Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20872/19.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA DE UM FACTO
PODER DISCIPLINAR
SANÇÃO CONSERVATÓRIA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
REPREENSÃO
Nº do Documento: RP2021062320872/19.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). A livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
II - O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
III - Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
IV - Concluindo-se que a convicção afirmada pelo Tribunal a quo resulta da ponderação conjugada dos meios de prova disponíveis - com a vantagem proporcionada pela imediação e oralidade, e mostra-se devidamente justificada na fundamentação, em termos claros, objectivos, suficientes, coerentes e sem que se encontre erro de raciocínio ou juízo que afronte as regras da experiência, não existe qualquer razão válida para a afastar por ter entendido dar crédito a uma parte da prova, em detrimento da outra.
V - A lei não exige um procedimento formal para a aplicação ao trabalhador de uma sanção conservatória, apenas exigindo a audiência prévia do trabalhador, prevista no art.º 329.º n.º6, do CT.
VI - Se é certo que a doutrina e jurisprudência têm também entendido que mesmo nos casos se aplicação de sanções conservatórias, deverá existir um procedimento disciplinar obedecendo à forma escrita para melhor garantia do direito de defesa do trabalhador, também não o é menos que tal não significa que se devam cumprir as exigências previstas para o procedimento disciplinar com vista ao despedimento do trabalhador com invocação de justa causa, nomeadamente, no que concerne à nota de culpa, à qualificação da infracção disciplinar e à necessidade de fundamentação.
VII - É também entendimento consensual que a necessidade de procedimento disciplinar não se coloca sequer, por não se justificar, quando está em causa a aplicação da sanção disciplinar de repreensão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 20872/19.4T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, B… instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho com processo declarativo comum, contra C…, SA, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 2, pedindo que se considere abusiva e ilícita a sanção disciplinar de repreensão que lhe foi aplicada, com as demais consequências legais, designadamente, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 331º do Código do Trabalho e, mesmo que assim não se entenda, que se considere inválido o procedimento disciplinar instaurado contra si, quer por nulidade da nota de culpa, quer pela nulidade por falta de decisão disciplinar, com as demais consequências jurídicas.
Para sustentar os pedidos, alega que é trabalhador da Ré, exercendo a categoria de operador de logística/armazém, desde 4 de agosto de 2009.
Em 25 de junho de 2019, a Ré notificou pessoalmente o Autor da instauração de procedimento disciplinar que formulou contra este, com a intenção de aplicar sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, data em que o Autor tomou conhecimento dos factos de que a empresa o acusava, tendo-lhe, a final, sido aplicada a sanção de repreensão, nos termos do art.º 328.º, al. a), do Código do Trabalho.
Sanção que é claramente abusiva e ilícita e isto porque, se reporta a situação como um comportamento reiterado, quando não concretizam esse comportamento continuado, sendo certo que, a única prova produzida no procedimento disciplinar foi a indicada pelo Autor, a inquirição das testemunhas D…, E… e F…, que referiram não ser verdade o que estava a ser imputado ao Autor e que, pelo contrário, a trabalhadora em causa, D.ª G…, é que provocava conflitos com todos/as os/as trabalhadores/as da empresa. A sanção aplicada é ilícita por falta de prova da ocorrência dos factos.
A sanção é abusiva, pois apenas foi aplicada por o mesmo se ter recusado a testemunhar contra a trabalhadora que supostamente o acusou, D.ª G…. A Ré já há muito que vinha a notar o comportamento dessa trabalhadora e queria cessar o contrato de trabalho com a mesma mas não conseguia. Pediu, então, ao Autor e a outros colegas para testemunharem no âmbito de um procedimento disciplinar que iriam instaurar contra a trabalhadora, mas todos os trabalhadores recusaram prestar depoimento exactamente com medo de represálias.
Após a recusa do Autor em testemunhar contra a colega, foi o mesmo alvo de um procedimento disciplinar contra si, o mesmo acontecendo ao colega D…, sendo certo que a Ré acabou por cessar o contrato de trabalho com a trabalhadora G…, segundo consta, por acordo.
Alega ainda o Autor que a nota de culpa não poderia limitar-se a indicar comportamentos obscuros, genéricos e abstractos do trabalhador, tão pouco imputar palavras e frases sem demonstrar as circunstâncias de modo, tempo, ainda que aproximado, e lugar exacto da ocorrência dos factos, sob pena de violar o direito constitucional de defesa do trabalhador arguido.
A nota de culpa não indica a data de instauração do procedimento disciplinar, data da ocorrência de todos os factos que lhe são imputados, lugar exacto da prática dos factos, testemunhas que tivessem presenciado os factos, nem sequer, menciona se foi produzida qualquer prova no âmbito do procedimento em causa. Não contextualiza as palavras, limitando-se a dizer que o Autor disse “canguru”, “uhhh”, “tira os ovos”, “a amarrava a um poste e regava com gasolina”.
Embora o Autor tivesse formulado resposta à nota de culpa refere nesta que não a compreendeu por falta da concreta descrição dos factos e respectivo contexto.
Alega ainda que o relatório final lhe foi entregue em mão, em 24 de Julho de 2019, relatório entregue juntamente com uma carta que presume se trate da decisão, documento que não vem assinado nem carimbado, pela Ré.
Apenas o relatório final vem assinado e carimbado pela Instrutora do procedimento disciplinar, não se podendo considerar como uma verdadeira decisão do procedimento disciplinar.
O Autor sempre se pautou pela urbanidade e respeito para com os seus colegas e superiores, bem sabendo disso a sua Entidade Patronal, aqui Ré.
Concluiu formulando os pedidos acima indicados.
Realizou-se audiência de partes, mas sem que tenha sido alcançada a resolução do litígio por acordo, pelo que foi ordenada a notificação do Réu para contestar.
Na sua contestação veio a Ré alegar que o procedimento disciplinar foi válido e a sanção lícita, uma vez que a aplicação ao Autor da sanção de repreensão nos termos do art.º 328.º, al. a), do Cód. do Trabalho, foi precedida de procedimento disciplinar, de onde se destaca que:
a)a 25 de Junho de2019 foram-lhe entregues pessoalmente a carta e nota de culpa, onde se descreveram circunstanciadamente os factos de que o mesmo vinha acusado e se apontava para a aplicação àquele da sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;
b)o Autor apresentou resposta à nota de culpa em 5 de Julho de 2019;
c)em16 de Julho de 2019 foram ouvidas testemunhas arroladas pelo Autor;
d)do procedimento constam vários elementos de prova;
e)em 22 de Julho de 2019 a Instrutora elaborou o relatório final;
f)em 23 de Julho de 2019 foi proferida pela Ré decisão de aplicação da sanção de repreensão ao Autor.
O exercício do poder disciplinar iniciou-se com as diligências destinadas à averiguação da infracção. A Ré teve conhecimento da conduta do trabalhador potencialmente constitutiva de infracção disciplinar em maio de 2019 na sequência de uma queixa feita pela Senhora D. G… (trabalhadora da Ré). Ao tomar conhecimento de factos violadores de deveres do trabalhador e passíveis de constituírem uma infracção disciplinar, a Ré decidiu instaurar o processo disciplinar ao Autor.
Mais alega que o procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória segue uma tramitação simplificada. Não tendo visado o processo disciplinar o despedimento nem sequer havia que elaborar nota de culpa nos termos em que foi feita, sendo apenas exigência legal, a de audiência prévia do trabalhador (art.º 329º, nº 6, do Código do Trabalho).
Mesmo não sendo necessário, a Ré optou por enviar a nota de culpa por escrito de forma a acautelar as exigências de garantia dos direitos de defesa e audiência do trabalhador, sendo irrelevante se a carta em que se comunicou a sanção aplicada estava ou não assinada, pois não há dúvidas quanto à decisão e de aplicação da sanção e sua autoria.
A empregadora deve informar o trabalhador através de declaração receptícia e não nos termos do art.º 357º do Código do Trabalho pois este procedimento segue uma tramitação simplificada, não tendo visado o despedimento.
Alega ainda que nunca teve nenhuma convicção formada de sancionar o Autor. Ao ter tido conhecimento de comportamentos do Autor que não eram adequados e que colidiam com os padrões de comportamento definidos na empresa e se mostravam inadequados à correta efectivação do contrato, era sua obrigação instaurar o procedimento em causa. Desde o início do ano 2019 até à data da nota de culpa (25-junho-2019) que, no tempo e local de trabalho, o Autor reiteradamente perturbou, incomodando e provocando a colega de trabalho Sra. D. G…, que exerce funções de “empregada de limpeza” na Ré, chamando-a de “canguru”, juntamente com outro colega, ao passar pela Sra. D. G… murmuram sistematicamente “uuuh” querendo insinuar “cu”. E no dia 6 de maio de 2019, no armazém das instalações da Ré, o Autor cantava “tira os ovos”, insinuando que a Sra. D. G… seria uma galinha. E, no dia 7 de maio de 2019, também no armazém, dizia aos colegas que “a amarrava a um poste e regava com gasolina”.
Todas estas provocações deixaram a Sra. D. G… imensamente perturbada, visando o Autor rebaixar e atingir a auto-estima da Sra. D. G…, causando perturbações no ambiente de trabalho da Ré, especialmente com a trabalhadora Sra. D. G… e desrespeitando de forma intolerável aquela Sra, violando assim o dever de respeitar com urbanidade e probidade os companheiros de trabalho.
A escolha da sanção aplicada ao Autor foi feita cuidadosamente, respeitando todos os princípios legais em vigor, em específico o princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 330º do Código do Trabalho e equacionando também que o arguido trabalha há muito tempo com a Ré sem que tenha sido registada qualquer sanção disciplinar.
Concluiu pugnando pela improcedência da acção o objecto do litígio os factos assentes e os temas de prova.
Foi fixado o valor da acção em 30 000,01€.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do legal formalismo como resulta da respectiva ata.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença fixando os factos e aplicando o direito, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, mantenho, a sanção de repreensão aplicada pela Ré ao Autor.
Custas pelo Autor.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformado com esta sentença, o Autor interpôs recurso de apelação, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
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Termos em que, deve dar-se provimento ao presente recurso com as demais consequências legais, revogando-se a sentença recorrida, se necessário for, alterando-se a decisão quanto às questões de direito e de facto dadas como provadas e não provadas, reapreciando a Veneranda Relação do Porto a prova produzida nos autos, nos termos ora expostos, e, em consequência, deve ser anulada a sanção disciplinar aplicada, condenando-se a Recorrida nos termos do disposto no art.º 331.º, n.º 3, do CT, considerando-se a sanção abusiva e ilícita, conforme alegado.
I.4 A Recorrida empregadora contra-alegou, mostrando-se as contra-alegações encerradas com conclusões, conforme seguem: ………………………………
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I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso na parte em que impugna a decisão sobre a matéria de facto, por inobservância do “triplo ónus de impugnação quanto à matéria de facto e o que é causa de rejeição do recurso nesta parte”. Mais refere, que quanto à decisão de direito desconhece-se qual o vício de que padece a sentença, à qual nenhum reparo ou censura há que ser feito (..), devendo ser integralmente confirmada, ante o rigor e a justeza argumentativa nela expressa, quanto à manutenção da sanção disciplinar que ao recorrente foi cominada”.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.7Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente, consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, pretendendo que sejam reapreciado os pontos 10 a 17 da matéria provada, e pontos a) a d), da não provada (Conclusões I a XXI;
ii) Na aplicação do direito aos factos, por ter mantido a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, quando deve ser considerada como abusiva e ilícita, nos termos do disposto no art.º 331.º, n.º 3; por não ter considerado o procedimento disciplinar inválido por violação do disposto nos arts. 357.º, nrs. 1, 4, 5 e 6 e 382.º, n.º 2, al. d), ambos do CT e, ainda, por não ter entendido que não foi proferida decisão final, por o relatório final e a carta que lhe foram entregues não estarem assinados, nem indicarem as razoes de facto e de direito, nos termos do art.º art.º 357.º, nrs. 1, 4, 5 e 6 do CT. [Conclusões XXII a XXVII].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo considerou fixou o elenco factual que se passa a transcrever:
1.A Ré admitiu ao seu serviço, a 4 de agosto de 2009, o Autor para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de embalador/distribuidor, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 11 a 13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.O Autor aufere a retribuição ilíquida de € 1.010,00.
3.Em 25 de Junho de 2019, a Ré notificou pessoalmente o Autor da instauração de procedimento disciplinar que formulou contra este, com a intenção de aplicar sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, nos termos constantes do documento de fls. 14 e 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4.O Autor, apenas nesse momento, tomou conhecimento dos factos de que a empresa o acusava.
5.O Autor remeteu à Ré a resposta à nota de culpa de fls. 17 a 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6.Em resposta, a Srª Instrutora admitiu apenas três testemunhas, nos termos constantes de fls. 60, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7.Tendo, a final, sido aplicada a sanção de repreensão, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8.A Ré instaurou procedimento disciplinar ao trabalhador D….
9.A trabalhadora D. G… e a Ré fizeram acordo de cessação do contrato de trabalho desta.
10.A trabalhadora D. G… apresentou queixa contra o Autor à Ré, em maio de 2019.
11.Desde o início do ano de 2019, que no tempo e local de trabalho, o Autor chamava a colega de trabalho Srª D. G… que exerce funções de “empregada de limpeza” na Ré, de “canguru”.
12.O Autor ao passar pela Srª D. G… murmurava, por diversas vezes, “uuuh”, entendendo a Srª D. G… que pretendia o mesmo insinuar “cu”.
13.No dia 6 de maio de 2019, no armazém das instalações da Ré, o Autor referiu “tira os ovos” levando a Sr: D. G… a entender que o mesmo insinuava que ela era uma galinha.
14.No dia 7 de maio de 2019, no armazém, o Autor dizia aos colegas que “a amarrava a um poste e regava com gasolina”.
15.Estas declarações deixaram a Srª D. G… muito perturbada.
16.Com tais expressões o Autor visou rebaixar e atingir a auto estima da Srª D. G….
17.Com tal comportamento, o Autor causou perturbação no ambiente de trabalho, a saber, com a trabalhadora Srª D. G….
Factos não provados:
a)que a sanção foi aplicada ao Autor por o mesmo se ter recusado a testemunhar contra a trabalhadora que supostamente o acusou, Dª G…;
b)que a Ré vinha já há muito a notar o comportamento dessa trabalhadora e queria cessar o contrato de trabalho com a mesma nas não conseguia;
c)que a Ré pediu ao Autor e aos outros colegas para testemunharem no âmbito de um procedimento disciplinar que iriam instaurar contra a trabalhadora, no entanto, todos os trabalhadores recusaram prestar depoimento exactamente com medo de represálias;
d)que logo após a recusa do Autor em testemunhar contra a colega, foi o mesmo alvo de um procedimento disciplinar contra si, pelos factos vertidos na presente acção;
e)que o referido 12) foi dito juntamente com outro colega.
II.2 ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO POR INICIATIVA DESTE TRIBUNAL DE RECURSO
No âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe este Tribunal de Recurso (art.º 662.º 1, CPC), impõe-se à alteração dos factos 3, 5 e 7, nos quais se dão por provados os conteúdos dos documentos a que aludem, mas sem qualquer referência ao conteúdo essencial e relevante dos mesmos, como era devido face ao disposto no art.º 607.º n.º3, do CPC, por isso devendo ser aditado, desde logo, em razão de o tribunal a quo lhes fazer referência na fundamentação da decisão na parte em que aplica o direito aos factos.
No facto 3, lê-se: Em 25 de Junho de 2019, a Ré notificou pessoalmente o Autor da instauração de procedimento disciplinar que formulou contra este, com a intenção de aplicar sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, nos termos constantes do documento de fls. 14 e 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Redacção que se altera, passando a ser a seguinte:
3. Em 25 de Junho de 2019, a Ré notificou pessoalmente o Autor da instauração de procedimento disciplinar que formulou contra este, com a intenção de aplicar sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, nos termos constantes do documento de fls. 14 e 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, constando na nota de culpa, para além do mais, o seguinte:
5. Desde o início do ano de 2019 até à presente data que, no tempo e local de trabalho, o arguido tem reiteradamente perturbado, incomodado e provocado a colega de trabalho Sra D. G…, que exerce as funções de “empregada de limpeza” na C….
6º Concretamente, o arguido insulta a Sra D. G…, chamando-a de “canguru”.
7º Além disso, juntamente com outro colega, ao passar pela Srª D. G… murmuram sistematicamente “uuuh” querendo insinuar “cu”.
8º E ainda no dia 6-maio-2019, no armazém das instalações da C…, o arguido cantava “tira os ovos” insinuando que a Srª D. G… seria uma galinha.
9º No dia 7-maio-2019 também no armazém, dizia aos colegas que “A amarrava a um poste e regava com gasolina”.
10º Todas estas provocações deixaram a Srª D. G… imensamente perturbada.
11º Com estas expressões o arguido visou apenas rebaixar e atingir a auto estima da Srª D. G….
12º Ora, com os comportamentos acima descritos o arguido causou perturbações no ambiente de trabalho da C… especialmente com a trabalhadora Srª D. G….
13º O arguido desrespeitou de forma intolerável a Srª D. G….
(…)”.
No facto 5, consta o seguinte: O Autor remeteu à Ré a resposta à nota de culpa de fls. 17 a 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Altera-se a redacção para passar a ser a que segue:
5.O Autor remeteu à Ré a resposta à nota de culpa de fls. 17 a 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual suscita a “Invalidade do processo disciplinar”, referindo, para além do mais, que ”[7]…não indica a data de instauração do procedimento disciplinar, data da ocorrência de todos os factos que lhe são imputados, data da nomeação da instrutora do processo, nem sequer menciona se foi produzida qualquer prova no âmbito do procedimento em causa.[8] E, principalmente, não refere o que motivou a instauração do procedimento, se foi por denúncia da trabalhadora G… ou por iniciativa própria da Entidade Empregadora”. […] ..[15] Admite-se como verdadeiros os factos aduzidos nos artigos 1.º, 3.º e 4.º da nota de culpa. [16] No entanto, o trabalhado impugna os demais factos – 2.º, 5.º, 7.º, 8.º. 9.º. 10.º, 1.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º uma vez que não correspondem à verdade, sendo completamente falsos”.
Por seu turno, no facto 7, consta: Tendo, a final, sido aplicada a sanção de repreensão, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Altera-se a redacção para passar a ser a seguinte:
7. Tendo, a final, sido aplicada a sanção de repreensão, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta, no relatório final para onde remete a decisão, para além do mais, o seguinte:
- «DÃO-SE COMO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
[..]
6. No local de trabalho acima referido e no tempo de trabalho, o arguido insulta a Sra. D. G…, chamando-a de “canguru”.
7. No dia 6-Maio-2019, no armazém das instalações da C…, o arguido cantava “tira oso ovos”.
8. Também no armazém, no dia 7-Maio-2019. Dizia aos colegas que “a amarrava a um poste e regava com gasolina”.
9. Estas provocações deixam a Sra. D. G… imensamente perturbada.
10. Com estas expressões o arguido visou apenas rebaixar e atingir a auto-estima da Sra. D. G….
11. Causando perturbações no ambiente de trabalho da C… com a Sra. D. G….
12. E ainda, desrespeitando a Sra. D. G….
[..]
Em virtude do seu comportamento culposo, o arguido violou o dever de trabalhador previsto no art.º 128.º, al. a), do Código do Trabalho, designadamente o dever de respeitar com urbanidade e probidade os companheiros de trabalho.
Não obstante isso o arguido é primário, não tendo registada nenhuma sanção disciplinar, sendo que trabalha na C… há cerca de 10 anos.
Assim sendo, a C… pretende dar mais uma oportunidade ao arguido.
Em face do exposto, será de aplicar ao arguido a sanção de REPREENSÃO – art. 328.º, al. a) do Cód. do Trabalho.
[..]».
II.2.1 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, impugnando-a quanto aos pontos 10 a 17 da matéria provada, e pontos a) a d), da não provada (Conclusões I a XXI].
Contrapõe a recorrida que verifica-se a inadmissibilidade do recurso quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por incumprimento dos ónus de impugnação pelo art.º 640.º 1, do CPC. Sustenta essa posição referindo que o Recorrente não aponta relativamente a cada concreto ponto de facto, os meios probatórios que apontam para decisão diversa, pois limita-se a transcrever em bloco algumas passagens de depoimentos sem referência a factos concretos e, depois, em bloco, diz o que pretende ver alterado em termos de factos.
No mesmo sentido pronunciou-se o Ministério Público no parecer emitido em cumprimento do disposto no ar.º 87.º3, do CPT, referindo expressamente acompanhar as razões invocadas pela recorrida.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objecto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspectiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância (proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt)], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Contudo, como também é entendimento do STJ, casos há em que apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a um bloco de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando aqueles respeitem à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Nesse sentido, o recente acórdão do STJ de 19-05-2021 [Proc.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Conselheiro Chambel Mourisco], em cujo sumário pode ler-se:
1. A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1,al. b), do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registos de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens de gavação em que se funda o recurso.
2. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.
A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Por último, cabe ter presente que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
No que concerne ao conteúdo das conclusões considera-se estar cumprido o que se entende por exigível. O recorrente indica quais os factos que vem impugnar e as respostas alternativas, respectivamente, nas conclusões I e XXI, nesta última concluindo como segue: “Nesse sentido, deve a Douta Sentença ser revogada e dar-se como factos não provados os pontos 10 a 17 dos factos mencionados na Sentença como assentes. Bem como, deve dar-se como factos assentes os factos mencionados nas alíneas a) a d) como não provados na Sentença”.
Mas já quanto aos demais ónus de impugnação que referimos, como logo se retira das conclusões, mas assim resultando também alegações, que se mostram praticamente reproduzidas nas conclusões – no essencial, apenas foram excluídos os excertos das declarações de parte do autor e dos testemunhos invocados – a questão não tem resposta imediata.
Conforme de seguida melhor ilustraremos, verifica-se que o recorrente invoca as suas próprias declarações de parte e os testemunhos de G… (a trabalhadora ofendida), de E…, D…, H…, I…, J…; K… e F…, transcreve o que declararam sucessivamente, sendo que alguns dos excertos são extensos, indicando os prontos da gravação em que se iniciam e findam [cfr. conclusões XVIII e XVIII], mas sem fazer indicação que relacione individualmente determinados excerto com factos impugnados precisos, entenda-se, também em termos individuais. Acresce que tão pouco formula um juízo crítico relacionando-o com cada um dos factos impugnados, procurando justificar, em termos suficientemente precisos e individualizados, quais as razões, que justificam a pretendida alteração.
Das conclusões XV e XVI, percebe-se que o propósito do recorrente não é atacar os factos individualmente, mas antes todo o conjunto daqueles que aponta, por lhe serem desfavoráveis, a pretexto do Tribunal a quo ter formado incorrectamente a sua convicção na valoração dos meios de prova e sem fundamentação, por ter desconsiderando os seus meios de prova.
Com efeito, recorrendo às alegações, constata-se que o recorrido começa por opor a sua própria convicção à do Tribunal a quo referindo genericamente que ele próprio “e as testemunhas indicadas por si vieram reforçar tudo o que foi dito em sua defesa, em sede de procedimento disciplinar, e que claramente demonstraram de uma forma simples e directa que o Recorrente nunca disse nada à Colega D.ª G…, que é um trabalhador respeitador e profissional e que a D.ª G…, essa sim, gerou muitos conflitos no local de trabalho até cessar o seu contrato por acordo com a empresa, aqui Recorrida". Remata, logo de seguida, afirmando “Escusado será dizer que é notório perceber quem era o elemento desestabilizador dentro da empresa pois foi a própria Recorrida a denunciá-lo, ao acordar com a trabalhadora G… a revogação do seu contrato de trabalho. Confirmado pela própria – vide gravação da audiência de julgamento, de 12.10.2020, 3.ªgravação de áudio, de 01:12:52 a 01:13:17”.
Segue, dizendo “(..) mal a testemunha G… se sentou em frente à Meritíssima Juiz demonstrou claramente o temperamento da mesma ao se recusar insistentemente a depor e a forma autoritária e arrogante como o fez – vide gravação da audiência de julgamento, de 12.10.2020, 3.ª gravação de áudio, de 00:56:52 a 00:58:39”, para depois de fazer a transcrição deixar mais uma afirmação “Não era pois, a pobre coitada, de avançada idade (com idade para ser mãe dos colegas de trabalho) e muito sensível, imagem de uma senhora fragilizada que a Recorrida tentou passar ao longo da audiência de julgamento”, vindo mais adianta a concluir “Ao contrário do Autor que nunca foi alvo de procedimentos disciplinares, até ter este e injustamente”.
Em suma, os extractos que são invocados do testemunho de G… não visam servir de meio de prova relativamente à impugnação de determinado facto, mas antes sugerir a ideia, logo de seguida concretizada, que o Tribunal a quo julgou mal a prova, por não ter percebido que aquela é uma pessoa conflituosa, enquanto ele, recorrente, “é um trabalhador respeitador e profissional”, por via dela agora sujeito a um processo disciplinar injusto [cfr. conclusão XIV].
De seguida, o recorrente passa a concretizar a sua discordância com o julgamento do Tribunal a quo, prosseguindo nos termos constantes das conclusões XV, XVI e XVII, referindo, no essencial, que a sentença “peca grosseiramente por falta de fundamentação pois não (..) não sustenta, nem esclarece, o facto de não ter sido valorado os depoimentos do Recorrente e das testemunhas indicadas por si, quando todos prestaram depoimento de forma verdadeira, genuína e imparcial do que ouviram e/ou não ouviram, do ambiente no local de trabalho e das suas relações com o Recorrente e com a D.ª G…, o que realmente se passava no armazém”, que “está imbuída de presunções que direccionaram a decisão num sentido errado”, para de seguida invocar “o que foi dito pelo Autor” e pelas testemunhas, indicando os pontos da gravação, aqui a remeter para todas as transcrições que nas alegações se encontram umas imediatamente a seguir às outras.
Depois desse conjunto sucessivo de transcrições, seguem-se as conclusões retiradas pelo recorrente, que para aqui foram totalmente transpostas para conclusão XIX, para cuja leitura se remete, nas quais, reportando-se a toda a matéria impugnada, visa sempre por em causa a convicção afirmada pelo Tribunal na valoração dos meios de prova que invoca na fundamentação. Ilustra-o a conclusão seguinte: “Posto isto, resulta da prova produzida nos autos que a acusação feita ao Recorrente não tem qualquer fundamento ou sustento, tal como, a Douta Sentença, peca por falta de fundamentação, conforme já alegado”.
É este o percurso seguido pelo recorrente, para então concluir que a sentença deve “ser revogada e dar-se como factos não provados os pontos 10 a 17 dos factos mencionados na Sentença como assentes. Bem como, deve dar-se como factos assentes os factos mencionados nas alíneas a) a d) como não provados na Sentença [conclusão XXI].
Traçado este quadro, há que reconhecer assistir razão à recorrida quando afirma que o recorrente faz uma impugnação em bloco.
Contudo, verifica-se também que o conjunto de factos impugnados é conexo com a mesma realidade e, para além disso, que os meios de prova invocados são comuns a todos esses factos, tanto mais que a base da impugnação assenta numa alegada errada formação da convicção do Tribunal a quo, na perspectiva do recorrente, por ter atendido a uma versão dos factos, desvalorizando a outra que afirma ter resultado dos meios de prova que indica.
Neste quadro, acolhendo o entendimento afirmado pelo STJ, no acórdão acima citado de 19-05-2021, afigura-se-nos que a impugnação deve ser admitida.
II.2.2 Do que se deixou exposto, retira-se pretender o recorrente que este Tribunal ad quem afaste a convicção do tribunal a quo - que na sua perspectiva errou em toda a extensão na valoração dos meios de prova, por erradamente não ter atendido às suas declarações de parte e aos depoimentos das testemunhas por si indicadas, antes tendo considerado credível a versão “trazida pela testemunha G… e acompanhada por duas testemunhas que tiveram apenas contacto indirecto com os factos (Dr. L… e D.ª M…), pois só tinham conhecimento do que a D.ª G… lhes contou” -, para de uma assentada se passar a dar como não provado o que está provado e como provado o não provado, ou seja, uma alteração global do sentido da decisão.
Com esse propósito em vista, afirma que as testemunhas que indicou “ prestaram depoimento de forma verdadeira, genuína e imparcial do que ouviram e/ou não ouviram, do ambiente no local de trabalho e das suas relações com o Recorrente e com a D.ª G…, o que realmente se passava no armazém”, quando em contraponto o testemunho da D. G… não merecerá credibilidade e as outras duas testemunhas não terão conhecimento directo dos factos, defendendo que o Tribunal a quo “(..) não sustenta, nem esclarece, o facto de não ter sido valorado os depoimentos do Recorrente e das testemunhas indicadas por si”, e que a sentença “está imbuída de presunções que direccionaram a decisão num sentido errado”, concretizando que “(..) na consideração elencada na motivação de facto, alínea d), no quinto parágrafo, a Meritíssima Juiz, (..) deu por provado um facto com base numa suposição” e “ na última frase da motivação de facto, defende que eram só homens e por isso é possível ocorrer o que a D.ª G… descreve, no entanto, esquece-se que a D.ª G… não era a única mulher a trabalhar no armazém”.
Sustenta esta posição sintetizando o que resulta dos meios de prova invocados, nos termos seguintes:
- o Autor veio negar toda a acusação, descrevendo a D.ª G… como uma pessoa que passa pelas pessoas e se as ouvir a conversar pensa que estão a falar mal dela, que não fala com ela desde o momento que lhe chamou “nomes” (facto corroborado pela testemunha E…), confirmou que só foi instaurado o procedimento disciplinar depois de ir ao escritório da Recorrida e ter-se recusado a queixar-se por escrito da D.ª G…;
- a testemunha E… contou o único episódio que assistiu entre o Recorrente e a D.ª G… e foi quando esta o chamou de “porco”, sem razão, confirmando que ela passa pelas pessoas e pensa que estão a falar dela e que todos se calam quando ela passa;
- a testemunha D… reforçou o que tinha dito em procedimento disciplinar que não ouviu o Recorrente a dizer aquelas palavras, que o Recorrente é respeitador com os colegas, ao contrário da D.ª G… que é conflituosa, dizendo também que ela passa pelas pessoas e pensa que estão a falar dela, tendo confessado que a D.ª G… também se queixou dele mas que era tudo mentira e apenas não se defendeu para não criar conflitos com a Recorrida;
- a testemunha H… também não ouviu nada, que o Recorrente nem fala com a D.ª G…, que esta é conflituosa e provocava situações de conflito, ao passar por ele tossia “com o intuito de intimidar” e que também não falava com a D.ª G… por a mesma mandar bocas e chamá-lo de “pequenino”, dizendo que o Recorrente é profissional e respeita os colegas;
- a testemunha I… veio dizer que a D.ª G… falava mal de todos, que passava pelas pessoas e achava que estavam a falar dela e provocava as pessoas, confirmou que a Recorrida sabia como ela era e que o Advogado da Recorrida disse-lhe que podia meter um processo contra a D.ª G…, reforçou que evitava a D.ª G… e que todos estavam saturados dela e que nunca tiveram brincadeiras com ela, ao contrário do que fazem com a D.ª N…;
- a testemunha J… também não ouviu nada, disse que a D.ª G… era problemática e cismática, que evitavam ter conversas perto dela e que o Recorrente respeita os colegas e nunca o viu a tratar mal ninguém;
- a testemunha K…, reforçou que o Recorrente é respeitador e nunca criou mau ambiente na empresa, ao contrário da D.ª G… que é conflituosa, não falando praticamente com a mesma;
- já o chefe do Recorrente, Sr. F…, confirmou que não ouviu o Recorrente a dizer nada à D.ª G…, que nunca ouviu o Recorrente a dizer aqueles insultos, que ele é respeitador e nunca criou mau ambiente no seu local de trabalho, já a D.ª G… tem um feitio especial, dizendo que se estivessem a conversar com alguém ela pensava que estavam a falar dela, tendo confessado que foi agredido fisicamente pelo filho e marido da D.ª G… e que esta já teve mais conflitos com outros colegas de trabalho.
Contrapõe a recorrida que o Tribunal a quo teve por base a “análise crítica e conjunta de todos os meios de prova carreados aos autos, a saber o depoimento e depoimento de parte do Autor, a prova testemunhal e ainda os documentos juntos aos autos”. Por isso afirmou, e bem, ser possível “aferir o estado em que a trabalhadora G… se encontrava e o efeito dos comportamentos do Autor naquela”, pois, “conforme referiu a testemunha M…, acreditou nas queixas da trabalhadora G…, pela reacção da mesma e pelo estado de desmotivação, em que a mesma se encontrava, não acreditando que a mesma o terá inventado.”; e, também, que “A testemunha L…, já atrás identificado referiu que há cerca dois anos havia conflitos e a G… quase todos os dias dizia que ouvia bocas, porém por volta de maio de 2019, a mesma andava perturbada e chorava, andava nervosa, mais refugiada e ficou marginalizada.”.
Mais refere que relativamente à matéria de facto dada como não provada inexiste qualquer fundamento para a alterar, porquanto não foi feita prova para que o Tribunal pudesse julgar como provados os factos que deu – e bem – como não provados.
Atentemos, agora, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, cujo teor é o seguinte:
-«Atendendo a que ficaram assentes, em sede de despacho saneador, os factos vertidos sob os nºs 1 a 7, importa agora fundamentar os demais.
Ora, na matéria de facto assente sob os nºs 8 a 16, teve o Tribunal por base a análise critica e conjunta de todos os meios de prova carreados aos autos, a saber, o depoimento e declarações de parte do Autor, a prova testemunhal e ainda os documentos juntos aos autos, tendo-se em atenção que incumbia à Ré o ónus de provar os factos imputados ao Autor em sede de decisão disciplinar.
Entendemos que o fez.
Vejamos.
a)quanto ao facto vertido sob o nº 8, teve o Tribunal por base o depoimento da testemunha D… que, em julgamento referiu que foi sujeito a procedimento disciplinar pela Ré, tendo apresentado resposta à nota de culpa mas acabou por acatar a sanção aplicada.
b)quanto ao facto vertido sob o nº 9, teve o Tribunal por base o depoimento da testemunha G… que em sede de julgamento referiu que trabalhou durante vinte e seis anos, inicialmente separando materiais e nos últimos anos como empregada de limpeza, acabando por acordar com a Ré o fim do seu contrato de trabalho, pois a “a Engenheira optou por a pôr na rua em vez de os trabalhadores”.
c)quanto ao facto vertido sob o nº 10, teve o Tribunal por base os depoimentos conjugados das testemunhas L…, diretor financeiro e administrativo da Ré, que referiu que acompanhou as queixas que a D. G… fazia dos seus colegas e a perturbação que a mesma apresentava; M…, administrativa e responsável dos Recursos Humanos da Ré, e que referiu que desde 2018 eram muito frequentes as queixas apresentadas pela D. G… sendo que em 2019 ela acabou por escrever as mesmas, apresentando-se muito sentida, zangada e desmotivada.
A testemunha G…, referiu também que a Engenheira da Ré, perante as queixas que a mesma fazia, lhe pediu para as escrever o que veio a fazer nos termos dos documentos que se encontram juntos aos autos a fls. 41, 42, 43, 44 e 45 e que reconheceu como da sua lavra.
d)quanto aos factos vertidos sob os nºs 11, 12, 13, 14, teve o Tribunal por base o depoimento da testemunha G…, atrás melhor identificada. Embora a testemunha tivesse algumas dificuldades em se exprimir, a mesma relatou em Tribunal que não se dava bem com o Autor, sobretudo nos últimos anos. A testemunha referiu que sempre que entrava no armazém ouvia bocas, sobretudo do Autor, referindo a mesma saber bem distinguir brincadeiras de provocações, referindo a mesma que as expressões que o Autor lhe dirigia a fazia sentir-se mal.
Em concreto a trabalhadora referiu que, quando passava o Autor referia Uuuh, entendendo a mesma que com tal expressão o mesmo queria chamar-lhe “cu”. Referiu a testemunha que o Autor lhe chamava galinha, dizia põe o ovo.
A testemunha referiu que, a pedido da Engenheira da Ré, acabou por escrever as frases que lhe eram dirigidas e que reconheceu serem as dos documentos que se encontram juntos aos autos a fls. 41, 42, 43, 44 e 45 e que reconheceu como da sua lavra.
Ora, da leitura daqueles resulta que o Autor se lhe dirigia dizendo “vi agora o canguru”, “tira os ovos”.
Daquela leitura resulta também que a 7 de maio de 2019 (terça feira), o Autor disse aos colegas que a amarrava ao poste e regava com gasolina. Ora, a testemunha M…, atrás já identificada referiu que na primeira vez que a trabalhadora se queixou do Autor, estranhou e conversou com aquele que reconheceu ter dito que prendia a um poste e regava com gasolina mas referiu que não era para a G…. Ora, atendendo à má relação existente entre o Autor e a trabalhadora G…, que o mesmo reconheceu no seu depoimento, não é razoável que o mesmo, tenha proferido tal expressão perante aquela trabalhadora, sem a pretender atingir, ou sem se querer referir à mesma.
Acresce que, conforme referiu a testemunha M…, acreditou nas queixas da trabalhadora G…, pela reação da mesma e pelo estado de desmotivação, em que a mesma se encontrava, não acreditando que a mesma o terá inventado.
e)quanto aos factos vertidos sob os nºs 15, 16 e 17, teve o Tribunal por base o depoimento das testemunhas L…, M… e G….
Destes depoimentos foi possível aferir o estado em que a trabalhadora G… se encontrava e o efeito dos comportamentos do Autor naquela.
A testemunha L…, já atrás identificado referiu que há cerca dois anos havia conflitos e a G… quase todos os dias dizia que ouvia bocas, porém por volta de maio de 2019, a mesma andava perturbada e chorava, andava nervosa, mais refugiada e ficou marginalizada.
A testemunha M…, referiu que a G… que era uma boa trabalhadora, estava muito sentida e zangada, começou a ficar desmotivada.
Tal resultou também do depoimento da testemunha G… que referiu que tal situação levou a que acabasse por acordar a cessação do seu contrato de trabalho, preferindo ir para o desemprego, após vinte e seis anos de casa, a aguentar aquele ambiente.
No demais, a prova produzida não logrou convencer o Tribunal no sentido de dar como provados os factos não provados.
Acresce que o Autor apresentou em audiência de julgamento os colegas de armazém que vieram aos autos descrever como bom o ambiente de trabalho, sendo que a G… era a única que ali causava mau ambiente, perturbando o ambiente de trabalho uma vez que era conflituosa e desconfiada.
Estes depoimentos não lograram convencer o Tribunal, face à forma como a trabalhadora G… prestou depoimento, sendo certo que, neste momento já nada a liga à Ré, não tendo instaurado qualquer acção contra a mesma ou qualquer dos trabalhadores.
Acresce que, atendendo a que no armazém, além da trabalhadora G…, só trabalhavam homens, não é estranho e não usual, os ditos que aqui se deram como provados».
Como cremos ter deixado evidenciado, o recorrente não individualiza os factos cuja impugnação pretende, nem os meios de prova relevantes para cada um deles, nem tão pouco formula juízos críticos para afirmar o sentido dessa prova relativamente a cada um dos factos individualmente considerados. O recorrente faz uma impugnação em bloco, pretendendo que este Tribunal de recurso afaste a convicção do Tribunal a quo para fazer prevalecer a sua convicção na valoração dos meios de prova e, por consequência, que os factos impugnados, que são todos os relevantes para a boa decisão da causa, sejam decididos em sentido inverso àquele que lhes foi fixado.
Dito por outras palavras, no rigor das coisas, o que o recorrente põe em causa é a correcção do juízo de livre convicção formado pelo julgador ao valorizar determinada prova em detrimento de outra.
Como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Se o recorrente entende que o Tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova e, em contraponto, atendeu indevidamente a outros que não mereciam credibilidade, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regas da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova.
Do que vimos dizendo - já desde o ponto anterior-, retira-se que o recorrente estriba a sua posição em três argumentos:
i) Procurando descredibilizar o testemunho de G…, buscando arrimo, desde logo, na postura desta perante o tribunal, para afirmar “que é notório perceber quem era o elemento desestabilizador dentro da empresa”, depois passando a sustentar-se nos depoimentos das testemunhas por si indicadas no processo e que aqui convoca, para dizer que todas confirmaram que é a testemunha quem gera conflitos na empresa; em contraponto, buscando apoio nos mesmos testemunhos, afirmando a sua credibilidade e, logo, das suas declarações de parte, em que negou tudo o que lhe foi imputado no procedimento disciplinar, na consideração de que “pelo contrário, respeita os colegas e superiores”, “é um trabalhador respeitador e profissional, que nunca foi alvo de procedimentos disciplinares, até ter este e injustamente”.
ii) Imputando à decisão sobre a matéria de facto não fundamentar a formação da sua convicção na valorização dos meios de prova, pois “(..) não sustenta, nem esclarece, o facto de não ter sido valorado os depoimentos do Recorrente e das testemunhas indicadas por si, quando todos prestaram depoimento de forma verdadeira, genuína e imparcial”;
iii) Imputando à decisão sobre a matéria de facto estar “imbuída de presunções que direccionaram a decisão num sentido errado”.
Esta laboriosa construção não pode ser acolhida por falta de razões válidas para a sustentar.
Contrariamente ao que pretende sugerir o recorrente, a decisão sobre a matéria de facto pronuncia-se com clareza, objectividade e mais do que suficiência sobre as razões que levaram o Tribunal a quo a atender aos testemunhos de G…, L… e M… e a desconsiderar as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas que apresentou, em concreto os colegas de armazém. Qualquer declaratário de normal diligência não pode deixar de compreender as razões apresentadas para justificar a convicção formada pela Senhora Juíza, sendo desnecessário quaisquer considerações adicionais da nossa parte.
O recorrente pode discordar, mas não se concebe que não tenha percebido o que está devidamente explicado, em termos claros e objectivos, muito menos que afirme que o Tribunal a quo “não sustenta, nem esclarece, o facto de não ter sido valorado os depoimentos do Recorrente e das testemunhas indicadas por si, quando todos prestaram depoimento de forma verdadeira, genuína e imparcial”.
O recorrente não tem também razão ao pretender sugerir que a decisão «(..) enferma de algumas presunções que poderão ter influenciado a decisão erradamente. Desde logo, na motivação de facto, alínea d), no quinto parágrafo, defende “atendendo à má relação existente entre o Autor e a trabalhadora G…, que o mesmo reconheceu no seu depoimento, não é razoável que o mesmo, tenha proferido tal expressão perante aquela trabalhadora, sem a pretender atingir, ou sem se querer referir à mesma”. Ora, a Meritíssima Juiz, com o devido respeito, deu por provado um facto com base numa suposição! Não com base numa prova clara e concreta. Mais, termina a motivação de facto com a seguinte frase “acresce que, atendendo a que no armazém, além da trabalhadora G…, só trabalhavam homens, não é estranho e não usual, os ditos que aqui se deram como provados”». Quanto a esta última parte refere, ainda, «Até porque, trabalhava e trabalha nas mesmas funções que a D.ª G… outra senhora, a D.ª N…, que todos os funcionários se dão bem e que nunca se queixou de nada, pelo contrário, os trabalhadores com essa até brincam – vide gravação da audiência de julgamento, de 12.11.2020, 1.ª gravação de áudio, de 01:28:24 a 01:28:37 (T. I…: nunca, com essa senhora nunca houve brincadeiras. Se for com a outra senhora, D.ª N…, há brincadeiras. Mas com essa senhora desde que eu estou na firma, pela minha parte, nunca existiram)”».
No que concerne à parte da fundamentação em que se lê que “atendendo à má relação existente entre o Autor e a trabalhadora G…, que o mesmo reconheceu no seu depoimento, não é razoável que o mesmo, tenha proferido tal expressão perante aquela trabalhadora, sem a pretender atingir, ou sem se querer referir à mesma”, diversamente do que defende o recorrente, o Tribunal a quo não “deu por provado um facto com base numa suposição”, antes atendeu ao que por ele foi declarado e conjugou esse dado com os demais elementos resultantes da prova, aferindo-os à luz de critérios da experiência e de normalidade. Tal retira-se do parágrafo visto integralmente e devidamente enquadrado, ou seja, considerado no seu todo e atendendo às razões que antecedem e, também, às seguem no parágrafo imediatamente seguinte. Senão veja-se:
-«[..]
Ora, da leitura daqueles resulta que o Autor se lhe dirigia dizendo “vi agora o canguru”, “tira os ovos”.
Daquela leitura resulta também que a 7 de maio de 2019 (terça feira), o Autor disse aos colegas que a amarrava ao poste e regava com gasolina. Ora, a testemunha M…, atrás já identificada referiu que na primeira vez que a trabalhadora se queixou do Autor, estranhou e conversou com aquele que reconheceu ter dito que prendia a um poste e regava com gasolina mas referiu que não era para a G…. Ora, atendendo à má relação existente entre o Autor e a trabalhadora G…, que o mesmo reconheceu no seu depoimento, não é razoável que o mesmo, tenha proferido tal expressão perante aquela trabalhadora, sem a pretender atingir, ou sem se querer referir à mesma.
Acresce que, conforme referiu a testemunha M…, acreditou nas queixas da trabalhadora G…, pela reação da mesma e pelo estado de desmotivação, em que a mesma se encontrava, não acreditando que a mesma o terá inventado.
[..]».
Invocar apenas aquele extracto descontextualizado não é mais do que distorcer o que está devidamente expresso na fundamentação, numa tentativa inútil para criar uma aparência que procure sustentar a ideia sugerida pelo recorrente.
Do mesmo modo, também não se reconhece razão ao recorrente quanto à leitura que faz da última frase da fundamentação da decisão impugnada. Desde logo, deverá notar-se que essa frase é iniciada com a expressão “Acresce que”, o que significa não ser esse o argumento determinante, mas algo mais que contribui para reforçar o que antecede.
De resto, do extracto do testemunho que o recorrente invoca não decorre que a D. N… “trabalhava e trabalha nas mesmas funções que a D.ª G…”, mais precisamente, no mesmo armazém e com o mesmo contacto quotidiano que a ex-trabalhadora G… tinha com o recorrente e os seus colegas de trabalho, todos do armazém, que vieram testemunhar. Aliás, nem esse facto foi alegado.
Mais do que isso, muito menos pode ter-se como certo “que todos os funcionários se dão bem [com a D. N…] e que nunca se queixou de nada, pelo contrário, os trabalhadores com essa até brincam”. Como é evidente, seria preciso que a própria se pronunciasse a esse propósito, mas acontece que esta trabalhadora não foi sequer indicada como testemunha.
Por último, importa relembrar que a testemunha I… faz parte dos “colegas de armazém que vieram aos autos descrever como bom o ambiente de trabalho, sendo que a G… era a única que ali causava mau ambiente, perturbando o ambiente de trabalho uma vez que era conflituosa e desconfiada”, testemunhos a que o Tribunal a quo não deu credibilidade, deixando explicadas as razões, em termos convincentes.
Do que se vem expondo, conclui-se que a convicção afirmada pelo Tribunal a quo resulta da ponderação conjugada dos meios de prova disponíveis - com a vantagem proporcionada pela imediação e oralidade -, e mostra-se devidamente justificada na fundamentação, em termos claros, objectivos, suficientes, coerentes e sem que se encontre erro de raciocínio ou juízo que afronte as regras da experiência.
Não existe, pois, qualquer razão válida, para afastar a convicção do Tribunal a quo ao ter entendido dar crédito a uma parte da prova, em detrimento da outra, o que vale por dizer que não existe erro de julgamento.
Concluindo, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto improcede.
III. MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O recorrente insurge-se contra a sentença, por alegado erro na aplicação do direito, com base em três linhas de argumentação distintas:
- Por ter mantido a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, quando no seu entender deve ser considerada como abusiva e ilícita, nos termos do disposto no art.º 331.º, n.º 3; “[..] ilícita por falta de prova da ocorrência dos factos e abusiva por apenas ter sido aplicada sanção por o Recorrente ter-se recusado a efectuar uma queixa contra a trabalhadora G…”[conclusão XXII];
- Por não ter considerado o procedimento disciplinar inválido por violação do disposto nos arts. 357.º, nrs. 1, 4, 5 e 6 e 382.º, n.º 2, al. d), ambos do CT, ou seja, alegando que a nota de culpa não contem a descrição circunstanciada dos factos imputados, “apenas indica comportamentos obscuros, genéricos e abstractos e não demonstra as circunstâncias de modo, tempo e lugar da ocorrência dos mesmos, violando o direito constitucional de defesa do trabalhador que alegou na resposta à nota de culpa não ter compreendido a mesma exactamente por não indicar as referidas circunstâncias que os factos ocorreram” [conclusões XXIII a XXV].
- E, ainda, por não ter entendido que não foi proferida decisão final, dado o relatório final e a carta que lhe foram entregues não estarem assinados, nem indicarem as razões de facto e de direito, nos termos do art.º art.º 357.º, nrs. 1, 4, 5 e 6 do CT. [Conclusão XXVI].
A primeira linha de argumentação dependia da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Assim, tendo o recurso improcedido nessa vertente, necessariamente improcede também esta parte.
III.1 Quanto às demais linhas de argumentação, defende o recorrente que “a nota de culpa por não cumprir os requisitos mínimos, (..), torna o procedimento disciplinar inválido” e que não se poderá considerar como proferida a decisão final, dado que o relatório final e a carta não têm a assinatura e o carimbo da recorrida, sendo a esta que compete o poder disciplinar, nem deles constam indicadas as razões de facto e de direito que fundamentam a aplicação da sanção.
Contrapõe a recorrida, que lei não exige um procedimento formal para a aplicação ao trabalhador de uma sanção conservatória, pelo que nem sequer havia que elaborar a nota de culpa nos termos em que foi feita, tendo decidido bem a sentença recorrida ao afirmar que o procedimento disciplinar era formalmente válido.
Na fundamentação da sentença, com relevo para esta questão, lê-se o seguinte:
- [..]
No caso dos autos o que nos interessa analisar é precisamente o modo como o poder disciplinar foi exercido pela Ré relativamente ao Autor.
E, para tanto há que salientar a singular natureza que reveste o poder disciplinar, que reúne numa só entidade a "vítima" da infracção e o julgador da mesma.
Por isso, refere Maria do Rosário Palma Ramalho no seu estudo "Sobre os limites do Poder Disciplinar Laboral", publicado no I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 183 e ss. que "o poder disciplinar ao pôr em causa dois pilares da ordem jurídica - o princípio da igualdade das partes nas situações jurídicas de direito privado e o principio do monopólio da justiça pública é um instituto absolutamente singular no direito privado", acrescentando que "a justificação dogmática do poder disciplinar tem que partir de um raisonement de equilíbrio entre os interesses das partes e de praticabilidade da relação no seu desenvolvimento quotidiano pelo empregador. E, do nosso ponto de vista é esta mesma ideia de equilíbrio que deve estar também subjacente à matéria dos limites do poder disciplinar"
Adianta ainda que o exercício do poder disciplinar laboral tem limites inerentes aos seus elementos caracterizadores - ou seja, a sua qualificação como direito subjectivo, a sua essência punitiva e a sua natureza privada e egoísta. Por outro lado, a actuação do poder disciplinar deve manter-se nos limites entre os interesses de gestão do empregador e os encargos acrescidos que ele assume pelo facto de recorrer ao trabalho subordinado e, do lado do trabalhador, a necessária razoabilidade de abdicação da sua liberdade no desenvolvimento da relação de trabalho.
Ora, em termos de vícios formais invoca o Autor os seguintes:
a)que são imputados ao Autor comportamentos obscuros, genéricos e abstractos sem indicação de circunstâncias de modo, tempo e lugar e ainda das testemunhas que os presenciaram;
b)falta da assinatura da carta que acompanhou o relatório final;
c)relatório final assinado pela Instrutora do procedimento disciplinar e não pela Entidade Empregadora;
d)falta de indicação das razões de facto e direito que fundamentam a aplicação da sanção em violação do disposto no artº 357, nº 1, 4 e 5, pelo que inválido o procedimento nos termos da al. d), do nº 2 do artº 382º ambos do Código do Trabalho.
Vejamos.
O processo disciplinar tem por natureza um objetivo sancionatório, embora se assinalem objetivos reintegradores, conservatórios e intimidativos, dirigidos essencialmente à reintegração do trabalhador na empresa que se entende e se deseja pacífica.
Assim com o mesmo pode a entidade empregadora aplicar ao trabalhador uma ou várias das sanções previstas no nº 1 do artº 328º do Código do Trabalho.
Ora, atenta a natureza das sanções aplicadas podemos estar perante um procedimento disciplinar comum, previsto para a aplicação das sanções conservatórias (repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, perda de dias de férias, suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade), regulado no artº 329º do Código do Trabalho, e o processo disciplinar para a aplicação da sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador, previsto nos artºs 351º e ss. do mesmo diploma legal.
Perante uma apreciação comparativa aos preceitos referidos supra, concluímos que o processo para despedimento é mais moroso, mais exigente relativamente aos requisitos de qualificação da infracção disciplinar e oferece mais garantias de defesa ao trabalhador, estabelecendo assim um regime de referência face ao processo disciplinar comum.
No procedimento disciplinar, seja ele comum ou especial, averiguam-se os factos que podem constituir infracção disciplinar, suas circunstâncias, o seu autor, o grau de culpa e eventualmente a necessidade de aplicação de uma sanção.
Assim sendo, e tendo em conta a natureza inquisitória e acusatória do procedimento disciplinar, por uma razão de princípio, será de exigir um processo escrito, sendo próprio da estrutura deste tipo de sistema processual a utilização de forma escrita e isto apesar do artº 329º do Código do Trabalho, enquanto quadro geral de organização do processo disciplinar, não aludir à redução a escrito, em contraponto com o que se dispõe para os processos disciplinares tendentes à cessação do contrato de trabalho por despedimento por facto imputável ao trabalhador (artºs 340º, alª c), 351º a 358º, 381º, alª c), 382º e 389º do Código do Trabalho).
Como refere o D. Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Julho de 2016, in www.dgsi.pt “Mas se o dispositivo do artº 329º conforma um quadro geral e, como se afirma na decisão, a empregadora terá sempre que averiguar “se os factos que podem consubstanciar infracção disciplinar ocorreram, o circunstancialismo que os rodeou, o grau de culpa do seu autor e procederá à aplicação da sanção, a qual deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não se podendo aplicar mais do que uma pela mesma infracção (cfr. art. 330.º, n.º 1, do Código do Trabalho)”, assim como é-lhe determinada uma audiência previa ao trabalhador (nº 6), logo não se vislumbra como se possa proceder disciplinarmente nestes casos sem “um procedimento no qual se distinguem três fases típicas, a saber, acusação, defesa e decisão” e sem que se socorra da forma escrita”.
Ou seja, o procedimento disciplinar comum, com vista à aplicação de sanção conservatória, tem, sob pena de nulidade, de revestir a forma escrita e ser dotado de três fases típicas, a acusação, a defesa e a decisão.
Ora, no caso sub judice, dúvidas não temos de que o procedimento disciplinar instaurado pela Ré ao Autor, observou a forma escrita.
Por outro lado, nele existe uma acusação, a saber, a nota de culpa.
Resulta da nota de culpa que:
“(…)

Desde o início do ano de 2019 até à presente data que, no tempo e local de trabalho, o arguido tem reiteradamente perturbado, incomodado e provocado a colega de trabalho Sra D. G…, que exerce as funções de “empregada de limpeza” na C….

Concretamente, o arguido insulta a Sra D. G…, chamando-a de “canguru”.

Além disso, juntamente com outro colega, ao passar pela Srª D. G… murmuram sistematicamente “uuuh” querendo insinuar “cu”.

E ainda no dia 6-maio-2019, no armazém das instalações da C…, o arguido cantava “tira os ovos” insinuando que a Srª D. G… seria uma galinha.

No dia 7-maio-2019 também no armazém, dizia aos colegas que “A amarrava a um poste e regava com gasolina”.
10º
Todas estas provocações deixaram a Srª D. G… imensamente perturbada.
11º
Com estas expressões o arguido visou apenas rebaixar e atingir a auto estima da Srª D. G….
12º
Ora, com os comportamentos acima descritos o arguido causou perturbações no ambiente de trabalho da C… especialmente com a trabalhadora Srª D. G….
13º
O arguido desrespeitou de forma intolerável a Srª D. G….
(…)”.
Da leitura daquela nota de culpa resultam que durante o horário e no local de trabalho o Autor dirigiu a uma colega de trabalho, a Srª D. G…, expressões como “canguru”, “uuuh” querendo insinuar “cu”, “tira os ovos” insinuando que a mesma era uma galinha e que a “amarrava a um poste e regava com gasolina”, expressões que perturbaram aquela e visaram rebaixar e atingir a sua auto estima.
Ora, atendendo a que, conforme resulta do nº 1 do artº 353º do Código do Trabalho, a nota de culpa é a comunicação, por escrito, ao trabalhador da descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, salvo o devido respeito por contrária opinião, a nota de culpa obedece às exigências legais, no sentido de a mesma ser elaborada por escrito e da mesma constarem os factos concretos que são imputados ao arguido.
Acresce que, da leitura do preceito atrás citado, a saber, o nº 1 do artº 353º do Código do Trabalho, não resulta como requisito de validade da nota de culpa, a indicação dos meios de prova tidos em atenção para a sua formulação.
Apurado ficou ainda que a 25 de Junho de 2019, a Ré notificou pessoalmente o Autor da instauração de procedimento disciplinar que formulou contra este, com a intenção de aplicar sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, dando-lhe conhecimento daquela nota de culpa, sendo que, nesse momento, tomou conhecimento dos factos de que a empresa o acusava.
Temos pois a fase da acusação não passível de qualquer censura.
Resultou dos autos que tendo tomado conhecimento da nota de culpa, o Autor remeteu à Ré a resposta à nota de culpa de fls. 17 a 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Nesta o Autor invoca os vícios da nota de culpa que já atrás entendemos não se verificarem, tendo indicado 8 testemunhas, sendo que, em resposta, a Srª Instrutora admitiu apenas três testemunhas, nos termos constantes de fls. 60, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
[…]
Resulta dos autos que foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo arguido em sede de procedimento disciplinar.
Como refere o Dr. Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, 1991, pag. 754, há princípios cogentes que devem ser respeitados na articulação entre os factos que merecem a censura da entidade patronal e a aplicação da sanção – são eles: o princípio da defesa, da boa-fé, da celeridade e da igualdade, sendo de referir que basta a violação dum deles para, em regra, surgirem violações dos demais, dado que a repartição é meramente conceitual.
Ora, o princípio da defesa impõe a audição prévia do trabalhador, a qual não pressupõe apenas que o trabalhador tenha direito a apresentar a defesa à nota de culpa, mas igualmente a possibilidade de requerer diligências e de as mesmas serem realizadas pela entidade patronal.
Ora, atento o disposto no artº 356º do Código do Trabalho que regula a fase da instrução do procedimento disciplinar e os factos atrás indicados, entendemos que foram assegurados os direitos e garantias que a lei atribuiu ao trabalhador/arguido, a saber, a sua audiência prévia, uma vez que lhe foi comunicada a nota de culpa, de que resultou a apresentação por este de resposta à nota de culpa e ainda a possibilidade de apresentar prova que foi produzida, no limite de três testemunhas, sendo certo que, por decisão fundamentada, a Instrutora do procedimento disciplinar, deu conhecimento ao arguido dos motivos para não ouvir as demais testemunhas arroladas.
Temos pois a fase de instrução a não merecer censura.
Vejamos agora a fase da decisão.
Estabelece o nº 4 do artº 357º do Código do Trabalho que “na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artigo 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade”.
Por seu lado, resulta do nº 5 do mesmo preceito que “A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito”.
Assim sendo, e adequando ao procedimento disciplinar com vista à aplicação de sanção conservatória, temos que a decisão tem de ser escrita, dela devem constar os factos imputados ao arguido, os fundamentos de facto, no sentido das provas produzidas, a ponderação de todas as circunstâncias do caso e a adequação da sanção aplicada à culpabilidade do trabalhador.
Ora, da leitura da decisão de fls. 16, resulta a descrição dos momentos do procedimento disciplinar, as provas produzidas, a saber, as testemunhas arroladas pelo arguido, os factos dados como provados, a sanção aplicada, as circunstâncias atenuantes tidas em conta, a saber, ser o arguido primário, não tendo registada qualquer sanção disciplinar, sendo funcionário da Ré há cerca de 10 anos.
Acresce que, embora a decisão faça apenas referência à inquirição das testemunhas arroladas pelo Autor/arguido, a verdade é que do processo disciplinar que se encontra junto a fls. 40 a 70, constam os elementos, a saber, as queixas escritas formuladas pela Trabalhadora Srª D. G…, onde a mesma descreve as frases que lhe eram dirigidas.
Diga-se ainda que o facto de a decisão não se encontrar assinada pela Ré não a torna nula.
Efetivamente, conforme resulta da carta junta aos autos a fls. 14 (e referida no facto dado como assente sob o nº 3) a 25 de Junho de 2019 foi comunicado ao Autor que a sua entidade empregadora decidiu instaurar-lhe processo disciplinar, comunicando-lhe que nomeara instrutora do processo a Srª Drª O…, sendo que tal carta se encontra subscrita pela Ré, a saber, pela sua administração.
Ou seja, foram conferidos pela Ré, poderes à Srª Drª O… para proceder à instrução do processo, sendo certo que o mesmo incluiu, a acusação, a instrução propriamente dita e a decisão.
Assim sendo, entendemos que também esta fase da decisão não se encontra eivada dos vícios que lhe são imputados.
Temos pois formalmente válido o procedimento disciplinar».
Concordamos, no essencial, com esta fundamentação, que de forma criteriosa e elucidativa, apreciou com correcção as questões colocadas pelo autor.
Sem qualquer novo argumento jurídico para pôr em causa a fundamentação do tribunal a quo, são essas mesmas questões que o recorrente agora reitera, significando isso, como já se percebeu, que o recuso soçobra. Não obstante, adiantamos algo mais.
É entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, que a lei não exige um procedimento formal para a aplicação ao trabalhador de uma sanção conservatória, apenas exigindo a audiência prévia do trabalhador, prevista no art.º 329.º n.º6, do CT.
Nesse sentido pronuncia-se António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 279/280], observando o seguinte:
- «A única verdadeira exigência legal, para todos os casos em que não esteja em jogo o despedimento, é a de “audiência prévia do trabalhador (art. 329º/6), que pode assumir muitas formas, mas que nada exige que seja preenchida através de escritos.
É certo que existe um procedimento especificamente definido para a acção disciplinar que vise o despedimento por justa causa (arts. 352.º ss. CT) e pode questionar-se se esse procedimento não será, afinal, aplicável a qualquer acção disciplinar, mesmo quando a infracção verificada não seja susceptível de integrar justa causa de despedimento.
[..]
Mas esse raciocínio seria desajustado à lei. [..]
[..]
Nada impede, a nosso ver, que, não havendo intenção de despedir (por falta de correspondência objectiva entre os factos e a noção de justa causa), a tramitação seguida não coincida com a dos arts. 353.º ss CT.
[..]».
E, se é certo que a doutrina e jurisprudência têm também entendido que mesmo nos casos se aplicação de sanções conservatórias, deverá existir um procedimento disciplinar obedecendo à forma escrita para melhor garantia do direito de defesa do trabalhador, também não o é menos que tal não significa que se devam cumprir as exigências previstas para o procedimento disciplinar com vista ao despedimento do trabalhador com invocação de justa causa, nomeadamente, no que concerne à nota de culpa, à qualificação da infracção disciplinar e à necessidade de fundamentação.
Mas para além disso, tanto quando cremos, é também entendimento consensual que a necessidade de procedimento disciplinar não se coloca sequer, por não se justificar, quando está em causa a aplicação da sanção disciplinar de repreensão. Nesse sentido, Monteiro Fernandes, após «O elenco legal dos tipos de sanções disciplinares suscita algumas observações de pormenor», defende que «A repreensão, enquanto sanção [..]. …não parece compatível com exigências procedimentais complicadas, que vão além da audiência prévia (oral) exigida pelo art. 329.º/6 CT». [Op. cit., p. 275].
No sentido do exposto pronuncia-se o Acórdão do STJ de 23-01-2019 [Proc.º 11/17.7T8CVL.C1.S1, Conselheiro Ferreira Pinto, disponível em www.dgsi.pt], invocado pela recorrida nas suas contra-alegações, em cuja fundamentação se lê o seguinte:
-«[..]
Ora, a lei não exige um procedimento formal para a aplicação ao trabalhador de uma sanção conservatória, mas exige, sempre, que se salvaguarde o direito de defesa do trabalhador.
É o que resulta do artigo 329º, n.º 6, do CT, dispondo, apenas, que nenhuma sanção disciplinar pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador.
[..]
Contudo, quer a doutrina quer a jurisprudência, para melhor salvaguarda do direito de defesa do trabalhador, têm entendido que também deve existir um procedimento disciplinar, prévio à aplicação das sanções, mesmo conservatórias.
A única exceção admitida, para alguns autores, dado o seu imediatismo, é na aplicação da sanção disciplinar da repreensão oral, também, chamada de mera repreensão – artigo 328º, n.º 1, alínea a), do CT.
Para Júlio Gomes, o Código do Trabalho não regula em detalhe o procedimento disciplinar na parte referente às sanções conservatórias[8].
“A este respeito, o Código limitou-se a estabelecer a obrigatoriedade de audiência prévia do trabalhador. É de lamentar este silêncio, tanto mais que se poderia discutir, face ao princípio da liberdade de forma, que impera no contrato de trabalho, se este procedimento terá, pelo menos, que obedecer à forma escrita. Não existe, em rigor, um fundamento legal para tal exigência, a não ser que tal se possa retirar da própria expressão procedimento e, sobretudo, do escopo que esta procedimentalização, ou ritualização, do exercício do poder disciplinar tem, como técnica para o controlo do exercício deste poder, prevenindo a sua utilização arbitrária. Admitimos, contudo, que certas sanções disciplinares muito leves - é, o caso por exemplo, de meras repreensões – possam ser aplicadas sem qualquer, procedimento disciplinar e escrito prévio.”
Para Maria do Rosário Palma Ramalho[9], “[n]o nosso sistema jurídico, a exigência do processo disciplinar é aplicável a todas as sanções disciplinares, o que no caso da sanção de repreensão oral não faz grande sentido, uma vez que esta sanção se consubstancia num juízo de censura imediata e directa do empregador. Para a aplicação das restantes exige-se, para a aplicação de qualquer sanção disciplinar, a existência de um processo disciplinar, para assegurar, eficazmente, o direito de defesa do trabalhador.”
Existem, assim, dois tipos de processo disciplinar, denominados de “procedimento”, tendo em conta a sanção que o empregador pretende aplicar:
- O procedimento disciplinar comum, previsto para a aplicação das sanções conservatórias e reguladas no artigo 329º;
- O procedimento disciplinar para a aplicação da sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador, regulado nos artigos 353º e seguintes.
Apesar desta dualidade de procedimentos, os princípios gerais do direito sancionatório laboral aplicam-se comummente aos dois, mas o procedimento para aplicação de sanção conservatória não é tão exigente, como o procedimento para o despedimento, em relação à nota de culpa, à qualificação da infracção disciplinar e à necessidade de fundamentação.
[..]».
Revertendo ao caso, o que está em causa é aplicação da sanção disciplinar de repreensão.
Por conseguinte, em linha com o entendimento que referimos, e subscrevemos, nem sequer era exigível a elaboração de nota de culpa, nem de decisão final reduzida a escrito.
Acontece, porém, que o procedimento foi iniciado com o propósito de eventual aplicação de sanção disciplinar mais grave, nomeadamente, com a intenção de aplicar sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade [facto 2]. Dai compreender-se que tenha sido elaborada nota de culpa, entendendo-se que tendo a empregadora partindo desse pressuposto, tal procedimento formal era necessário. No entanto, como ficou explicado, sem que estivesse sujeita ao grau de exigência quanto à descrição circunstanciada dos factos que é entendido impor-se para os casos de despedimento com justa causa (art.º 353.º 1. do CT).
Mas já não assim para a decisão final, pois o desfecho foi, como se disse, a sanção de repreensão.
Não obstante, quer quanto à nota de culpa quer quanto à decisão final, os fundamentos que o recorrente invoca não têm correspondência na realidade e, logo, nunca podiam, nem podem, ser atendidos.
No que concerne à nota de culpa veja-se o facto provado 3 - com a redacção alterada -, constatando-se, como refere o Tribunal a quo que “obedece às exigências legais, no sentido de a mesma ser elaborada por escrito e da mesma constarem os factos concretos que são imputados ao arguido”. Com efeito, a concretização dos factos imputados é suficiente para que o autor os tenha percebido e ficado habilitado a exercer o seu direito de defesa, como de resto exerceu, sem que tenha tido qualquer prejuízo.
É certo que o autor, na resposta à nota de culpa arguiu a invalidade do processo disciplinar, invocando não conter a descrição circunstanciada exigida poe lei. Mas se bem repararmos, os fundamentos que invoca não são adequados, pois, no essencial, refere a falta de outras indicações que nem sequer são exigidas pelo n.º 1, do art.º 351.º do CT nos casos em que é aplicável tal nível de exigência, ou seja, no âmbito de procedimento disciplinar com intenção de despedimento fundado em justa causa. Para que não restem dúvidas, veja-se: ”[7]…não indica a data de instauração do procedimento disciplinar, data da ocorrência de todos os factos que lhe são imputados, data da nomeação da instrutora do processo, nem sequer menciona se foi produzida qualquer prova no âmbito do procedimento em causa.[8] E, principalmente, não refere o que motivou a instauração do procedimento, se foi por denúncia da trabalhadora G… ou por iniciativa própria da Entidade Empregadora”.
Portanto, a única invocação que poderia ter relevância era a falta de indicação da “ data da ocorrência de todos os factos que lhe são imputados”, mas também sem razão, dado que dos pontos 5 a 9 da nota de culpa resulta com suficiência a descrição circunstanciada em termos temporais do comportamento imputado ao trabalhador, note-se, resultante de uma prática continuada “Desde o início do ano de 2019 até à presente data (..)”.
Acresce que o autor bem compreendeu o que lhe era imputado, pois impugnou-os “uma vez que não correspondem à verdade, sendo completamente falsos”, que é coisa diferente de desconhecer por não perceber o que lhe é imputado, e indicou testemunhas para serem ouvidas.
Dai que, ainda que alguma deficiência pudesse ser apontada, que nem é o caso, importaria ter presente que de acordo com o entendimento pacífico e há muito afirmado pela jurisprudência, a mesma deveria considerar-se sanada:
«(..) a exigência legal de que a nota de culpa contenha uma descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao arguido tem por óbvia finalidade permitir a este o perfeito conhecimento dos factos (faltas disciplinares) que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa, daí que, embora elaborada deficientemente a nota de culpa, se constatar, através da defesa apresentada pelo arguido, que o mesmo entendeu convenientemente a acusação, deverá considerar--se sanado aquele vício, em virtude de se mostrar alcançado o fim tido em vista com aquela exigência legal.» [Ac. STJ 27-02-2002, Processo n.º 02S2239, disponível em em www.dgsi.pt].
Por último, no que respeita a decisão final, sem que possa suscitar dúvida, do facto provado 7 – com a alteração introduzida – retira-se estarem devidamente indicados os factos que foram considerados provados, bem como as razões de direito que sustentam a decisão de aplicação da sanção disciplinar de repreensão. Basta atentar no facto.
Quanto à falta de assinatura, é certo, como refere o recorrente que o detentor do poder disciplinar é a entidade empregadora. Mas como elucida o tribunal a quo, sem que o recorrente traga qualquer argumento jurídico para o rebater, “conforme resulta da carta junta aos autos a fls. 14 (e referida no facto dado como assente sob o nº 3) a 25 de Junho de de 2019 foi comunicado ao Autor que a sua entidade empregadora decidiu instaurar-lhe processo disciplinar, comunicando-lhe que nomeara instrutora do processo a Srª Drª O…, sendo que tal carta se encontra subscrita pela Ré, a saber, pela sua administração.
Ou seja, foram conferidos pela Ré, poderes à Srª Drª O… para proceder à instrução do processo, sendo certo que o mesmo incluiu, a acusação, a instrução propriamente dita e a decisão.”.
Dito em poucas palavras, o recorrente não tem qualquer fundamento para duvidar que o procedimento disciplinar e a decisão final que lhe foi aplicada resultam da vontade da entidade empregadora, correspondendo ao legítimo exercício do poder disciplinar.
Concluindo, improcede o recurso.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação o seguinte:
a) Em julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) Em julgar o recurso improcedente na vertente da impugnação de erro de direito, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso (art.º 527.º CPC) a cargo do recorrente, atento o decaimento.

Porto, 23 de Junho de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira