Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2726/18.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
AVAL
Nº do Documento: RP202205172726/18.3T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE/DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de embargos de executado, vigora também o princípio da concentração da defesa; isto é, por regra, o executado tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. E, se o não fizer, já não o pode realizar mais tarde.
II - Assim, não sendo a prescrição da obrigação exequenda de conhecimento oficioso, deve ela ser invocada, sob pena de preclusão, aquando a dedução dos embargos de executado.
III - Tendo o subscritor e avalistas de uma livrança, no âmbito de um contrato celebrado com uma instituição de crédito, autorizado expressamente esta última, a completar o preenchimento dessa mesma livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre aqueles e tendo a dita instituição de crédito procedido nessa conformidade, não ocorre qualquer preenchimento abusivo.
IV - A interrupção da prescrição prevista no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, ocorre independentemente do regime fixado pelo artigo 724º, nº 6, alínea a) do Código de Processo Civil, quanto à data em que aí se considera apresentado o requerimento executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2726/18.3T8PRT-A.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que, N..., S.A. lhes move, vieram os executados, AA e BB, deduzir embargos invocando, em síntese, o desconhecimento do contrato subjacente à emissão da livrança exequenda, uma vez que a exequente não lhe entregou cópia do mesmo; a ausência de preenchimento pela sua parte e a inexistência de pacto de preenchimento que autorizasse a exequente a preencher aquela livrança; a ineptidão do requerimento executivo, por falta de invocação dos factos essenciais à boa decisão da causa; a falta de poderes de quem subscreveu a livrança para obrigar a sociedade subscritora; a falta de conhecimento da dita livrança ter sido apresentada a pagamento, sendo que os embargantes não foram interpelados para o efeito; a inexistência da obrigação de pagamento de juros de mora; e a satisfação dos créditos da exequente sobre a obrigada principal, no âmbito do processo de insolvência desta última.
Terminam pedindo a procedência dos presentes embargos e que:
a) Seja julgada procedente, porque provada, a exceção do preenchimento abusivo do título dados à execução com todas as legais consequências;
b) Seja julgada procedente, porque provada a presente oposição, com a consequente inexigibilidade da quantia peticionada.
2- Contestou a embargada refutando esta pretensão, porquanto, em suma, não aceita, porque carecidos de fundamento, nenhum dos argumentos esgrimidos pelos embargantes.
Daí que termine pedindo a improcedência destes embargos e o prosseguimento da execução.
3- Terminados os articulados, foi proferido despacho saneador e, além do mais, dispensada a audiência prévia
4- Prosseguiram, depois, os autos para julgamento.
Antes deste ter sido realizado, porém, a embargada veio, no dia 29/06/2021, requerer a junção aos autos de cópia da carta que dirigiu ao embargante, interpelando-o para o pagamento.
5- Os embargantes, então, responderam, impugnando o teor dessa carta e alegando, em simultâneo, que esse documento vem corroborar aquilo que pelos mesmos fora já alegado, no sentido do abusivo da livrança exequenda, quanto à data de vencimento nela aposta, defendendo que deve ser declarada a prescrição.
6- Realizada a audiência final foi, depois, proferida sentença que julgou os presentes embargos totalmente improcedentes e, consequentemente, determinou o prosseguimento da execução.
7- Discordando desta sentença, dela recorrem os embargantes, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“1.º Os Recorrentes consideram que foram incorrectamente aplicadas as seguintes normas: 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.; 724.º, n.º 6, do C.P.C.; 280.º, 302.º e 323.º, do C.C.; 70.º LULL e-5.º e 6.º, DLei 446/85, de 25.10.
2.º Os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto: -Provado: (14) que o embargado procedeu ao pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas (fase 1), em 2.2.2018. - Provado: (7) que os aqui embargantes apuseram a sua assinatura no contrato referido em 4, na qualidade de cliente e legais representantes da S..., Lda., e na qualidade de avalistas, bem como apuseram nas mesmas qualidades respectivas nos anexos a esse contrato, nos termos que desse documento constam, assinaturas essas reconhecidas presencialmente, nas respetivas qualidades, conforme consta dos documentos juntos à contestação.
- Não provado: (a) que os embargantes não deram consentimento para o preenchimento da livrança exequenda nos campos de local, datas e valor.
3.º Atenta a data a considerar para efeito de apresentação do R.E. (artigo 724.º, n.º 6, do C.P.C.), 06/02/2018, sempre deverá ser declarada a referente prescrição. Neste sentido o Acórdão do TRC, de 11/06/2019, P. 5016/16.4T8CBR-A.C1, Relator: Sílvia Pires, in www.dgsi.pt”. Ao não se ter pronunciado quanto á presente matéria, o Tribunal “a quo” incorreu em nulidade que aqui expressamente se invoca, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.
4.º Quanto à matéria de facto: A) Provado: (14) que o embargado procedeu ao pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas (fase 1), em 2.2.2018.
5.º O documento anexo ao requerimento de 28-09-2021, foi impugnado, uma vez que se tratava de um simples papel, reprodução mecânica, sem qualquer virtualidade probatória e incapaz de comprovar o efectivo pagamento dos honorários e despesas o Exmo. Agente de Execução, ocorrendo erro na apreciação da prova.
6.º Quanto à matéria de facto: B) Provado: (7) que os aqui embargantes apuseram a sua assinatura no contrato referido em 4, na qualidade de cliente e legais representantes da S..., Lda., e na qualidade de avalistas, bem como apuseram nas mesmas qualidades respectivas nos anexos a esse contrato, nos termos que desse documento constam, assinaturas essas reconhecidas presencialmente, nas respetivas qualidades, conforme consta dos documentos juntos à contestação.
7.º O alegado reconhecimento presencial das assinaturas (de 29-09-2019) foi efectuado em data posterior à outorga do alegado contrato (de 21-09-2010), ocorrendo erro na apreciação da prova, pois que tal reconhecimento não foi presencial.
8.º Quanto à matéria de facto: Não provado: (a) que os embargantes não deram consentimento para o preenchimento da livrança exequenda nos campos de local, datas e valor.
9.º Sucede que da prova produzida não resultou demonstrada tal matéria, seja da prova documental junta, seja da prova testemunhal.
10.º Conforme resultou do depoimento da testemunha CC, filho dos Executados, nunca foi explicado o que é que os pais estavam a assinar, uma vez que o funcionário bancário se deslocava à habitação dos mesmos, em ambiente informal, assim como não eram facultadas cópias da documentação. Assim, aos minutos 02:00 “T: Nós tínhamos um gerente de conta. Adv: Como se chamava? T: Dr. DD, que tinha uma relação muito próxima com o meu pai, com a família, foi-nos apresentado pelo nosso antigo contabilista. As coisas funcionavam num ambiente muito familiar, almoços em casa, jantar. Jantavamos, isto é verdade, é o que é, há aqui uns documentos para assinar…era assim que as coisas se processavam. Adv: Alguma vez foi explicado o que estava a assinar, se o vosso património pessoal podia responder? T: Ele não tinha conhecimento, umas vezes ía ao escritório, outras em casa, era na base da confiança total. Minutos 03:48 “Adv: Sabe se eram deixadas cópias dos documentos? T: Nunca, era uma coisa que perguntava ao meu pai.”
11.º No mesmo sentido a testemunha EE que declarou que os pais não tinham a noção do que era ser avalista, em particular a sua mãe, assim como que não eram facultadas cópias da documentação.
Assim, aos minutos 03:00 “Adv: Ambos estavam a par dos contratos, ou mais um ou menos um? T: A minha mãe não estava, praticamente. O meu pai, na altura com quem trabalhava no banco, confiava, a minha mãe não tinha a mínima noção dessas contratações…não tinha noção que ia acontecer o que aconteceu. Minutos 08:35 “Adv: Como é que normalmente se processava quando era preciso alguma coisa por parte do Banco 1...? T: Ou íam ao escritório ou a casa dos meus pais… o Dr. DD deslocava-se quer ao escritório, quer a casa. Adv: Já levava os documentos todos, explicava? T: Não explicava. Minutos 09:53 “Adv: Sabe se costumavam deixar cópias dos documentos? T: Nunca deixaram cópias.”
12.º Prova que não foi por qualquer forma contrariada pela Embargada, já que não arrolou qualquer testemunha que viesse demonstrar o contrário, sendo confirmada pelo reconhecimento, apenas a posteriori das assinaturas, consubstanciando erro na apreciação da prova.
13.º Da matéria de direito: Pelo menos desde Novembro de 2013, datas em que alegadamente os aqui Recorrentes se tornaram devedores das quantias pagas, a Embargada poderia ter procedido ao preenchimento da livrança, o que não fez, apenas o tendo feito, com data de vencimento de 09/02/2015, o que consubstancia preenchimento abusivo, por configurar modificação dos prazos legais de prescrição – art.º 300.º, do C.C., no seguimento do exarado no Acórdão do TRC, de 11/06/2019, P. 5016/16.4T8CBR-A.C1, Relator: Sílvia Pires, in www.dgsi.pt”.
14.º Acresce que: Conforme invocado supra a data a considerar para efeito de apresentação do R.E. (artigo 724.º, n.º 6, do C.P.C.) é o dia 06/02/2018, sendo esta a única data certificada pelo sistema Citius, como data de início do processo.
15.º Ora, tendo a livrança como data de vencimento o dia 09-02-2015, é mister concluir que aquando da citação, 19-02-2018, já a mesma se encontrava prescrita, não ocorrendo o facto interruptivo constante do artigo 323.º, do C.C., por não demonstrado pela Embargada. Neste sentido o Ac. do STJ de 24-01-2019, P. 524/13.0TBTND-A.C1.S1, in www.dgsi.pt.
16.º Acresce que: Consideram os aqui Recorrentes que o contrato sub judice, obedece ao previsto no regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL446/85 com as suas subsequentes alterações (LCCG), designadamente o cumprimento das prestações impostas pelos arts. 5.º e 6.º – cuja prova onera o predisponente – que convocam deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas), enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um antecipado e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação. Neste sentido o Ac. do STJ, de 13/09/2016, P. 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1, in www.dgsi.pt.
17.º No caso em apreço, ficou demonstrado que nada foi explicado aos aqui Recorrentes, tão pouco lhes foi entregue qualquer cópia, de qualquer documento, relacionado com o presentes Autos, o que se invoca”.
Termina pedindo que se conceda provimento ao presente recurso e que se revogue a sentença recorrida.
8- Em resposta, a Apelada pugna pela confirmação do julgado. Isto porque, em resumo, considera extemporânea a arguição da exceção de prescrição; porque os Embargantes são parte legítima na execução; e, porque não poderá proceder a alegação do incumprimento do regime das cláusulas contratuais gerais, já que os Recorrentes eram pessoas experimentadas no recurso ao financiamento bancário enquanto legais representantes da sociedade, S..., Lda.
9- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
II- Mérito do recurso
A- Definição do seu objeto
O objeto dos recursos é, em regra e salvo questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil CPC)].
Assim, seguindo este critério, cinge-se o presente recurso a saber se:
a) A sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia;
b) Deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto;
c) A obrigação exequenda se encontra prescrita;
d) Houve preenchimento abusivo da livrança exequenda;
d) Houve violação do regime das cláusulas contratuais gerais.
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B- Fundamentação
B.1- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1. Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento aí junto, denominado “livrança”, onde consta o seguinte:


- No verso, dessa “livrança” constam os seguintes


2. As assinaturas que constam no rosto do documento referido em 1 no campo de “assinatura dos subscritores” e bem ainda as assinaturas que constam no verso do documento seguidas à expressão “dou o meu aval à firma subscritora” foram efectuadas pelos aqui embargantes.
3. No exercício da sua atividade a exequente celebrou, em 21 de Setembro de 2010, com a sociedade S..., Lda., um acordo junto com a contestação sob a designação de documento n.º 1 mediante o qual a exequente/embargada prestou em nome e a pedido daquela sociedade, a garantia autónoma à primeira solicitação, com n.º 2010.12633, a favor do Banco 1..., S.A. no valor de 50.000,00€, correspondente a 50% do valor de capital em divida, destinando-se a mesma a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de abertura de crédito celebrado entre aquele Banco e S..., Lda., nos demais termos desse contrato, e cujo teor se dá no mais como integralmente reproduzido.
4. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do referido contrato, a empresa S..., Lda. entregou à Embargada uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pelos ora Embargantes e pelos demais co- executados, conforme resulta do disposto na Cláusula 4) do mesmo contrato.
5. Consta dessa cláusula o seguinte: Para garantia das responsabilidades que para V. Ex.cias emergem do contrato: LIVRANÇA EM BRANCO “Entrega, nesta data, à S... uma livrança em branco subscrita por V. Exas. e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança, ficará em poder da S..., ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor, quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.”
6. A livrança dada à execução foi subscrita em branco, sem aposição de qualquer valor, na data da subscrição da mesma, sem indicação de qualquer data de vencimento 3.A exequente, antes de preencher a livrança referida em 1. E de a ter dado à execução, não comunicou à embargante quais as prestações em falta, nem a resolução do contrato de mutuo indicado como “valor” conforme referido em 1 (factos invocados nos art.º 59.º a 61 da petição de embargos).
7. Os aqui embargantes apuseram a sua assinatura no contrato referido em 4, na qualidade de cliente e legais representantes da S..., Lda., e na qualidade de avalistas, bem como apuseram nas mesmas qualidades respetivas nos anexos a esse contrato, nos termos que desse documento constam, assinaturas essas reconhecidas presencialmente, nas respetivas qualidades, conforme consta dos documentos juntos à contestação.
8. Na sequência do incumprimento por parte da S..., Lda. Das obrigações assumidas com o Beneficiário da garantia, Banco 1..., S.A., este executou parcialmente a garantia, solicitando à Embargada o pagamento dos montantes garantidos relativos à prestação vencida em 0221/06/2013.
8- A[1]. E, posteriormente, resolveu o contrato de mútuo e declarou vencidas todas as prestações, tendo comunicado à S..., Lda. o vencimento antecipado da obrigação de amortização do capital mutuado.
9. Tendo o Banco Beneficiário, ao abrigo do disposto na alínea c) dos Termos e Condições do contrato junto como doc. n.º 1, solicitado à aqui Reclamante o pagamento do montante total de 7.493,63€, nos termos constantes dos . n.º 2 e 3 juntos com a contestação.
10. Nessa sequência, a solicitação efetuada pelo Banco 1..., S.A., a Embargada pagou àquele Banco o valor de 7.493,63€.
11. Em consequência desses pagamentos, a Embargada, ao abrigo do disposto na Cláusula 2) enviou à S..., Lda. as cartas juntas aos autos na contestação como documentos 6 e 7, solicitando o pagamento dos montantes supra mencionados, conforme dos mesmos constam, e cujo teor no mais de dá aqui por reproduzido.
12. E posteriormente enviou aos aqui executados na qualidade de avalistas, as cartas juntas aos autos os avalistas, as cartas registadas com aviso de recepção, juntas aos autos na contestação, como documentos n.º 8 e 9 solicitando-lhes o pagamento das referidas quantias, informando que ainda que caso não ocorresse esse pagamento preencheria a livrança dada à execução pelos valores que nessa missiva discriminou, nos demais termos constantes desses documentos e cujo teor se dá aqui por reproduzido, cartas essas que os embargantes receberam conforme consta dos A/R juntos com a contestação.
13. A S..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida no âmbito dos autos 345/14.2TYVNG que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, transitada em julgado em 5.6.2014.
14. A execução deu entrada em juízo em 28.1.2018, o embargado procedeu ao pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas (fase 1), em 2.2.2018.
15. Os executados embargantes foram citados para os termos da execução em 19.2.2018.
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B.2- Na mesma sentença, não se julgaram provados os factos seguintes:
a) Que os embargantes não deram consentimento para o preenchimento da livrança exequenda nos campos de local, dadas e valor;
b) Que os embargantes não foram previamente notificados do incumprimento.
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B.2- Análise dos fundamentos do recurso
Começam os Apelantes por questionar a validade formal da sentença recorrida, considerando que, ao contrário do prescrito na lei, não foi nela assumida posição expressa sobre a exceção de prescrição pelos mesmos invocada.
Ora, não é assim. Efetivamente, como decorre da simples leitura dessa sentença, nela se considerou que a exceção de prescrição arguida pelos Embargantes não poderia proceder, uma vez que, entre a data de vencimento da livrança exequenda (09/02/2015) e a data em que o prazo de prescrição se deve considerar interrompido, por via da instauração da ação executiva (02/02/2018), não se completou o prazo para essa exceção se consumar[2].
Nessa medida, não há qualquer omissão de pronúncia, nem, consequentemente, ocorre a nulidade daí decorrente (artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC).
O que poderia haver – e é disso que os Embargantes se queixam – é um eventual erro de julgamento. Isto porque, no seu entender, não se levaram em consideração, por um lado, as datas em que a Embargada pretensamente procedeu ao pagamento à instituição de crédito garantida de valores que agora lhes estão a ser exigidos (23/09/2013 e 11/11/2013) e, por outro lado, porque a data a considerar para a propositura da ação executiva também não é a que foi indicada na referida sentença, ou seja, 28/01/2018, mas sim, o dia 06/02/2018, tal como decorre do disposto no artigo 724.º, n.º 6, do CPC.
Mas essa é matéria distinta, que trataremos mais adiante.
Por ora, o que importa reafirmar é que não ocorre a referida nulidade.

Num outro plano, pretendem os Embargantes que se altere a matéria de facto. Mais concretamente, que se julguem não provadas as afirmações contidas nos pontos 7 e 14, do capítulo dos Factos Provados e, inversamente, que se julgue demonstrada a afirmação contida na al. a) dos Factos não Provados.
Esta última alínea, ou melhor, o que nela se refere, é relacionado pelos Embargantes com o teor da afirmação contida no ponto 7 dos Factos Provados. Por isso mesmo, analisá-los-emos em conjunto também.
E o que está fundamentalmente em causa é, em primeiro lugar, a questão de saber se, ao contrário do que se refere no ponto 7 dos Factos Provados, as assinaturas dos Embargantes não foram presencialmente reconhecidas “nas respetivas qualidades”, ou seja, enquanto gerentes[3] e, nessa medida, legais representantes da sociedade, S..., Lda., e ainda enquanto avalistas da livrança exequenda.
Ora, analisando os termos de reconhecimento de assinaturas juntos aos autos, facilmente se conclui o inverso do sustentado pelos Embargantes. Isto é, como consta desses termos, tais assinaturas foram, efetivamente, reconhecidas quer na qualidade de gerentes da indicada sociedade comercial, quer na qualidade de avalistas.
Por conseguinte, é manifesto que não lhes assiste razão, nesta matéria.
Nem sequer por causa da diferença de datas, entre aquela em que foi celebrado o contrato em causa (21/09/2010) e a que consta como tendo sido aquela em que foram realizados os reconhecimentos (28/09/2010). Na verdade, só dessa diferença não resulta qualquer falsidade ou mesmo inveracidade. De modo que é patente que a este argumento não pode proceder.
Apenas se retificará, assim, o ponto em análise (ponto 7 dos Factos Provados), de forma a erradicar o lapso de escrita nele cometido, ao referir “cliente”, em vez de “gerente”.
Ficará assim redigido: “Os aqui embargantes apuseram a sua assinatura no contrato referido em 4, na qualidade de gerentes e legais representantes da S..., Lda., e na qualidade de avalistas, bem como apuseram nas mesmas qualidades respetivas nos anexos a esse contrato, nos termos que desse documento constam, assinaturas essas reconhecidas presencialmente, nas respetivas qualidades, conforme consta dos documentos juntos à contestação”.
Quanto ao facto, alegado pelos Embargantes, de que os mesmos “não deram consentimento para o preenchimento da livrança exequenda nos campos de local, dadas e valor”, essa é uma afirmação que choca frontalmente com o que resulta dessa livrança.
Efetivamente, dela constam, como se pode observar da matéria de facto provada, não só as assinaturas dos dois Embargantes nas distintas qualidades em que a subscreveram, como ainda a expressa vontade de ambos de concederem o aval da principal obrigação cambiária através dela contraída. Nessa medida, não tendo os Embargantes impugnado tais assinaturas, nem invocado qualquer vício de vontade da sua parte, é manifestamente inviável a conclusão de que, como se refere na afirmação em apreço “os mesmos “não deram consentimento para o preenchimento da livrança exequenda nos campos de local, dadas e valor”.
Nem sequer por recurso aos depoimentos dos dois filhos dos Embargantes, EE e CC, que, além de terem assumido uma posição tendenciosa favorável aos Embargantes, não souberam sequer precisar as circunstâncias concretas em que foi subscrita a aludida livrança. Inclusive, pela testemunha, CC, que também a subscreveu.
Por conseguinte, manter-se-á a aludida afirmação no capítulo onde se encontra.
Resta a análise do ponto 14 dos Factos Provados. Mas, como veremos mais adiante, essa análise é, de todo, inútil.
Avancemos, então, para o exame da questão seguinte; isto é, da prescrição.
Pois bem, o que deve dizer-se, antes de mais, é que o Tribunal recorrido não estava obrigado a conhecer desta exceção.
Os Embargantes não a suscitaram na petição inicial, nem em qualquer articulado superveniente, mas antes e apenas num requerimento avulso, entrado em juízo no dia 13/07/2021, em resposta a um outro requerimento, de índole probatória, apresentado pela Embargada no dia 29/06/2021 e, portanto, não foram respeitados nem o princípio da concentração de defesa, nem o da adequação formal, com referência ao disposto no artigo 147.º, do CPC; o que já determinaria a preclusão de tal exceção.
Na verdade, vigora, também nesta sede, o princípio da concentração da defesa; isto é, princípio segundo o qual o demandado tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. E, se o não fizer, já não o pode realizar mais tarde (princípio da preclusão). A não ser, claro está, em situações excecionais; casos, por exemplo, de factos ou exceções (objetiva ou subjetivamente) supervenientes (artigos 573.º e 728.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). E, mesmo assim, em termos que diferem do processo declarativo para o executivo. Como refere Rui Pinto[4], no que diz respeito ao processo executivo, “os dados legais que decorrem implicitamente do n.º 2 do artigo 728.º são de que, esgotada a oportunidade processual dada pelo n.º 1, apenas se admite matéria superveniente, conquanto seja matéria dos artigos 729.º a 731.º e não outra; a contrário, não pode o oponente trazer factos, impugnações e exceções, perentórias e dilatórias, cuja alegação omitira”.
Daí que, no caso presente, ocorresse a referida preclusão.
De qualquer modo, uma vez que o Tribunal recorrido assumiu posição expressa sobre a matéria, importa dizer que a decisão aí tomada, a este respeito, não podia ser outra; isto é, a exceção de prescrição não podia deixar de ser julgada improcedente.
Mas, vamos por partes.
Um dos fundamentos que os Embargantes utilizam para defender a prescrição da obrigação que lhe está a ser exigida é o facto da livrança exequenda ter sido alvo, alegadamente, de um preenchimento abusivo, por parte da Embargada. Isto porque, como já vimos, entre as datas em que a Embargada honrou os seus compromissos financeiros perante a instituição de crédito beneficiária da garantia pela mesma prestada e o preenchimento da dita livrança decorreu algum tempo. Mais concretamente, aqueles compromissos teriam sido satisfeitos nos dias 23/09/2013 e 11/11/2013 e a livrança exequenda só tem aposta a data de 09/02/2015. O que, na perspetiva dos Embargantes, é abusivo, uma vez que – está implícito- permite dilatar o prazo de prescrição. Daí que defendam que este prazo se inicie em novembro de 2013.
Ora, se percorrermos a matéria de facto provada, facilmente verificamos que foram os próprios Embargantes quem, entre outros, concedeu este direito à Embargada. Como consta da cláusula 4) do acordo então celebrado[5], à Embargada foi não só entregue a dita livrança, como foi “expressamente autorizada, quer pelo subscritor, quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas”; ou seja, entre outros, os Embargantes.
Neste contexto, portanto, não se pode afirmar que houve qualquer preenchimento abusivo.
Preenchimento abusivo haveria se nada tivesse sido convencionado, a este respeito. Ou mesmo se não tivesse sido respeitado o convénio, nesse domínio. Ou ainda se o preenchimento tivesse sido feito à margem da obrigação causal que esteve na origem desta relação contratual. Mas, não foi isso que sucedeu. Ou melhor, nada disso foi alegado. E os Embargantes tinham o ónus de o alegar e demonstrar (artigos 342.º, n.º 2 e 378.º, ambos do Código Civil).
Efetivamente, a eventual desconformidade com o pacto de preenchimento, quando o título não entra em circulação e o avalista interveio nesse pacto (configurando-se, assim, uma relação tripartida, entre o portador, o subscritor/aceitante e o avalista), como é o caso, é-lhe “reconhecida legitimidade para efeitos de arguição da excepção de preenchimento abusivo, ainda que lhe caiba, naturalmente, em conformidade com a regra geral prevista nos artigos 342º, n.º 2 e 378º, do Cód. Civil, a alegação e prova dos factos concretos que fundamentam esta excepção material contra o portador do título”[6].
O que, na situação em apreço, não sucedeu.
Nessa medida, o termo inicial do prazo de prescrição nunca poderia ser contado desde aquelas datas (23/09/2013 e 11/11/2013). Pelo contrário, como decorre do disposto no artigo 70.º, 1º §, da LULL (“ex vi” artigo 77.º da mesma Lei), esse prazo – para o exercício da ação cambiária contra o avalista da livrança -, que é de 3 anos, conta-se a partir da data do respetivo vencimento. Ou seja, no caso presente, a partir do dia 09/02/2015.
Acontece que, no dia 21/01/2018, deu entrada em juízo a execução contra a qual os Embargantes se opõem. E, embora os mesmos não tenham sido para ela citados antes, a verdade é que o dito prazo se interrompeu, como se decidiu na sentença recorrida, no dia 02/02/2018, por força do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
Os Embargantes, no entanto, não aceitam este ponto de vista. E consideram, ao invés, que a dita execução, quando muito, só no dia 06/02/2018, deve ser tida como instaurada. Isto, por força do disposto no artigo 724.º, n.º 6 do CPC.
Ora, não é assim.
Com efeito, embora este preceito prescreva que “[o]o requerimento executivo só se considera apresentado: a) Na data do pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas, a realizar nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça ou da comprovação da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de atribuição de agente de execução; [ou] b) Quando aplicável, na data do pagamento da retribuição prevista no n.º 8 do artigo 749.º, nos casos em que este ocorra após a data referida na alínea anterior”, é hoje entendimento dominante na doutrina[7] e jurisprudência[8] que o mesmo carece de uma interpretação que vá além da sua literalidade. E, assim, por exemplo, para os efeitos interruptivos previstos no já citado artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, não são essas as referências temporais.
Com efeito, a circunstância de “se estabelecer, no artigo 724º, nº 6, alínea a) do Código de Processo Civil, que o requerimento executivo só se considera apresentado na data do pagamento pelo exequente da quantia inicialmente devida ao agente de execução, a título de honorários e despesas, ou da comprovação da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de atribuição de agente de execução, não exclui a aplicação, ao processo de execução, do regime da interrupção da prescrição previsto no artigo 323º, nº 2 do Código Civil”[9].
Até porque, “estando aqui em causa os efeitos substantivos da propositura de um processo judicial, nenhuma justificação haveria, na ótica da razoabilidade das soluções legais, para que, visto o campo de aplicação do nº 6 do mencionado art. 724º, inserido que está na regulamentação da ação executiva e sem norma equivalente no processo declarativo, aqueles efeitos fossem diversos, quanto à eficácia interruptiva da prescrição, consoante estivéssemos perante ação de uma ou de outra natureza”[10].
Ou seja, em resumo, por todas as razões já indicadas é de concluir que o prazo de prescrição, no caso presente, não se chegou a completar e, portanto, é de julgar improcedente este fundamento recursivo, sem necessidade de análise, sequer, do pedido de modificação do destino probatório do ponto 14 dos Factos Provados, que assim fica prejudicado.
Por fim, os Embargantes alegam, de forma inovadora neste recurso, que nada lhes foi explicado, nem “tão pouco lhes foi entregue qualquer cópia, de qualquer documento, relacionado com os presentes Autos”, o que consideram demonstrado para efeitos de aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais.
Sucede que, ao contrário do afirmado, estes factos não se encontram provados, como é fácil de constatar pela leitura da factualidade demonstrada.
Como tal, sendo este um pressuposto erróneo, dele não podem ser retiradas quaisquer consequências jurídicas.
Ou seja, em resumo, este recurso só pode ser julgado improcedente e confirmado o decidido na sentença recorrida.
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III- Dispositivo
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se o decidido na sentença recorrida.
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- Em função deste resultado e do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, as custas deste recurso serão pagas pelos Apelantes.

Porto, 17/5/2022.
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda
Lina Baptista
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[1] A adição desta letra é da nossa autoria, visto que o número 8 está repetido na versão original.
[2] Mais concretamente, o texto da sentença em causa, nesta parte, é o seguinte:
“Por fim, há que apreciar a excepção da prescrição invocada já depois da petição de embargos.
Nesta sede resultou provado que:
- A data de vencimento da livrança ocorreu em 9.2.2015.
- A execução deu entrada em juízo em 28.1.2018, o embargado procedeu ao pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas (fase 1), em 2.2.2018.
- Os executados embargantes foram citados para os termos da execução em 19.2.2018.
Dispõe o art. 70º, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (L.U.L.L.) – aplicável ás livranças por força da remissão contida no art. 77º do mesmo diploma legal -, na parte que releva para a presente situação, que «Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar da data do seu vencimento…».
Também não lhes assiste razão, porque Ou seja, não ocorreu o prazo prescricional três anos, tanto mais que não decorreram mais de três anos entre a data do vencimento aposta na livrança e a data da instauração da execução (vide arts. 70º e 77º da L.U.L.L.)”.
[3] E não cliente, como, certamente por lapso, consta do ponto em análise.
[4] A Ação Executiva, 2018, AAFDL, pág. 410.
[5] Ponto 5 dos Factos Provados.
[6] Ac. STJ, de 19/06/2019, Processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt
[7] Neste sentido, José Lebre de Freitas, A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, pág. 186, nota de rodapé 3, e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, págs. 67 e 68.
[8] Ac. STJ de 11/07/2019, Processo n.º 1406/16.9T8ACB-A.C1.S1 e Ac. RC de 25/01/2022, Processo n.º 1717/20.9T8ACB-A.C1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[9] Sumário do Ac. STJ de 24/01/2019, Processo n.º 524/13.0TBTND-A.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Ac. STJ de 11/07/2019, Processo n.º 1406/16.9T8ACB-A.C1.S1, já indicado.