facturados, conservados em stock pela Empreiteira e correspondentes àquela quantia,
c) bem como os juros calculados à taxa prevista no art. 194.º-1 do DL n.º 405/93, de 10/12 sobre as quantias em cujo pagamento foi condenado, desde a data da citação até efectivo pagamento,
ficando o pagamento dos encargos resultantes do processo a recair sobre Dono da Obra e Empreiteiro na proporção, respectivamente, de 8/10 para a primeira e 2/10 para o segundo. (fls. 695-767)

A Câmara Municipal..... não se conformou com o Acórdão Arbitral, dele vindo então a interpor recurso (fls. 799), que foi admitido pelo Tribunal. (fls. 815)
Alegou então a Câmara Municipal..... (fls. 849-851) e contra-alegou a “Sociedade....., SA” (fls. 863-870)

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foi o recurso aceite como de apelação e com efeito suspensivo.
Correram os vistos legais.

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II - Âmbito do recurso

De acordo com o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso que vêm a delimitar o âmbito deste.
Passamos por isso a transcrever as conclusões apresentadas pela Câmara Municipal do....., aqui recorrente, nessa sua peça processual, para termos plena visibilidade do alcance do recurso em presença:
Assim:
“1 - O Tribunal Arbitral, no Acórdão sob recurso, não procedeu ao exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer, em violação do art. 659.º-3 do CPC.
2 - A recorrente juntou aos autos pelo menos dois Pareceres da “H.....” e da “G......” que impõem decisão de facto diferente nos pontos 1 a 13 da parte III (factos provados) do douto Acórdão Arbitral.
3 - O douto Acórdão Arbitral é assim nulo porque os Exm.ºs Árbitros deixaram de se pronunciar sobre questões que deviam apreciar nos termos do art. 668.º-1-d) do CPC.
4 - Deve o Acórdão ser substituído por outro que condene a Câmara Municipal..... em conformidade com os referidos Pareceres, ou seja, a pagar à empresa recorrida apenas as quantias consideradas nas alíneas F) e G) dos factos assentes em I do douto Acórdão Arbitral.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exc. ªs, deve ser julgado procedente o presente recurso com as legais consequências, como é de Justiça.”
....................................

Da leitura das conclusões atrás transcritas, vemos que a apelante pretende que nos pronunciemos sobre as seguintes questões:

a) nulidade do Acórdão por falta do exame crítico das provas;
b) nulidade do Acórdão por não se ter pronunciado sobre questões de que deveria ter tomado conhecimento;
c) sindicalização da prova
d) redução da condenação da apelante aos limites que haviam sido por si aceites face ao pedido indemnizatório
...................................

III - Fundamentação

III-A) Os Factos:
Na condensação do processo foram logo considerados assentes os factos seguintes (.... fls. 731 e ss.):
A)
Após concurso público e respectiva adjudicação, a Demandante (Sociedade....., SA) e o Município do..... celebraram em 11 de Dezembro de 1996, por escritura pública, um contrato de empreitada de obras públicas com vista à execução da empreitada de “Túneis Rodoviários do..... – Túnel 4 entre a Rua..... e a Praça.....”. Dá-se por reproduzido o doc. de fls. 57 e 58 junto à petição inicial.
B)
A empreitada era em regime de série de preços, sendo o valor base da adjudicação de esc. 923.768.343$00, a que acrescia o valor do IVA.
C)
O prazo de execução foi estabelecido em 20 meses a contar da data da consignação.
D)
Não tendo havido disponibilidade do Dono da Obra (Demandado) para a entrega total dos terrenos, efectuou-se uma 1.ª consignação, parcial, em 13 de Dezembro de 1996, efectuando-se posteriormente, em 15 de Setembro de 1997, também com carácter parcial, por ainda faltarem terrenos, uma 2.ª consignação.
E)
Em 17 de Novembro de 1997, foi aprovado pelo Demandado o Plano de Trabalhos apresentado pela Demandante, bem como o Cronograma Financeiro da Empreitada, sujeito a futuras alterações por via das consignações em falta , e com essa aprovação ficou fixado o período de execução da empreitada em 20 meses, tendo início em 15 de Setembro de 1997 e fim em 14 de Maio de 1999 e, bem assim, ficou definida como data de início de escavação do túnel mineiro o dia 98.01.05, tarefa executada por um período de 3,5 meses (ou 105 dias)
F)
No que respeita a trabalhos a mais relativamente aos previstos o Demandado aceitou e aceita pagar o montante de Esc. 8.357.799$00.
G)
Por quebra de rendimento devido à execução de guarda-chuvas, o Demandado aceita pagar o montante de Esc. 2.053.210$00.

Ao longo do processo veio a registar-se consenso das partes, para darem como assentes mais os factos seguintes: [Os dizeres entre parêntesis, no fim da cada frase, reportam-se aos quesitos da base instrutória que serviram de fonte a cada um dos factos aí enunciados.]
AA)
Em 30 de Janeiro de 1998 efectuou-se o 3° auto de consignação e com esta a Demandante (empreiteiro) ficou na posse da totalidade dos terrenos necessários à execução da empreitada. (q.1.º)
BB)
O preço contratual da empreitada foi elaborado tendo em conta os custos que previsivelmente o empreiteiro, aqui Demandante, teria que suportar de forma a satisfazer as condições contratuais e assumir os encargos de estrutura e o lucro. (q.2.º)
CC)
A Demandante apresentou ao Demandado a reclamação que constitui o documento n.º 1 junto com a petição e que aqui se dá por reproduzido. (q.4.º)
DD)
Pelo Demandado foi concedida uma prorrogação do prazo contratual de 136 dias. (q. 11.º)
EE)
Muito embora o demandado tenha entendido que a prorrogação era graciosa, a demandante nunca aceitou essa posição, tendo feito reserva dos seus direitos. (q. 12.º)
FF)
Os encargos indirectos, nomeadamente de exploração do estaleiro de apoio à obra e de apoio da estrutura central da Demandante foram por esta reclamados. (q. 13.º/14.º)
GG)
A Demandante reclamou da Demandada os sobrecustos de escavação de rocha na abóbada (65.134.658$00) e de escavação de rocha na bancada e soleira (11.527.814$00). (q. 18.º.1.11)
HH)
Os sobrecustos resultaram das alterações nas quantidades de trabalho (13.318.075$00), quebras de rendimento (27.592.280$64) e perdas de materiais – aumento dos materiais em stock – ( 6.076.287$00). (q. 18..2.6)
II)
Durante a execução da empreitada tornou-se necessário a execução sistemática de guarda-chuvas, com excepção de dois troços:
- entre os avanços 29 e 47 – por opção do Demandado
- entre os avanços 125 e 140 - por questões geológicas/geotécnicas. (q. 18.2.3)
JJ)
Foram executados mais 8 lanços de guarda-chuvas do que os previstos no contrato (q. 18.2.5)
LL)
Em reunião de obra de 09 de Julho de 1998, ficou acordado que os trabalhos de abertura do túnel teriam início em 13 de Julho desse ano.(q. 18.3.1)
MM)
A licença necessária para laboração contínua em regime de turnos foi concedida em 05 de Agosto. (q. 18.3.3.)
NN)
No último trimestre de 1997, a empresa que iria efectuar os trabalhos subterrâneos, I....., desistiu da sua execução. (q. 18.4.1.)
OO)
A Demandante dá a conhecer ao Demandado a substituição daquela empresa por outra através de diálogos informais, primeiro, e, ulteriormente, em 07/01/98, através da carta, reafirmando-a em 19/02/98. (q. 18.4.2)
PP)
A 21 de Maio de 1998, através da carta do Demandado é aprovado o subempreiteiro. (q. 18.4.15)
QQ)
A quantidade de armadura que compunha o arco e a soleira do revestimento interno e definitivo do túnel, prevista no anteprojecto e na lista de quantidades a concurso (art. 3.3.2) era de 180 toneladas de aço. (q. 18.5.1)
RR)
Porque o Demandado não aceitou o valor de 20.152.260$00 dos trabalhos a mais ou não previstos inicialmente, a Demandante reformulou esse valor para 19.698.541$00.(q. 18.61/18.6.2)
SS)
A Demandada apenas aceitou rever a sua posição quanto a dois preços (5 e 6) acrescentando 30% ao valor anteriormente aceite (8.357.799$00) que passou a ser de 8.428.877$00.(q. 18.6.3)
TT)
A “H......” fiscalizou a execução dos trabalhos. (q. 24.º)
UU)
A “G......” prestou serviços de assessoria técnica à obra. (q. 25.º)

Após a audiência de discussão e julgamento foram ainda considerados provados os factos seguintes:
1
Ocorreram algumas alterações nas condições contratuais com a execução da empreitada. (q.3.º)
2
Ocorreram sobrecustos a que a Demandante na parte estimada em 70,8% foi alheia, por se dever a facto do dono da obra. (q.5.º)
3
Aqueles sobrecustos foram suportados pela Demandante. (q. 5.º-A)
4
A permanência em obra da demandante para além do prazo contratual ficou a dever-se a:
- a) A substituição do subempreiteiro foi pedida por carta de 07/01/1998 e concedida por ofício de 21/05/1998.
- b) O início dos trabalhos no túnel mineiro ocorreu após a aprovação do subempreiteiro pelo Demandado.
- c) Condições geológicas encontradas na escavação subterrânea diferentes das conhecidas em fase de concurso, traduzindo-se também e agravadas por questões de segurança (Hospital.....) distintas das da fase de concurso.
- d) Os trabalhos terem decorrido com parte importante do Hospital..... em normal laboração. (q. 8.º)
5
Os sobrecustos decorrentes de aumento do prazo de execução da obra respeitam aos seguintes factos:
- demora na aprovação do subempreiteiro - 120 dias
- demora na escavação e execução do Túnel mineiro - 137 dias, assim divididos:
. quebra de rendimento na escavação de rocha na abóbada – 34 dias
. quebra de rendimento na escavação de rocha na bancada e soleira – 9 dias
. quebra de rendimento na execução de maior número de guarda-chuvas – 23 dias
. paralisação do turno nocturno – 28 dias
. excesso de armaduras – 30 dias
.trabalhos não previstos – 13 dias (q. 10.º)
6
Relativamente ao correspondente à prorrogação de 136 dias do prazo contratual concedida pelo Demandado, suportou a Demandante encargos indirectos, nomeadamente na exploração do estaleiro de apoio à obra e no apoio da sua estrutura central. (q. 11.º e 13.º)
7
A demandante, em decorrência dos factos referidos nos n.ºs 4 a 6 dos factos provados e na alínea D) dos factos assentes por acordo, suportou encargos indirectos, no valor de 68.069.000$00 assim repartidos:

-7.1. Estrutura de equipamento e apoio:
Director Técnico – 1.000 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 4530 c
Eng. Adjunto (Túnel) 850 c/mês x 8,5 meses x 1,000 = 7.255 c
Técnico da Obra – 650 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 2945 c
Geólogo – 1000 c/mês x 7,5 meses x 1,000 = 7.500 c
Topógrafo (Túnel) 600 c/mês x 8,5 meses x 1,000 = 5.100 c
Topógrafo Geral – 580 c/ mês x 8,5 meses x 0,533 = 2628 c
Técnico de laboratório – 300 c/ mês x 8,5 meses x 0,533 = 2492 c
Encarregado Geral 550 c/ mês x 8,5 meses x 0,533 = 2.492. c
Apontador – 250 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 1.133 c
Guardas – 2 x 175 c/mês x 8,5 meses x o,533 = 1586 c
Porta-miras – 2 x 130 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 1693 c
Ferramenteiro - 145 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 657 c
Electricista - 325 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 1.472 c.

- 7.2. Equipamentos e estaleiro:
Escritório empreiteiro - 100c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 453c
Escritório fiscalização - 50 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 227 c.
Escritório subempreiteiro-120 c/mês x 8,5 meses x 0,533=1.020 c.
Laboratório - 150 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 680 c.
Armazéns - 2x75 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 680 c.
Gerador 150 KVA - 300 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 1.359
Transformador 315 KVA - 45 c/mês x 8,5 meses x 0,533 =204 c.
Viaturas ligeiras - 3xl00 c/mês x 8,5 meses x 0,533 == 1.359 c.
Manutenção - 2.928 c/mês x 8,5 meses x 0,533 = 13.267 c.

- 7.3. Consultadoria da equipa projectista: O encargo de 8.500.000$00, considerando que o custo da equipa projectista era de 1.000.000$00/mês e que o período adicional de permanência em obra foi de 8,5 meses. (q. 15.º)
8.
A Demandante, em decorrência dos factos referidos nos n.os 4 a 6 dos Factos Provados e na alínea D) dos Factos Assentes por Acordo, suportou encargos directos resultantes de imobilização de pessoal (remunerações base, eventuais e acessórias e respectivos encargos) e equipamentos, instalações e estaleiro afectos às actividades em causa. (q. 16.º)
9.
A escavação do túnel mineiro teve na facturação um peso de 0,533. (q. 17.º)
10.
10 1 - Escavação de rocha na abóbada, bancada e soleira:
10.1.1 - A escavação da abóbada do Túnel, bancada e soleira foi efectuada em condições diferentes das previstas em fase de concurso.
10.1.2 - O perfil longitudinal geotécnico definido em concurso previa a existência de solos neste local, supondo apenas o aparecimento esporádico de rocha, sob a forma de "blocos graníticos ou matacões" noutras zonas.
10.1.3 - O facto referido em 10.1.2 não fazia prever grandes dificuldades no seu desmonte através de meios mecânicos, sem risco de transmissão de vibrações elevadas às estruturas próximas.
10.1.4 - Foi tendo em conta estes pressupostos que foi elaborada a proposta da Demandante.
10.1.5 - Em termos geológicos e geotécnicos, as situações verificadas na frente a partir do dia 06/01/99 diferiram do previsto no anteprojecto.
10.1.6 - Ao nível da abóbada, a frente de escavação encontrou-se totalmente preenchida por rocha, granito pouco a medianamente alterado (W2-3) e grau de fracturação variável.
10.1.7 - Estava-se na presença de uma frente rochosa numa extensão de 25-30m, isto é, cerca de 20% da extensão do túnel mineiro e cujos limites laterais não eram conhecidos.
10.1.8 - Esta situação aliada à existência de um Hospital em laboração obrigou à utilização de métodos de desmonte demasiado limitativos, que nunca permitiram optimizar produções.
10.1.9 - Provocando sobrecustos resultantes de perdas de produtividade, desaproveitamento dos meios afectos à actividade e suporte e permanência adicional em obra dos meios afectos à gestão de obra e estaleiro do túnel mineiro.
10.1.10 - Originando os sobrecustos de:
- escavação de rocha na abóbada 65.134.658$00,
- escavação de rocha na bancada e soleira 11.527.814$00. (q. 18.1.1 a 18.1.10)
10.2 - Execução de guarda-chuvas:
10.2.4 - (Os factos relatados em 10.2 começam com a numeração em 10.2.4) A proposta de projecto variante foi retirada pela Demandante por não ter encontrado, por parte do Demandado, receptividade a essa proposta. (q. 18.2.4.)
10.2.6 - (Não foi referido 10.2.5) Do facto constante em J advieram os sobrecustos a seguir indicados resultantes:
- das alterações nas quantidades de trabalho- 13.318.075$00
- quebras de rendimento – 27.592.280$64
- perdas de materiais (aumento de materiais em stock)- 6.076.287$00 (q. 18.2.6.)
10.3 - Paralisação por turno nocturno:
10.3.1. - Para dar cumprimento ao objectivo de iniciar os trabalhos do túnel em 13/07/1998, o subempreiteiro J....., S.A., mobilizou todos os meios necessários para a execução desses trabalhos, nos termos contratualmente estabelecidos, ou seja, laboração contínua em regime de turnos. (q. 18.3.2.)
10.3.2 - Os trabalhos referidos em 10.3.1 iniciaram-se em 10 de Agosto. (q. 18.3.4)
10.3.3 - Embora seja da competência do Demandado a concessão das necessárias autorizações para trabalhos extraordinários, aquele requereu ao empreiteiro que o solicitasse directamente ao Governo Civil. (q. 18.3.5.)
10.3.4 - Do facto referido em 10.3.3 resultou o hiato temporário penalizante para o subempreiteiro. (q. 18.3.6.)
10.3.5 - O Demandante actuou nos prazos mínimos relativamente às autorizações referidas em 10.3.3.(q. 18.3.7.)
10.3.6 - Os encargos resultantes da referida paralisação ascendem a 19.000.316$00. (q. 18.3.8.)
10.4 - Paralisação de início de trabalhos:
10.4.1 - Em 1998/02/19, com o conhecimento do Demandado, elementos da J....., S.A. já haviam participado em reuniões de obra. (q. 18.4.2.)
10.4.2 - Pelos factos constantes deste item 10.4 e do constante no item 1, o início dos trabalhos do Túnel mineiro, agendado para 05/01/98 no Plano de Trabalhos inicial, foi transferido para 02/02/98. (q. 18.4.4.)
10.4.3. - Em Janeiro de 1998, foram colocados dois contentores em obra. (q. 18.4.5.)
10.4.4 - A 22/01/98, na reunião de obra n.º 18, foram apresentados três dossiers respeitantes ao processo construtivo variante, tendo sido solicitados pelo Demandado, por escrito, "os elementos relativos à proposta de alteração do subempreiteiro", conforme o solicitado pela H...... "para serem aprovados conjuntamente com as especificações do novo método" .(q. 18.4.8.)
10.4.5 - A 26 desse mesmo mês, o projectista Gr..... pronuncia-se, a pedido do Demandado, favoravelmente à nova solução.(q. 18.4.9.)
10.4.6 - A 02/02/98, com a presença de representantes de todas as partes envolvidas no processo (Demandado, G......, "H......, Demandante e subempreiteiro), são feitos, com esse objectivo, ensaios-testes de betão projectado na pedreira do subempreiteiro J....., S.A. (q. 18.4.10.)
10.4.7 - Em 04 de Fevereiro de 1998, o Demandado comunica, sem qualquer justificação, que a empreitada deverá começar de imediato e de acordo com o projecto base. (q. 18.4.11.)
