Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2348/17.6T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
FÉRIAS
CÁLCULO
DIA DE DESCANSO SEMANAL
Nº do Documento: RP201803052348/17.6T8OAZ.P1
Data do Acordão: 03/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º271, FLS.52-59)
Área Temática: .
Sumário: I - Da conjugação dos nºs 1 e 3 do art. 238º do CT no cálculo a efectuar para efeitos de apuramento do período anual de férias, os dias úteis a considerar são os cinco dias da semana, de segunda a sexta-feira (excluindo os feriados, que nesses dias possam existir), como decorre do nº 2, do mesmo artigo, independentemente, dos dias de descanso semanal do trabalhador, com direito a férias, coincidirem ou não com algum daqueles dias.
II - A referência feita naquele nº 3 a “dias de descanso do trabalhador”, outra coisa não pode significar, ou querer dizer, que não seja, no caso de trabalhadores cujo dia de descanso semanal, independentemente, de ser um ou mais dias, coincida com aqueles dias úteis, que o nº 2 define, para efeitos de cálculo de férias, são considerados em sua substituição os sábados e os domingos que não sejam feriados.
III - Atento o que a lei dispõe sobre o direito a férias dos trabalhadores, em concreto, quanto à sua duração, (mínima de 22 dias úteis por ano) não é possível estabelecer qualquer relação, com o regime do descanso semanal a que o trabalhador tem direito, nem que aquele, período anual de férias, esteja dependente ou condicionado, pelos dias de descanso semanal que cada trabalhador tem direito, seja ele o legal ou o que decorra dos instrumentos de regulamentação colectiva ou do próprio contrato, nos termos que dispõe o art. 232º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 2348/17.6T8OAZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis
Recorrente: Santa Casa da Misericórdia de B…
Recorridas: C… e outras
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
As AA., C…; D…; E…; F…; G…; H…; I…; J…, K…; L…; M…; N…; O…; P…; Q…; S…; T…; U…; V…;W…; X…; Y… e Z…, propuseram acção declarativa comum emergente de contrato de trabalho contra a Ré, Santa Casa da Misericórdia de B…, pedindo a procedência daquela e, em consequência, seja declarado que as mesmas têm direito a 22 dias úteis de férias por ano e, em consequência, seja a ré condenada a repor às AA. os 4 dias úteis de férias que lhes retirou nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.
Para tanto alegaram, em síntese, que são trabalhadoras da ré e tem um dia de descanso semanal, fixo ou rotativo, algumas delas sempre ao sábado ou domingo e outras em dia de fim-de-semana ou da semana, mas apenas têm gozado, desde 2013, 18 dias úteis de férias pois a ré conta os dias de férias seguidos, descontando um dia por semana, atribuindo-lhes férias que contam com o sábado e/ou o domingo.

Realizada a audiência de partes, sem que se obtivesse o acordo das mesmas, foi a ré notificada para contestar, o que fez nos termos que constam a fls. 99 e ss..
Confirma o alegado pelas AA., quanto às regras que observa na contagem dos dias de férias, dizendo que: “No caso dos trabalhadores com apenas 1 dia de descanso por semana, como é o caso de todas as AA., a R. apenas considerou para efeitos de férias, em substituição daquele, 1 dia de descanso por semana”.
Alega que, se fizesse o que as AA. pretendem, elas ficavam beneficiadas em relação aos trabalhadores, como se tivessem 2 dias de descanso por semana, como os outros têm e teriam mais 4 dias de férias por ano do que esses colegas.
Defende não existir qualquer violação da lei e que a questão já foi julgada em sede contra-ordenacional e a Ré absolvida.
Conclui que deve a acção improceder.

As AA. responderam, nos termos que constam a fls. 106 a 108, referem, em síntese, que a questão ainda não está julgada, a decisão judicial invocada foi proferida no âmbito contra-ordenacional, não sendo possível verificar quais os factos em causa em matéria de férias e a ligação entre as férias e o número de dias de folga.
Concluem como na p.i., pugnando pela improcedência total da contestação apresentada.
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Os autos prosseguiram para julgamento e realizado este, foi proferida sentença que terminou com a seguinte decisão:
Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro que as autoras têm direito a 22 dias úteis de férias por ano, com contabilização como dias úteis dos dias da semana de segunda-feira a sexta-feira e, em consequência, condeno a ré na reposição de 4 dias de férias relativos a cada um dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.
Mais condeno a ré no pagamento das custas.”.

Inconformada com a sentença veio a Ré interpor recurso, nos termos que constam das alegações juntas a fls. 115 e ss., que terminou com a seguinte Conclusão:
Única: Tendo as trabalhadoras apenas um dia de descanso por semana (artº 6º da p.i., assente), ao contrário de outros trabalhadores com a mesma carga horária, na contagem dos dias de férias atende-se aos dias de trabalho e não se faz de conta que também têm dois dias de descanso como os outros trabalhadores, sob pena de serem injusta e injustificadamente beneficiadas pela simples aplicação do regime das férias, pelo que a sentença recorrida violou o regime das férias do artº 238º do CT, adotando uma interpretação inconstitucional daquele dispositivo, porque violadora do princípio da igualdade (artº 13º do CRP) e do princípio da proporcionalidade (artº 18º, nº 2, da CRP), salvo o devido respeito.
TERMOS EM QUE,
• DEVE O RECURSO MERECER PROVIMENTO E A AÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE.

As AA. responderam, nos termos das alegações juntas a fls. 119 e ss., terminando com as seguintes Conclusões:
A) - As Recorridas têm direito a usufruir de um período de férias correspondente a 22 (vinte e dois) dias úteis de férias, face ao que dispõe o n.º 1, do artigo 238.º, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02;
B) - O facto de a Recorrente, desde o ano de 2013, inclusive, ter imposto às Recorridas o gozo de 18 (dezoito) dias úteis de férias, viola o direito que às mesmas é conferido no supra citado normativo legal. De facto;
C) - Ao reduzir o número de dias úteis de férias das Recorridas, de vinte e dois para dezoito, a Recorrida atenta, não só, contra a regra geral ínsita no n.º 1, como também infringe, direta e objectivamente, o n.º 2 do citado normativo, quando dispõe que são úteis os dias de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados. Ora;
D) - Decidindo incluir na contagem do período de férias das Recorridas o dia da sua folga (contando 6 dias por semana, ao invés de 5 dias), a Recorrente faz uma interpretação errada do n.º 3, do artigo 238.º, do Código do Trabalho;
E) - De facto, o disposto no citado n.º 3, do artigo 238.º do Código do Trabalho em vigor não permite, não justifica, nem sustenta a tese da Recorrente, considerando que o caso concreto das Recorridas não se subsume naquele regime, excepcional portanto às regras dos n.º 1 e 2 do mesmo normativo;
F) - É que as Recorridas só folgam um dia por semana, sendo que as que trabalham na Lavandaria folgam sempre ao Domingo, as que trabalham na Cozinha, folgam ao Sábado ou ao Domingo, rotativamente, e as que trabalham nos pisos, têm uma folga, ora à semana (segunda-feira ou sexta-feira), ora ao fim de semana (Sábado ou Domingo), rotativamente, situações que, per se, afastam automaticamente a aplicação do regime previsto no n.º 3, do artigo 238.º do Código do Trabalho em vigor;
G) - Razão pela qual tem de se considerar como blague a tese da Recorrente, que defende que as Recorridas seriam “injusta e injustificadamente beneficiadas” se lhes fosse aplicado o regime geral de férias previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 238.º, do Código do Trabalho, correspondente a 22 (vinte e dois) dias úteis de férias, só porque – pasme-se – têm um dia de folga por semana!
H) - É que, para a Recorrente, a ideia é a seguinte: Quem tem duas folgas por semana, tem direito a 22 dias úteis de férias por ano e quem tem apenas um dia de folga por semana, in caso as Recorridas, deve apenas gozar 18 dias úteis de férias por ano e isto é absolutamente, paradoxal!
I) - Acontece que, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, a sua tese não tem sustentabilidade legal, designadamente no que dispõe o n.º 3, do artigo 238.º, do Código do Trabalho em vigor;
J) - Mais, veja-se que a lei laboral – vd. n.º 2, do artigo 237.º do Código do Trabalho – até refere expressamente que o direito a férias “(…) não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço.”;
L) - Quanto mais podia o período de 22 dias úteis de férias anual estar condicionado ao número de folgas dos trabalhadores, como pretende a Recorrente. Desse modo;
M) - Bem andou, pois, o Douto Tribunal a quo que, interpretando e aplicando exemplarmente os factos à legislação invocada e relativa à matéria em apreço, decidiu pela procedência da acção, declarando que as Recorridas têm direito a 22 dias úteis de férias por ano, calculadas de acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 238.º, do Código do Trabalho em vigor, ou seja, de segunda-feira a sexta-feira, bem como a serem-lhes repostos os quatro dias úteis de férias que lhes foram sonegados nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, razão pela qual deve a Douta Sentença do Tribunal a quo ser mantida e confirmada, em nome do direito que assiste às Recorridas nos supra citados termos legais.
Termos em que, tendo a Douta Sentença feito, antes de mais, JUSTIÇA, nenhuma censura merece, desde logo, que justifique a sua revogação, devendo antes ser a mesma confirmada nos seus precisos termos, tudo com as legais consequências, assim se fazendo Douta e Sã Justiça!

O recurso foi devidamente admitido e ordenada a subida dos autos a esta Relação.

A Exa. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, no essencial, com o argumento de o período anual de férias definido no CT ser de 22 dias úteis, de segunda a sexta-feira e excluindo os feriados, pelo que, mesmo que as trabalhadoras tenham apenas uma folga por semana, não podem ver reduzido o período mínimo de férias de 22 dias úteis, já que está definido legalmente.
A este responderam, ambas as partes, as AA. concordando em absoluto com o mesmo e a R. discorda, defendendo que ao contrário do que diz o parecer, as trabalhadoras não vêem o período de férias de 22 dias úteis reduzido. Pelo contrário, na tese da sentença, esse período de férias é aumentado, pelo aumento de 1 dia de descanso, em cada semana de férias o que, evidentemente, a lei não quis.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente (art,s 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do CPC), não sendo lícito ao tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a questão, única, a decidir consiste em saber se a sentença recorrida violou o regime de férias do art. 238º do CT, como considera a recorrente.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) De FACTO
(Transcrevem-se, nos termos em que foram declarados provados na sentença recorrida, acrescidos de numeração da nossa iniciativa):
“1 - No exercício da sua actividade a Ré celebrou contratos de trabalho e mantém actualmente vínculo laboral com todas as Autoras.
2 - No âmbito dos contratos de trabalho existentes e sob a direcção, autoridade e fiscalização da Ré, as Autoras exercem para a mesma as funções das suas respectivas categorias profissionais, que cada uma detém.
3 - As Autoras recebem da Ré as respectivas retribuições mensais a que têm direito em contrapartida do trabalho que lhe prestam.
4 - A Ré, a partir do ano de 2013, inclusive, passou a contabilizar também os dias de fim-de-semana – Sábados e Domingos – para efeitos de férias das aqui Autoras.
5 - As Autoras, enquanto trabalhadoras da Ré, têm apenas uma folga por semana.
6 - A 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Autoras trabalham no sector da Lavandaria da Ré e, já desde antes de 2013, têm a sua folga semanal sempre ao Domingo.
7 - A 6ª Autora (H…) trabalha há cerca de um ano na Lavandaria da Ré e, por esse facto, também tem sempre, desde então, a sua folga ao Domingo.
8 - Até ser colocada na Lavandaria, a 6ª Autora trabalhava nos Pisos, junto dos idosos acolhidos na Ré, folgando uma vez por semana, ora à segunda-feira e/ou à sexta-feira, ora ao sábado e/ou ao domingo, rotativamente.
9 - A 7ª, 8ª e 9ª Autoras trabalham na Cozinha da Ré e folgam também uma vez por semana, ora ao Sábado, ora ao Domingo, rotativamente.
10 - A 10ª Autora (que trabalha no serviço domiciliário da Ré) e a 11ª até à 23ª Autoras, inclusive, (que trabalham nos Pisos, junto dos idosos), também têm apenas uma folga por semana, ora em dias de semana (2ª feira e/ou 6ª feira), ora ao Sábado e/ou ao Domingo, rotativamente.
11 - Na fixação dos períodos de férias das Autoras, a Ré conta os dias de férias seguidos, descontando um dia por semana, alegadamente relacionado com o dia de folga semanal, atribuindo-lhes assim as férias em períodos de tempo (dias) que incluem Sábados e/ou Domingos.
12 - No caso, por exemplo, das Autoras que trabalham na Lavandaria (da 1ª à 6ª Autoras), a Ré conta o período de férias destas de forma seguida (corrida), entre dias úteis e Sábados (inclusive), descontando o Domingo (o seu dia de folga semanal) e retomando a contagem do período de férias nos dias que se seguem, até perfazer o total de férias a gozar.
13 - Voltando a Ré, a contabilizar da mesma forma o período de férias das referidas Autoras (trabalhadoras na Lavandaria), no segundo período de férias que tenham para gozar, perfazendo vinte e dois dias, mas que não são apenas dias úteis, porque incluem os Sábados.
14 - E o mesmo acontece com as restantes, quer as Autoras que trabalham na Cozinha (da 7ª à 9ª), quer com a Autora que trabalha no serviço Domiciliário (a 10ª) e quer com as Autoras que trabalham nos Pisos (da 11ª à 23ª), que também só têm uma folga por semana e às quais a Ré, adoptando o mesmo critério, contabiliza as férias destas, contando-as de forma seguida (corrida), incluindo os Sábados e/ou os Domingos, apenas se limitando a não contar (desconta) o seu dia de folga.
15 - As Autoras são associadas do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social, o qual abrange, estatutariamente, o âmbito profissional dos trabalhadores das Misericórdias.
16 - Por sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo de recurso contra-ordenacional com o n.º 4571/15.9T8OAZ, deste tribunal, a ré foi absolvida da prática de uma contra-ordenação por violação do artigo 232.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do Código do Trabalho.”.
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B) O DIREITO
A discórdia, na acção e que permanece no recurso, tem a sua génese no facto da Ré vir a observar regras diferentes, quanto à contagem dos dias de férias das AA., por estas terem apenas um dia de descanso semanal, das que observa para os trabalhadores que têm dois dias de descanso semanal, descontando a estas um dia por semana, defendendo estar a cumprir a lei (nos termos dos nºs 1 a 3 do art. 238º do CT (de 2009, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem)), não concordando as AA. que assim seja.
E, na decisão recorrida foi-lhes dada razão, considerando-se que no cômputo dos 22 dias úteis, a que alude o art. 238º, os dias úteis da semana a atender são de segunda a sexta-feira, independentemente das AA. só terem um dia de descanso semanal e, por isso, concluiu que a Ré não está a contabilizar correctamente os dias de férias das AA., desde 2013 e condenou-a a repor os 4 dias de férias relativos a cada um dos anos em falta.
Repetindo os argumentos já deduzidos na contestação, entende a recorrente que a posição da sentença faz uma interpretação inconstitucional do regime estabelecido no art. 238º do CT, no que toca à contagem dos dias de férias no caso de trabalhadores com apenas um dia de descanso semanal, beneficiando as AA. injusta e injustificadamente em relação aos demais trabalhadores, que têm 2 dias de descanso por semana, defendendo que na contagem dos dias de férias atende-se aos dias de trabalho.
Opinião diversa têm as recorridas pugnando pela manutenção da decisão recorrida, defendendo ser infundada a tese da recorrente, uma vez que o período de 22 dias úteis de férias por ano não está condicionado ao número de dias de folgas dos trabalhadores.
E, adiantando desde já, a nossa opinião é que lhes assiste razão.
Não se nos suscitam dúvidas, que a decisão recorrida não fez qualquer interpretação inconstitucional do regime legal de férias e consideramos, sempre com o devido respeito, que os argumentos invocados pela Ré, para justificar as regras que vem observando no cálculo dos dias de férias anuais das AA., não só não têm suporte legal, como a violam.
O Tribunal “a quo” fundamentou a decisão em crise nos seguintes termos:
“A questão que se coloca é a de saber se desde 2013 a ré está a contabilizar correctamente o número de dias de férias das autora.
(…) é meramente jurídica e implica saber como se deve conjugar a contagem da duração das férias com o número de dias de folga dos trabalhadores. Nos termos do artigo 238.º, do Código do Trabalho, «O período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis» [n.º 1], sendo que «Para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados» [n.º 2] mas «Caso os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis, são considerados para efeitos do cálculo dos dias de férias, em substituição daqueles, os sábados e os domingos que não sejam feriados» [n.º 3]. É na interpretação desta norma que se tem que buscar a resposta à nossa questão.
Não há dúvidas que as autoras têm direito a 22 dias úteis mas as dúvidas já se colocam na forma como se devem contar estes dias úteis, ou seja, para efeitos deste cômputo, quais são os dias úteis a considerar?
A regra acaba por ser dada pelo n.º 2 que, para efeitos de férias, considera dias úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados», sendo que a regra do n.º 3 visa as situações excepcionais em que os dias de descanso não coincidem com dias de fim-de-semana, pois consideram-se, em substituição daqueles, os sábados e os domingos que não sejam feriados. Pela aplicação destas regras, tinha que se concluir que em relação a um conjunto de autoras, haveria desde logo uma incorrecta contagem dos dias de férias pois as autoras 1.ª a 5.ª, 7.ª a 9.ª e, agora, a 6.ª, só folgam ao fim-de-semana, pelo que não haveria motivo para considerar a regra do n.º 3, nunca podendo os sábados e domingos ser objecto de contabilização como dias úteis. No entanto, consideramos que a questão é um pouco mais complicada pois apela a outra questão que é a de saber como se contabilizam as férias quando o n.º de dias de folga semanais são diferentes de dois pois no caso todas as autoras têm apenas um dia de folga semanal mas o princípio deve ser o mesmo caso o trabalhador tenha mais de dois dias de folga semanal [imaginemos que um trabalhador apenas trabalha quatro dias por semana, em horário concentrado – artigo 209.º do Código do Trabalho].
A posição da ré é a de que só contam os dias úteis efectivos do trabalhador ao passo que as autoras consideram que se deve fazer a contagem como se tivessem dois dias de descanso semanal. Nem a doutrina nem a jurisprudência são ricas na apreciação desta questão.
Na realidade, sem se referir propriamente a esta situação, António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 17.ª Edição, 2014, página 381], parece dar um argumento favorável à tese da ré quando refere, na interpretação destas normas, que “a noção de dia útil deixou de estar ligada ao calendário comum, para se fixar sobre o horário de trabalho de cada trabalhador. Dia útil é dia de trabalho para ele”. No entanto, não podemos deixar de considerar que não se trata de uma apreciação concreta desta questão, sendo que esse tipo de tratamento encontramos apenas na obra invocada pela ré – artigo 9.º da Contestação – da autora de Milena Silva Rouxinol [O direito a férias do trabalhador, IDET – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Caderno n.º 8, Almedina, páginas 20 a 23].
Contudo, em nosso entendimento, esta autora não oferece qualquer sustentáculo doutrinal à tese da ré, antes pelo contrário, acaba por concluir precisamente no sentido da tese das autoras pois refere o seguinte: «[…] Propendemos a interpretar a norma como sendo o seu sentido, unicamente, o da substituição, para efeitos de (não) contagem, dos dias de sábado e domingo pelos reais dias de descanso do trabalhador, desde que em número de dois. Noutros termos: a norma só se aplica – esse o seu estrito âmbito de aplicação – se os dias de descanso do trabalhador em causa, não sendo o sábado e o domingo, forem dois, caso em que serão os outros cinco os tidos como úteis para efeitos de contagem. Assim, o trabalhador que, por exemplo, descanse apenas à quarta-feira continuaria, por não se aplicar o n.º 3, a ver as respectivas férias contadas nos termos do n.º 2, como se o sábado e o domingo fossem os seus dias de descanso, tal como, relativamente ao que não labore aos sábados, domingos, segundas e terças-feiras, os 22 dias úteis de férias se contariam excluindo o sábado e o domingo. Bem parco – mera questão de contabilidade… – parece, então, o efeito da introdução do novo comando do n.º 3, o que se tomaria como argumento no sentido de que não fosse apenas o indicado o alcance da norma em análise. Não conseguimos, porém, vislumbrar interpretação alternativa…».
Assim, parece-nos que o sentido da norma é o de considerar que, para efeitos de contagem dos dias de férias, tudo se passa como se o trabalhador tivesse sempre dois mas apenas dois dias de descanso semanais mesmo que não os tenha [ou por ter menos, ou por ter mais]. Acresce que não podemos esquecer que a regra do Código do Trabalho não é a da existência de dois dias de descanso semanal mas apenas de um dia de descanso semanal obrigatório, sendo que o descanso semanal complementar depende de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho – artigo 232.º, n.º 1 e n.º 3, do Código do Trabalho.
Então, se perante esta realidade normativa geral, o legislador consagra no n.º 2 do artigo 238.º, referido, a regra de que, para efeitos de férias, os dias úteis são cinco, é porque pretendeu que, em geral, independentemente da existência de um único dia de descanso semanal, que é a regra legal, as férias fossem contadas como se existissem dois dias de descanso semanal. É que a finalidade das férias é, em nosso entendimento, a de conceder ao trabalhador um ou mais períodos prolongados de descanso que permitam repor forças, salvaguardando a saúde e o bem-estar do trabalhador e, criando condições para aumentar a sua produtividade, sendo que se estabeleceu esse número de dias como o mínimo necessário para esse fim, independentemente do número de dias de descanso e até partindo do princípio que a regra legal é a da existência de um único dia de descanso semanal, sendo certo que não faz sentido considerar que quem tem dois dias de descanso semanal teria as férias contadas desta forma e quem está em pior situação, por só ter um dia de descanso semanal, então teria que descansar menos. Logo, consideramos que a ação deve proceder.”.
*
Discorda a recorrente desta decisão, no entanto, como já dissemos, sem razão.
É nosso entendimento, que nela, contrariamente, ao que afirma aquela não se violou o regime de férias previsto no art. 238º, nem a interpretação que dele fez o Mº Juiz “a quo” viola qualquer princípio constitucional.
Senão vejamos.
O direito a férias enquanto direito com consagração constitucional (art. 59º, nº 1, al. d) da CRP), encontra-se regulamentado nos art.s 237º e ss., do actual código do trabalho.
Como diz, (Menezes Cordeiro in “Manual de Direito do Trabalho”, Almedina, 1991, pá. 708) o direito a férias é hoje inerente à qualidade de trabalhador e adquire-se com o contrato de trabalho.
De acordo com o nº 1 do art. 237º o trabalhador, com a celebração (nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª Ed. Rev. e Actualizada ao Código do Trabalho de 2009”, 2010, pág. 565 e nota 578) do contrato de trabalho, tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro e, como diz (Bernardo da Gama Lobo Xavier in “Manual de Direito do Trabalho”, Verbo, pág. 632), “nos sucessivos anos (seguintes), ao da celebração do contrato.”.
Decorre da conjugação dos nºs 1 e 2 deste art. 237º que, em regra, o direito a férias reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior (mas sem estar condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço), vencendo-se no dia 1 de Janeiro do ano subsequente.
Cuja duração dispõe o art. 238º, sob a epígrafe: “Duração do período de férias”, o seguinte:
1 - O período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis.
2 – Para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados.
3 – Caso os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis, são considerados para efeitos do cálculo dos dias de férias, em substituição daqueles, os sábados e os domingos que não sejam feriados.
(…)”.
A excepção a essa regra é a que resulta dos nºs 1, 2 e 3 do art. 239º, segundo os quais, no ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato (nº 1), cujo gozo pode incidir ainda no ano civil da contratação ou no ano civil subsequente, conforme a data da respectiva contratação (nº 2). Todavia, nunca o trabalhador da aplicação destas regras, pode gozar, no mesmo ano civil, mais de 30 dias úteis de férias sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (nº 3).
Outra das excepções, à duração das férias tem a ver com o direito a férias no ano da cessação de impedimento prolongado do trabalhador, cfr. nº 6 daquele art. 239º.
No caso do contrato de trabalho ter duração inferior a seis meses (independentemente de estarmos perante um contrato de trabalho a termo ou por tempo indeterminado), o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração daquele, nº4, do mesmo art. 239º.
No que toca aos efeitos da cessação do contrato de trabalho, no direito a férias o art. 245º estabelece no seu nº 1, que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias e respectivo subsídio: a) correspondentes a férias vencidas e não gozadas; b) proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação.
Para evitar que, da conjugação das regras mencionadas, decorra um regime de maior favorecimento dos trabalhadores com contrato de trabalho de curta duração, no nº 3 do mesmo artigo estabelece-se, uma regra de proporcionalidade entre o direito a férias destes trabalhadores e a duração do contrato, no caso de contrato de duração inferior a 12 meses, (conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra citada, pág. 580).
Nestas situações, o cômputo total das férias ou da correspondente retribuição a que o trabalhador tenha direito não pode exceder o proporcional ao período anual de férias tendo em conta a duração do contrato.
O acabado de expor, visa mostrar que o legislador acautelou situações especiais, em que pode o trabalhador não ter direito a gozar, o período anual de férias, a que se refere o art. 237º, com a duração que o mesmo deve ter nos termos do art. 238º.
No entanto, verifica-se que não previu, o mesmo, qualquer alteração no período em causa, derivado de o trabalhador ter direito “a pelo menos” um dia de descanso por semana cfr. dispõe o art. 232º, ou do facto de gozar mais que um dia de descanso semanal, que lhe possa ser atribuído nos termos do nº 3 do mesmo artigo.
Aliás, salvaguardou nos termos que constam do nº 2 do art. 237º, que o período de férias a que o trabalhador tem direito, em cada ano civil, “não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço”.
Refere (Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 3ª ed., pág 545) que “o direito a férias não depende de efectividade no trabalho…; mesmo que o trabalhador tenha faltado justificadamente ou não tenha prestado actividade por a empresa não ter laborado, o direito a férias mantém-se por inteiro”.
Sendo desse modo, parece-nos impensável defender-se que o período de férias anual a que os trabalhadores têm direito, possa ser diferente consoante os dias de descanso semanal que cada um tem. Mais, ainda, tendo o trabalhador só um dia de descanso semanal, a regra, nos termos da lei, veja ele o seu período de férias, por essa razão, diminuído em relação a trabalhadores que tenham dois ou mais dias de descanso semanal.
É, assim, evidente que não podemos concordar com a forma como a recorrente vem procedendo à contabilização dos dias de férias das AA., atendendo aos dias de trabalho das mesmas. Pois, em nosso entender, a mesma não tem qualquer fundamento legal e, sem dúvida, prejudica as AA., desde logo em relação aos outros trabalhadores da Ré que têm dois dias de descanso semanal.
Porque, como bem se considerou na decisão recorrida, consideramos nós, que atento o que a lei dispõe sobre o direito a férias dos trabalhadores, em concreto, quanto à sua duração, (mínima de 22 dias úteis por ano) não é possível estabelecer qualquer relação, com o regime do descanso semanal a que o trabalhador tem direito, nem que aquele, período anual de férias, esteja dependente ou condicionado, pelos dias de descanso semanal que cada trabalhador tem direito, seja ele o legal ou o que decorra dos instrumentos de regulamentação colectiva ou do próprio contrato, nos termos que dispõe o art. 232º.
De resto, não podendo esquecer-se, desde logo, que na interpretação da lei o intérprete não pode considerar solução que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (art. 9º nº 2, do CC) parece-nos que, do que dispõe o nº 3 do art. 238º, outra interpretação não poderá fazer-se que não seja a que se efectuou na decisão recorrida. Ou seja, que para efeitos de férias, os dias úteis a considerar são os cinco dias da semana, de segunda a sexta-feira (excluindo os feriados, que nesses dias possam existir), aliás como decorre do nº 2, do mesmo artigo, através da definição de dias úteis que contém, independentemente, dos dias de descanso semanal do trabalhador, com direito a férias, coincidirem ou não com algum daqueles dias.
Cremos, outro sentido não poder retirar-se da norma, sendo certo que a referência feita no nº 3 a “dias de descanso do trabalhador”, outra coisa não pode significar, ou querer dizer, que não seja, no caso de trabalhadores cujo dia de descanso semanal, independentemente, de ser um ou mais dias, coincida com aqueles dias úteis, que o nº 2 define, para efeitos de cálculo de férias, são considerados em sua substituição os sábados e os domingos que não sejam feriados.
Concordamos, assim, com a decisão recorrida.
Ao concluir nos termos que constam da mesma, sem dúvida, pôs termo a uma actuação ilegal da Ré, no que respeita ao direito a férias das AA., devido à interpretação errada, que vem fazendo do art. 238º, em concreto dos seus nºs 1 e 3.
Por essa razão, vem entendendo e procedendo à diminuição do número de dias úteis de férias a que as mesmas têm direito, anualmente, violando, sem dúvida, a lei e prejudicando as AA., diminuindo-lhes, sem qualquer fundamento válido, a duração do período anual de férias a que cada uma tem direito.
O Tribunal “a quo” considerou ser incorrecto o cálculo das férias das AA., efectuado pela Ré, com o argumento de as mesmas, apenas, terem um dia de descanso semanal e esta decisão não nos merece censura. Pois, de outro modo, estariam as mesmas a ser prejudicadas no número de férias a que têm anualmente direito.
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Improcede, assim, de todo a apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam as Juízas desta secção em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela Ré/recorrente.
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Porto, 5 de Março de 2018
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares