Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
646/11.1TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
Nº do Documento: RP20150623646/11.1TBSTS.P1
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não se pode considerar legalmente resolvido um contrato por declaração de uma das partes, se esta declaração não existiu.
II - Se o comportamento de ambas as partes contribuiu de modo semelhante para a impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato-promessa, pode ser decretada a resolução deste a pedido de uma delas, com a consequente obrigação de restituição das quantias entregues a título de sinal, sem o acréscimo de indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção 646/11.1TBSTS do juiz 3 da 2ª Secção Cível da Póvoa de Varzim

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

B… e mulher intentaram uma acção contra C…, SA, pedindo que se declarasse resolvido, por culpa exclusiva e imputada à ré, o contrato-promessa celebrado entre eles e que se condene a ré a restituir-lhes a quantia recebida a título de sinal, em dobro, ou seja, 260.000€, acrescida de juros de mora desde a citação, até integral pagamento.
A ré contestou, impugnando o essencial da alegação dos autores e dizendo que ela resolveu o contrato devido ao incumprimento do mesmo pelos autores, e por isso concluiu que a acção devida ser julgada improcedente; e reconvencionou que se declarasse que foi legítima a resolução do contrato por parte da ré, por causa imputável aos autores, e que a ré tinha o direito de fazer seus os 130.000€ entregues pelos autores.
Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e procedente a reconvenção, condenando-se ainda os autores em multa como litigantes de má fé.
Os autores recorrem desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue improcedente a reconvenção – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Aos autores não pode ser imputado um incumprimento definitivo e culposo, pois só este comina o regime previsto no artigo 442/2 do Código Civil. A lei não se basta com uma situação de retardamento ou incumprimento para além do tempo de cumprimento da obrigação, ou seja, da ocorrência da mora de qualquer dos contraentes, muito menos quando o próprio credor não reconhece a mora, como incumprimento definitivo;
B) Para além das situações legalmente previstas em que se confere a possibilidade de uma das partes resolver o contrato, a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe definitiva e culposamente de cumprir a prestação lhe era exigível, o que como se explanou não se verificou – arts 798 e 801/2 do CC;
C) A simples mora no cumprimento, não confere ao contraente cumpridor o direito de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento lhe causou – art. 804/1 do CC;
D - Para que ocorra uma situação de perda de interesse susceptível de justificar o recurso à resolução por parte do credor, torna-se necessário que a situação de retardamento no cumprimento da prestação em que o devedor se colocou, dê origem à declaração inequívoca, objectiva e comunicada, do desinteresse na execução do contrato prometido, por parte do credor, comunicação essa que a ré não logrou provar;
E) Tendo o comportamento contratual de ambas as partes contribuído para uma situação de impasse na actuação, com vista ao cumprimento de cada uma das obrigações subjacentes à relação contratual estabelecida, verifica-se uma situação de não cumprimento bilateral, pelo que, o contrato prometido deve ser resolvido sim, mas com base nas normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respectivos pressupostos – art. 570 do CC;
F) Considerando-se que ambas as partes agiram com culpa e que contribuíram para que o contrato prometido não fosse cumprido, nos termos dos arts 433 e 434 do CC, a não conclusão daquele deverá ter os efeitos da resolução, o que no caso se traduz pela restituição do sinal recebido em singelo.
A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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Questões que importa solucionar: se os autores têm direito à restituição das quantias que entregaram à ré (e isto quer dizer que os autores não estão a pôr em causa a improcedência do seu pedido, mais amplo, de restituição em dobro de tais quantias), o que implica também a questão contrária de saber se a ré não tem direito a fazer suas tais quantias.
No caso importa dizer ainda o seguinte: as conclusões de um recurso delimitam o objecto do mesmo (: art. 635/4 do CPC: Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso). Ora, não constando das conclusões qualquer impugnação da decisão da matéria de facto esta não é objecto do recurso (apesar de os autores, no corpo das alegações, terem aduzido uma série de críticas a tal decisão, bem como à utilização dos depoimentos de testemunhas da ré). Tal como não é objecto do recurso, pela mesma razão, a condenação dos autores como litigante de má fé.
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Da junção de um documento
Com o recurso, os autores juntaram um documento, mas não invocaram qualquer razão para o fazer neste momento, nem, aliás, qualquer norma legal que lhes permitisse fazê-lo.
Diz o art. 425/3 do CPC que após o limite temporal previsto no número anterior – isto é, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final - só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. O art. 651/1 do CPC acrescenta ainda o caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Ou seja, há pressupostos de facto que têm de ser alegados para que a parte possa apresentar documentos para serem juntos aos autos aquando de um recurso.
Não os tendo alegado, a permissão legal não pode funcionar e, por isso, o documento em causa não pode ser agora junto.
Assim, não se admite tal documento - que deve ser desentranhado do processo e devolvido aos autores, o que se determinará a final -, apesar de a ré também ter pretendido fazer uso do mesmo.
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Para a solução das questões referidas importa ter agora presentes os factos que foram dados como provados, que são os seguintes (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos… o processo é anterior à reforma de 2013 do CPC; manteve-se a ordem que os factos apresentam na sentença, para que da alteração da ordem não se possam retirar consequências que os factos não permitem; a colocação dos factos, por ordem cronológica, depende sempre da certeza do momento em que cada um deles se verificou, certeza que nem sempre existe):
A) A ré é uma sociedade anónima que se dedica, com fins lucrativos, à actividade da construção civil, construindo prédios urbanos, nomeadamente para submeter ao regime de propriedade horizontal, que destina à venda.
B) Mediante acordo escrito denominado por contrato-promessa de compra e venda, datado de 30/05/2006, em que figuram como primeira outorgante a ré na qualidade de promitente vendedor e como segundos outorgantes os autores, na qualidade de promitentes compradores, aquela prometeu vender livre de qualquer ónus ou encargos e estes prometeram comprar, um apartamento tipo T3 duplex, nº …, no Bloco ., destinado a habitação, ao nível dos 7º e 8º andares, com garagem fechada para dois automóveis, do prédio de que são proprietários em fase de construção, constituído por garagem, comércio e habitação, sito no gaveto das Ruas … e …, freguesia e concelho de Santo Tirso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º 2920/20051116 e inscrito na matriz competente no art. 5503, denominado de D….
C) Após a constituição da propriedade horizontal, foi a fracção correspondente ao apartamento designada pela letra A do prédio inscrito na matriz no artigo 5640 e a fracção da garagem designada pelas letras BJ do prédio inscrito na matriz no artigo 5471 ambos desta cidade.
D) O preço acordado da prometida compra e venda foi de 300.000€, ficando a fazer parte do acordo referido em B) a planta respectiva e um mapa anexo onde estavam especificados os acabamentos daquele.
E) Na data da outorga do acordo escrito referido em B), entregaram os autores à ré, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de 60.000€, que esta recebeu e da mesma deu quitação.
F) Ainda no âmbito do acordo referido em B) ficou estabelecido que, a título de reforço de sinal, os autores pagariam em Dezembro de 2006 igual quantia de 60.000€, o que efectivamente os autores fizeram e a ré recebeu.
G) Mais ficou acordado que o remanescente do preço, ou seja, 180.000€, seria pago no acto da escritura pública a titular o acordo celebrado.
H) Ficou acordado que a outorga da escritura de compra e venda teria lugar, desde que a ré tivesse em seu poder toda a documentação necessária a esse fim, em dia, hora e Cartório Notarial do concelho da Trofa da conveniência da promitente vendedora, que de tal teria de avisar os promitentes compradores com pelo menos oito dias de antecedência.
I) Após a conclusão da construção, a ré, por diversas vezes, afirmou pretender efectuar a escritura pública, tendo chegado a enviar pelo menos uma carta aos autores nesse sentido.
Q) Em 05/03/2009, a ré escreveu ao autor a carta junta aos autos a fls. 73 e 74, cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido e na qual marcou a celebração da escritura para o dia 18/03/2009 mais informando de que “caso V.exª não compareça na referida data é nossa intenção considerar o contrato resolvido, fazendo nossas as quantias recebidas. Por último, lembramos que, para lá da parte do preço ainda em falta, 180.000€, na data da escritura, deverá, também, pagar os extras, no valor de 15.829,60€” [a parte entre aspas foi transcrita agora, para a pôr de acordo com a carta dada por reproduzida; note-se que a carta é dirigida ao autor e não aos autores, o que resulta da própria carta, dada por reproduzida, e assim essa parte foi agora corrigida, ao abrigo do art. 662/1 do CPC].
R) Na data designada, 18/03/2009, os autores não compareceram para a celebração da escritura e nada disseram à ré.
J) Mediante notificação judicial avulsa datada de 10/12/2009 e concretizada a 18/12/2009, a ré transmitiu aos autores que estava marcada a escritura de compra e venda para o dia 29/12/2009, pelas 17horas, no Cartório Notarial da Dra. E… em Santo Tirso e que estava em dívida a quantia de 180.000€, mais 5.829,60€ que afirmava ser de "trabalhos extra", quantias estas a pagar no acto da escritura.
[transcreve-se agora parte do teor do requerimento de notificação, ao abrigo dos arts. 607/4 e 663/2 do CPC, porque são estas as partes importantes da carta, principalmente a parte final; deixou-se, no entanto, intocado o facto J), de modo a poder ver-se que ele não fazia referência ao que se segue, nem em síntese:
[…] a requerente há já mais de 15 meses, nos termos da clª 3ª do contrato-promessa, está em condições de celebrar a escritura; […] continua sem receber a parte do preço ainda em falta, bem como parte dos trabalhos extra, tudo no valor de 185.829,60€ (180.000€ + 5829,60€); […] caso os requeridos não compareçam para a celebração da escritura a requerente tem direito a considerar resolvido o contrato e a fazer suas as quantias que recebeu; termina requerendo a notificação dos requeridos de todo o conteúdo da notificação e ainda para no dia 29/12/2009, pelas 17h, comparecerem para outorga da escritura e pagamento do remanescente do preço, sob pena de não o fazendo a requerente considerar o contra-to definitivamente não cumprido com a consequente perda por parte dos requeridos de todas as quantias já pagas.]
K) Procuraram os autores, mediante notificação judicial avulsa datada de 22/12/2009, notificar a ré que no dia designado para a realização da escritura estariam ausentes de Santo Tirso, pelo que não poderiam comparecer à mesma, assim como pretendiam que a ré fosse notificada para marcar dia e hora para os autores terem acesso ao local objecto do acordo denominado de contrato-promessa, bem como para especificar quais os extras referidos e os valores totais recebidos dos autores, não aceitando a cominação de perda das quantias já pagas e referidas na notificação que lhes foi feita, a qual não viria a ser levada a efeito, com fundamento em que a ré havia saído do local há mais de 6 meses tendo ido para a Trofa, para morada desconhecida, como resulta de fls. 30 a 38 e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido.
L) A ré transmitiu em Março de 2010, a F… e marido, a propriedade das fracções prometidas vender aos autores […]
M) A transmissão referida em L) foi titulada por escritura de permuta celebrada em 29/03/2010, na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso.
N) A carta enviada pelos autores para a sede da ré sita na …, … ….-… Vila do Conde, foi devolvida com a indicação "mudou-se".
O) A 10/12/2009, escassos dias antes daquela informação [a referida na parte final de N)], a própria ré, na referida notificação judicial aos autores, indicava essa mesma direcção como sendo a sua sede.
P) Procuraram os autores, mediante notificação judicial avulsa datada de 02/07/2010, notificar a ré dando-lhe a saber que deve proceder ao pagamento do dobro do sinal pago pelos autores, respeitante ao acordo denominado de contrato-promessa, sem prejuízo de vir a ser responsabilizada por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados àqueles, a qual não viria a ser levada a efeito, com fundamento em que no nº 60 labora uma firma de venda de mobiliário "G…", como resulta dos autos a fls. 40 a 43 e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido.
S) Os autores não compareceram à escritura agendada para o dia 29/12/2009.
1. Para além das quantias acima referidas, os autores entregaram à ré mais a quantia de 10.000€.
3. Aquando da celebração do acordo referido em B), a construção do imóvel estava ainda no seu início.
28. Os autores, em especial o autor, sempre souberam onde podiam encontrar representantes da ré.
29. Até há cerca de 5 a 6 meses, a ré manteve no local onde construiu dois prédios um posto de vendas numa das lojas do prédio aqui em causa.
30. A ré mantinha diariamente nessa loja um funcionário – H… - para atender os clientes.
31. O autor esteve nessa loja várias vezes aí falando com o dito H… quer com outro colaborador da ré e aí também esteve a Autora. 32. Em várias ocasiões, o autor contactou telefonicamente pelo menos dois accionistas/trabalhadores da ré, I…, do sector comercial, e J…, do sector das obras.
33. O autor já esteve nos escritórios da Ré na Trofa e sempre teve o telemóvel dos accionistas/trabalhadores da ré com quem sempre tratou do negócio quer nas negociações tendentes à celebração do contrato-promessa, quer quanto à sua execução.
34. Depois de, a partir de Janeiro de 2010, ter esperado quase um mês pela assinatura do documento que traduzia as condições entretanto estabelecidas para a retoma do acordo, face à falta da acordada entrega imediata de 110.000€, e face ao silêncio dos autores, a ré decidiu que não esperaria mais.
36. A ré estava em condições de celebrar a escritura, para o que tinha toda a documentação necessária, desde Setembro de 2008.
37. A partir da data referida no número antecedente, em muitas ocasiões a ré interpelou o autor para a realização da escritura.
38. Foram dezenas os contactos da ré com o autor quer pessoais, quer telefónicos, para que a escritura fosse celebrada.
39. O autor, invocando dificuldades de financiamento alegadamente derivadas de investimentos vultuosos, não se dispunha a fazê-lo.
40. A ré continuou a insistir com os autores para a celebração da escritura e estes, apesar de promessas sucessivas para pagar a parte do preço em falta e celebrar a escritura nada concretizaram.
43. O autor disse à ré que iria proceder ao pagamento da parte restante do preço, o que se comprometeu a fazer no prazo de 30 dias.
44. Decorrido o prazo referido no número anterior, os autores nada pagaram à ré e nada disseram.
45. Apesar da intenção referida em Q), a ré continuou a insistir com os autores para que celebrassem a escritura ou para que pagassem a parte do preço em falta.
46. Em Novembro de 2009, e depois de insistências da ré, os autores ainda não tinham pago a parte do preço em falta nem comunicado qualquer cessão da sua posição contratual a terceiro.
50. A ré estava, com ainda está, a atravessar um período de dificuldades financeiras e tinha necessidade de receber a parte do preço em falta para fazer face àquelas.
51. A ré tinha compromissos inadiáveis assumidos que precisava de satisfazer, do que os autores tinham consciência.
57. A ré apenas conseguiu vender o apartamento pelo preço de 181.000€, de que recebeu em dinheiro 110.000€ e os restantes 71.000€ com a entrega de imóveis.
59. Os autores sempre acompanharam a construção do apartamento, sempre tendo estado a par do seu estado e havia muito que sabiam o custo dos extras e sempre tiveram acesso ao prédio.
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Da inexistência da resolução por parte da ré
A sentença recorrida ao considerar procedente a reconvenção, considera que a ré resolveu o contrato, mas não aponta o facto que concretizou tal resolução.
A resolução de um contrato é o exercício de um direito potestativo que, quando não é feita judicialmente ou por acordo, se tem de manifestar numa declaração à outra parte (art. 436/1 do CC, Antunes Varela, CC anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 387, Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, 2ª edição, Almedina, 2006, pág. 180) e que só se torna eficaz com a recepção dessa comunicação (art. 224/1 do CC).
Ora, nos factos provados não consta qualquer declaração de resolução do contrato, nem comunicação da mesma.
Logo, não se pode dizer que a ré resolveu o contrato.
A sentença recorrida torneou a questão dizendo que “o incumprimento dos autores implica a resolução do contrato […]” (fls. 290 do processo em papel, penúltimo parágrafo dedicado à reconvenção). Ou seja, a sentença trata o incumprimento como o preenchimento de uma condição resolutiva (art. 270 do CC). Só que, como não existia qualquer condição resolutiva no contrato, nem aliás qualquer cláusula resolutiva (art. 432/1, 2ª alternativa, do CC), o incumprimento só pode funcionar como um dos pressupostos do direito de resolução previsto na lei (arts. 432/1, 1ª alternativa, e 801/2, ambos do CC). Preenchidos estes pressupostos, a ré teria o direito de resolver o contrato e para isso teria de emitir uma declaração de vontade nesse sentido (não o querendo fazer por acordo ou através do tribunal), o que não se mostra ter feito.
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Poderia ser-se tentado a dizer que a resolução foi efectuada pela comunicação transcrita, agora, no facto sob j), principalmente porque nela a ré faz o anúncio das consequências que decorreriam da falta de comparência, entre elas a indirecta da perda por parte dos requeridos de todas as quantias já pagas.
Perante isto, importa antes de mais precisar o seguinte:
Quando um devedor não cumpre a tempo uma obrigação que ainda pode ser cumprida, entra-se em mora (art. 804 do CC); esta mora pode ser convertida em incumprimento definitivo com a fixação de um prazo suplementar para cumprir (art. 808/1 do CC); perante o incumprimento definitivo o credor pode resolver o contrato (801/1 do CC), o que quer dizer que não é obrigado a fazê-lo. Só desta resolução, não do incumprimento, é que decorre a consequência da perda das quantias já entregues (art. 442/2 do CC na interpretação que dele é uniformemente feita, hoje em dia, pela jurisprudência, como se verá mais à frente).
Segundo, a concessão de prazo suplementar para cumprir, depois da entrada em mora, pode ser feita em termos de se dizer à contraparte (i) que no caso de ela não comparecer, ele, credor, exercerá os direitos que a lei lhe confere (Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contributo para a interpretação do art. 808 do CC, nos CDP 5, Janeiro/Março de 2004, págs. 10/16), ou de lhe dizer (ii) que não comparecendo, ele, credor, considerará a obrigação definitivamente não cumprida (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª edição, págs. 362 e 363) ou pode ainda acrescentar que (iii) nesse caso poderá ele, credor, vir a resolver o contrato fazendo suas as quantias já entregues ou que (iv) ele, credor, considerará desde logo o contrato resolvido (Galvão Telles, Dtº das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 313, nota 1), com a consequente perda das quantias já entregues.
A primeira traduz-se na fixação de um prazo peremptório para cumprir, as outras são interpelações admonitórias ou cominatórias, a segunda no sentido de se considerar a mora convertida em incumprimento definitivo, a terceira no sentido de advertir ainda que o credor poderá vir a resolver o contrato e a quarta no sentido de advertir ainda que credor considerará logo o contrato resolvido (esta é a única declaração antecipada de resolução do contrato).
Tendo tudo isto como pano de fundo, veja-se:
A comunicação feita pela ré em Dez2009, começa por ser, no corpo do requerimento de notificação, uma interpelação cominatória do terceiro tipo, ou seja, dá a conhecer aos autores que, se eles tornarem a não comparecer, ela terá o direito de considerar o contrato resolvido, fazendo suas as quantias que já recebeu – o que logicamente quer dizer que a ré poderá ou não vir a exercer esse direito, mais tarde, do que lhes terá de dar conhecimento posterior; mas depois, já findo o corpo do requerimento, termina com uma interpelação cominatória de segundo tipo misturada com o anúncio de consequências legais que não existem nesse caso (já que associa a perda das quantias ao incumprimento definitivo e não à resolução).
Ora, perante isto – uma comunicação contraditória e errada -, os autores nunca podiam tirar da comunicação em causa a conclusão inequívoca de que, faltando eles à escritura, o contrato-promessa ficaria automaticamente resolvido (devido a uma declaração tácita antecipada de inequívoca resolução que não existia em tal comunicação).
Tanto mais que os autores já tinham antes sido confrontados com uma interpelação cominatória clara de tipo iii (a referida no facto q)), com que aliás em parte se confundia a nova comunicação de Dez2009, o que legitimava a leitura da nova como se fosse uma repetição da antiga.
Assim, ver nesta convocação para a escritura de Dez2009 uma declaração tácita antecipada de resolução, apenas pela presença do referido anúncio de consequências, no contexto assinalado, não está de acordo com as normas legais referidas, pois que o anúncio daquelas consequências podia ser lido pelos autores como anúncio das consequências depois de resolvido o contrato, quando ele fosse resolvido.
Por outro lado, a leitura de tal comunicação como se de uma declaração antecipada de resolução equivale a caucionar a aplicação de uma pena de 130.000€ aos autores com base numa comunicação dúbia, fazendo correr esta equivocidade por conta dos autores quando devia correr por conta da ré.
Pelo que, aquilo que se verifica, no facto provado sob j), é apenas a conversão de uma situação de mora em incumprimento definitivo (art. 808/1 do CC), sendo este um dos pressupostos do direito à resolução do contrato (art. 801/2 do CC) e não a própria resolução (note-se que o facto j, na formulação que constava da sentença recorrida, nem sequer permitia a conclusão da conversão da mora em incumprimento definitivo).
O mesmo se verifica no facto q), anterior àquele, mas em relação a este constata-se ainda que a actuação posterior da ré demonstra inequívoca-mente que não só não resolveu como não quis resolver o contrato (factos 45 e 46 e a própria convocação para a escritura de 29/12/2009).
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E também não se pode dizer que a resolução do contrato, pela ré, foi exercida neste processo, com o pedido formulado, porque o pedido formulado pela ré reporta-se nitidamente a uma resolução que teria ocorrido anteriormente, não sendo um pedido para que o tribunal resolva o contrato, mas para que reconheça que foi legalmente resolvido em momento anterior que a ré localiza, com imprecisão, antes da venda do prédio a terceiro.
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Por fim, a sentença ainda fala numa recusa categórica em cumprir a obrigação por parte dos autores e numa perda objectiva do interesse na obrigação por parte da ré em consequência do comportamento dos autores. Mas também estas situações são apenas pressupostos do direito à resolução do contrato (arts. 808/1 e 801/2, ambos do CC), não se confundido com o exercício deste.
Dito com Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 9ª edição, Almedina, 1998, pág. 364, em passagem que serve para corroborar muito do que já foi dito acima: “Em casos deste tipo [perda do interesse do credor em virtude da mora], não há necessidade da interpelação admonitória, para obter a resolução do contrato-promessa, embora possivelmente sem as sanções específicas do não cumprimento faltoso. Mas também não haverá necessariamente a resolução imediata do contrato, como se houvesse a verificação de uma condição resolutiva deste; haverá apenas uma possibilidade de resolução (uma espécie de cláusula resolutiva), fundada na equiparação que a lei estabelece entre a perda do interesse do credor em virtude da mora, e o não cumprimento definitivo da obrigação (a falta de cumprimento do devedor.”)
Ou seja, a ré tinha o direito de resolver por ter convertido a mora dos autores em incumprimento definitivo (com a convocação para a escritura de 29/12/2009 na forma de uma interpelação admonitória de incumprimento definitivo e não de resolução do contrato e a subsequente falta de comparecimento dos autores à mesma), mas não fez uso desse direito e por isso o contrato continuou em vigor.
Em suma: a reconvenção não podia ter sido julgada procedente porque não se prova que a ré tenha resolvido o contrato. E, não o tendo resolvido, a ré não podia fazer suas as quantias entregues, porque esta sanção, prevista no art. 442/2 do CC, pressupõe a resolução do contrato (apenas por exemplo, veja-se o ac. do STJ de 09/09/2008, 08A1922: “seguindo a posição adoptada pela jurisprudência largamente maioritária, se não, actualmente, mesmo uniforme, deste STJ, também se entende que só a falta definitiva e culposa de cumprimento, que não a simples mora, legitima a resolução do contrato-promessa que, por sua vez, a sanção cominada no n.º 2 do art. 442 CC pressupõe (cfr., por todos, o ac. de 09/02/2006, 05B4093).
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A impossibilidade definitiva imputável à ré… mas não só
Com a venda das fracções a terceiro, a ré tornou impossível o cumprimento da sua obrigação (Galvão Telles, obra citada, págs. 145/146, Antunes Varela, Das obrigações…, pág. 381).
Essa impossibilidade, imputável à ré, dá aos autores o direito de resolver o contrato (art. 801/2 do CC).
Direito este que os autores exerceram através da propositura desta acção. Note-se que, diferentemente do que se passa com a reconvenção da ré, os autores não dizem que resolveram antes o contrato, o que dizem é que a actuação da ré tornou impossível o cumprimento da obrigação e por isso querem que o tribunal declare resolvido o contrato, o que, assim, tem o sentido de pedirem que o tribunal decrete essa resolução (veja-se Pedro Romano Martinez, obra e local citados: “se uma parte resolve o contrato, a contraparte pode impugnar judicialmente a resolução, e se a decisão judicial confirma a validade da declaração, o contrato cessou no momento em que esta chegou ao poder do destinatário e não mediante a intervenção judicial. Diferentemente, se aquela a quem assiste o direito, duvidando da sua existência, em vez de emitir a declaração negocial, intenta uma acção judicial em que pede a apreciação do direito, o contrato cessa com a decisão judicial.”)
O facto de os autores já estarem numa situação de incumprimento definitivo não impede que eles peçam a resolução do contrato por impossibilidade definitiva imputável à ré. O art. 801/2 do CC não lhes retira o direito nem o põe na dependência de não terem tido culpa na situação. Basta-se com a impossibilidade definitiva imputável à outra parte. Isto desde que não se possa dizer que foi o seu incumprimento o principal contributo para a impossibilidade actual de cumprimento.
Ora, no caso, a culpa é, quando muito, igual: se bem que a situação de mora dos autores convertida em incumprimento definitivo seja o início de toda a situação posterior, a verdade é que é evidente o interesse que eles ainda tinham na celebração do contrato prometido, por já terem dado 130.000€ para o efeito e, naturalmente, como qualquer outra pessoa, não os quererem perder; ora, não tendo a ré resolvido o contrato depois daquela conversão e tendo continuado com contactos com os autores e à espera que estes pagassem a parte do preço em falta (factos 34), a posterior iniciativa de vender as fracções apesar disto, revela, pelo menos, um comportamento da mesma gravidade e censurabilidade do que o dos autores. Assim, não deve ser afastada a resolução do contrato a pedido dos autores.
A resolução do contrato, implica a obrigação de restituição em singelo das quantias entregues a título de sinal (arts. 433 e 289/1, ambos o CC) e já não a obrigação da restituição com indemnização, pois que o art. 442/2 do CC pressupõe uma resolução com base numa situação de incumprimento definitivo (no caso na forma de impossibilidade) que fosse apenas imputável à ré e não uma situação de incumprimento que seja imputável a ambas as partes.
Os autores só teriam direito a indemnização – que estes, agora, já reconhecem que não têm – se a contribuição para o incumprimento fosse, da sua parte, menor do que a da ré. Sendo igual, a indemnização fica excluída, por compensação (art. 570/1 do CC).
Neste sentido, veja-se Calvão da Silva, Sinal e contrato-promessa, 11ª edição, Almedina, 2006, págs. 141 a 143, e Antunes Varela, Das obrigações…, págs. 350, nota 1, com referência às posições de Calvão da Silva e de Vaz Serra, e pág. 381, nota 2, 2º§, com “adesão”, nesta parte, ao ac. do STJ de 06/10/1970, BMJ 200/227, agora também na base de dados da DGSI, à qual também pertencem todos os outros citados de seguida, sob o 063209 e os acórdãos do STJ de 02/12/2008, 08A2653: VIII - A concorrência de culpas no incumprimento não impede, só por si, o direito à resolução do contrato bilateral. Existindo direito à resolução (que apenas será de excluir em relação ao exclusivo ou principal culpado pelo incumprimento), existe obviamente direito a pedir a restituição do sinal, que decorre da destruição do contrato e importa a restituição de tudo que as partes tenham recebido uma da outra (arts. 433 e 434 do CC). Igualmente nada obsta a que se peticione a indemnização, que, no contrato-promessa bilateral, havendo sinal passado, corresponde, à perda desse sinal, se o incumprimento é imputável à parte que o prestou, ou à restituição do dobro, se imputável à que o recebeu. Saber se à restituição do sinal em singelo deve acrescer tal indemnização resultará da ponderação que se fizer das culpas em concorrência, segundo as regras gerais e do art. 570 do CC […]; do STJ de 13/01/2009, 08A3649: I - À parte que, no confronto da concorrência de culpas, for a menos culpada assiste o direito à resolução do contrato (que apenas será de excluir em relação ao único ou principal culpado pelo incumprimento). II - No caso de contrato-promessa com sinal passado, a questão de saber se à restituição do sinal em singelo deve acrescer a indemnização pedida […] resultará da ponderação que se fizer das culpas em concorrência, segundo as regras gerais e do art. 570 do CC. […] IX - Conclui-se, assim, que para o dano resultante do incumprimento concorreram adequadamente, quer a conduta culposa dos autores como a do ré, igualmente culposa, não se vendo razão para distinguir quantitativa ou qualitativamente as culpas imputáveis a ambas as partes, que por isso, devem ser consideradas de igual grau. Logo, não há lugar à indemnização, o que equivale a dizer-se que não têm os autores direito à devolução do dobro do sinal mas apenas à sua restituição em singelo; do STJ de 25/11/2010, 3018/06.6TVLSB.L1; do STJ de 15/03/2012, 9818/09.8TBVNG.P1.S1; e do TRL de 16/09/2014, 5285/06. TVLSB.L1-7). A posição actual de Brandão Proença parece ir neste sentido (Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 310 a 318, especialmente pág. 313, que cita os três primeiros acórdãos do STJ referidos acima, bem como todos os que serão referidos abaixo até 2009).
Como solução alternativa a esta – que se considera ser a correcta – existe uma outra, seguida anteriormente por Brandão Proença, que considera que a impossibilidade decorrente da concorrência de culpas conduziria à extinção automática do contrato sem passar pela resolução; “nenhum dos contraentes estaria interessado na manutenção do contrato”, “o contrato cessaria por um duplo comportamento volitivo concludente”; a ineficácia determinaria a reposição do prestado, o que significava aplicar, por analogia, as regras restitutivas próprias da resolução.” (obra e local citados). De algum modo no mesmo sentido, Galvão Telles, Drº das Obrigações, 7ª edição, pág. 129, falando em caducidade.
A jurisprudência do STJ segue, no essencial, esta posição para este tipo de situações (de incumprimento bilateralmente imputável), considerando o contrato resolvido ou extinto com base numa espécie de acordo tácito de vontades de ambas as partes – revelado no caso pela vontade clara assumida pelas partes nos seus articulados de considerarem extinto o contrato -, com a consequente aplicação das regras da resolução e invalidade, ou seja, também com a obrigação de restituir as prestações efectuadas em singelo, sem indemnizações (o que também é defendido por Menezes Leitão, Dtº das Obrigações, vol. I, 2010, 9ª edição, Almedina, pág. 240), mas sempre partindo da exigência de que o incumprimento bilateral seja de igual gravidade (e em todos os casos referidos abaixo assim foi considerado), o que não seria impeditivo da sua aplicação ao caso dos autos por se ter defendido já acima que a actuação de ambas as partes foi de igual gravidade.
Assim:
O ac. do STJ de 01/04/2008, 07A4775: 5) Face a um não cumprimento bilateralmente imputável do contrato-promessa, e sendo iguais as culpas de ambas as partes e as consequências delas resultantes, deve excluir-se a indemnização correspondente ao sinal em dobro, tendo em conta o disposto no art. 570/1 do CC; 6) Haverá tão somente lugar à restituição do sinal em singelo, que nesse caso não assume natureza indemnizatória e é antes uma mera consequência da extinção do contrato com o fim de colocar as partes na situação em que estariam se ele não tivesse sido concluído.
O ac. do STJ de 09/09/2008, 08A1922: Estando resolvido um contrato-promessa por ambas as partes sem que dispusessem de fundamento legalmente atendível, estamos perante um incumprimento imputável a ambos os promitentes, situação que o art. 442/2 do CC não prevê ou contempla, pois pressupõe que uma parte esteja em falta e a outra não. Não pretendendo nenhum dos promitentes a subsistência do contrato, que ambos resolveram, sendo a ambos imputável a falta de cumprimento, haverá que ter em conta a gravidade de cada um dos incumprimentos, averiguando em que medida o desinteresse recíproco contribuiu para a inviabilização do contrato prometido, na via de graduação de culpas e consequente fixação da indemnização, perante a incontornável destruição do vínculo contratual, sem deixar de ter como referência o valor do sinal, atendendo à sua natureza funcionalmente indemnizatória. Aplicável, nesse caso, a regra acolhida pelo art. 570 do CC, com vista à valoração da indemnização com base na gravidade das culpas, a justificar a sua concessão, redução ou exclusão, ou seja, que o sinal, ou o seu dobro, possam ser inteiramente restituídos, reduzidos ou excluída a restituição, consoante a dita gravidade e suas consequências (art. 442/1).
O ac. do STJ de 16/06/2009, 849/2001.S1: 8. Se o incumprimento do contrato-promessa é imputável a ambos os promitentes – por cada um o resolver sem fundamento legal – há que apurar e graduar as culpas para concluir se o sinal deve ser restituído, reduzido ou mantido, consoante a gravidade e consequências, sendo que se, sensivelmente iguais, irão equivaler-se o que implica a restituição do sinal ao promitente comprador.
O ac. do STJ de 25/06/2009, 1219/2002: 6. Se ambos os promitentes resolveram ilegalmente o contrato e nenhum pretende a sua subsistência, o mesmo extingue-se, devendo a indemnização ser reportada ao sinal e quantificada no cotejo das culpas atento o disposto no art. 570 do CC.
O ac. do STJ de 11/09/2012, 3026/05.4TBSTS.P1.S1: 6. Sendo de imputar, em igual medida de censura e responsabilidade, a não celebração dos contratos prometidos a ambas as partes, devem elas ser restituídas ao statuo quo ante, não funcionando as regras do incumprimento ligadas ao mecanismo do sinal que tenha sido passado – art. 442/2 do CC.
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Assim, por uma ou outra via, o resultado, no caso dos autos, seria igual, tendo os autores direito à restituição das quantias entregues a título de sinal, que é aquilo que, agora, os autores apenas pretendem.
Aquilo que foi entregue a título de sinal foi, presume-se, os 130.000€ [soma dos factos e), f) e 1 e art. 441 do CC].
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por esta outra decisão que julga a acção parcialmente procedente, decretando-se a resolução do contrato-promessa celebrado entre as partes e condenando-se a ré a restituir aos autores os 130.000€ que estes lhe entregaram, com juros de mora vincendos à taxa legal (de 4% - art. 559/1 do CC e Portaria 291/2003 de 08/04) a partir deste acórdão, e a reconvenção totalmente improcedente.
Custas da acção pelos autores e pela ré em partes iguais.
Custas da reconvenção pela ré.
Custas do recurso pela ré.
Desentranhe o documento de fls. 314 e devolva-o aos autores.

Porto, 23/06/2015.
Pedro Martins
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida (com a declaração de voto que segue)
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Vencido.
Com todo o devido respeito pela posição sufragada no Acórdão e reconhecendo o acerto e brilho com que se enuncia o regime jurídico do contrato-promessa e do respectivo incumprimento, não concordamos com a leitura que nele se faz da matéria de facto provada, a qual, interpretada como nós o fazemos, conduziria a uma decisão diferente da que fez vencimento.
Entendemos desde logo que o facto n.º 34 enferma de obscuridade, tornando necessário esclarecer o que se pretendeu exactamente julgar provado com este facto. Em concreto, será necessário esclarecer o que foi falado, negociado e/ou mesmo acordado pelas partes após a notificação judicial avulsa de 10/12/2009 e, designadamente, se as partes acordaram mesmo “retomar o acordo”, o que significa “retomar o acordo”, se a entrega imediata de €110.000 de dinheiro era “condição” da retoma ou mero cumprimento do acordo “firme” de retoma, ou se o facto se refere apenas às condições definidas pela ré para se retomar o acordo (uma vez cumpridas?) e não ainda a um acordo das partes com esse objectivo.
Como quer que seja, afigura-se-nos que deste facto se pode extrair que os autores tiveram conhecimento pelo contacto com a ré que esta considerava o contrato extinto, admitindo apenas a sua retoma (repristinação?) mediante o cumprimento de determinada prestação que os autores não cumpriram, na medida em que apenas se retoma o que se deixou para trás, se recupera o que estava extinto.
Essa conclusão, apoiada no teor da mencionada notificação judicial avulsa, na qual a promitente-vendedora se afirma no direito de “fazer suas as quantias que recebeu” e intima os promitentes-compradores a comparecerem à escritura sob pena de se “considerar o contrato definitivamente não cumprido com a consequente perda por parte dos requeridos de todas as quantias já pagas”, parece consentir que se veja nos factos a manifestação de que, com fundamento no incumprimento definitivo dos promitentes-adquirentes, a promitente-vendedora efectivamente revogou o contrato, pelo menos de forma tácita ou implícita. E, nesse sentido, concluiríamos que os autores teriam de suportar as consequências jurídicas do seu exclusivo incumprimento, não podendo a posterior alienação pela ré da coisa prometida vender traduzir incumprimento, por parte desta, de um contrato que já se encontrava extinto.
Ao invés, se se vier a esclarecer que as partes acordaram de facto a retoma do contrato, e que o pagamento imediato de €110.000 era uma nova prestação incluída nesse acordo mas sem a natureza de “condição” (suspensiva ou resolutiva) do mesmo, então poderíamos concluir que o incumprimento dos promitentes-compradores foi anulado mediante novo mútuo consenso das partes e que perante o não cumprimento da nova prestação, a promitente-vendedora não podia, sem mais, considerar extinto o contrato-promessa sem converter a mora dos promitentes-compradores em incumprimento definitivo, pelo que ao alienar a terceiro a coisa prometida incorreu ela mesma em incumprimento definitivo, devendo então responder sozinha pelas consequências desse incumprimento.

Aristides Rodrigues de Almeida