10.4.8 - Nessa data, já estavam requisitados os meios humanos e equipamentos, para se iniciar de imediato os trabalhos. (q. 18.4.12.)
10.4.9 - No início de Fevereiro de 1998, já a Demandante havia proposto ao Demandado a J....., S.A. como subempreiteiro. (q. 18.4.13)
10.4.10 - Os trabalhos iniciaram-se a 04 de Junho, com a execução em obra de ensaios de materiais e procedimentos. (q. 18.4.6.)
10.4.11 - Este atraso na aprovação do subempreiteiro e os consequentes atrasos no início dos trabalhos originaram sobrecustos no montante global de 38.508.974$40 derivados de:
- sobrecustos de mão-de-obra 27.358.363$20
- sobrecustos de equipamento 11.150.611$20. (q. 18.4.17)
10.4.12. - Estes custos de imobilização de estaleiro são referentes unicamente a meios humanos e equipamento directamente envolvidos na produção e respeitam a um período de quatro meses. (q. 18.4.18)
10.5 - Quantidade de armadura colocada no revestimento do arco do túnel mineiro, face ao previsto no ante-projecto:
10.5.1 - Em consequência da adaptação a projecto de execução dos parâmetros de cálculo, a quantidade final aplicada foi de 291,58 toneladas. (q. 18.5.2.)
10.5.2 - O Demandado pagou estas quantidades aos preços unitários. (q. 18.5.3.)
10.5.3 - Este incremento de armadura não é normal.(q. 18.5.4.)
10.5.4 - Essa operação implicou um sobre esforço para o empreiteiro, não reflectido no preço unitário de concurso. (q. 18.5.5.)
10.5.5 - Impondo um sobrecusto associado e um anormal prolongamento do prazo de execução do revestimento. (q. 18.5.6.)
10.5.6 - Com o aumento do peso da armadura do arco por m2, foi necessário aumentar o número de unidades de fixação da armadura ao suporte primário, que passou de uma previsão de 440 unidades para uma quantidade real de 698 unidades. (q. 18.5.7.)
10.5.7 - Devido à utilização conjunta do pórtico plataforma, na execução da impermeabilização e colocação de fixadores, ocorreu uma maior duração da permanência de pessoal e equipamento adstritos à empreitada nesta tarefa traduzido em 64,5 horas.(q. 18.5.8.)
10.5.8 - Desse acréscimo de permanência de mão-de-obra resultaram custos directos acrescidos de 1.500.700$00, valor esse que se deve considerar consumido pelo custo da permanência adicional de 18 dias. (q. 18.5.9 e
10.5.9 - Da aplicação de maior número de mestras de fixação e armadura de revestimento implicou uma permanência adicional de 18 dias no valor de 4.188.000$00. (q. 18.5.10.)
10.6 - Trabalhos não previstos :
10.6.1 - O valor reclamado mostra-se confirmado nos termos seguintes:
10.6.1 - Betão Projectado aplicado no revestimento primário do túnel - esp. 0,35m (primeiros 20 metros do túnel - Portal Este):
10.6.1.1 - Trata-se de uma tarefa nova para a qual não existia preço.(q. 18.6.4.1.1.)
10.6.1.2 - A execução de espessuras elevadas de betão projectado acarreta maior número de mobilizações de equipamento e pessoal para dar cumprimento ao estabelecido no Caderno de Encargos. (q. 18.6.4.1.2.)
10.6.1.3 Nesse pressuposto, a Demandante apresentou como preço novo o valor de Esc. 20.230$00/m2. (q. 18.6.4.1.3.)
10.6.1.4 - O Demandado aceitou a natureza do trabalho, não aceitando contudo o preço proposto, pretendendo estabelecer ligações directas com menores espessuras. (q. 18.6.4.1.4.)
10.6.1.5 - O preço proposto não tem qualquer relação com os preços de betão projectado no interior do túnel, mas sim com os preços de betão projectado no exterior. (q. 18.1.6.4.1.5.)
10.6.1.6 - O valor do trabalho assim executado é de 7.175.783$00, resultante de aplicação do preço de Esc. 20.230$00/m2 a 354,71 m2 efectuados. (q. 18.6.4.1.6.)
10.6.1.7 - Aquele preço de Esc. 20.230$00/m2 é o corrente para trabalhos desta natureza executados numa zona de transição entre o interior e o exterior. (q. 18.6.4.1.7.)
10.6.2 - Soleira provisória na calote superior, incluindo limpeza e betão projectado - esp. 0.10 m e malhassol:
10.6.2.1 Trata-se de um trabalho que tendo em conta as suas características de execução não poderá ser pago de acordo com os preços unitários apresentados. (q. 18.6.4.2.1.)
10.6.2.2 - A soleira provisória na calote superior apresenta maior dificuldade de execução dada a exiguidade de espaço. (q. 18.6.4.2.2.)
10.6.2.3. - Antes da aplicação dos materiais é necessário proceder à preparação e limpeza da superfície procurando dar-lhe a forma adequada, o que implica trabalho demorado e manual. (q. 18.6.4.2.3.)
10.6.2.4 - A área a considerar quanto à execução desses trabalhos é de 22 m2. (q. 18.6.4.2.4.)
10.6.2.5. - O preço unitário correcto (resultante da adição dos preços dos materiais e da contabilização dos trabalhos preparatórios adicionais) é o de 4.387$00/m2, o que determina (por multiplicação por 22,00 m) um valor total do trabalho de 96.514$00. (q. 18.6.4.2.5.)
10.6.3 - Micro-estacas:
10.6.3.1 - O Demandado aceitou o preço novo proposto pelo empreiteiro que foi de Esc. 25.150$00/un., que multiplicado pelas 123 unidades colocadas dá um total de Esc. 3.093.450$00.(q.18.6.4.3.1)
10.6.4 - Fornecimento de ancoragens passivas (pregagens) tipo SN ou PG, com injecção de argamassa/calda de cimento (carga de rotura 250 KN) ou equivalente, incluindo furação e todos os acessórios - L = 6 m:
10.6.4.1 - Na execução deste trabalho existem dificuldades acrescidas de execução, tais como as condições de furação, as manobras necessárias, o manuseamento de varões de aço de grande diâmetro com' um comprimento de 6 m, e por consequência com peso significativo, o que torna essa execução mais demorada. (q. 18.6.4.4.1)
10.6.4.2 - O seu custo não é obtido por uma mera relação de comprimento, tendo forçosamente que ser apresentado um preço novo para esse trabalho. (q. 18.6.4.4.2.)
10.6.4.3 - Foram 60 as unidades colocadas. (q. 18.6.4.4.3.)
10.6.4.4 - O preço unitário correcto é o de 21.260$00/unidade, o que determina um valor total do trabalho de 1.275.600$00. (q. 18.6.4.4.4.)
10.6.5 - Fornecimento e instalação, no coronamento do túnel, de ancoragens tipo ISO ou equivalente, incluindo furação, injecção à base de calda de cimento e todos os acessórios - L = 5m:
10.6.5.1 - A execução de pregagens no coroamento do túnel não pode, dadas as dificuldades de execução, ser comparado com a execução de pregagens com o mesmo comprimento noutras zonas e/ou em outras posições, sendo a duração da tarefa substancialmente mais elevada. (q. 18.6.4.5.1.)
10.6.5.2 - Este trabalho não foi incluído em qualquer auto anterior. (q. 18.6.4.5.2.)
10.6.5.3 - Foram catorze as unidades executadas. (q. 18.6.4.5.3.)
10.6.5.4 - O preço unitário correcto é o de 21.720$00 /unidade, o que determina um valor total do trabalho de 304.080$00. (q. 18.6.4.5.4.)
10.6.6 - Fornecimento e instalação, no coronamento do túnel, de ancoragens tipo IBO ou equivalente, incluindo furação, injecção à base de calda de cimento e todos os acessórios - L = 3 m :
10.6.6.1 - A execução de pregagens no coroamento do túnel revestia-se de dificuldades, sendo a duração da tarefa substancialmente elevada quando comparada com a execução de pregagens com o mesmo comprimento na zona dos hasteais. (q. 18.6.4.6.1.)
10.6.6.2 - Foram executadas 4 unidades dessas pregagens nos avanços 84 e 85. (q. 18.6.4.6.2.)
10.6.6.3 - Isso, quando a frente de escavação se encontrava no avanço 96. (q. 18.6.4.6.3.)
10.6.6.4 - Por isso, a incidência da mobilização de equipamento e mão-de-obra é, nesse caso, distinta das restantes tarefas da mesma natureza em que se procedia, numa só operação, à execução de um número significativamente maior de ancoragens. (q. 18.6.4.6.4.)
10.6.6.5 - O preço unitário correcto é o de 16.965$00/unidade, o que determina um valor total do trabalho de 67.860$00. (q. 18.6.4.6.5.)
10.6.7. - Sondagem à rotação (sub-horizontal), no interior do túnel, com recolha contínua de amostras:
10.6.7.1 - Trata-se de uma sondagem a partir do interior do túnel que não pode ser comparada com as sondagens efectuadas no exterior devido à maior dificuldade de execução, ao acondicionamento do espaço e aumento de mão-de-obra. (q. 18.6.4.6.6.)
10.6.7.2 - O preço unitário correcto e coerente com os preços praticados no mercado é o de 21.620$00/unidade, o que determina um valor total do trabalho de 1.383.680$00. (q. 18.6.4.6.7.)
10.6.8 - Sondagem à rotação (vertical) no exterior do túnel com recolha contínua de amostras:
10.6.8.1 - O preço proposto foi aceite pelo Demandado. (q. 18.6.4.8.1.)
10.6.8.2 - O valor do realizado é de 427.750$00, sendo 159.000$00 relativos a mobilização do equipamento e 268.750$00 relativos a furação. (q. 18.6.4.8.2.)
10.6.9 - Injecções de consolidação e preenchimento de vazios no maciço a partir do interior do túnel (inclui todas as operações e acessórios) :
10.6.9.1 - O consumo adicional de calda de cimento foi provocado pelo aparecimento de vazios de natureza geológica imprevisíveis. (q. 18.6.4.9.1.)
10.6.9.2 - Não é possível prever o consumo de calda de cimento no preenchimento de vazios. (q. 18.6.4.9.2.)
10.6.9.3 - Não é possível fazer a diluição desse sobrecusto nos preços de outros trabalhos.(q. 18.6.4.9.3.)
10.6.9.4 - Pelo que o seu pagamento terá que ser através da medição do sobrecusto efectivo.(q. 18.6.4.9.4.)
10.6.9.5 - Não é possível, em fase de concurso, fazer qualquer previsão a esse respeito. (q. 18.6.4.9.5.)
10.6.9.6 - O consumo adicional de calda foi de 45,10 m3. (q. 18.6.4.9.6.)
10.6.9.7 - O preço unitário correcto é o de 130.240$00/m3, o que determina um valor total do trabalho de 5.873.824$00. (q. 18.6.4.9.7.)
11
11.1 - Ocorreu atraso do ritmo de execução da obra nos primeiros 12 meses. (q. 19.º)
11.2 - Esse atraso impediu a Demandante de facturar os valores previstos para esse período. (q.19.2.)
11.3 - Não pode ser ressarcida dos encargos de estrutura que deveria ter obtido. (q.19.3.)
11.4 - Essa rubrica apresenta um défice, que jamais pode ser recuperado pela Demandante. (q. 19.4.)
11.5 - A facturação prevista ascendia a 830.000.000$00. (q. 19.5.)
11.6 - A facturação verificada ascendeu a 539.082.000$00. (q. 19.6.)
11.7 - Os custos com os encargos de estrutura representam 8% do preço. (q. 19.7.)
11.8 - Considerando a diferença entre a facturação prevista e a facturação verificada. os custos com os encargos de estrutura ascendem a 23.273.000$00. (q. 19.8.)
12
A subempreiteira não tinha experiência na construção de túneis mineiros. (q.22.º/23.º)
13
O nível de produção aumentou com a substituição de equipamento feita pela Demandante conformemente ao recomendado pelas circunstâncias. (q. 23.º)
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.......................

III. B) O Direito

Da nulidade do Acórdão por falta do exame crítico das provas:

Entende a Apelante Câmara Municipal..... que o Acórdão do Tribunal Arbitral é nulo porque a decisão sobre a matéria de facto não foi acompanhada do exame crítico das provas, violando assim o disposto no art. 659.º-3 do CPC..
A Apelada sustenta que tal pretensão não tem o mínimo de viabilidade, uma vez que estamos perante um recurso da decisão de um Tribunal Arbitral que as partes livremente convencionaram para decidir o conflito entre elas existente, regendo-se portanto por um regime específico assaz diferente do regime normal de qualquer recurso de uma decisão judicial.

Analisemos então o caso em questão:

Como é sabido, desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite e direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros. (art. 1.º-1 da Lei 31/86, de 29/08.).
O pano de fundo, enformador comum, para a resolução desses eventuais litígios, é dado pela enunciada Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, que estabelece o regime jurídico da Arbitragem.
A Convenção de Arbitragem rege-se com respeito pelo regime jurídico aí previsto, e com observância dos demais parâmetros que as partes definam, nos termos e limites aí visados.
Passando então ao caso concreto:
A Câmara Municipal..... (órgão da pessoa colectiva Município do.....) pretende que se declare nula a decisão arbitral, por nesta não estar fundamentada a decisão a respeito da matéria de facto.

Passando em análise a enunciada Lei, vemos que, relativamente ao caso em presença não pode falar-se de nulidade da decisão arbitral, mas tão só da sua anulabilidade.
Na verdade, uma decisão arbitral só é nula no caso de lhe faltar algum dos seus elementos essenciais, isto é, se forem inobservados ou ainda não contiver os requisitos estabelecidos no art. 23.º-1 da enunciada Lei, isto é:
a) A identificação das partes,
b) A referência à convenção de arbitragem,
c) O objecto do litígio,
d) A identificação dos árbitros,
e) O lugar da arbitragem e o local e a data em que a decisão foi proferida
f) A assinatura dos árbitros,
g) A indicação dos árbitros que não puderem ou não quiserem assinar que estabelecem nela não está prevista em parte alguma a nulidade da decisão arbitral.

Nenhum desses casos parece verificar-se no caso em presença.

No entanto, os arts. 27.º e 29.º da enunciada Lei admitem que em determinadas circunstâncias possa a decisão arbitral ser anulada pelo Tribunal da Relação, em via de recurso (se as partes a ele não tiverem renunciado), nos mesmos termos que caberiam de sentença proferida em Tribunal de Comarca.
Aquele artigo 27.º enuncia portanto os vícios que podem levar a que o Tribunal Judicial venha a anular a decisão arbitral, o que significa que qualquer um desses fundamentos pode ser motivo de anulabilidade (e não de nulidade.)
De acordo com o disposto no art. 27.º-1, deste diploma, a decisão do Tribunal Arbitral só pode ser anulada pelo Tribunal Judicial por algum dos cinco fundamentos aí previstos:
a) não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;
b) ter sido proferido por Tribunal incompetente ou irregularmente constituído;
c) ter havido no processo violação dos princípios referidos no art. 16.º, com influência decisiva na resolução do litígio [Isto é, em caso de violação de qualquer dos princípios ou pontos seguintes, que tenham tido influência decisiva na resolução do litígio:
a) violação do princípio da igualdade absoluta de tratamento de qualquer das partes; b) falta de citação do demandado para se defender; c) falta de estreita observância do princípio do contraditório, d) falta de oportunidade de as partes serem ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida a decisão final.];
d) ter havido violação do art.23.º-1-f), 2 e 3 [O art. 23.º-1-f) contempla a obrigatoriedade de assinatura dos Árbitros; o n.º 2 desse mesmo artigo respeita ainda ao número de assinaturas e identificação dos votantes, designadamente de vencidos; o n.º 3 do art. 23.º respeita à obrigatoriedade de a decisão ser fundamentada.];

e) ter o Tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

Ora, no caso em presença, o Tribunal fixou a matéria de facto subjacente à decisão, considerando não só a matéria assente na condensação como ainda no decurso do processo - por acordo das partes -, e disse também quais os outros factos que considerava provados na sequência da audiência de discussão e julgamento, sem que no entanto deixasse expressa a análise crítica das provas,
limitando-se a dizer
que procedeu:
- à inquirição das testemunhas:
- arroladas pela Demandante:
Eng.º José.....,
Eng.º Luís.....,
Eng.º Jorge.....;
arroladas pelo Demandado:
Eng.º António.....,
Eng.ª Gabriela.....;
Eng.º António .....,
Rui.....
Dr.ª Maria.....
Dr.ª Luísa.....;
- e ao exame dos documentos apresentados pelas partes ou requisitados pelo Tribunal.

Assim, o Tribunal Arbitral não chegou a referir quais os depoimentos e documentos que o impressionaram, porquê, e em que medida, não justificando portanto, na parte controversa, quais deles terão contribuído em maior ou menor grau para a criação da convicção firmada em ordem à decisão da matéria de facto.
A análise crítica das provas insere-se no dever de fundamentação, e, no caso presente, foi ele completamente omitido.
É entendimento doutrinário e jurisprudencial unânime, tanto quanto sabemos, que a fundamentação das decisões em matéria de facto se não basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados, exigindo-se a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal.
O dever de fundamentação da matéria de facto, tal como o de Direito, encontra a sua expressão no art. 23.º-3 da Lei n.º 31/86, de 29/08, e esta encontra a sua raiz no n.º 1 do art. 205.º da Constituição
Se algumas dúvidas existiam elas deixaram de ter qualquer significado atento o valor da argumentação, desenvolvida em recente Acórdão do Tribunal Constitucional, datado de 14 de Julho de 2003 e publicado no DR-II, de 21 de Outubro, onde, no caso, se considerou inconstitucional a norma constante do art. 418.º do CJM, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados.
O caso em questão nesse Acórdão, embora diga respeito a interpretação de uma norma do CJM, oferece argumentação em tudo idêntica para aplicação àquela que está sob recurso.
Na verdade, resulta da convenção de arbitragem, assinada pelas partes, que não ficava excluído o dever de fundamentação em matéria de facto e em matéria de Direito.

A não fundamentação da matéria de facto arrasta a anulabilidade da decisão arbitral.
A recorrente Câmara Municipal do..... invocou-a na sede própria e tempestivamente.
Assim, tem essa arguição de vício de ser aqui plenamente atendida.

Com a anulação da decisão arbitral fica prejudicada a análise de todas as demais questões suscitadas.
Em face do exposto, a apelação deve proceder.
.................................

Deliberação
Na procedência da apelação, anula-se a não obstante douta decisão arbitral, ordenando-se que os Exm.ºs Árbitros se voltem a debruçar sobre os meios e prova (testemunhas e documentos, se necessário repetindo a audição das testemunhas), respondendo fundamentadamente depois aos quesitos formulados que não tenham sido objecto de acordo no decurso do processo, e voltem a elaborar nova decisão arbitral aplicando o Direito aos factos que dessa deliberação resultem.

Provisoriamente, custas pela apelada, que no presente recurso ficou vencida.

Porto, 11 de Novembro de 2003
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes