Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1654/14.6TMPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: VONTADE DECLARADA PELA CRIANÇA
PROGENITOR NÃO GUARDIÃO
Nº do Documento: RP201809271654/14.6TMPRT-B.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º144, FLS.293-318)
Área Temática: .
Sumário: I - É de 15 dias o prazo de interposição de recurso e alegações no processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, ao qual acrescem 10 dias quando for impugnada a decisão em matéria de facto e houver apelo a reapreciação de prova gravada.
II - A mera divergência do recorrente relativamente à interpretação e aplicação do Direito efetuada na sentença não justifica, só por si, nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão. Tal nulidade passa necessariamente por um vício de construção lógica daquela peça processual, quando a decisão se apoia ostensivamente numa base que, na realidade, não a pode sustentar.
III - No exercício do seu direito a ser ouvida, a vontade declarada pela criança na perícia psicológica ou em Juízo, não é uma decisão, mas um facto relevante e uma manifestação do seu inalienável direito à palavra e à influência ativa na escolha do seu destino pessoal, em que o tribunal deve sempre refletir.
IV - Se cada um dos pais pretende que lhe seja atribuída a residência do filho com 10 anos de idade, assim, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da sua vida corrente, e ambos têm condições adequadas para o efeito, não se justifica o risco da mudança se a criança não rejeita a guarda de nenhum dos progenitores, gosta de conviver com ambos, está integrada no meio em que vive há cerca de 4 anos com a mãe, ali frequenta a escola e convive com outros familiares e amigos.
V - É adequado, nestas condições, propiciar um convívio da criança tão intenso quanto possível com o progenitor não guardião e com os outros familiares, num ambiente harmonioso e positivo de relações, por disso depender também o seu crescimento saudável.
VI - Os pais devem proteger os filhos da exposição a qualquer divergência que entre eles surja quanto ao exercício das suas responsabilidades.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1654/14.67MPRT-B.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Gondomar

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, então residente na Rua …, Lote …, n.º .., …. - …, …, Esposende (atualmente em …), instaurou, a 26.5.2014, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais[1] contra C…, relativamente à filha de ambos, D…, nascida no dia 3.1.2008.
Alegou ali a Requerente que, estando casada com o Requerido desde 24.8.2002, separam-se um do outro em maio de 2014, na sequência de uma agressão perpetrada pelo seu cônjuge que também deixou a filha aterrorizada. Saiu então da casa do casal com a filha para ir residir com a sua mãe, em …, Esposende, devendo, por isso, ser regulado o exercício das responsabilidades parentais dos progenitores.
Propôs que lhe fosse atribuída a residência da criança, com fixação de alimentos a cargo do Requerido pelo valor mensal de €300,00, acrescido de comparticipação, em metade, nas despesas médicas e escolares e ainda o direito de visitas do pai.
Teve lugar a conferência de pais no dia 12.6.2014, onde estes acordaram, a título provisório, no seguinte:
«1.º
A menor D… fica provisoriamente confiada à guarda e cuidados da mãe, a quem cabe tomar as decisões inerentes à vida quotidiana.
2.º
As questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas por ambos os progenitores.
3.º
O pai poderá ter a menor consigo quinzenalmente, indo buscá-la à casa da mãe à sexta-feira às 19:00 horas e entregá-la ao Domingo às 18:30 horas, iniciando-se no próximo fim de semana com o pai.
4.º
Na semana em que o fim de semana não caiba ao pai, este poderá estar com a menor à Quarta-Feira, indo buscá-la, no período escolar, à escola, e fora desse período, à casa da mãe, às 17:30 horas e entregá-la à casa da mãe, às 21:00 horas.
5.º
Nas férias escolares de Verão, a menor passará a segunda quinzena do mês de Agosto do presente ano com o pai e nos anos subsequentes igual período a combinar com os progenitores.» (sic)
Não estando os pais de acordo quanto ao montante da prestação de alimentos a suportar pelo Requerido, o tribunal fixou-a em €140,00 por mês, tendo, quanto ao mais, fixado o regime em conformidade com o acordo dos pais, a título provisório.
Os pais apresentaram alegações escritas. A Requerente manifestou-se no sentido de que a pensão fosse fixada no valor mensal de €300,00, tendo o Requerido defendido que a guarda e residência da D… lhe seja atribuída, que à mãe sejam fixadas visitas e que a pensão de alimentos, a cargo desta, seja fixada no valor mensal de €100,00, acrescida da comparticipação, em metade, nas despesas médicas e escolares.
Por requerimento de 23.7.2014, a Requerente informou o processo de que teve de mudar de residência, com a D…, para … (casa de familiares), tendo passado a trabalhar numa sapataria, em Lisboa, pretendendo que o regime provisório da RERP fosse ajustado a essa nova realidade.
Em 23.7.2014, foi junto relatório social do Requerido.
Em 3.9.2014, foi junto relatório social da Requerente.
Em 22.10.2014, foi junta informação social relativa à D….
Foi depois determinada a apensação dos autos ao processo de divórcio do casal.
Na sequência de vários requerimentos e respostas que evidenciam grande conflitualidade entre os progenitores quanto ao exercício das responsabilidades parentais e ante a necessidade de revisão da decisão provisória face à mudança de residência da Requerente com a filha, teve lugar nova conferência de pais onde foi também patente o clima de divergência, sobretudo quanto à atribuição da residência da criança.
Determinou-se ali a realização de exame psicológico aos progenitores e fez-se a revisão da decisão provisória, mantendo-se a residência da D… com a mãe, mas adequando o regime de visitas do pai à nova realidade da sua vida, sobretudo face à maior distância a que passou a residir.
Em 28.12.2015, foram juntos os relatórios periciais psicológicos relativos aos progenitores da criança.
Após várias vicissitudes que passaram por reações das partes aos referidos relatórios, em 23.5.2016, foi proferido despacho onde se considerou necessário e se ordenou, na sequência daquelas perícias, avaliação pericial da criança.
Com data de 16.12.2016, juntou-se novo relatório social sobre a Requerente.
Foi junto o relatório da avaliação psicológica da D…, com data de 30.12.2016 (exame realizado a 22.6.2016).
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, em sete sessões, com vicissitudes várias, entre elas a junção de informações, de documentos e de relatório de avaliação complementar da criança, em abril de 2017, ordenada depois da mesma ter sido ouvida pelo tribunal na 1ª sessão de audiência, de 6.3.2017.
Com data de 5.5.2017, foi junto também relatório de exame psicológico complementar do Requerido.
Com data de 6.6.2017, foi junto relatório médico relativo à D….
Foi posteriormente proferido sentença que culminou com o seguinte dispositivo regulatório, ipsis verbis:
«Julga-se a presente ação parcialmente procedente e, por via disso, decide-se regular o exercício das responsabilidades parentais de requerente e requerido sobre a criança D…, nascida em 03.01.2008, nos seguintes termos:
- As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
- A criança fica a residir com a mãe, competindo-lhe, também, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da filha, sem prejuízo da intervenção do progenitor não - residente (pai) durante o período de tempo em que a filha consigo se encontre, intervenção esta que, contudo, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes da mãe.
- A D… passará três fins-de-semana completos por mês com o progenitor, de sexta-feira ao final das actividades lectivas até domingo às 19 horas.
- quando ocorra um feriado no dia imediatamente anterior ou posterior a fim de semana que deva passar com o progenitor, a D… deverá iniciar o fim-de-semana à quinta-feira, ou terminá-lo à segunda-feira, respectivamente.
- Nas férias escolares de Natal e de Páscoa a D… passará uma semana com cada um dos progenitores.
- As férias de Carnaval deverão ser repartidas na proporção de metade entre os progenitores, alternando anualmente o dia de Carnaval.
- Nas férias escolares de verão a D… passará períodos de tempo iguais com cada um dos progenitores, devendo estes combinar entre si a repartição destes períodos até ao final do mês de Maio de cada ano.
- A D… passará o Natal e o Ano Novo alternadamente com cada um dos progenitores.
- No dia do seu aniversário a D… deve poder fazer uma refeição com cada um dos progenitores, devendo ainda poder estar com cada um dos progenitores no dia do respectivo aniversário, tudo sem prejuízo das suas actividades escolares e necessidades de descanso.
- no impedimento do progenitor, atenta a grande relevância afectiva que os avós paternos revestem para a criança, deve aquele poder fazer-se substituir por estes.
- deve cada um dos progenitores assegurar o contacto telefónico diário da D… com o outro.
- O pai contribuirá mensalmente com a quantia de €160,00 a título de alimentos, que entregará à mãe por qualquer meio idóneo até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia atualizada, anualmente, de acordo com a taxa de inflação, com início em janeiro de 2019, bem como com metade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas e escolares, mediante comprovativo a apresentar pela progenitora.
(…).»
*
Inconformado, o Requerido apelou daquela decisão, resumindo as suas alegações nas seguintes CONCLUSÕES:
«A) A decisão em crise proferida pelo Tribunal de 1ª Instância padece do vicio de nulidade por contradição da fundamentação com a decisão (art. 615º, nº 1, al. c), do Cód. Proc. Civil), igualmente padece de vício de erro de julgamento, porquanto a mesma não ajuizou correctamente o caso vertente não fazendo a devida avaliação da matéria de facto uma vez que, não avaliou correctamente todos os meios probatórios produzidos nos autos, bem como, ainda, não fez a adequada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis ao caso sub judice;
B) Face à natureza dos presentes autos (jurisdição voluntaria), o âmbito do presente recurso, não se apresenta limitado à fundamentação e às conclusões do Recorrente, pelo que, ao Tribunal a quem, cabe a obrigação de suprir as deficiências existentes na decisão em crise que violam o superior interesse da menor D…;
C) O Tribunal de 2ª Instância poderá apreciar livremente toda a matéria vertida nos presentes autos em respeito ao princípio do superior interesse da criança (Art. 4º do RGPTC e Art. 3º, nº 1, da Convenção Sobre os Direitos das Crianças, e Art. 1, nº 2, da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças e Art. 69º da Constituição da República Portuguesa);
D) Da análise da fundamentação da sentença recorrida constata-se que a mesma padece do vício de nulidade por se encontrar em manifesta contradição com a decisão, atento o preceituado no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, uma vez que, os fundamentos invocados pela Meritíssima Juiz do tribunal a quo, deveria, necessariamente, ter conduzido não ao resultado expresso na decisão (fixação da residência da D… com a progenitora), mas sim a um resultado oposto (fixação da residência da D… com progenitor pai), pois as premissas de facto e de direito que o Tribunal de 1ª Instância teve por apuradas, obrigatoriamente levariam a essa mesma decisão;
E) O Tribunal a quo, ao longo dos cerca de 4 (quatro) anos que os autos se arrastaram até prolação da decisão em crise, aliás, quase 1 (um) ano em sessões de audiência de julgamento (06-03-2017 até 14-02-2018) teve o completo e exaustivo conhecimento da conduta da Requerente que desde o primeiro momento secundarizou a filha D…, colocando os seus próprios interesses e caprichos pessoais em primeiro plano, tudo fazendo para a desenraizar a filha D… do seu "mundo", das rotinas e das relações de amizade que matinha, tão só, com o único e exclusivo propósito de afastar a menor do progenitor pai e restantes familiares paternos, os quais, ao longo de todo esse tempo, com elevados prejuízos pessoais e financeiros, tudo fizeram para compensar a menor D… do desgaste a que tem vindo a ser sujeito devido ao refinado egoísmo da sua progenitora;
F) Dado que a decisão se apresenta em contradição com a respectiva fundamentação, tem-se que a sentença em crise apresenta-se nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, devendo, desde já, tal nulidade ser conhecida;
G) O Tribunal a quo, não efectuou, convenientemente, o exame critico das provas, assim violando o estatuído no art. 607º, nº 3, do Cód. Proc. Civil;
H) Na fundamentação relativa aos factos provados, não foram incluídas as expressas declarações prestadas pela Menor D… em sede de audiência de julgamento, em 06-03-2017 (registo áudio da audiência de julgamento de 06-03-2017, com início 11:00:17 e f im 12:09:07), sumula, de resto, constante da acta, a fls 468, na qual a menor D… expressamente declara à Meritíssima Juiz que: "... preferia que a mãe viesse viver para Valongo. Gostava de passar a semana com o pai em Valongo e os fins de semana com mãe";
I) Como consta, ainda, do registo integral das declarações prestadas pela menor D…, na sessão de 06-03-2017, a instância da Meritíssima Juiz, a mesma Menor, de modo calmo, sem qualquer tipo de constrangimentos ou reserva, exprime de forma espontânea a sua expressa e convicta vontade de querer viver com o progenitor pai na cidade de Valongo;
J) Na sessão da audiência de julgamento de 06-03-2017 foi dado conhecimento a ambos os progenitores, das declarações da filha D…, a qual ai expressamente declarou a sua vontade de regressar a Valongo, desejando viver com o progenitor pai durante a semana e ao fim de semana com progenitora mãe;
K) A Requerente, uma vez mais, de forma absolutamente egoísta e caprichosa, não aceitou a decisão da sua filha, tendo a partir daquele mesmo momento passado a infernizar a D…, ao ponto de influenciar e tentar reverter a sua decisão comunicada a Meritíssima Juiz;
L) A menor D… foi novamente ouvida, em 08-03-2017, nas instalações do Tribunal a quo pela Técnica do IML, Dra. E…, a qual expressamente no relatório pericial complementar junto aos autos, a fls. 570 e ss, declara como se segue:
«I. Informações recolhidas junto da D…
A D… a revelou grande nervosismo e ansiedade ao longo de toda a entrevista realizada. Apresentou choro fácil, agitação psicomotora e, sobretudo, medo de magoar os progenitores. A perita teve que interromper a entrevista por diversas vezes para baixar o tom emocional da criança (e.g., exercícios de relaxamento e respiração diafragmática; normalização e validação de sentimentos; providenciar algo doce para beber).
Questionada sobre os motivos da sua inquietação, a D… começou por verbalizar: "queria ficar com o meu pai mas não queria ficar pouco tempo com a mãe (...) A mãe disse que se não vivesse com ela nunca mais me via, porque só ia aos fins-de-semana e ela estava a trabalhar, e só a via à noite (...) A mãe disse que ficava muito triste e eu não quero que ela fique triste (...) Sai de lá [WC do Tribunal, onde esteve apenas com a mãe] a chorar, porque ela perguntava com quem eu queria ficar e eu dizia com ela, porque não queria que ela ficasse triste" (sic). Questionada mais em pormenor, nomeadamente sobre os motivos pelos quais gostaria de viver com o pai, a D… referiu: "se vivesse com o pai não tinha que apanhar três comboios à noite, às vezes dois mas temos que andar. Não tinha que ir à Academia (...) Gosto [de ir à Academia] mas preferia não ir (...) E não tinha que estar com os meus primos (...) Gosto dos meus primos, mas às vezes tão-me a chatear. Os meus primos deixaram cair a casa de legos ao chão e destruíram e eu fiquei chateada" (sic). Acrescentou: "aqui [Norte] não tinha que ser a Academia a ir-me buscar nem a tia (...) Era os avós ou o pai, quer dizer, era mais os avós, porque o pai está a trabalhar e tem menos tempo. Na escola de Valongo, como acaba um bocadinho mais tarde, não tenho deveres. Fazemos atividades, vamos para a sala e vemos um filme" (sic).
(...) Questionada sobre quem a acompanhou ao Tribunal a D… relatou: "vim com a minha mãe, o meu tio (C…, reside em Esposende. Tio materno) e a avó F… (avó materna)" (sic).
(...) No final da sessão com a menor, e quando a perita referiu que ia pedir para falar um pouco com os pais (com o objetivo de perceber se as verbalizações da menor correspondiam efetivamente às suas rotinas), a D… reagiu muito negativamente, chorando compulsivamente e exclamando: "não vais contar nada aos meus pais!?" (sic), "porque eu disse à mãe que queria ficar com ela, e disse ao pai que queria ficar com ele" (sic). Neste contexto, a D… concluiu: "bom era que a mãe viesse viver para o Porto" (sic), "queria passar igual tempo com o pai e com a mãe" (sic), "queria estar com os dois. Eu gosto dos dois" (sic).";
M) A menor D… foi negativamente pressionada pela Requerente/progenitora, que deliberadamente condicionou a vontade da mesma aquando da sua avaliação pela mesma Perita, chegando ao ponto de, conforme consta do referido relatório pericial complementar, ter a mesma senhora Perita necessitado de ". . . interromper a entrevista por diversas vezes para baixar o tom emocional da criança (e.g. , exercícios de relaxamento e respiração diafragmática, normalização e validação de sentimentos; providenciar algo doce para beber", uma vez que a Menor se tinha encontrado, antes do início da diligência, sujeita a um episódio traumático provocado pela Requerente;
N) Tendo-se presente ambas as versões apresentadas, quer nas declarações da menor D… no dia 06-03-2017 perante a Meritíssima Juiz, quer o que consta do relatório pericial a fls. 570 e ss, ressalta claro que a criança revelou encontrar-se sujeita uma pressão psicológica efectuada em resultado do seu afastamento do local onde nasceu e onde viveu até a data em que foi arrancada e deslocada para mais de 300 Km (!!!) da residência do pai e dos seus avós paternos, figuras, aliás, de grande estima e relevância para a D…, e ainda, da comunidade familiar e social onde estava inserida, tudo em resultado da sua progenitora não aceitar a sua pretensão de regressar ao convívio da sua comunidade de familiares e amigos em Valongo;
O) Da apreciação de todos os sobreditos depoimentos resulta que o Tribunal a quo deveria ter considerado a desajustada vivência que a menor D… foi sujeita, em razão das exclusivas e interesseiras decisões da Requerente, a qual em momento algum ponderou no superior interesse da sua filha, obrigando-a, ao longo de destes últimos quase 4 (quatro) anos, a sucessivas, constantes, além penosas mudanças, desraizando-a do meio vivencial onde se encontrava perfeitamente inserida (Valongo) e das pessoas que lhe eram próximas (avós e tia paterna, além de amigos e restante comunidade), entregando-a, em …, a pessoas estranhas (G… e seu filho cadastrado! com os quais teve de pernoitar por inúmeras noites na residência das mesmas), bem como, e ainda, com familiares com os quais a D… nunca teve qualquer ligação afectiva (H…) e pelas quais não nutre qualquer confiança ou afeição (como seja, os tios maternos P… e W… e mãe deste, H…);
P) Dos sobreditos depoimentos prestados nos autos, resulta o conhecimento do elevado desgaste a que a menor D… tem sido sujeita ao longo deste tempo, o qual condiciona o seu normal crescimento físico e intelectual, pois vive permanente triste, retraída e angustiada, com o intuito de não contrariar os adultos e, muito em particularmente, a sua progenitora que chegou ao ponto de a pressionar da forma que o fez no dia 08-03-2017, chegando neste dia, ao extremo de a chantagear emocionalmente nos termos que foram declarados pela mesma, conforme se encontra relatado pela senhora Perita, como seja que... "queria ficar com o meu pai mas não queria ficar pouco tempo com a mãe (...) A mãe disse que se não vivesse com ela nunca mais me via, porque só ia aos fins-de-semana e ela estava a trabalhar, e só a via à noite (...) A mãe disse que ficava muito triste e eu não quero que ela fique triste (. . .) Sai de lá [WC do Tribunal , onde esteve apenas com a mãe] a chorar, porque ela perguntava com quem eu queria ficar e eu dizia com ela, porque não queria que ela ficasse triste";
Q) Desses mesmos sobreditos depoimentos tornou-se possível avaliar do quanto a especial relação afectiva que a menor D… nutre pelo progenitor pai, bem como pelos seus avós paternos (I… e J…), relação, de resto, que foi confirmada pela Meritíssima Juiz, e pela senhora Perita, que os referenciam como as pessoas pelas quais a D… sente o mais elevado grau de estima, segurança e de bem estar;
R) Os sobreditos depoimentos provam todos os sacrifícios e privações (pessoais e financeiros) que o Progenitor Pai e seus familiares mais próximos (I…, J… e K…) têm vindo a fazer ao longo destes 4 (quatro) anos no sentido de amenizar e compensar a menor D… do desgaste e das carências afectivas a que veio a ser sujeita em resultado do egoísmo da Requerente/progenitora que em momento algum colocou os interesses da sua filha D… à frente do seus próprios, apenas com o intuito de afastar a Menor do seu progenitor Pai e dos seus familiares paternos;
S) Os sacrifícios e privações que os sobreditos familiares têm vindo a fazer, a não haver alteração da decisão recorrida, o que não se admite nem se consente, terão que, pensosa e injustamente, e nesse mesmo sentido, continuar a fazer tais sacrifícios e privações, para assegurar a convivência que a menor D…, junto dos Seus, necessita e reclama, conforme exaustivamente ficou provado;
T) De tais depoimentos, resulta ainda provado que a Requerente só com a intervenção e imposição por parte do Tribunal permitiu que a menor passasse a ter contactos diários com o pai, os quais só podem ocorrer exclusivamente no horário estipulado (21H00) e, ainda, que o regime de visitas tenha vindo a sofrer alguns ajustamentos, chegando ao absurdo de em certo momento ter o Tribunal a quo, necessitado de intervir e decidir nos termos que ocorreram na audiência de julgamento de 27-11-2017, atenta a recorrente atitude de total intransigência da Requerente em não concordar com qualquer pedido da D…, Progenitor Pai e até do próprio Tribunal;
U) Resulta do depoimento da Requerente/progenitora, B…, a qual, na audiência de julgamento de 27-04-2017 (registo áudio da audiência de julgamento de 27-04-2017, com início 10:20:41 e f im 12:04:08), perante a Meritíssima Juiz, de modo saloio e nada convicto, tenta justificar os egoísticos motivos que sustentam a sua teimosia em não aceitar qualquer tipo de solução no sentido de encurtar a distância (300 Km) entre as residências de ambos os progenitores;
V) Mal andou o Tribunal a quo quando decidiu do modo como decidiu, não tendo valorado, como se impunha, os depoimentos das testemunhas L…, I…, J…, K… e M…, e muito particularmente as declarações prestadas pela menor D…;
W) Os concretos factos em apreço nos autos, que foram de modo claro e abundante relatados pelas sobreditas testemunhas, e pela própria menor D…, com o devido respeito, não foram valorados pelo Tribunal a quo;
X) Tem-se que a decisão em crise não atende, como devia, quer à manifesta, intensa e clara vontade da menor D… em regressar à sua comunidade de origem, em Valongo, quer ao próprio padecimento da mesma, por seu turno, resultante quer da não satisfação da sua legitima vontade, quer, ainda, das constantes pressões psicológicas que tem vindo a ser vitima por parte da sua progenitora.
Y) Mal andou o Tribunal a quo quando decide, do modo que o faz, sem ter valorado, como se impunha, a expressa, legitima e soberana vontade da Menor D…, razão pela qual deverá ser alterada a matéria de facto dado como provada, devendo passar a constar que a mesma Menor, nas suas declarações prestadas na audiência de julgamento de 06-03-2017, a instância da Meritíssima Juiz, sem qualquer tipo de constrangimento ou reserva, exprime de forma calma e espontânea a sua expressa e convicta vontade de querer viver com o progenitor pai na cidade de Valongo;
Z) O Tribunal ad quem, face ao notório erro de julgamento, deverá reapreciar a prova testemunhal (gravada em áudio no sistema citius e aqui , para o efeito localizada e transcrita) e, ainda, a prova documental, junta aos autos, nomeadamente, a acta de fls 468 e ss, de 06-03-2017, declarações prestadas pelos progenitores em acta a fls 258 (sessão de 28-04-2015), bem como o relatório pericial de psicologia complementar junto aos autos a fls 570 e ss, tudo, pelo que levará, o Venerando Tribunal ad quem, a decidir-se, em conformidade, e nesse sentido, julgando-se que o superior interesse da menor D… ficará devidamente acautelado e, consequentemente, e no prosseguimento da sua própria e legítima vontade, ordenando-se que a Menor regresse à cidade de Valongo, local onde viveu até aos 7 anos de idade, e no qual tem sedimentados todos os seus laços familiares e de amizade, assim, ficando entregue à guarda e cuidados do seu progenitor pai;
AA) A Requerente/progenitora, conforme consta dos autos, lamentavelmente nunca fez ou fará qualquer sacrifício a favor e no sentido ir ao encontro do superior interesse da sua filha menor, de 10 anos;
BB) Nos dias de hoje reclama-se por uma cultura própria da Criança enquanto sujeito de direitos, em detrimento de uma arcaica cultura de “posse” dos Progenitores;
CC) Como é consabido, o princípio da audição da Criança traduz-se na concretização do direito à palavra e à expressão da sua própria vontade, como seja e neste particular, trata-se do seu direito à participação activa nos processos que lhe digam respeito, sendo este o caminho necessário para afirmar a Criança enquanto sujeito de direitos;
DD) A este propósito atente-se nos existentes e vários normativos, nomeadamente, art. 12º da Convenção Sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas de 1989, art. 3º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, art. 41º do Regulamento CE 2201/03, bem como a nossa Jurisprudência dominante e abundante, nomeadamente: Acórdão de 19-06-2012 (P.1516/06.0TMPRT-2.P1) – Rel. Vieira e Cunha e, ainda, Acórdão da Relação de Lisboa de 17-11-2011 - Relatora Senhora Juiz Desembargadora Carla Mendes:
" I - O direito de audição traduz uma das manifestações do interesse superior da criança, factor primordial na definição do seu estatuto.
II - Nas acções de alteração de regulação do poder paternal, cujas questões e decisões, afectam substancialmente a vida da criança/menor, este deve ser ouvido.
III - Devem ser tomadas em consideração pelo Tribunal as opiniões da criança/menor, atenta a sua idade e maturidade, nas questões que afectam substancialmente a sua vida". ;
EE) Atente-se que a "tomada de opiniões da Menor", referida abundantemente na nossa Doutrina e Jurisprudência, nunca deverá ser tida como uma mera questão formal mas, ao invés, tal tomada de opiniões deverá constituir um acto essencialmente material, ou seja, o acto de ouvir a criança, levado a cabo pelo Tribunal deve constituir uma verdade materialidade que não um acto meramente formal, muito em particular nas questões que afectam substancialmente a sua vida, sob pena de ter que se considerar esse acto como não praticado.
FF) O critério orientador na regulação das responsabilidades parentais deve ser o superior interesse do menor (artigos 1905º, nºs 1 e 2, do Código Civi l e art. 40º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível , art. 3º da Convenção sobre os Direitos das Crianças e art. 1º, da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança);
GG) Sendo este um conceito aberto, indeterminado, que carece de concretização, deve ter-se em consideração a disponibilidade afectiva demonstrada pelos progenitores, ou terceira pessoa, a (in)capacidade dos progenitores em promoverem o harmonioso desenvolvimento do menor e de se adaptar às suas necessidades;
HH) Os nossos Tribunais têm entendido que o factor relevante para determinar o superior interesse do menor é constituído pela regra da figura primária de referência, quer isto dizer, que a criança deve ser confiada à pessoa que cuida dela no dia-a-dia. A criança, através desta interação desenvolve, com as pessoas que lhe prestam cuidados diários, modelos internos de vinculação, porquanto, são as relações de afecto que garantem a segurança, que fortalecem os vínculos e promovem o desenvolvimento saudável;
II) A nossa jurisprudência dominante tem vindo a orientar-se no respeito do princípio do superior interesse da criança, veja-se, a título de exemplo: Acórdão da Relação do Por to de 26-01-2017 - Relator Senhor Juiz Desembargador Madeira Pinto, in www.dgsi.pt, Acórdão da Relação do Porto de 27-09-2017 - Relator Senhor Juiz Desembargador Emídio Pires Rodrigues, in www.dgsi.pt:
i. I - No exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio o Tribunal deverá decidir sempre de harmonia com o interesse do menor.
ii. II - Se numa situação de incumprimento do regime de visitas o menor, de 11 anos de idade, afirma de forma expressa e inequívoca a sua vontade de não ter contactos com o progenitor não guardião, esses contactos não lhe devem ser impostos pelo Tribunal, forçando-o a um convívio não desejado.
iii. III - O direito de convívio com o pai não se deve sobrepor à preservação da saúde mental e da integridade emocional do menor.
iv. IV - No entanto, tendo-se demonstrado que a mãe, como progenitor guardião, obstaculizou os contactos da menor com o pai, incumprindo o regime de visitas, deve a mesma ser condenada em multa.";
JJ) Da análise à decisão em crise, e ao decidir-se como se decidiu, constata-se que a mesma violou o princípio do superior interesse da menor D…, pois que tal decisão não teve em conta a expressa vontade da Criança (D…), nem fez a correcta ponderação e avaliação de todas as vivências negativas a que a mesma foi sujeita ao longo destes 4 anos, em resultado, como sobredito, da postura absolutamente egoísta e intransigente da Requerente;
KK) A decisão em crise deverá ser revogada e substituída por outra que tenha em devida conta o superior interesse da menor D…, decidindo-se, em conformidade, pelo seu regresso à cidade de Valongo, ficando entregue à guarda e cuidados do seu progenitor pai;
LL) É entendimento pacifico, decorrente da lei, dos regulamentos da União Europeia e das convenções internacionais vinculantes do Estado Português, que nos casos em que haja necessidade de regular o exercício de responsabilidades parentais se impõe a audição prévia da criança – nesse apontado sentido, Cfr. art. 4º, nº 1, al. c), art. 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (na redação da Lei no 145/2015, de 8 de Setembro), art. 24º nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resul tou do Tratado de Lisboa, e com idênt ica forca vinculante no espaço da União), ainda, art. 12º nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e art. 3º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças;
MM) Da conjugação dos sobrecitados preceitos, ressalta claro que aos Tribunais impõem-se ouvir a criança, de resto e concretamente, "sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse" - art. 5º RGPTC;
NN) Atente-se o Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, também conhecido por Regulamento Bruxelas II-bis, hoje em vigor, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, quando alude nos considerandos e no corpo de normas a que a criança deva ser ouvida no processo cujo reconhecimento se almeja, excepto se for considerada inadequada uma audicão, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade [Cfr. art. 41º nºs 1 e 2, al. c), do Regulamento Bruxelas II-bis];
OO) Ainda a este propósito, atente-se a vasta Jurisprudência se tem pronunciado, também quanto à necessidade de audição dos menores nos processos relativos às responsabilidades parentais, estabelecendo que tal audição se consagra como a forma mais lidima de auscultar o “superior interesse da criança” (Cfr., a título exemplificativo, Acórdão do STJ 26-01-2016, relatado pela Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, in http: / /www.dgsi.pt:
“I –A audição da criança num processo que lhe diz respeito –no caso, de promoção e protecção – não pode ser encarada apenas como um meio de prova, tratando-se antes de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta. II - O exercício do direito de audição, enquanto meio privilegiado de prossecução superior interesse da criança, está, naturalmente, dependente da maturidade desta. III –A lei portuguesa actual, seguindo os diversos instrumentos internacionais, alterou a forma de determinar a obrigatoriedade dessa audição, tendo passado a prever –onde antes se estabelecia que era obrigatória a audição de criança com mais de 12 anos “ou com idade inferior quando a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe “ – que a criança deve ser ouvida quando tiver “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo bem conta a sua idade e maturidade” (Ari. 4.º, al. c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.” 141/2015, de 08-09). IV – A ponderação acerca da maturidade da criança lerá de se revelar na decisão, só estando dispensada a justificação para a sua eventual não audição quando for notório que a sua baixa idade não a permite ou aconselha. V – A falta de audição da criança afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais.”;
PP) Importa reter, ainda, o consagrado na Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989 (ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, in DR. nº 211/90, 1ª Série, 1º suplemento, de 12 de Setembro de 1990), em particular, os seus artigos 3º, 9º e 12º, bem como o Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº / /2014, in DR , 1ª Série, nº 18, de 27 de Janeiro de 2014), em particular, os seus artigos 1º e 3º;
QQ) A este propósito refere Ana Teresa Leal, Procuradora República in http :/ /www. cej.mi.pt/cej/recursos/e books /familia/Tutela-Cível Supeior Interesse Criança TomoI.pdf ” "O direito da criança a ser ouvida e a exprimi r a sua opinião encontra-se consagrado nos Arts. 12° e 13° da Convenção Sobre os Direi tos da Criança. Portugal, como país subscritor, está obrigado ao cumprimento das directrizes ali estabelecidas. A criança tem direito a ser ouvida e a sua opinião deve ser t ida em consideração nos processos que lhe digam respeito e a afectem. Este é um direito que não pode ser visto só por si mas que deve ser t ido em conta na interpretação de todos os outros direitos.". (Sublinhado nosso ) ;
RR) Da sindicância à douta decisão recorrida, atento toda a prova produzida nos autos, constata-se que a mesma ao decidir, como decidiu, fixar a residência da menor D… com Requerente/progenitora, viola a Convenção sobre os Direitos das Crianças, nomeadamente os seus artigos 3º, 12º e 27º, bem como a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (artigos 1º e 3º), porquanto tal decisão:
- Não teve em devida conta o interesse superior da menor D…;
- Não teve em consideração a opinião expressamente manifestada pela menor D… em sede de julgamento (06-03-2017);
- Prejudicou de forma clamorosa e consciente o nível de vida da menor D…;
SS) O Tribunal a quo, da prova exaustiva constante dos autos (declarações da menor D…, dos seus progenitores, ainda, da prova documental, pericial e testemunhal), dúvidas não teve quanto a facto de que a D…, tem pior qualidade de vida em Lisboa, porquanto, isso mesmo se encontra expresso na decisão recorrida, como seja:"(...) Mais se demonstra que a criança tem na zona de Lisboa uma qualidade de vida provavelmente muito inferior à que teria se residisse em Valongo, ainda que apenas com o pai e os avós paternos, pelo apoio afectivo e logístico que estes disponibilizam. Por esse motivo a D… manifesta preferência pelo regresso a Valongo";
TT) Não obstante tal expresso reconhecimento, o Tribunal a quo, contrariamente à expressa e fundamentada vontade da D… de regressar a cidade de Valongo, decidiu fixar a sua residência na cidade de …;
UU) O Tribunal a quo não cuidou de conhecer o efectivo comportamento da Requerente/progenitora, relativamente à sua filha menor, pois que a mesma, conforme consta dos autos provocou o fútil desterro da sua filha, de Valongo para … e subsequentemente actuou com sério prejuízo da vida da menor D…, pois que no decurso dos presentes autos que se arrastaram (quase um ano em sessões de julgamento entre 06-03-2017 até 14-02-2018), a mesma Requerente veio em seu exclusivo interesse e conveniência, sucessivamente alterando toda a vida da D…, sempre que era confrontada com pedidos de informações, quer por parte do Tribunal, quer por parte do progenitor pai, quanto à escolha da Ama em que foi "depositada" a menor, a sua subsequente e súbita mudança para o ATL, em resultado dos insistentes pedidos de informações sobre as habilitações daquela mesma Ama junto do Instituto da Segurança Social, IP, bem como dos respectivos horários de trabalho da mesma Requerente na dita sapataria no shopping e a abrupta rescisão do seu contrato de trabalho, ainda, os mesmos pedidos de esclarecimento quanto à sua nova situação profissional, tudo com o único e exclusivo objectivo de ocultar e "arrastar" no tempo o términus dos presentes autos;
VV) O Tribunal a quo, tendo em conta a factualidade por si vertida na decisão em crise, expressamente refere:

O Tribunal a quo, tendo em conta a factualidade por si vertida na decisão em crise, expressamente refere: “(…) É certo que não se afigura que a progenitora venha colocando o interesse da filha em primeiro lutar, antes tendo adaptado a vida da criança aos seus próprios interesses, não se evidenciando que lhe fosse inteiramente impossível, após a separação conjugal, ter fixado a sua residência em local mais próximo das demais figuras afectivas de referência da D… (até porque tem familiares em …. Mais próximo de …. Evitando, desse modo, desenraizá-la do mundo, das rotinas e das relações que conhecia, e que tal conduta não se pode considerar isenta de censura. Como igualmente se afigura inadequada a conduta de deslocar a residência da criança para tão grande distância, sem conhecimento do progenitor, escasso período de tempo depois de ver- lhe atribuída a residência provisória da mesma, decisão judicial tomada perante um contexto geográfico inteiramente diverso do posteriormente criado. Porém, não poderá nem deverá, visando sancionar-se uma conduta porventura censurável do adulto, acabar por penalizar-se ainda mais a criança, que vem sofrendo demasiado com as vicissitudes da sua vida, com acontecimentos que não pode controlar, ainda que beneficiando do facto de deter uma matural resiliência de nível …)”. (sublinhado e negrito nosso);
WW) O Tribunal a quo nunca poderia ter decidido nos termos em que o fez, sob pena de se encontrar a "premiar" a conduta da progenitora infractora, e com isso, desde logo, a continuar a "penalizar" a própria Menor, além de fazer agravar a "tormenta" dos seus familiares paternos no que respeita aos elementos psicológicos, afectivos e financeiros, pois que, o Requerido, progenitor pai conjuntamente com os demais familiares, ao longo destes infindáveis 4 (quatro) anos tudo têm feito no sentido de mitigar o notório sofrimento da D…;
XX) Ao Tribunal a quo, tendo em conta toda a prova produzida, impunha-se uma ponderada e cimentada decisão quanto à escolha do progenitor com quem a menor deveria residir, pois que, ao invés, impunha-se não valorar apenas vertentes puramente emocionais, ou meros estados de espirito, devendo antes ponderar, conjugadamente, todas as vertentes atinentes ao sempre desejável e necessário desenvolvimento integral da pessoa da menor D…;
YY) A decisão em crise deverá ser revogada e substituída por outra que tenha em devida conta o superior interesse da menor D…, decidindo-se pelo seu regresso a cidade de Valongo, assim, ficando a mesma entregue à guarda e cuidados do seu progenitor pai;
ZZ) Face à questão em apreço, a decisão ora em crise deveria ter em conta, e assim respeitar, quer os normativos nacionais (Código Civi l, Regime Tutelar Processo Tutelar Cível, Constituição da República Portuguesa), quer as convenções internacionais (Convenção sobre os Direitos das Crianças e a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças), quer ainda, e nomeadamente, as normas comunitárias (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o Regulamento UE 2201/2003);
AAA) Uma das questões objecto do presente Recurso radica na valoração da expressa opinião e vontade manifestadas pela própria menor (D…) a qual se encontra em registo áudio no sistema citius da audiência de julgamento de 06-03-2017;
BBB) Se é certo que o Tribunal a quo ouviu a Menor em sede de declarações, não é menos certo que tais declarações não foram consideradas na matéria dos factos provados, nem tão pouco, conforme decorre da douta sentença, as mesmas foram tidos em conta na decisão ora recorrida;
CCC) No presente recurso impõe-se suscitar o incidente de reenvio prejudicial, ao abrigo do disposto no artº 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no qual tendo em conta o preceituado nas normas dos arts. 4º, nº 1, al c), e 5º do RGPTC pretende questionar-se o Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a concreta questão, a saber:
- Qual o valor a ser atribuído às declarações da Menor, em sede de processo de regulação das responsabi l idades parentais, no âmbito da decisão a ser proferida pelo Tribunal;
DDD) A questão aqui referida poderá suscitar dúvidas por ausência de Jurisprudência comunitária consolidada, pelo que, neste particular, e nos termos do disposto no artigo 267º do TFUE, desde já deverá suscitar-se, por via do reenvio prejudicial, tal expediente interpretativo ao Tribunal de Justiça da União Europeia;
EEE) Considerando todo o supra exposto, a decisão em crise, encontra-se a violar, nomeadamente, o estatuído no art. 1905º, nº 1 e 2, do Código Civil, artigo 4º, 5º e 40º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o art. 69º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 3º, 12º e 27º, da Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989, os artigos 1º e 3º, da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, o art. 41º, nº 2, al. c), do Regulamento (CE) nº 2201/2003 , o art. 24º nº 2, da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que, e em face de tal violação, deverá Tribunal ad quem, revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que passe a ter em devida conta, e respeite, o superior interesse da menor D….» (sic)

Defendeu, assim, o recorrente a substituição da decisão recorrida por acórdão que delibere o regresso da criança à residência paterna, em Valongo, ficando a mesma entregue à sua guarda e cuidados, fixando-se, em conformidade, o regime de visitas à progenitora.
*
A Requerente respondeu ao recurso, argumentando que a apelação é extemporânea e, sem prescindir, que faz todo o sentido a posição assumida pela Ex.ma Perita, no relatório junto a 27.4.2017, de que é prejudicial à criança a redução do tempo que passa com a mãe, ainda que o apelante, conforme foi dito pelo seu próprio pai, vive na miséria apesar do seu rendimento e que as transcrições e passagens de gravação vertidas no recurso foram truncadas e falseadas. Referiu também que a decisão recorrida fez correta apreciação da matéria de facto e aplicação correta do Direito, inexistindo qualquer nulidade nem questão prejudicial a submeter ao Tribunal de Justiça.
Concluiu, por tudo, pela improcedência da apelação.

A Digna Magistrada do Ministério Público também respondeu à apelação no sentido de que seja negado o seu provimento.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).
Com efeito, estão para apreciar e decidir as seguintes questões:
1. A título de questão prévia[2], a extemporaneidade do recurso;
2. Nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão;
3. Violação do disposto no art.º 607º, nº 3, do Código de Processo Civil (exame crítico da prova);
4. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto;
5. Erro na aplicação do Direito quanto à atribuição da residência da D… à mãe, com as consequências daí advindas em sede de regime de visitas e responsabilidade pelo pagamento da pensão de alimentos.
*
III.
O tribunal deu como provada e relevante a seguinte matéria de facto[3]:
1. Requerente e Requerido são casados um com o outro, tendo contraído matrimónio no dia 24 de Agosto de 2002, mas desde 23 de Maio de 2014 que se encontram separados de facto e apartaram a natural comunhão de cama e mesa inerente ao casamento.
2. Desta relação nasceu D… em 03 de Janeiro de 2008.
3. Até ao 1º ano de escolaridade a D… frequentava o Colégio N….
4. Nessa época os avós paternos asseguravam frequentemente a sua deslocação ao colégio e prestavam apoio aos pais nos cuidados à D…, com quem mantinham boa relação, tomando esta e os pais frequentemente refeições em casa daqueles, para além de a criança aí pernoitar algumas vezes.
5. O progenitor era o encarregado de educação, mas ambos os pais compareciam na escola sempre que necessário, mostrando-se interessados relativamente ao percurso escolar da filha.
6. A separação dos progenitores ocorreu em 23 de Maio de 2014, na sequência de conflito entre aqueles em cujo âmbito ambos procuraram e receberam assistência hospitalar e apresentaram reciprocamente queixa criminal por violência doméstica, tendo a progenitora saído da casa de morada de família e ido para casa de familiares seus, em …, Esposende, levando consigo a filha, que aí ficou a residir e deixou de comparecer na escola que frequentava, onde só voltou para realizar os exames de final de ano lectivo, em 3 de Junho, faltando às três últimas semanas de aulas, ficando o progenitor durante alguns dias sem saber onde estava a filha.
7. Em conferência de 12.06.2014 foi fixado regime provisório com residência da criança com a mãe, sendo estabelecidas visitas ao progenitor em fins de semana e à quarta-feira alternadamente.
8. Posteriormente, em data não concretamente apurada mas anterior a 23.07.2014, sem dar prévio conhecimento ao progenitor, a progenitora transferiu a sua residência e a da D… para …, onde, apesar de ser professora licenciada em O…, passou a trabalhar numa sapataria localizada num centro comercial em Lisboa e a residir num apartamento propriedade de uma irmã sua, igualmente residente na área de Lisboa.
9. Nesse momento a progenitora, sem prévio conhecimento do progenitor, inscreveu a D… em estabelecimento de ensino situado em …, que a mesma, desde o 2º ano de escolaridade, passou a frequentar.
10. A progenitora deu conhecimento de tal mudança de residência nos autos em 23.07.2014.
11. A D… tem mantido contactos regulares com o progenitor e avós paternos, que, desde 2015, na sequência de alteração de regime provisório decretada nos autos, vêm sendo em três fins de semana por mês, dois de sexta-feira a domingo e um de sexta-feira a sábado, bem como contactos telefónicos diários.
12. Em … a progenitora conta com o apoio da sua irmã I… na prestação de cuidados à D… durante os seus impedimentos profissionais.
13. Em … a I… vive gratuitamente com a mãe em apartamento T3 propriedade da tia materna, P…, com adequadas condições de habitabilidade.
14. Quando frequentava o 2º ano de escolaridade a D… estava bem integrada no grupo de pares e tinha um aproveitamento de nível Bom.
15. A mãe era então a encarregada de educação, o que ainda sucede, e manifestava interesse pelo acompanhamento do percurso educativo da filha.
16. Quanto a progenitora trabalhava na sapataria, o seu horário de trabalho por turnos e com folgas rotativas levava a que a D… tivesse de ficar, inicialmente, aos cuidados da sogra da sua tia P…, de nome H…, professora reformada; posteriormente, em 2015, a progenitora era assistida nos cuidados a prestar à D… por uma ama, de nome Q…, o que ainda se mantinha em 2016.
17. A ama assegurava as deslocações da criança para e da escola nos períodos de impedimento profissional da mãe.
18. A D… permanecia na casa da ama desde as 07h15m até às 09h05m e das 17h30m até às 19h30m (quando a mãe saía às 18 h) ou até às 21h30m (quando a mãe saía às 20h).
19. A criança jantava na casa da ama nos dias em que a mãe saía do trabalho na sapataria mais tarde, tendo chegado a pernoitar na casa daquela.
20. Posteriormente, a D… passou a ficar certos períodos de tempo, durante o horário laboral da mãe, aos cuidados da tia materna, P…, residente em Lisboa, que assegurava as deslocações da criança.
21. Nas semanas em que a progenitora saía mais tarde da sapataria, em alguns dias da semana a D… jantava na casa da tia P… e, noutros, era esta que se deslocava a casa da D….
22. A tia P… é casada e tem dois filhos, trabalhando como coordenadora na S…; o seu marido é professor.
23. Em Junho de 2016 a D… não apresentava sinais nem sintomas sugestivos de desajustamento; parecia estar adaptada e ajustada à nova realidade sociofamiliar e escolar; revelava ser uma criança dócil, inteligente e resiliente; na interacção com os pais a menor revelou afectividade positiva com ambos, registando, porém, níveis mais ansiosos na presença do pai, a quem revelava maior necessidade de agradar; os pais e os avós paternos (os quais, por vezes, parecem sobrepor-se em relação ao pai), destacaram-se no seu universo relacional como importantes figuras de vinculação.
24. A D… passou a ter acompanhamento psicológico em Valongo, por iniciativa do progenitor, que de tal não deu conhecimento à progenitora.
25. A partir de Janeiro de 2017 a D…, que frequenta, actualmente, o 5º ano, passou a frequentar um ATL situado nas imediações da sua residência em …, que assegura as suas deslocações para a escola no impedimento profissional da progenitora.
26. Os horários profissionais da progenitora na sapataria levavam a que a D… fizesse diariamente deslocações de duração não concretamente apurada, mas de aproximadamente 1 hora, consoante fosse em viatura da mãe e/ou em transportes públicos e seguisse os horários acima referidos, primeiro com o auxílio da ama e, posteriormente, da tia materna, o que lhe provocava cansaço; levavam ainda a que a D… passasse parte do fim de semana em que não vinha a Valongo, designadamente, do dia de sábado, na casa da tia, dado que a progenitora apenas folgava um domingo por mês; a D… levanta-se muito cedo durante a semana e a mãe leva-a para o ATL antes de iniciar as aulas.
27. Nos fins de semana passados em Valongo a D… está com o pai e com os avós paternos, pernoitando várias vezes em casa destes, onde dispõe de quarto próprio, com o pai, que igualmente dispõe de quarto para si, embora pernoite outras vezes na casa do pai; convive também com a tia paterna, que é solteira e reside no Estoril, mas passa regularmente os fins-de-semana em Valongo; frequenta aulas de natação e piano, convive com amigas e tem acompanhamento, sobretudo da avó e do pai, nos estudos; vivencia estes momentos com grande satisfação.
28. Em Valongo a D… conta com o apoio dos avós paternos e as deslocações casa-escola que faria se aqui residisse seriam, previsivelmente, mais curtas e menos demoradas.
29. A D… manifesta vontade de viver com ambos os pais em Valongo, declarando desejar que a mãe regressasse a esta localidade, desejando ainda regressar ao colégio que frequentava, onde declarou manter amigos.
30. Declara, na impossibilidade de a mãe regressar a Valongo, desejar viver durante a semana em Valongo com o pai e os avós paternos e passar fins de semana com a mãe.
31. Porém, à medida que a D… se apercebe que se passar a residir com o pai em Valongo tal implicará uma ampla redução do período de tempo passado com a progenitora, observa-se uma inegável elevação da sua desorganização emocional.
32. A D… manifesta deter uma vinculação securizante com ambos os progenitores.
33. Em Abril de 2017 a D… revelou à Sra. Perita que “disse à mãe que queria ficar com ela e disse ao pai que queria ficar com ele”; “bom era que a mãe viesse viver para o Porto”, “queria passar igual tempo com o pai e com a mãe”, “queria estar com os dois. Eu gosto dos dois”.
34. Em Abril de 2017 a D… revelava grande nervosismo e ansiedade, choro fácil tristeza, agitação psicomotora e, sobretudo, medo de magoar os progenitores ou de deixar de conviver (ou passar a ter menos tempo) com cada um deles.
35. A D… está a ser alvo de pressões (quer do lado paterno quer do lado materno) para fazer uma escolha, experienciando grande desconforto e desajustamento psicoemocional resultante desta situação.
36. A D… revela afectividade positiva face a ambos os progenitores, assim como aos avós paternos.
37. A D… revelou à Sra. Perita vários momentos de interação com estas figuras de vinculação, beneficiando positivamente de tais experiências, o mesmo sucedendo com a tia materna e respectivo agregado.
38. Os motivos que levam a D… a preferir residir em Valongo prendem-se com a presença dos avós paternos e dos amigos, bem como o apoio logístico prestado pelos avós paternos, os quais mantêm disponibilidade para proceder ao acompanhamento da D… como faziam enquanto a mesma residia em Valongo.
39. No 3º período do 4º ano a D… teve suficiente a português e matemática, Bom a estudo do meio e Muito Bom a inglês.
40. No 1º período do 5º ano a D… tirou 4 notas de nível 3 e 6 notas de nível 4.
41. Nos esclarecimentos complementares prestados em audiência, a Sra. Perita manifestou o parecer de que, embora a deslocação da residência da D… para Valongo tivesse vantagens em termos logísticos, provocaria um corte com a figura de vinculação mãe, potenciando stress para a criança; e que no regime actualmente vigente a D… consegue manter as diversas figuras de vinculação, o que é promotor de equilíbrio, estando a criança adequadamente adaptada, apesar das dificuldades de logística vivenciadas no dia-a-dia.
42. O progenitor é professor e trabalha como formador independente, auferindo montante variável, em função do número de horas prestado, que atinge em média, após pagamento de impostos e contribuições sociais, entre €1.200,00 e €1.500,00; suporta despesas com a prestação habitacional da casa de morada de família, no valor de cerca de €244,41, a que acresce seguro de vida, condomínio, água e luz, bem como despesas de deslocação, particularmente agravadas no tocante às deslocações para passar os fins-de-semana com a filha, no que é auxiliado materialmente pelos seus pais.
43. O seu horário de trabalho não é fixo, sendo tendencialmente os serviços prestados entre as 08h e as 20h.
44. A progenitora suporta com a D… despesas com ballet e ATL, no valor de cerca de €130,00 por mês, para além de alimentação, cerca de €200,00 por mês, e vestuário, em montante não concretamente determinado; suporta ainda despesas com água, electricidade, TV Cabo e condomínio.
45. O progenitor não revela traços de patologias mentais nem de sintomatologia psicopatológica sugestiva de incapacidade para adequado exercício das responsabilidades parentais; porém, apresenta uma natureza mais competitiva do que colaborativa, dificuldade em perdoar e esquecer, tem um funcionamento racional, é prático, resistente e satisfeito consigo próprio, sentindo grande necessidade de deter controlo e previsibilidade sobre as situações, podendo revelar-se agressivo; encontra-se emocionalmente ligado à criança, identifica, de forma informada e responsável, as principais necessidades desta, revelando conhecimentos importantes acerca do desenvolvimento infantil; revela competências positivas ao nível da capacidade de estimulação e acompanhamento da criança, de organização pessoal e da vida familiar quotidiana; porém, apresenta uma atitude de constante suspeição em relação à capacidade parental e decisões da progenitora.
46. A progenitora apresenta um perfil de elevada defensividade, características introspectivas, retraídas e inibidas da personalidade, que se manifestam no relacionamento interpessoal, podendo apresentar fraca capacidade de insight (capacidade para pensar/ reflectir sobre as suas experiências emocionais); não revela índices de perturbação de personalidade patológica; procura transmitir uma imagem de adequação psicológica e normalidade social, funcionando com rigidez psicológica, necessidade de controlo das emoções e contenção das mesmas e algumas fragilidades ao nível da auto-estima; apresenta, porém, valores de nível alto e médio/alto no campo das competências importantes no exercício do papel de cuidador; não apresenta aspectos desfavoráveis no perfil de cuidador, apresenta baixo grau de agressividade, competências ao nível do controlo dos impulsos, capacidade para resolver conflitos, assertividade, reflexividade, equilíbrio emocional, capacidade para estabelecer vínculos afectivos e de apego e tolerância à frustração, características favoráveis atendendo à faixa etária da D….
47. O Requerido tem a sua vida profissional estabilizada e beneficia do apoio dos seus progenitores, com quem a menor mantém uma boa relação afectiva.
48. É auxiliado pelos seus pais, em termos monetários, que suprem (têm suprido até ao momento) todas as necessidades a que o agregado do Requerido não pode acorrer.
49. Os quais são extremosos pela neta que tanto amam e estimam.
50. O Requerido reside na casa de morada de família, local onde a menor viveu até aos 7 anos de idade.
51. Foi no local onde vive o Requerido, que a menor cimentou as suas amizades até essa idade.
52. A progenitora, no corrente ano lectivo voltou a encontrar colocação como professora em estabelecimento de ensino localizado em …, Oeiras, sendo o seu horário incompleto, de 15 horas semanais, de segunda a sexta-feira, de manhã, só trabalhando de tarde à terça-feira, até às 15h20m, auferindo o vencimento ilíquido de €1.035,43.
*
Declarou o tribunal que não se provou qualquer outra factualidade alegada com interesse para a decisão.
*
IV.
1. Questão prévia: A extemporaneidade da apelação
Nas suas contra-alegações, diz a recorrida B… que, nos termos do art.º 32º, nº 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro)[4], o prazo de recurso é de 15 dias, razão pela qual o recurso do Requerido, apresentado no dia 23.4.2018, é extemporâneo.
De acordo com o art.º 638º, nº 1, do Código de Processo Civil, o prazo de que a parte dispõe para a interposição de recurso é de 30 dias a contar da notificação da decisão, sendo, no entanto, de 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no nº 2 do art.º 644 e no art.º 677º do mesmo código.
Não obstante os processos abrangidos pelo RGTC não poderem ser todos considerados urgentes, mas apenas aqueles cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança, na expressão do art.º 13º, o art.º 32º, nº 3, o mesmo regime legal estabelece uma norma especial relativa aos recursos interposto nos processos tutelares, segundo a qual são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias.
Esta norma eliminou a dúvida que anteriormente poderia subsistir da aplicação conjugada dos art.ºs 159º e 160º da OTM quanto ao prazo de interposição e alegação de recurso, sendo atualmente, como vimos, de 15 dias.
Na falta de norma especial relativa ao prazo de recurso, quando seja impugnada a decisão proferida sobre matéria de facto, aplica-se, por força do nº 1 do art.º 33º do RGPTC, o nº 7 do citado art.º 638º, pelo que, ao dito prazo de 15 dias, acrescem 10 dias, sendo de 25 dias o prazo total de que o apelante dispõe para apelar.
O apelante propôs-se ali impugnar a decisão em matéria de facto, desde logo no introito recursivo, ao referir sob o ponto “II – Razões para alteração da decisão recorrida”, al. “B) Do erro na apreciação da matéria de facto;”, passando depois a tratar essa matéria nas alegações propriamente ditas, entre os itens 17º e 49º, fazendo ainda referência, entre outras, às normas dos art.ºs 638º, nº 7, 640º, do Código de Processo Civil, que respeitam ao prazo e aos requisitos de impugnação da decisão relativa a matéria de facto. Apelou à gravação de depoimentos.
O apelante foi notificado da sentença recorrida por envio eletrónico do dia 14.3.2018, devendo iniciar-se a contagem do prazo no dia 19 de março (dia 18 foi domingo). Como o processo não foi declarado urgente nos termos do art.º 13º do RGPTC --- nem havia razão para tal qualificação, por estar em vigor um regime provisório de RERP --- não deve ser contado no prazo de recurso o período de férias judicias da Páscoa decorrido entre 25 de março e 2 de abril. Assim, o prazo de 25 dias (15 +10 dias) de que o apelante dispunha para interpor o recurso terminou no dia 23 de abril de 2018, precisamente o dia em que foi apresentado em Juízo o requerimento com as respetivas alegações.
Com efeito, a apelação está em tempo.
Improcede a questão prévia suscitada pela recorrida.
*
2. Nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão
O recorrente situa este vício na al. D) das conclusões por: “(…) os fundamentos invocados pela Meritíssima Juiz do tribunal a quo, deveria, necessariamente, ter conduzido não ao resultado expresso na decisão (fixação da residência da D… com a progenitora), mas sim a um resultado oposto (fixação da D… co o progenitor pai), pois as premissas de facto e de direito que o Tribunal de 1ª Instância teve por apuradas, obrigatoriamente levariam a essa mesma decisão;

Uma das causas de nulidade de sentença (taxativamente) previstas na lei processual civil é a oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão (al. c) do nº 1 do art.º 615º).
A nulidade resultará dos próprios termos da sentença e estará relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 154° e 607°, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, de fundamentar as decisões e, por outro lado, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Esta oposição é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir.[5]
Segundo Anselmo de Castro[6], esta causa de nulidade confunde-se com a falta de fundamentação (de facto ou de direito) prevista na alínea b) da mesma disposição legal: “Com efeito, se os fundamentos invocados conduzem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente, em última análise a decisão carece de fundamento.
Trata-se de um vício que compromete a decisão desde logo na sua construção. A decisão perde a sua justificação ao apoiar-se ostensivamente numa base que, na realidade, não a sustenta. Os fundamentos dela constantes conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso e querido pelo juiz subscritor, mas a um resultado oposto ou, pelo menos, bastante diferente, de tal modo que a decisão não é um ato considerado racionalmente sustentado; antes revela uma distorção do raciocínio que se impõe entre as premissas de facto e de direito e a conclusão. A fundamentação há de apontar num sentido enquanto o segmento decisório segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direção claramente diferente.
Não se verifica a oposição geradora desta nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação. A circunstância de o juiz ter eventualmente extraído ilações e explanado o seu raciocínio com argumentos e razões não sustentadas nos factos provados não é problema de nulidade de sentença.
É evidente que não existe contradição entre os fundamentos e a decisão proferida. Percorrendo as alegações de recurso, observa-se com facilidade que o apelante não aponta qualquer vício de construção lógica na sentença que a invalide enquanto tal, mas discordância quanto à solução encontrada em face dos factos provados ou que deveriam ter sido considerados provados.
Basta ler a sentença, a sua fundamentação de facto e de Direito, para compreender progressivamente que o tribunal vai fixar a residência da D… com a progenitora, ainda que reconheça ao recorrente qualidades suficientes para que seja atribuía a sua residência à criança.
As passagens da fundamentação da sentença que o recorrente aponta nas alegações correspondem a uma parte da discussão judicial das vantagens e desvantagens da entrega e guarda da D… a cada um dos pais. Ali, medindo criticamente os prós e os contras e apontando para o interesse da criança, conclui que deve ser entregue à mãe, tal como se decide depois no dispositivo da sentença.
O que o recorrente defende é que os factos dados como provados deveriam conduzir à fixação da residência da criança com ele e não com a mãe; o que o tribunal entendeu foi que os mesmos factos conduzem à sua entrega à progenitora e assim decidiu fundamentadamente e sem a contradição apontada.
Estamos perante uma divergência na apreciação jurídica que o recorrente faz relativamente à decisão recorrida, não perante um vício capaz de invalidar a sentença, designadamente por oposição entre os fundamentos, sejam eles de facto ou de Direito, e a decisão sentenciada, cujo sentido lógico exigível, enquanto fator de validade do ato, é inquestionável.
Improcede a invocada nulidade.
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3. Violação do disposto no art.º 607º, nº 3, do Código de Processo Civil (exame crítico da prova)
Alega o apelante que o tribunal não efetuou convenientemente o exame crítico das provas. Ilustrando esta afirmação, diz-nos, além do mais, que na fundamentação dos factos provados não foram incluídas “as expressas declarações prestadas pela menor D.. em sede de audiência de discussão e julgamento (…) súmula, de resto, constante da acta, a fls. 468, na qual a menor D… expressamente declara à Meritíssima Juiz que: «… preferia que a mãe viesse viver para Valongo. Gostava de passar a semana com o pai em Valongo e os fins de semana com mãe»;”. Entende que a menor deixou expressa de modo muito claro, quer quando foi ouvida em audiência, quer no exame pericial complementar junto a fls. 570 e seg.s, a sua vontade de viver com o pai durante a semana e de passar os fins de semana com a mãe e que está pressionada pela mãe para se manter afastada do local onde nasceu, da residência do pai e dos seus avós paternos.
Pois bem!
A fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem imposição constitucional (art.º 205º, nº 1, da Constituição da República), tal é a importância que a Lei lhe concede, como garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, enquanto instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso.[7]
Na lei ordinária, o dever de fundamentação de facto e de direito da sentença, previsto no art.º 607°, aplica-se ao conhecimento das questões decididas naquela peça processual, entendendo-se por estas os pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes basearam as suas pretensões. Não há agora, no novo Código de Processo Civil, um momento processual autónomo em que o juiz aprecie a prova produzida; é na sentença que se decide em matéria de facto, ali se produzindo também a motivação dessa decisão.[8]
No que respeita à prova submetida à sua livre apreciação, a que se referem, tradicionalmente, a primeira parte do nº 4 e do nº 5 do art.º 607º - prova pericial (art.º 389º do Código Civil e art.º 489º), prova por inspeção judicial (art.º 391º do Código Civil), prova por verificação não judicial qualificada (art.º 494º, nº 3), prova testemunhal (art.º 396º do Código Civil) e prova por declarações de parte (art.º 466º, nº 3) --- deve o juiz analisar criticamente as provas na sentença, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Refere Paulo Pimenta[9], de modo lapidar, que “… é indispensável que o julgador explicite as razões pelas quais decidiu assim e não de outro modo. Tais razões exigem sempre a análise crítica das provas e a especificação dos demais fundamentos decisivos para a convicção do juiz. É assim que o juiz explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim que, por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, as hesitações que não teve (ou teve), a naturalidade e a tranquilidade que teve (ou não). … o juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a “identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do julgador” e ainda “a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto”. Mas, citando e concordando com A. Abrantes Geraldes, acrescenta em nota de rodapé que “na certeza de que cada caso ditará específicos e particulares cuidados na apreciação da prova, … cientes de que a verdade absoluta é estranha ao Direito e que, por conseguinte, a formulação de juízos judiciários deve assentar, conforme as circunstâncias e a natureza do caso, em critérios que se orientem pela verosimilhança ou pela maior ou menor probabilidade, não devem ser feitas exigências probatórias irrealistas que, na prática, acabem por revelar uma situação de denegação de justiça”.
A este propósito, Lebre de Freitas[10] ensina que “ainda que a prova seja gravada e, portanto, susceptível de ser reapreciada pela Relação …, a necessidade de fundamentação séria leva, indirectamente, o tribunal a melhor confrontar os vários elementos de prova, não se limitando à sua intuição ou às impressões mais fortes recebidas na audiência decorrida e considerando, um a um, todos os factores probatórios submetidos à sua livre apreciação, incluindo, nos casos indicados na lei …, os relativos à conduta processual da parte. A fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o auto-controlo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional”.
Refere Teixeira de Sousa[11] que “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Volvendo à sentença, o que se observa é uma motivação exaustiva da decisão em matéria de facto ao longo de cerca de 7 páginas densamente escritas em minúscula letra de forma. E se, em parte, se faz ali referência simples ao que cada uma das testemunhas referiu (o que seria dispensável face à gravação dos depoimentos) ou ao que se refere em determinado documento[12], é apodítico que foi realizado exame crítico das provas e que o tribunal não omitiu as declarações da criança produzidas quer na audiência, quer nos exames periciais, refletidas nos respetivos relatórios.
Mal se compreendem mesmo as reservas de fundamentação deixadas pelo recorrente quando da motivação resultam os seguintes excertos, cuja transcrição não deixa dúvidas:
«(…)
- No que se reporta ao perfil, estado e repercussões emocionais, bem como à vontade e nível de compreensão dos acontecimentos, por parte da D…, foi determinante, por dotado, pela sua própria natureza, de maior objectividade do que os depoimentos testemunhais ou declarações de parte, o teor dos relatórios periciais de psicologia de fls. 402 e ss. (de 30.12.2016, reportando-se, porém, a exame datado de 22.06.2016); relatório complementar de fls. 520 e ss. (=fls. 570 e ss., com data de exame de 07.04.2017 e data de relatório de 05.05.2017) e esclarecimentos presenciais prestados pela Sra. Perita em audiência; do relatório complementar resultou patente encontrar-se a D… a ser alvo de fortes pressões por parte de ambos os lados da família no sentido de manifestar a sua preferência, com o consequente elevado grau de sofrimento emocional; estas pressões vieram ainda, posteriormente, a revelar-se no teor dos documentos de sentido contraditório, alegadamente manuscritos pela D…, que vieram a ser juntos em audiência, em fase posterior, pela avó paterna e pela progenitora – cfr. fls. 715 e ss. e fls.733, respectivamente; resultou ainda do relatório complementar que a D… gostaria de viver em Valongo e passar igual período de tempo com cada um dos progenitores, mas rejeita frontalmente a possibilidade de passar substancialmente menos tempo com a sua mãe, como sucederia se a sua residência habitual fosse transferida para Valongo;
(…)
dos elementos periciais não resulta minimamente que a D… se sinta tratada de forma discriminatória ou cruel pelo agregado familiar da tia, resultando, outrossim, que sente maior necessidade de agradar ao pai e também que, em face do penoso conflito de lealdade em que se encontra, verbaliza a cada um dos progenitores que prefere residir consigo (cf. fls. 524); Elementos estes conjugados com o teor das declarações prestadas pela criança em audiência (cf. acta de fls. 468 e ss., de 06.03.2017), em que, expressamente, afirmou que o que quer é que a sua mãe venha viver para Valongo; não sendo tal possível, gostaria de vir passar a semana a Valongo com o pai e os avós e os fins de semana com a mãe; no entanto, esta segunda opção, à luz dos esclarecimentos periciais posteriormente prestados, não assume consistência, atendendo a que a Sra. Perita declarou que a criança, quando se apercebe da redução real de tempo passado com a mãe que daí resultaria, entra em estado de desorganização emocional, para além do que a criança demonstra adequada vinculação com ambas as figuras parentais e os seus motivos de preferência pela localidade de Valongo são, essencialmente, de carácter logístico (ainda que não se negando a sua relevância), nomeadamente, pelo maior apoio prestado pelos avós paternos, menores e menos prolongados trajectos diários a percorrer, com o inerente menor cansaço e presença de amigas da antiga escola, estabelecimento para onde desejava regressar; apesar de manifestar preferência pela vivência em Valongo, descrevendo com agrado o modo como passa os fins de semana nesta localidade, a D… declara que também tem amigas de quem gosta na escola de …, cujos nomes indica. Acresce que o próprio avô paterno da menor, I…, declarou que, após o início do corrente ano lectivo, ao invés do que receava, encontrou a D… bem disposta, parecendo-lhe que tudo teria corrido bem na nova escola.
(…)».
É manifesto o exame crítico das provas e dos factos que delas resultam, tal como se evidencia que o tribunal ponderou as provas no seu conjunto, incluindo os elementos referentes à vontade da D… expressa em audiência e nos relatórios perícias. A formação da convicção funda-se justamente na conjugação crítica de provas. O tribunal não tinha que dar como provadas as referências efetuadas pela criança como correspondentes a factos. Estes podem coincidir, ou não, com as afirmações da criança, devendo estas ser conjugadas com outras provas produzidas em ordem à apreensão da realidade. Facto é a declaração em si, não necessariamente o seu conteúdo.
O tribunal não tem que transcrever declarações, depoimentos ou informações; tem apenas que os discutir para atingir os factos, deixando transparecer os meios de prova que está a utilizar e os motivos da sua confiança ou desconfiança relativamente aos mesmos.
É seguro afirmar que o tribunal levou em consideração as declarações da menor no exame crítico que realizou, entre as demais provas, devendo ter-se os factos dados como provados como motivados.
Temos como regularmente efetuado o exame crítico das provas ao abrigo do nº 4 (e não do nº 3) do art.º 607º do Código de Processo Civil.
Improcede também esta questão que poderia levar ao cumprimento da al. d) do nº 2 do a 662º do Código de Processo Civil, se não apenas ao reexame da decisão em matéria de facto quando regularmente impugnada.
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4. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto
O art.º 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, prescreve que:
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravações nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do subsequente nº 2, al. a), “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação.
São conhecidas as divergências doutrinárias e jurisprudenciais surgidas desde a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil quanto à interpretação daquele normativo, havendo hoje uma tendência para moderar o grau de exigência no cumprimento do referido ónus de impugnação, designadamente em sede de conclusões das alegações quando nas alegações propriamente ditas esse ónus seja cumprido com suficiente satisfação das razões da sua previsão legal.[13]
Assim, as alegações:
- Especificarão os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar e a decisão a proferir, de tal modo que fique delimitado o objeto do recurso;
- Especificarão os concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, de tal modo que permitam o exercício esclarecido do contraditório, servindo também de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Tem-se entendido que, cumpridos estes requisitos nas alegações do recurso, o recorrente só deverá especificar nas conclusões das alegações os concretos pontos de facto, já que são estes que, nesta parte, delimitam o objeto do recurso, e a decisão a proferir, sendo que a especificação dos meios de prova e a indicação das passagens das gravações são simples elementos de apoio à argumentação probatória e não obstam à admissão do recurso se constarem apenas das alegações.
De outro passo, a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.[14]
Miguel Teixeira de Sousa, ao comentar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, proc. 212/06.3TBSBG.C2.S1[15], assumindo uma posição menos exigente, culmina a sua exposição mesmo com o seguinte parágrafo: “Embora se afigure mais curial que a especificação dos pontos de facto impugnados e mesmo a indicação da decisão a proferir sobre cada facto constassem das conclusões do recurso, face à ambiguidade da lei, inclinamo-nos para um critério moderado, no sentido de aproveitar a especificação que seja feita no corpo das alegações, desde que provida do recorte e clareza necessários à delimitação do objeto do recurso, nessa parte."
Em bom rigor, o apelante não efetua uma discriminação precisa dos factos que, em sua opinião, devem ser considerados provados ou de factos que assim tenham sido atendidos pelo tribunal recorrido e que devam ser tidos como não provados.
Não obstante, com algum esforço, de exigibilidade discutível, conseguimos descortinar, na amálgama da argumentação utilizada no recurso o que parecem ser os factos que o recorrente entende estarem provados com base nos meios de prova que também indicou e que o tribunal não terá considerado. A avaliar pelas contra-alegações da recorrida, da falta de correta especificação desses factos não resultou prejudicados o contraditório. São eles:
1. A menor declarou ao tribunal que preferia que a mãe fosse viver para Valongo e que gostava de passar a semana com o pai naquela localidade e os fins de semana com a mãe.
2. A Requerente, de forma egoísta e caprichosa, não aceitou a decisão da sua filha, tendo passado a infernizar a vida da D… a partir daquele momento, ao ponto de influenciar e reversão daquela sua decisão;
3. A Requerente sujeita a D… a pressão psicológica de influência nas suas decisões em benefício das suas próprias decisões exclusivas e interesseiras, como seja a de viver em …, com pessoas estranhas, longe de Valongo, e, assim, do pai e dos avós paternos;
4. A progenitora tem intenção de afastar a menor do seu pai e dos seus familiares paternos.
Não se vislumbrando outra entre tanta imprecisão, esta a matéria que passamos a discutir.

Dispõe o art.º 4º, nº 1, al. c), do RGPTC que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”.
O subsequente art.º 5º, nº 1, estabelece que “a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse”.
O direito de audição da criança resulta também de regulamentos da UE e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português para as situações que haja que regular o exercício das responsabilidades parentais, como emerge do art.º 24º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa, e com idêntica força vinculante no espaço da União), do art.º 12º nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e ainda do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, também conhecido por Regulamento Bruxelas II-bis, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, quando alude nos considerandos e no corpo de normas a que a criança deva ser ouvida no processo cujo reconhecimento se almeja, exceto se for considerada inadequada uma audição, tendo em conta a sua idade ou grau de maturidade (cf. respetivo art.º 41º, nºs 1 e 2, al. c)). Adiante voltaremos a referenciar estes textos.
Como escreve o Conselheiro Salazar Casanova[16], a propósito do Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho e do Princípio da Audição da Criança, a audição do menor não tem que obrigatoriamente ser efetuada pelo tribunal, “podendo ser suficientes elementos que venham ao conhecimento do tribunal por via de relatório ou informações prestadas por aqueles que contactaram com a criança”. O mesmo se extrai do art.º 12º, nº 2, Da Convenção sobre os Direitos da Criança e do art.º 24º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Impõe-se-nos deixar claro que que quem decide a regulação do exercício das responsabilidade parentais é o tribunal; não é a criança. Mal tutelado estaria o seu superior interesse se fosse ela a decidir, sem mais, sobre a sua vida futura quando nem os pais, pessoas supostamente maduras, sabem decidir sobre a vida dela.
Não quer com isto afirmar-se que não tem interesse a sua audição. Pelo contrário, tem e tem muito. Mas é desde logo, enquanto ato de audição, um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, a conjugar criticamente com outros, sujeito a uma avaliação probatória casuística, ponderando as circunstâncias de cada caso, em que pesa, além do mais, a idade e o grau de maturidade e discernimento da criança, as condições de vida dos pais e a relação que mantém com cada um deles.
A vontade declarada pela criança na perícia psicológica ou em Juízo, obtida através da sua audição, não é uma decisão (como parece sustentar o recorrente), embora seja sempre um facto relevante e uma manifestação do seu inalienável direito à palavra e à influência ativa na escolha do seu destino pessoal, em que o tribunal deve sempre refletir.
De acordo com o critério geral do interesse da criança, a sua guarda “deve ser confiada ao progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as suas necessidades e que tem com a criança uma relação afectiva mais profunda. (…)”.[17]
Estas considerações, aqui aparentemente deslocadas, por se justificarem normalmente apenas ao nível da aplicação do Direito, resultam da necessidade de discutir os referidos pontos 1 e 2, esclarecendo e assentando agora sobre a real vontade declarada pela criança.
É patente na prova grande conflitualidade entre Requerente e Requerida por causa da criança, havendo, de parte a parte, interesse pessoal em ter a D… o maior tempo possível na sua residência como centro dos seus interesses familiares (residência comum).
Se, por um lado, este interesse dos pais afasta completamente qualquer situação de abandono, as condutas de ambos têm vindo a perturbar psicologicamente a criança e o seu normal desenvolvimento que se deseja saudável, tranquilo e harmonioso.
É neste ambiente de perturbação que a criança tem vindo a crescer desde os 6 anos de idade, ao longo de cerca de 4 anos pós-separação, dificultados pelos pais --- ainda assim, com aproveitamento escolar apreciável --- que a disputam entre si, como se fosse pertença de um ou de outro, colocando-a numa situação de “dever escolher ou de dever optar” que, de todo, deveriam evitar. Não surpreende, pois, que a D… não consiga escolher quando, na realidade, se sente desejada por ambos os pais que se apresentam capazes, perante ela, de prover às suas necessidades e de lhe dar o acompanhamento de que necessita. Não é admissível, nesta situação, colocar a criança na necessidade de escolher e, menos ainda, interpretar a sua vontade declarada como uma opção pela residência de um ou do outro pai, como pretende fazer o recorrente.
Mas, vejamos as provas mais relevantes: a audição da criança pelo tribunal em sede de audiência e pelas perícias de psicologia.
Tinha a D… 8 anos de idade na data da 1ª perícia.
Foi ouvida de forma individual. Destacou a mãe como sendo a sua principal cuidadora. Fez referências muito positivas do meio em que vive com a mãe, designadamente quanto às pessoas com que convive mais proximamente (familiares, ama, professores e colegas de escola). Verbalizou gosto nas visitas que tem feito ao pai e aos avós paternos, em Valongo, e um gosto especial pela companhia dos avós, com quem passa mais tempo, por o pai estar sempre a trabalhar.
Questionada ali a respeito do relacionamento existente entre os pais, a D… declarou: “eles nunca falam” (sic); “fico nervosa no meio deles, porque tenho medo que eles comecem a dar-se mal”(sic); “preferia que eles fossem amigos. Era mais fácil” (sic).
Acrescenta aquele primeiro relatório pericial: “Na interação com os pais a menor revelou afetividade positiva com ambos, muito embora se tivessem registado níveis mais ansiosos na presença do pai – a quem a menor revela ter uma maior necessidade de agradar. Os pais e os avós paternos (sendo que estes últimos, por vezes, parecem sobrepor-se em relação ao pai) destacaram-se do seu universo relacional como importantes figuras de vinculação”.
Conclui a perícia por um desenvolvimento normal da criança. Quanto ao seu estado emocional e funcionamento psicológico, aduz que “os dados sugerem que a D… não apresenta sinais nem sintomas sugestivos de desajustamento. A menor parece estar adaptada e integrada à nova realidade sociofamiliar e escolar. Revela-se uma criança dócil, inteligente, resiliente”. (…) na interação com os pais a menor revelou níveis mais ansiosos na presença do pai --- a quem a menor revela ter uma maior necessidade de agradar. Os pais e os avós paternos (sendo que estes últimos, por vezes, parecem sobrepor-se em relação ao pai) destacaram-se do seu universo relacional como importantes figuras de vinculação”.
No relatório complementar, realizado em abril de 2017, igualmente pelo INML e subscrito pela mesma Sr.ª perita, destacam-se as seguintes passagens:
“(…)
A D… revelou grande nervosismo e ansiedade ao longo de toda a entrevista realizada. Apresentou choro fácil, agitação psicomotora e, sobretudo, medo de magoar os progenitores. A perita teve que interromper a entrevista por diversas vezes para baixar o tom emocional da criança (e.g., exercícios de relaxamento e respiração diafragmática; normalização e validação de sentimentos; providenciar algo doce para beber).
Questionada sobre os motivos da sua inquietação, a D… começou por verbalizar: “queria ficar com o meu pai mas não queria ficar pouco tempo com a mãe (…) A mãe disse que se não vivesse com ela nunca mais me via, porque só ia aos fins-de-semana e ela estava a trabalhar, e só a via à noite (…) A mãe disse que ficava muito triste e eu não quero que ela fique triste (…) Sai de lá [WC do Tribunal, onde esteve apenas com a mãe] a chorar, porque ela perguntava com quem eu queria ficar e eu dizia com ela, porque não queria que ela ficasse triste” (sic). Questionada mais em pormenor, nomeadamente sobre os motivos pelos quais gostaria de viver com o pai, a D… referiu: “se vivesse com o pai não tinha que apanhar três comboios à noite, às vezes dois mas temos que andar. Não tinha que ir à Academia (…) Gosto [de ir à Academia] mas preferia não ir (…) E não tinha que estar com os meus primos (…) Gosto dos meus primos, mós os vezes tão-me a chatear. Os meus primos deixaram cair a casa de legos ao chão e destruíram e eu fiquei chateada” (sic). Acrescentou: “aqui [Norte] não tinha que ser a Academia a ir-me buscar nem a tia (…) Era os avós ou o pai, quer dizer, era mais os avós, porque o pai está a trabalhar e tem menos tempo. Na escola de Valongo, como acaba um bocadinho mais tarde, não tenho deveres. Fazemos atividades, vamos para a sala e vemos um filme” (sic). Confrontada com o facto de, no próximo ano lectivo, iniciar o 52 ano de escolaridade e este ser um ano com exigências, rotinas e atividades diferentes das que contemplam o l9 ciclo, a D… referiu: “não sabia, pensava que era como era antes” (sic).
(…)
Questionada se a T… era a sua melhor amiga, a D… afirmou: “a U… é a minha melhor amiga do Porto e a V… é a minha melhor amiga de …, é da minha turma” (sic).
(…)
Referiu estar a gostar da nova escola, da professora e dos pares. Afirmou ter ballet às terças e quintas-feiras, como atividade extracurricular. A Academia (Academia …) leva-a.
Medida que foi sendo questionada mais em pormenor, e à medida que foram sendo antecipadas as visitas dos fins-de-semana a casa da mãe (na eventualidade de passar a viver com o pai), a D… percebeu que os tempos de convívio entre ambas seriam
efetivamente reduzidos, ficando visivelmente agitada, chorosa, angustiada, verbalizando “não quero estar menos tempo com a mãe (…) Gostava que a mãe estivesse comigo o fim-de-semana todo. Fico na tia, porque a mãe está a trabalhar no shopping e não pode” (…).
(…)
Verbalizou também: “a ela (Dra. L…) disse que queria viver com o pai (…) Quero ficar com o meu pai mas não quero passar pouco tempo com a minha mãe. Quero estar com os dois” (…).
No final da sessão com a menor, e quando a perita referiu que ia pedir para falar um pouco com os pais (com o objetivo de perceber se as verbalizações da menor correspondiam efetivamente às suas rotinas), a D… reagiu muito negativamente, chorando compulsivamente e exclamando: “não vais contar ioda aos meus pais!?” (…), “porque eu disse à mãe que queria ficar com e/o, e disse ao pai que queria ficar com e/e” (…). Neste contexto, a D… concluiu: “bom era que a mãe viesse viver para o Porto” (…), “queria passar igual tempo com o pai e com a mãe” (sic), “queria estar com os dois. Eu gosto dos dois” (…).
No seu parecer, a Ex.ma perita deixou registado:
A D… revelou grande nervosismo e ansiedade ao longo de toda a entrevista realizada. Apresentou choro fácil, tristeza, agitação psicomotora e, sobretudo, medo de magoar os progenitores ou de deixar de conviver (ou passar a ter menos tempo) com cada um deles.
O seu discurso revelou igualmente que a menor parece estar a ser alvo de pressões (quer do lado materno quer do lado paterno) para fazer uma escolha e tomar uma decisão sobre o seu projeto de vida futuro que não lhe compete, sentindo-se a D… responsável pela decisão que vier a ser tomada em termos das regulações das responsabilidades parentais.
(…)
Sublinhamos que estamos perante uma experiência potencialmente traumática para qualquer criança – observando-se a presença de um enorme conflito de lealdade, sentindo-se a menor compelida a escolher entre duas figuras de especial relevo afetivo. Sublinhámos que é urgente libertar a menor desta responsabilidade, sob pena de a sintomatologia apresentada se poder cristalizar.
(…)
Os motivos apontados pela D… para passar a viver com o pai parecem assentar em questões de ordem logística, não se observando motivações de ordem emocional. Pelo contrário, à medida que a menor percebe que tal implica uma redução do período de tempo passado com a progenitora, observa-se uma inegável elevação da sua desorganização emocional.
(…)
Somos também do parecer que a menor beneficiaria com um regime que lhe permitisse passar o maior tempo possível com a mãe e com o pai/avós paternos (visto que o mesmo é avaliado pela D… como sendo de elevada qualidade e importância).
Da audição da criança em sede e audiência, tomada em ambiente informal e reservado, no gabinete, resultou que a D… gosta igualmente dos seus colegas da escola de …, preferia que a mãe fosse viver para Valongo, gostava de passar a semana com o pai, em Valongo e os fins de semana com a mãe, admite que a mãe não sabe desta sua vontade, nunca lhe contou, mas mesmo assim preferia morar em Valongo. Não se importava de voltar ao colégio N…, era a sua escola, entende que se iria adaptar bem. Às vezes jantam em casa dos avós outras vezes em casa do pai, mas não sabe quem faz o jantar, lembra-se que quando o pai tinha namorada ela fazia. Os avós também vão a casa do pai. Confirma que existe uma Sra. que se chama L…, não sabe se ela é familiar do pai ou não, não sabe descrevê-la, nem que idade terá.
A D… é bem acolhida em Valongo, onde gostaria de regressar, mas, seguramente, acompanhada da mãe. Não sendo assim, manifesta preferir a convivência semanal com o pai e os avós paternos e os fins de semana com a mãe.
Está provado que nos esclarecimentos complementares prestados em audiência, a Sra. Perita manifestou o parecer de que, embora a deslocação da residência da D… para Valongo tivesse vantagens em termos logísticos, provocaria um corte com a figura de vinculação mãe, potenciando stress para a criança; e que no regime atualmente vigente a D… consegue manter as diversas figuras de vinculação, o que é promotor de equilíbrio, estando a criança adequadamente adaptada, apesar das dificuldades de logística vivenciadas no dia-a-dia.
A matéria do ponto 1 sugerida pelo recorrente não é rigorosa, pois que a interpretação do conjunto das declarações tomadas à D… em audiência aponta claramente no sentido de que só no caso da mãe não poder ir viver de novo para Valongo é que preferia residir semanalmente com o pai e de passar os fins de semana com a mãe. A sua preferência maior seria a de requerente voltar a viver em Valongo, não negando, nesta hipótese, a sua vontade de residir com ela. Por isso, está correto e deve manter-se o ponto 30 dos factos provados, segundo o qual “Declara, na impossibilidade de a mãe regressar a Valongo, desejar viver durante a semana em Valongo com o pai e os avós paternos e passar fins de semana com a mãe”.
Quanto ao ponto 2, toda a melhor prova vai no sentido de que ambos os pais influenciam a criança nas suas opções, naturalmente considerando também os seus próprios interesses pessoais, designadamente em função da sua vida profissional, nem sempre facilmente ultrapassáveis. A idade da criança consente já apreciável autonomia de vontade e expressão da mesma, o que não significa que não esteja influenciada ou pouco esclarecida, desde logo pela sua imaturidade.
Em boa verdade, a D… não tomou nem tinha que tomar qualquer decisão na regulação do exercício das responsabilidades parentais. Manifestou vontades e interesses nem sempre coincidentes, sofrendo várias influências, porventura contraditórias ou, pelo menos, divergentes, da parte dos familiares.
Não é possível afirmar que a Requerente passou a infernizar a vida da D… a partir daquele momento, ao ponto de influenciar e reversão de qualquer decisão dela.
O ponto 2 não está provado.
Quanto ao ponto 3, as pessoas com que a criança convive em … não lhe são estranhas. Sê-lo-iam algumas nos primeiros tempos de convivência após a mudança de residência …, mas nada mais natural na vida humana do que conhecer pessoas e aprofundar conhecimentos e relações, seja por razões familiares, de amizade, formação escolar, profissionais ou outras. Na infância também começam e desenvolvem-se relações sociais, a bem da integração e do desenvolvimento saudável da personalidade e do caráter.
A mãe não rejeita o convívio de visita da criança com o pai e com os avós paternos, designadamente nas condições de exercício provisoriamente reguladas. Esse convívio tem sido real, apesar de dificuldades originadas na distância entre residências.
Quanto ao mais, podemos assentar apenas em que o pai e mãe têm feito pressão para que a D… faça uma escolha. Tal facto já está dado como provado --- e bem --- sob o ponto 35 da sentença. O mais não está provado.
Quanto ao ponto 4, não está provado que a progenitora tem intenção de afastar a menor do seu pai e dos seus familiares paternos. O que a Requerente pretende, tal como o Requerido, é que lhe seja atribuída a residência da filha e que as visitas sejam concedidas ao outro progenitor, também responsável pela prestação de alimentos.
Improcede também a matéria do ponto 4 da impugnação.
Nega-se o recurso em matéria de facto.
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5. Erro na aplicação do Direito quanto à atribuição da residência da D… à progenitora, com as consequências daí advindas em sede de regime de visitas e responsabilidade pelo pagamento da pensão de alimentos.
Como muito bem reconhece o apelante, é o superior interesse da criança que aqui está em causa, ou seja, procurar, pelo conjunto das circunstâncias da sua vida e dos seus familiares mais próximos, o melhor caminho para a sua realização pessoal como ser humano em crescimento, mais concretamente, se deve ser fixada a sua residência com o pai ou com a mãe, justamente aquele a quem deve caber o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente (art.º 1906º, nº 3, do Código Civil), na certeza de que ao outro progenitor sempre assistirá o dever funcional de visita em medida tão alargada quanto possível e desejável sempre que nada justifique o seu afastamento, assegurando assim o melhor e mais profícuo convívio da criança com ambos os progenitores e outros familiares próximos, de que são exemplo os seus avós paternos.
A noção de interesse da criança está intimamente dependente de um determinado projeto de sociedade, de um projeto educativo preciso.
O interesse de uma pessoa é o que importa e convém a alguém. A noção de interesse, tradicional no Direito, é uma noção, tal como outras noções jurídicas não definidas, em desenvolvimento contínuo e progressivo, que estão sempre em instância, em atividade, e de que pode esperar-se uma adaptação mais fácil às necessidades de cada época. O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, suscetível de se modificar. Trata-se, afinal, de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigentes em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e seu bem-estar cultural e moral.[18]
Encontrando-nos perante uma situação de rutura da vida comum dos progenitores, há de fazer-se o esforço de garantia, tanto maior quanto possível, no sentido da manutenção das condições sociais, materiais e psicológicas da D… que possibilitem o desenvolvimento estável, à margem da pressão e dos conflitos que têm assistido a sua vida, muito por responsabilidade dos pais.
Como se refere ainda no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não existem critérios rígidos que devam ser valorados na decisão sobre a guarda do menor, sendo fundamental a perceção da situação do menor, do estádio do seu desenvolvimento físico-psíquico, das suas reais necessidades e das capacidades de cada um dos progenitores para lhes dar satisfação.
É de particular importância conhecer e valorar devidamente a capacidade de adaptação às novas circunstâncias oferecidas por cada um dos progenitores e a respetiva disponibilidade afetiva, por forma a promover, em condições de estabilidade necessárias, o equilíbrio e o desenvolvimento da criança.
O melhor progenitor/educador nem sempre é o que mais disponibiliza bens materiais lúdicos ao filho ou que mais satisfaça a suas vontades (porque tem maior capacidade financeira ou porque o quer cativar e influenciar para obter a sua adesão, por exemplo); as mais das vezes deve ser aquele que, com afetividade, elegância, probidade e sentido de responsabilidade, também sabe acompanhar o filho nas dificuldades da vida, zelando pela sua saúde, bem-estar e formação moral e escolar, ainda que o menor não aceite com a facilidade algumas exigências.
Como dissemos já, a criança deve ser ouvida e à vontade que manifesta deve ser dada a maior atenção, mas sem que se possa confundir com a decisão da RERP. À criança não compete decidir o seu destino, mas influenciar a decisão, sendo tanto mais credível a sua posição quanto melhor fundamentada for e maior a sua maturidade e esclarecimento.
A D… tem apenas cerca de 10 anos de idade e tem sido influenciada e pressionada por ambos os pais, que reivindicam, cada um deles para si, a atribuição da residência e guarda da criança.
Não foi sempre exatamente a mesma a posição da D… nesta matéria, o que, de alguma forma, indicia a influência dos pais nas suas sucessivas declarações de vontade. Uma coisa é certa e favorável ao seu interesse: a D… tem uma boa relação familiar com a Requerente e com o Requerido e manifesta com frontalidade a vontade de passar o maior tempo possível com qualquer deles, deixando adivinhar até que a sua vontade real seria que os pais refizessem a sua vida em harmonia e poder trilhar toda a sua infância na companhia permanente de ambos.
Qualquer dos pais oferece condições materiais e humanas para que a filha lhe seja entregue. Seja ela entregue a um ou a outro, a distância entre as duas residências será sempre um fator de dificuldade no exercício das visitas.
Mudar de escola não é necessariamente um descalabro nem uma anormalidade. Pode ser positivo ou negativo, conforme as circunstâncias. Pode mudar-se para pior ou para melhor. Em condições normais, as crianças desde que bem acompanhadas, não sentem especialmente a mudança como facto negativo; adaptam-se, assumindo o facto, fazendo novos amigos, que acrescem aos anteriores, prosseguindo os estudos. Mas, sendo a estabilidade da vida da criança um fator a preservar, a mudança só deve ocorrer quando circunstâncias da sua vida pessoal ou familiar a justifique.
A criança não pode ser prejudicada com as decisões menos corretas dos pais, como seja sair de casa com o filho sem informar imediatamente o outro progenitor.
Embora a D… manifeste vontade de viver com o pai durante a semana e de passar o fim de semana com a mãe, enquanto subsistir a distância que os separa, pela sua imaturidade, inexperiência e sugestionamento, pode não estar a avaliar corretamente uma maior ausência da mãe e a sobrevalorizar a companhia do pai (cf., por exemplo, o facto do ponto 31 da sentença).
A situação em que a D… tem vivido não é nova, dura já há cerca de 4 anos. Conheceu outras pessoas, familiares e amigos, e adaptou-se a esses familiares e colaboradores, e a uma nova escola onde tem um aproveitamento escolar satisfatório. Nos fins de semana que passa com o pai, tem atividades extracurriculares em Valongo que o próprio pai muito bem providenciou. Em qualquer condição consegue conviver com o progenitor, avós paternos e amigos de Valongo sem necessidade de mudar a sua residência. A mudança de residência de novo para Valongo, alterando mais uma vez a sua vida social e escolar, seria sempre uma experiência desnecessária que comporta um risco que a criança não precisa de correr.
A estabilidade deve ser preservada quando não sobrelevem circunstâncias que justifiquem a sua alteração. É o que acontece no caso.
O interesse da D… não corresponde nem poderia corresponder necessária e rigorosamente ao que ela manifesta --- até porque não é linear nessa manifestação de vontade --- mas àquilo que, ponderando essa sua vontade (sem esquecer o grau de maturidade e esclarecimento dela) e as circunstâncias da sua vida, seja objetivamente melhor para ela, isto é, uma vantagem real para sua saúde, bem-estar e desenvolvimento pessoal e humano. E a verdade é que ela própria aceita sem qualquer reserva melhor e maior convívio com ambos os pais, e isso a decisão recorrida soube satisfazer acompanhando, aliás, as conclusões periciais. Entregou (manteve) a residência da D… à mãe e estabeleceu um amplo direito de visitas ao pai, aproximando, alternadamente, o mais possível a criança de ambos os progenitores, como no caso se impõe, também na expetativa de que aqueles se conformem com o regime justo e se afastem definitivamente da conflitualidade, pacificando a relação e cumprindo escrupulosamente o estabelecido, em ordem a não causarem mais prejuízo ao interesse da filha comum.
A D… foi ouvida pelo menos três vezes, duas delas pelo INML, no âmbito da perícia) e uma vez pelo tribunal em sede de julgamento.
Com toda a evidência, o tribunal acatou o comando do art.º 12º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da república nº 20/90, de 12 de setembro, de onde resulta que “os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade” e, bem assim, o comando semelhante que emerge dos art.ºs 3º, al. b) e 6º, al.s b) e c), da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, com acolhimento no nosso direito interno ordinário para o processo tutelar cível nos art.ºs 4º, nº 1, al. c) e 5º, nºs 1 e 6, do RGPTC.
Cumprida foi também a disposição da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, no respetivo art.º 24º, estabelece:
1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.
2. Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.
3. Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.”.
Resulta do art.º 41º, nº 2, al. c), do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, exceto se for considerada inadequada uma audição, em função da sua idade ou grau de maturidade.
Ouvida que foi a criança e ponderadas as suas declarações no conjunto da prova, também não vemos que dúvida poderá haver quanto à verificação deste requisito de executoriedade da decisão, nem qualquer justificação válida que justifique o recurso à figura do reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça (art.º 267º do TFUE), sugerida pelo recorrente. É que não está aqui em causa a executoriedade da decisão e é óbvio (não oferece dúvida razoável) para qualquer Estado Membro, nem no âmbito da aplicação do Direito interno, o que seja o direito da criança a ser ouvida nos processo. A questão carede da necessária pertinência.
Manifestamente, também não há ofensa ao Direito Constitucional Português (art.º 69º da Constituição da República) que, pelo contrário, foi estritamente observado pelo cumprimento das referidas convenções e dos art.ºs 4º, nº 1, al. c) e 5º, nº 1 e nº 6, da Lei nº 141/2015, de 8 de setembro.
A sentença, douta, merece confirmação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas pelo apelante, por ter decaído no recurso.
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Porto, 27 de setembro de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante RERP.
[2] Suscitada nas contra-alegações da recorrida.
[3] Aqui, por transcrição.
[4] Adiante RGPTC.
[5] Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, página 246.
[6] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, páginas 141 e 142.
[7] Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, Coimbra, pág.s 798 e 799.
[8] No anterior Código de Processo Civil, essa análise ocorria em momento anterior ao da sentença, como resulta do respetivo art.º 653º, nº 2.
[9] Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325.
[10] A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código Revisto, Coimbra, 2010, pág. 281; entendimento que continua a sustentar na vigência do novo Código de Processo Civil, como emerge da sua obra A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, 3ª edição, pág.s 316 e 317.
[11] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág. 348.
[12] Embora releve sempre preocupação com o conhecimento pormenorizado e individualizado das provas.
[13] V.g., por exemplo, António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.s 123 e seg.s.
[14] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1.7.2014, proc. 1825/09.7TBSTS.P1.S1, de 19.2.2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1, in www.dgsi.pt.
[15] Blog do IPPC.
[16] Artigo publicado na revista Scientia Jurídica, 306º, págs. 205 e seg.s (a pg.s 228, nota 31).
[17] Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Almedina, 2016, 6ª edição, pág. 47.
[18] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2007, Colectânea de Jurisprudência S., I, pág. 86, citando Epifânio e A. Farinha, “OTM”, 1987, pág. 326.