Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4280/17.4T8MTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: REVELIA
COMINAÇÃO SEMI-PLENA
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
Nº do Documento: RP202007144280/17.4T8MTS.P2
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO A SENTENÇA; BAIXA À 1ªINSTÂNCIA PARA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Operando a revelia, o n.º2, do art.º 57.º CPT, prevê as situações em que a causa se revista “de manifesta simplicidade”, para estabelecer, na primeira parte, que nesses casos “a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”.
II - Como resulta da norma, não basta a simplicidade da causa, exigindo-se que a mesma seja “manifesta”. A manifesta simplicidade da causa afere-se face aos factos constantes da petição inicial – a causa de pedir - e o direito aplicável aí invocado para sustentar os pedidos deduzidos, bem assim face às questões suscitadas na aplicação do direito.
III - Contrariamente ao afirmado na sentença, a causa não se reveste de manifesta simplicidade, nem tão pouco os factos provados conduziam à total procedência da acção. Basta ver que o Tribunal a quo necessitou logo de deixar afirmado que a procedência não abrangia parte dos pedidos, nomeadamente, quanto aos “valores devidos a título de remuneração nos feriados nos anos de 2014 e 2015, quanto à procedência da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e, da indemnização de antiguidade e quanto ao início de vencimento dos juros de mora”.
IV - No caso impunha-se que o Tribunal a quo tivesse aplicado o n.º 1 do art.º 57.º, considerando provados os factos que admitem confissão, mas para os fixar concreta e precisamente, como condição para depois julgar a causa conforme for de direito.
V - Decidida a causa através de sentença, proferida ao abrigo do disposto no art.º 57.º do CPT, sem se ter especificado os factos provados, tal decisão é de anular, atento o disposto no art.º 662, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil, devendo ser proferida nova decisão em que se assentem os factos considerados provados, conhecendo-se de seguida das restantes matérias pertinentes.
VI - Não se tratando de decisão deficiente, contraditória ou obscura, mas omissa, quanto à matéria de facto, a necessidade de anulação é, se não maior, pelo menos idêntica, tendo em vista a possibilidade de sindicância por parte da Relação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4280/17.4T8MTS.P2
SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 B… instaurou a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra C…, pedindo que julgada a acção procedente seja esta Ré condenada no seguinte:
A. A reconhecer o vínculo laboral que manteve com a Autora, assumindo e tomando todos os actos contundentes à assunção da autora como trabalhadora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;
B. A pagar à Autora a quantia de 133.065,04€ (cento e trinta e três mil, sessenta e cinco euros e quatro cêntimos), das horas de trabalho suplementar realizadas em dias úteis;
C. A pagar à Autora a quantia de 5.188,80€ (cinco mil, cento e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos), das horas de trabalho suplementar realizadas em dias de feriado;
D. A pagar à Autora a quantia de 3.865,33€ (três mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e trinta e três cêntimos), correspondente aos dias de férias vencidos e não gozados;
E. A pagar à Autora a quantia de 8.400,00€ (oito mil e quatrocentos euros), correspondente aos proporcionais de subsídio de Férias e de Natal referentes ao tempo de prestação de trabalho;
F. A pagar à A., a título de horas de formação profissional, a quantia de €544,36 (quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), referentes ao tempo de prestação de trabalho, com os devidos acertos;
G. A pagar à Autora a quantia que se vier a apurar a título de indemnização devida em função do consagrado no artigo 391.º, nº 1 do Código do Trabalho, aplicável aos presentes autos;
H. A pagar à Autora a quantia de 1.000,00€ (mil euros), a título de ressarcimento dos danos morais e não patrimoniais causados.
I. A pagar à Autora juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento até efectivo e integral pagamento.
Alegou, no essencial, que foi admitida ao serviço da ré para cuidar da mãe desta como auxiliar de geriatria, mediante o pagamento de um salário mensal de €1.500,00, trabalhando a autora 6 dias por semana, 24 horas por dia, com folga de 24 horas por semana, tendo sempre trabalhado aos sábados e feriados e nunca lhe tendo sido pago subsídio de férias ou de Natal, ou qualquer remuneração por horas extra e tendo apenas gozado 7 dias de férias em setembro de 2015.
Mais alega que no dia 18 de Junho de 2017, depois de em meados de Junho do mesmo ano a autora ter recusado uma proposta de redução do salário, a ré a despediu verbalmente argumentando que a mãe, no dia 19 ia, como foi para um lar.
Citada a ré, e frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, foi a mesma regularmente notificada para contestar, não tendo apresentado tempestivamente contestação.
I.2 Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, com o conteúdo, no que aqui interessa, seguinte:
-« (…)
- não tendo apresentado tempestivamente contestação, pelo que nos termos do art. 57º do Código de Processo do Trabalho se consideram confessados os factos alegados pela autora na petição inicial, os quais se dão por reproduzidos.
Tais factos determinam, sem mais, a procedência da acção, nos exactos termos em que a mesma é fundamentada na petição inicial, que damos por reproduzidos nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 57º, nº 2 do C.P.T., atenta a manifesta simplicidade da causa, excepto no que respeita aos concretos valores devidos a título de remuneração nos feriados nos anos de 2014 e 2015, quanto à procedência da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e, da indemnização de antiguidade e quanto ao início de vencimento dos juros de mora, pelos motivos que passamos a expor sucintamente.
Quanto aos créditos relativos ao ano de 2014, cujos valores importa corrigir, há que referir que dos quatro reclamados apenas poderão ser considerados 2 feriados (08/12 e 25/12) já que por aplicação da Lei 47/2012 de 29/08, naquele ano os dias 1/11 e 1/12 não foram feriado, pelo que, em vez dos €691,84 reclamados a autora só tem direito a €345,92.
Do mesmo modo relativamente ao ano de 2015, verifica-se que dos onze feriados reclamados só podem ser considerados oito (01/01, 03/04, 25/04, 01/05, 10/06, 15/08, 08/12 e 24/12), não correspondendo os restantes a dia feriado, pelo que em vez dos €1.902,56 peticionados a autora tem direito a €1.383,68.
Quanto à peticionada indemnização por danos não patrimoniais o pedido terá de ser julgado improcedente por manifesta falta de alegação de qualquer facto que o suporte e que seja susceptível de configurar um dano, muito menos de gravidade bastante para que ao abrigo do art. 496º do Código Civil, mereça a tutela do direito e gere o direito a indemnização.
Finalmente no que respeita à indemnização pelo despedimento ilícito, afigura-se-nos que o alegado pela autora e que, em virtude da falta de contestação pela ré, se considerou provado, não configura uma situação de despedimento, mas de caducidade do contrato de trabalho e que não gera o direito a qualquer indemnização.
Dispõe o art. 348º do Código do Trabalho dispõe que “O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: a) Verificando-se o seu termo; b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o trabalho ou de o empregador o receber; c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez”.
Interessa ao caso a previsão da alínea b) do citado normativo, ou seja, a caducidade por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar ou de receber o trabalho.
Trata-se de uma situação atípica de caducidade, que importa para o âmbito laboral o regime geral da extinção recíproca das prestações devidas num contrato sinalagmático, por impossibilidade não imputável a uma das partes de efetuar a sua prestação, desonerando desse modo a contraparte (art. 795º, nº 1 do Código Civil), impondo-se no domínio laboral, como expressamente consignado pelo legislador, que tais situações sejam entendidas nos mesmos moldes e com os mesmos parâmetros aplicáveis ao cumprimento das obrigações em geral e a que se referem os arts. 790º e segs. do Código Civil.
Enquanto causal da caducidade do contrato de trabalho a impossibilidade da prestação, seja a do trabalhador de prestar trabalho, seja a do empregador de o receber há-de ser cumulativamente:
- superveniente: no sentido de que a impossibilidade tem de ser posterior à constituição do vínculo, sendo certo que a caducidade do contrato pressupõe a prévia constituição e desenvolvimento de uma relação laboral inicial válida;
- definitiva: em contraposição a impossibilidade temporária de prestar ou de receber o trabalho (em caso de impossibilidade temporária, apenas pode haver lugar à suspensão do contrato de trabalho);
- absoluta: no sentido de que não pode corresponder a uma situação de mera dificuldade na prestação da atividade laboral ou no seu recebimento.
É o que se verifica no caso dos autos, já que ficou demonstrado que a autora foi admitida para exercer as funções de auxiliar de geriatria, prestando cuidados à mãe da ré que padece de doença de Alzheimer e que a ré comunicou à autora a cessação do contrato de trabalho porque a mãe iria para um lar, o que, como a própria autora alega aconteceu. Nessa medida, o objecto do contrato de trabalho deixou de ser possível, não sendo exigível à ré a manutenção do contrato de trabalho.
Finalmente quanto aos juros de mora devidos, na impossibilidade de face à alegação da autora descortinar a data de vencimento dos créditos a reconhecer, mas admitindo-se que, tratando-se de créditos salariais eles têm prazo certo de vencimento, serão considerados os juros desde o último dia de cada ano ao qual respeitam os ditos créditos e a data da cessação do contrato quanto ao créditos respeitantes ao ano de 2017 e aos créditos relativos à formação não ministrada que apenas se vencem com a cessação do contrato, nos termos do art. 134º do Código do Trabalho.
DECISÃO
Por todo o exposto julgo a acção parcialmente procedente e em consequência decido:
I – condenar a ré a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;
II - condenar a ré a pagar à autora:
a) a quantia de €15.293,02 (quinze mil duzentos e noventa e três euros e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
b) a quantia de €345,92 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
c) a quantia de €1.002,74 (mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
d) a quantia de €47.613,32 (quarenta e sete mil seiscentos e treze euros e trinta e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
e) a quantia de €1.326,87 (mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e sete cêntimos) a título de remuneração das férias não gozadas referentes ao ano da contratação e das vencidas em 01/01/2015 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
f) a quantia de €1.383,68 (mil trezentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
g) a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
h) a quantia de €47.928,64 (quarenta e sete mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
i) a quantia de €1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2016 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
j) a quantia de €1.729,60 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
l) a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
m) a quantia de €22.230,06 (vinte e dois mil duzentos e trinta euros e seis cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
n) a quantia de €1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de remuneração das férias vencidas em 01/01/2017 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
o) a quantia de €864,80 (oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
p) a quantia de €1.397,26 (mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
q) a quantia de €544,36 (quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento.
III – absolver a ré da parte restante do pedido.
Custas pela autora e pela ré na proporção dos respectivos decaimentos (cfr. art. 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a autora.
*
Valor da causa: €152.063,53 (cento e cinquenta e dois mil e sessenta e três cêntimos).
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
1. O presente Recurso de Apelação vem interposto da Douta Decisão proferida pelo Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Matosinhos que julgou parcialmente procedente a acção intentada pela Autora, tendo condenado a Ré, e aqui Apelante:
“I – … a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017”;
“II - … a pagar à autora:
a) a quantia de €15.293,02 (quinze mil duzentos e noventa e três euros e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
b) a quantia de €345,92 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
c) a quantia de €1.002,74 (mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
d) a quantia de €47.613,32 (quarenta e sete mil seiscentos e treze euros e trinta e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
e) a quantia de €1.326,87 (mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e set cêntimos) a título de remuneração das férias não gozadas referentes ao ano da contratação e das vencidas em 01/01/2015 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
f) a quantia de €1.383,68 (mil trezentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
g) a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
h) a quantia de €47.928,64 (quarenta e sete mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
i) a quantia de €1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2016 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
j) a quantia de €1.729,60 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
l) a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
m) a quantia de €22.230,06 (vinte e dois mil duzentos e trinta euros e seis cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
n) a quantia de €1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de remuneração das férias vencidas em 01/01/2017 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
o) a quantia de €864,80 (oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
p) a quantia de €1.397,26 (mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
q) a quantia de €544,36 (quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento.”, conforme fls. 233 a 234 da Decisão proferida.
2. A procedência parcial dos pedidos formulados pela Autora deveu-se ao facto de a Ré, e aqui Apelante, depois de regularmente citada e frustrada que foi a tentativa de conciliação em sede de audiência de partes, “não tendo apresentado tempestivamente contestação, pelo que nos termos do art. 57º do Código de Processo do Trabalho se consideram confessados os factos alegados pela autora na petição inicial, os quais se dão por reproduzidos.”, conforme parte final do segundo parágrafo de fls. 231 verso da Decisão proferida.
3. Perante a revelia da Ré, ora Apelante, o Tribunal a quo retirou os seguintes efeitos:
Tais factos determinam, sem mais, a procedência da acção, nos exactos termos em que a mesma é fundamentada na petição inicial, que damos por reproduzidos nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 57º, nº 2 do C.P.T., atenta a manifesta simplicidade da causa,…”, conforme primeira parte final do terceiro parágrafo de fls. 231 verso da Decisão proferida.
A - Impugnação da Matéria de Facto considerada como Provada, nos termos das alíneas a), b) e c), todas do n.º 1 do art.º 640.º, do C.P.Civil, por aplicação da alínea b) do n.º 2 do art.º 1.º, do C.P.Trabalho:
4. A aqui Apelante considera que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os seguintes pontos de facto, como abaixo se irão transcrever, em face da referida revelia: “pelo que nos termos do art. 57º do Código de Processo do Trabalho se consideram confessados os factos alegados pela autora na petição inicial, os quais se dão por reproduzidos.”, conforme parte final do segundo parágrafo de fls. 231 verso da Decisão proferida.
5. Perante a revelia da Ré, como supra se deixou dito, o Tribunal a quo retirou os seguintes efeitos:
Tais factos determinam, sem mais, a procedência da acção, nos exactos termos em que a mesma é fundamentada na petição inicial, que damos por reproduzidos nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 57º, nº 2 do C.P.T., atenta a manifesta simplicidade da causa,…”, conforme primeira parte final do terceiro parágrafo de fls. 231 verso da Decisão proferida.
6. Porque a Douta Decisão deu como reproduzidos os factos, agora se transcrevem da Petição Inicial aqueles que se acham incorrectamente julgados:
“A. DOS FACTOS:
9. A A. trabalhava seis dias por semana, 24 horas diárias, tendo uma folga de 24h horas por semana.
12. Pelo exposto, de forma intermitente, conforme as suas necessidades.
17. A A. tinha diversos cursos e diversa formação quanto ao tratamento de idosos, tais como "Curso de Formação Profissional para Exercícios para Pessoas em Cadeiras de Rodas" e ainda "Curso de Formação Profissional de Cuidados a Pessoas Acamadas".
Continuando,
24. Na folga da A., embora fosse de 24h, nunca era gozada de forma continua.
28. Assim, semanalmente, a 1ª R. entregava em numerário a quantia de €510 (quinhentos e dez euros), sendo que 375 euros correspondiam ao salário mensal repartido pelas quatro semanas e 135 euros correspondiam ao valor que a 1ªR. entregava à A. Para esta pagar a quem a viesse substituir nas suas 24 horas de folga.
29. A A. sempre trabalhou sábados e feriados.
30. Nunca recebeu subsídio de férias e subsídio de Natal.
31. Trabalhava 24 horas sem receber horas extras.
32. Durante a vigência do contrato, apenas gozou 07 dias de férias, quando fez uma viagem ao Brasil a 18 de Setembro de 2015.”.
7. O próprio processo contém elementos probatórios suficientes que impunham decisão diversa sobre estes pontos da matéria ora em crise, nos termos da alíea b) do n.º 1 do art.º 640.º, do C.P.Civil.
Vejamos:
8. A Autora, ora Oponida, alegou, sob o ponto 22 da Petição Inicial o seguinte facto, atente-se nos vários email s que a Autora careou para os presentes.
9. Ao longo de 2 anos e 7 meses, correspondente ao período em que residiu conjuntamente com a Mãe da Autora e na casa de morada de família destas, em momento algum a Autora deu a saber, reclamou, insurgiu-se ou reivindicou, a satisfação de qualquer direito laborar que se encontrasse violado.
10. Mas não se pense que a circunstância de habitar na mesma casa da Ré, inibiria a Autora de requerer ou exigir o que não achasse conforme com a sua posição ou os seus direitos laborais.
11. No e-mail redigido pela Autora e enviado para a Ré às 21:24 de dia 6 de Maio de 2017, aquela dá a saber o seguinte:
nosso acordo é a Dra. C… me pagar semanalmente 504€ que totaliza um vencimento de 2.016€ não ACEITO RIGOROSAMENTE NENHUMA ALTERAÇÃO no que está acordado, a minha posição relativamente a este assunto está clara e é inflexível”, conforme a primeira parte do terceiro parágrafo daquele e-mail, junto as fls. 26 dos presentes autos
12. E no seguimento do mesmo a Autora, no seu último parágrafo, mantém a intransigência: “não tenho qualquer interesse em me afastar desse trabalho, dependo dele para viver, mas tem de ficar absolutamente claro que NÃO PERMITIREI QUALQUER ALTERAÇÃO AO NOSSO ACORDO DE TRABALHO
13. A reforçar o que acima se conclui transcreve-se a parte final do e-mail enviado pela Autora às 21:04 do dia 2 de Maio de 2017:
a Dra. pagou-me 1.716,00 euros do vencimento total de 2.016,00 restando 300,00 euros para liquidar.”
14. Este tendo a Autora procedido à junção destes documentos (os e-mails acabados de referir), os factos neles inscritos têm-se de se considerar como provados resultante da forca probatória que emana o documento particular elaborado pelo Autor da declaração, conforme e nos termos do art.º 376.º, conjugado com o art.º 352.º ambos do C. Civil.
15. Deste modo, não podia o Tribunal a quo ter dado como assente o ponto 5 e o ponto 28 da Petição Inicial, nem os outros supra descritos factos
16. Da leitura daqueles e-mail`s pode-se também concluir que a Autora tinha plena consciência dos seus direitos laborais e que o contrato de trabalho firmado com a Ré não impunha a obrigação de esta trabalhar 24 horas por dia, 6 dias por semana, caso contrário tinha exigido a satisfação desses créditos
17. O mesmo se diga em relação aos dias feriados, aos subsídios de férias e de Natal.
18. Se, como afirma a Ré nos pontos 16 e 21 da Petição Inicial, para todos os serviços fora da área de geriatria a Ré tinha outras empregadas, a que propósito é que a Autora era contratada para tratar e cuidar da mãe durante 24 horas, sendo que a mesma apesar de padecer da doença de Alzheimer não se encontrava acamada e com dificuldade de locomoção.
19. No ponto 11 da Petição Inicial a Autora descrimina as tarefas que realizava, e apesar de a Ré alegar no sexto parágrafo do ponto 12 da Petição Inicial que: “dormia perto da Sra. Laura, de quem cuidava.”,
20. Certo é que no Ponto 12 da P.I.: alegou: “pernoitando sempre no quarto ao lado da mãe da Ré”.
21. Ou seja, não dormia no quarto em plena e constante vigilância da Mãe da Ré.
22. Aquantia que a Autora auferia por mês no valor de 2.016,00€ por mês é uma renumeração muito acima do vencimento médio duma auxiliar de geriatria, a rondar os 600,00€, ou seja, ganhava mais do triplo.
23. Na livre apreciação das provas para a prudente convicção acerca de cada facto o Tribunal a quo pode socorrer pelas presunções impostas pela lei e ainda de acordo com as regras da experiência, apoiadas no entendimento do homem médio, conforme n.º 4 e n.º 5 do art.º 607.º, do C.P.Civil.
24. A Autora nem sequer alega na sua Petição Inicial dos trabalhos que efetivamente prestava ao longo do dia à mãe da Ré, limitando-se a generalizar o que fazia.
25. Nem alega que os cuidados da Mãe da Ré, doente de Alzheimer, exigiam muito trabalho, dando antes a saber que tinha perfeita mobilidade.
26. Decorre das regras da experiência comum que é humanamente impossível que um trabalhador trabalhe 24 horas por dia, 6 dias seguidos por semana, que precipita à conclusão de negócio jurídico fisicamente impossível, nos termos do n.º 1 do art.º 280.º do C.Civil, e contrário á boa-fé.
27. Para que se possa perceber o que levou a Autora e a Ré a vincularem-se terá sempre de se compreender o contexto em que essa vinculação foi firmada, no âmbito de um contrato de prestação de serviço celebrado com a empresa D…, Lda., com determinado custo inerente, e onde as partes se conheceram pois a Autora prestava serviços para essa empresa.
28. E nesse âmbito não faz o mais pequeno sentido que a Ré prescindisse dos serviços daquela empresa para contratar a Autora 24 horas por dia, consciente que lhe teria de pagar todas as horas que aquela se encontrasse em sua casa.
29. Os documentos juntos aos autos trazidos pela própria Autora não permitiam dar como assente os factos por ela alegados na petição inicial, em virtude do qual estamos perante um erro de julgamento, o que se suscita.
30. Por declaração proferida em 1998 sobre a justiça social, a Organização internacional de Trabalho estabeleceu como meta a partir de 2010, quatro objectivos estratégicos para as relações laborais: Promover o emprego; Desenvolver e melhorar as medidas de proteção social;´ Promover o diálogo social e o tripartismo; Respeitar, promover e realizar os princípios fundamentais no trabalho.
31. Os princípios e os direitos fundamentais no trabalho são também, em si mesmo, direitos humanos, próprios dos trabalhadores e dos empregadores, e a sua realização constitui um fim em si mesmo, com vista ao progresso social, em respeito pela dignidade que se exige à prestação de determinado trabalho, subjacente à dignidade de quem contrata esse mesmo trabalho.
32. O Tribunal a quo deu como provado que a Autora desenvolvia trabalho permanente durante 24 horas por dia, 6 dias por semana.
33. A Autora nos vários factos que trouxe para a petição inicial não alega a existência de um horário de trabalho, como se lhe exigia.
34. Apenas alega, no ponto 4 da Petição Inicial de que: “a Autora fez-lhe a proposta de emprego por tempo inteiro para cuidar da mãe é vaga, pois não define em rigor qual o período temporal compreendido na prestação de trabalho.
35. A Autora omitiu e não esclareceu o que significa ter recebido uma proposta de trabalho: “por tempo inteiro”.
“Tempo inteiro” corresponde a 8 horas de trabalho, a 24 horas?
36. Nesta imprecisão por falta de facto concreto, sobre quem recai o ónus constitutivo do direito à renumeração, nos termos do art.º 342.º número 1 do C. Civil não pode o Tribunal a quo dar como assente que a Autora tem direito a receber 15 horas por trabalho suplementar, nos anos 2014, 2015, 2016 e 2017.
37. Ao contrato de trabalho aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos (art.º 217.º do C. Civil), dos contratos (art.º 405.º do C. Civil), e do cumprimento das obrigações (art.º 762.º do C. Civil), por quanto é um negócio jurídico bilateral e obrigacional, subordinado ao princípio da consensualidade (art.º 219.º do C. Civil), e na confiança reciproca.
38. De acordo com este preceito legal empregador e trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos, que se conjuga com o art.º 102.º do C:Trabalho, impondo-se às partes que para a conclusão de um contrato de trabalho, tanto nos preliminares como na formação, devem proceder segundo as regras da boa-fé.
39. Trabalho a “tempo inteiro, conforme alegado pela Autora no seu ponto 4 da P.I., só encontra paralelo no contrato de serviço doméstico, estabelecendo o art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 235 do 24/10, que o mesmo pode ser celebrado na modalidade de com alojamento e com alimentação e a tempo inteiro, não se estabelecendo do texto desse diploma que tempo inteiro corresponda ao trabalho efetivo de 24 horas por dia.
40. Os requisitos iniciais à proposta de contrato de trabalho estabelecem três pontos distintos, desde logo na identificação dos elementos essenciais do negócio jurídico com a fixação da actividade a desenvolver; o horário; e a retribuição. No entanto, a Autora nada alegou a este respeito.
41. Impende sobre a Autora, como trabalhadora, o respeito pela satisfação do dever de informação do art.º 106.º e do art.º 109.º, e guardar lealdade ao trabalhador, assente no princípio da mútua colaboração, da boa-fé no cumprimento das suas obrigações, conforme aliena f) do n.º 1 do art.º 128.º, todos do C. Trabalho e do n.º 2 do art.º 762.º do C. Civil.
42. O direito do trabalho não foi estabelecido para defender os trabalhadores contra os empregadores, existe em defesa de um interesse geral, onde se inclui toda a comunidade fazendo parte trabalhadores e empregadores, e rege-se, cada vez mais, pelos princípios do C. Civil.
43. Interpretar a lei e apreciar a prova a favor do trabalhador corresponde a um subjetivismo inaceitável sem qualquer fundamento legal.
44. Depois de cessado o contrato de trabalho, que havia sido celebrado entre a Autora e a Ré, por caducidade, ao fim de quase três anos de vigência, e vir agora a Autora demandar a Ré para o pagamento de trabalho suplementar, num valor superior a 150.000,000€ configura a violação dos princípios que norteiam o direito do trabalho em especial a boa fé, a lealdade e a igualdade.
45. A decisão judicial agora em crise, ao satisfazer as pretensões da Autora é violador do princípio da proporcionalidade, num flagrante desequilíbrio de prestações entre a vantagem económica auferida pelo trabalhador e a desvantagem financeira sofrida pelo empregador.
46. O tribunal a quo deve manter a integridade dos direitos e princípios fundamentais do direito e não permitir a insolvência do empregador às mãos do trabalhador na exigência de retribuições não acordadas e em tudo contrárias aos desígnios da boa-fé, da ordem pública e dos costumes.
47. Na falta de impugnação dos factos alegados pela Autora, pela revelia da Ré, aqueles consideram-se confessados, conforme primeira parte do n.º 1 do art.º 57.º, mas a assunção jurídica dos mesmos tem que ser “conforme for de direito”, nos termos da parte final daquele mesmo n.º 1 do art.º 57.º, do C. Trabalho.
48. Na Petição Inicial a Autora não alegou que o alegado trabalho suplementar tivesse sido prestado por determinação expressa e prévia da Ré, nem alegou que o trabalho suplementar tivesse sido realizado com conhecimento da Ré, ou seja, que esta sabia que aquela trabalhava 24 horas por dia., e que assistia direito à Ré de auferir trabalho suplementar.
49. O único facto alegado pela Autora relativamente ao tempo de trabalho por esta a prestar e do conhecimento da Ré, conforme proposta de emprego apresentada, é o que consta do ponto 4 quando ali se diz “por tempo inteiro para cuidar da mãe.”, não se retirando, daqui, que aquela proposta e o contrato foi celebrado com uma prestação diária de 24 horas/dia, 6 dias/semana.
50. À Autora não basta formular o pedido tem também de indicar a causa de pedir, isto é, alegar factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, competia-lhe, pois, apresentar o(s) facto(s) concreto(s) donde resultasse inegavelmente o efeito jurídico pretendido a que a lei determina causa de pedir.
51. Nem tão pouco alegou, ou precisou qual o período de tempo normal acordado com a Ré para a prestação de trabalho, nem sequer concretizou o que fazia nos cuidados a prestar à mãe da Ré ao longo das longas horas do dia, especificando as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prestação de trabalho.
52. Não foi alegado nem se encontra demonstrado que a Ré tinha conhecimento e que não era previsível a sua oposição a que a Autora prestasse trabalho suplementar para além do tempo normal do trabalho, porque como se disse, nos autos não há indicação concreta do horário normal do trabalho.
53. Sem facto não poderá ser exigível à Ré o pagamento de trabalho suplementar.
54. É permitir que a Autora beneficie daquilo que se designa como venire contra factum próprio – criar as condições sem que estas sejam percetíveis pela outra parte e sem que ao longo de quase três anos de prestação de trabalho haja qualquer reclamação ou exigência de sentido contrário, e depois, de cessado o contrato, vir reclamar de créditos laborais, é permitir ao trabalhador abusar do exercício de direito.
55. Em tudo contrário aos desígnios da boa-fé que deve presidir as relações laborais, abusar do direito e permitir a realização de uma grande injustiça.
56. A ser assim o negócio jurídico subjacente ao contrato de trabalho é contrário à lei, à ordem pública e ofensivo dos bons costumes, nos termos do art.º 281.º do C. Civil deverá ser declarado nulo.
57. A configurar-se esta realidade/injustiça, de a Autora receber cerca de 150.000,000€ de trabalhos suplementares realizados ao longo de quase três anos, alegadamente por períodos de 24 horas diárias e 6 dias por semana, é permitir a realização do negócio jurídico usurário, nos termos dos arts.º 282.º número 1 do C. Civil.
58. É do conhecimento do homem médio comum, que ninguém pode trabalhar durante 24 horas seguidas, durante 6 dias por semana, sem horas de repouso ou de descanso, e sem horas para a refeições, o que é humanamente impossível.
59. Este facto, que assume caracter notório, não carece de prova nem de alegação, nos termos do n.º 1 do art.º 412.º, do C.P. Civil.
60. A Apelante, não se conformando com a Douta Decisão proferida nos presentes autos, vem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º, conjugado com o n.º 2 do art.º 72.º, ambos da Lei 28/82, de 15/11, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26/02, e pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13/09, dela interpor Recurso de Inconstitucionalidade, pretendendo que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do art.º 226.º e do n.º 2 do art.º 268.º, ambos do Código de Trabalho, na interpretação aí feita e daquela que o Juiz 2 do Juízo do Trabalho de Matosinhos deu na sua aplicação da Decisão, no sentido em que a mera alegação da realização de trabalho suplementar, sem alegação da Autora e da subsequente prova, e sem que para tanto as partes (Trabalhadora e Empregadora) tenham previamente acordado à sua realização, e bem assim, sem alegação e prova de que a Empregadora tenha prévia e expressamente determinado à Trabalhadora para a sua execução, como ainda sem alegar e provar que a Empregadora tinha conhecimento desse facto, e nem sequer alegado que não fosse previsível a sua oposição, dê lugar, sem mais, ao pagamento do alegado trabalho suplementar, a realizar por 24 horas seguidas, de forma ininterrupta, e durante 6 dais seguidos por semana, e ver auferir mais de 150.000,00 €, viola o princípio do Estado de Direito inscrito no art.º 2.º, com violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do art.º 13.º, violando ainda o princípio da justiça e da proporcionalidade estabelecido no n.º 2 do art.º 18.º, e a violação do princípio da legalidade, consagrado no art.º 3, conjugado com a norma do art.º 203.º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
61. Encontram-se assim violadas as normas do art.º 102.º, do art.º 106, do art.º 109.º, do art.º 126.º, do art.º 128.º, n.º 1 alínea f), do art.º 268.º. n.º 1, do art.º 268.º, n.º 4, todos do C.Trabalho; e bem assim as normas do art.º 227.º, do art.º 280.º, do art.º 282.º, do art.º 342.º, n.º 1, do art.º 405.º, do art.º 762.º, estes do C.Civil; e ainda o art. 412.º, n.º 1, e o art.º 576.º, n.º 3 e o art.º 581.º, n.º 4, estes três do C.P.Civil; e também o art.º 2.º, o art.º 3.º, o art.º 13.º, n.º 1, o art.º 18.º, n.º 2, e o art.º 203.º, estes da C.R.Portuguesa.
Termos em que,
REQUER A V. EX.AS se digne admitir o presente Recurso de Apelação, o qual deverá ser julgado procedente, determinando a revogação da Douta Decisão proferida, absolvendo a aqui Apelante pela condenação de obrigação de pagamento do trabalho suplementar alegadamente prestado pela Autora, ora Apelada, constantes de:
a) na quantia de €15.293,02 (quinze mil duzentos e noventa e três euros e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
b) na quantia de €345,92 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
d) na quantia de €47.613,32 (quarenta e sete mil seiscentos e treze euros e trinta e dois cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
f) na quantia de €1.383,68 (mil trezentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
h) na quantia de €47.928,64 (quarenta e sete mil novecentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
j) na quantia de €1.729,60 (mil setecentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
m) na quantia de €22.230,06 (vinte e dois mil duzentos e trinta euros e seis cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar prestado em dias úteis e sábados no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
o) na quantia de €864,80 (oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração do trabalho prestado em dia feriado no ano de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento;
Determinando também a revogação da Douta Decisão proferida, absolvendo a aqui Apelante pela condenação de obrigação de pagamento dos alegados subsídios de férias e subsídios de natal, constantes de:
c) na quantia de €1.002,74 (mil e dois euros e setenta e quatro cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2014, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2014 até integral pagamento;
e) na quantia de €1.326,87 (mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e set cêntimos) a título de remuneração das férias não gozadas referentes ao ano da contratação e das vencidas em 01/01/2015 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
g) na quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento;
i) na quantia de €1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2016 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
l) na quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de subsídios de férias e de Natal do ano de 2016, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde 31/12/2016 até integral pagamento;
n) na quantia de €1.269,23 (mil duzentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de remuneração das férias vencidas em 01/01/2017 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
p) na quantia de €1.397,26 (mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 19/06/2017 até integral pagamento;
q) na quantia de €544,36 (quinhentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento.”.
considerar exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado sem o conhecimento do empregador (implícito ou tácito) e sem a sua oposição é inconstitucional
MAIS REQUER A V. EXAS se dignem, nos termos da alínea b) do art.º 70.º, conjugado com o n.º 2 do art.º 72.º, ambos da Lei n.º 28/82, de 15/11, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26/02, e pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13/09, apreciar e julgar a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do art.º 226.º, e da norma constante do n.º 2 do art.º 268.º, ambos do C.Trabalho, por violação do princípio do Estado de Direito inscrito no art. 2.º, por igual violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do art.º 13.º, violação do princípio da justiça e da proporcionalidade estabelecido no n.º 2 do art.º 18.º, e violação do princípio da legalidade consagrado no art.º 3.º, conjugado com o art.º 203.º, todos da CRP, quando interpretadas no sentido dado pelo Tribunal a quo na Douta Sentença proferida, no sentido de que a mera alegação da realização de trabalho suplementar desacompanhada de alegação da Autora e da subsequente prova, de que as Partes (Trabalhadora e Empregadora) tenham previamente acordado à sua realização, e bem assim, desacompanhada de alegação e de prova de que a Empregadora tenha prévia e expressamente determinado à Trabalhadora a sua execução, como ainda sem alegar e provar que a Empregadora tinha conhecimento desse facto, e nem sequer alegado que não fosse previsível a sua oposição, dê lugar, sem mais, ao pagamento do alegado trabalho suplementar, a realizar por 24 horas seguidas, de forma ininterrupta, e durante 6 dais seguidos por semana, e ver auferir mais de 150.000,00 €, dê lugar, sem mais, ao pagamento do alegado trabalho suplementar.
I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
1. A Apelante, viola de forma clara o artigo 412º, nº 1 do CPC uma vez que se verifica a falta de sintetização das Conclusões como é exigido pelo próprio legislador, alongando-se tais por diversas páginas e apresentando-se mais densas de conteúdo, que a própria motivação do recurso.
2. A Apelante, na verdade não distingue a motivação do recurso das conclusões, verificando o recurso no seu todo, confuso e repetitivo.
3. O recurso não se apresenta dentro das regras legais, pelo que deverá ser rejeitado.
4. No que toca à impugnação da decisão relativa à matéria de facto efetuada pela Apelante, entende a Apelada que aqueles não deram cumprimento do art.573º pelo que deverá o recurso, ser recusado.
5. Em boa verdade a Apelante limitou-se a utilizar o recurso como meio de contestação, alegando factos e tecendo considerações falsas que não foram sujeitas ao contraditório.
6. A juiz a quo, apesar de não existir uma contestação apresentada pela R., e os factos alegados pela autora se considerarem confessados, julgou a causa conforme o direito, obedecendo assim ao previsto na lei.
7. A sentença proferida pelo Tribunal a quo não deve merecer qualquer reparo, encontrando-se bem fundamentado.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, rejeitando o recurso interposto e sem prescindir julgando o mesmo improcedente será feita uma verdadeira e sã.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.
I.5.1 Respondeu a recorrente, reiterando a posição afirmada no recurso.
I.6. Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
1. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Ao considerar provados os artigos 5, 9, 12, 17, 24, 28, 29, 30, 31 e 32 da petição inicial;
ii) Na aplicação do direito aos factos, ao condenar a Ré no pagamento de trabalho suplementar nos termos pedidos sem existência de factos alegados suficiente; em subsídio de férias e de Natal nos valores fixados; e, na quantia a título de formação não ministrada.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Como acima já indicado, na consideração de não ter sido apresentada tempestivamente contestação, o Tribunal a quo decidiu que “(..) nos termos do art. 57º do Código de Processo do Trabalho se consideram confessados os factos alegados pela autora na petição inicial, os quais se dão por reproduzidos”.
II.2 Questão prévia
A recorrida vem defender que há falta de sintetização das conclusões, não se distinguindo a motivação do recurso das conclusões, num resultado confuso e repetitivo, pugnando pela rejeição do recurso. Nas conclusões refere o “artigo 412º, nº 1 do CPC”, mas por lapso manifesto, já que nas alegações invoca o art.º 639.º do CPC.
Vejamos então.
Conforme decorre do art.º 639.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º , n.º2 al. a), do CPT, as alegações devem conter conclusões, nas quais constem de forma sintética, a indicação dos fundamentos com base nos quais é pedida a alteração ou anulação [n.º1], devendo nas mesmas indicar-se, quando o recurso verse sobre matéria de direito, “as normas jurídicas violadas” [al. a), do n.º2], “O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas” [al. b)], e “Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada” [al.c), do n.º2].
Mais estabelece o n.º 3, “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada”.
Sendo certo, ainda, que falta de conclusões gera o indeferimento do recurso a declarar pelo juiz a quo [art.º 641.º n.º 2 al. b), co CPC] ou, quando tal não seja declarado, obsta ao conhecimento do recurso, cabendo essa decisão ao relator no tribunal ad quem [art.º 652.º n.º 1 al. b, do CPC].
As conclusões consistem na enunciação de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões porque se pede o provimento do recurso, devendo ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o Tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados.
Mas como preveniu o legislador, pode acontecer que as conclusões não cumpram aqueles requisito e se apresentem deficientes, obscuras, complexas ou com omissão de especificações.
Como elucida Abrantes Geraldes, as conclusões são deficientes “(..) quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito”; serão obscuras “ (..) as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama”; serão complexas “(..) quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados (..)” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 116/117].
No caso vertente, salvo o devido respeito, não pode dizer-se literalmente que as conclusões apresentadas reproduzem integralmente as alegações. Confrontando umas e outras verifica-se que a recorrente autora retirou das conclusões partes que constam das alegações, mas também outras considerações sobre a aplicação do direito aos factos.
Pode dizer-se, isso sim, que a síntese efectuada não prima pela qualidade, ou porque não houve essa preocupação ou porque não se conseguiu melhor resultado.
Poderia, pois, questionar-se se estamos perante conclusões complexas, que não cumprem as exigências de síntese a que se refere o n.º 1 do art.º 639.º CPC e, logo, se deveria ter sido proferido o despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º3, do mesmo artigo.
Em nosso entender, as conclusões, ainda que minimamente, satisfazem aquela exigência. Note-se que tão pouco são extensas, o que logo contribui para lhes retirar complexidade.
Mas para além disso, sendo esse um ponto determinante, constata-se que a recorrida, pese embora as qualificar como confusas, não teve dificuldade em perceber o que estava em causa e em exercer o contraditório.
Assim, na consideração desses dois aspectos, mesmo que se entendesse que as conclusões não satisfazem a síntese exigida, cremos que não se justificaria o convite ao aperfeiçoamento, pois, como também elucida Abrantes Geraldes, “[A] prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais” [Op. Cit. p. 119].
Por conseguinte, entende-se que nada obsta ao conhecimento do recurso.
II.2 IMPUGNAÇÃO da DECISÃO SOBRE a MATÉRIA DE FACTO
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Recorrendo mais uma vez às palavras de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Op. cit, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
No que concerne às conclusões conclui-se que a recorrente cumpriu com o que se entende suficiente, dado ter indicado quais os factos que impugna, para depois expressar com clareza o que pretende seja decidido.
O mesmo é de dizer quanto aos demais ónus de impugnação, verificando-se que a recorrente indica os meios de prova em que sustenta a impugnação, designadamente, documentos e fazendo apelo às presunções judiciais e aplicação das regras da experiência comum, para depois formular uma apreciação crítica dirigida a justificar as alterações que pretende sejam introduzidas.
II.2.1 Mas apesar da Ré ter cumprido os ónus de impugnação, é forçoso concluir que este Tribunal de recurso está impedido de reapreciar a prova produzida, por não estarem reunidas as necessárias condições para se fazer esse percurso. E, consequentemente, diga-se também, não poderá reapreciar o recurso na parte em que impugna a sentença por erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.
Com efeito, como se constata pela leitura da sentença acima transcrita o Tribunal a quo não fixou a matéria de facto assente, em concreto, não especifica nenhum dos factos assentes, tendo-se limitado a remeter para a petição, dizendo que “(..) nos termos do art. 57º do Código de Processo do Trabalho se consideram confessados os factos alegados pela autora na petição inicial, os quais se dão por reproduzidos”, sendo certo que nos artigos daquele articulado da autora também foi alegada matéria de direito e foram produzidas alegações conclusivas.
Vale isto por dizer que se este tribunal ad quem aceitasse proceder à reapreciação da matéria de facto, no rigor das coisas estar-se-ia a eliminar um grau de recurso no que à fixação da matéria de facto concerne, posto que na verdade não há matéria de facto fixada com a devida especificação, acrescendo que ao fazermos esse percurso estaríamos necessariamente a trabalhar sem a certeza acerca de quais os factos - entenda-se, em termos concretos e precisos - que foram “considerados como provados” pelo Tribunal a quo para depois lhes aplicar o direito, o que se traduziria num percurso não aceitável, dado não ter cobertura na lei processual, nomeadamente no art.º 57.º do CPT.
Senão vejamos. O art.º 57.º do CPT, com a epígrafe “Efeitos da revelia”, dispõe o seguinte:
- “1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
2 - Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor.”.
O artigo corresponde, no essencial, aos n.ºs 1 e 3, do art.º 567.º do CPC.
Diz-se que há revelia quando o R. omite qualquer conduta reactiva, isto é, como dizem as normas em causa, se o réu não contestar, desde que deva “considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação”.
A falta de oposição conduz à confissão dos factos articulados pelo autor, como expressa a norma, mas a sua interpretação não pode ser meramente literal, devendo entender-se, assim, desde que esses factos admitam confissão e nos termos em que ela seja admissível, atento o disposto nos artigos 352.º a 361.º do CC.
A revelia é operante, quando implica a confissão dos factos articulados pelo autor. Isto significa que o R. reconhece ou admite todos os factos alegados pelo autor na petição inicial.
Note-se, a lei estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno. Isto é, não há “(..) uma incontornável e fatal condenação imediata no pedido como consequência da revelia operante (..)” [Cfr. J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, pp. 502].
Com efeito, a parte final do n.º1 do art.º 57.º CPC, que corresponde à parte final do n.º2, do art.º 567.º do CPC, estabelece que “(..) é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
Assim, o tribunal irá “julgar a causa conforme for de direito”, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido.
Nestes casos, na sentença o juiz deverá discriminar quais os factos que julga provados, isto é, fixando-os individualmente, com concretização e precisão, seguindo-se a fundamentação de direito, com indicação e interpretação das nomas jurídicas a aplicar que justificam a decisão final.
Operando a revelia, o n.º2 prevê as situações em que a causa se revista “de manifesta simplicidade”, para estabelecer, na primeira parte, que nesses casos “a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”.
Como resulta bem claro da norma, não basta a simplicidade da causa, exigindo-se que a mesma seja “manifesta”. A manifesta simplicidade da causa afere-se face aos factos constantes da petição inicial – a causa de pedir - e o direito aplicável aí invocado para sustentar os pedidos deduzidos, bem assim face às questões suscitadas na aplicação do direito.
Por outro lado, note-se, a fundamentação sumária não pode ser confundida com não fundamentação ou fundamentação ligeira [Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho Anotado, Quid Juris, Lisboa, 200º, p. 121].
A lei processual laboral vai mais longe que o processo civil comum, estabelecendo ainda o n.º2, do art.º 57.º, do CPT, na segunda parte, que “se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor.”.
Em suma, pode dizer-se que o art.º 57.º do CPT, cobre três situações que têm por base a revelia do Réu, para cada uma delas impondo diferentes exigências de fundamentação na elaboração da sentença que retira os efeitos da cominação semi-plena.
No caso, o Tribunal a quo considerou confessados os factos alegados pela autora na petição inicial por falta de contestação da Ré, mencionando dá-los por reproduzidos e depois justificando essa opção dizendo que “Tais factos determinam, sem mais, a procedência da acção, nos exactos termos em que a mesma é fundamentada na petição inicial, que damos por reproduzidos nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 57º, nº 2 do C.P.T., atenta a manifesta simplicidade da causa, excepto no que respeita aos concretos valores devidos a título de remuneração nos feriados nos anos de 2014 e 2015, quanto à procedência da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e, da indemnização de antiguidade e quanto ao início de vencimento dos juros de mora, pelos motivos que passamos a expor sucintamente”.
Como referido expressamente na sentença, o Tribunal a quo entendeu que a causa se revestia de “manifesta simplicidade”, enquadrando-a no n.º2, do art.º 57.º, mais precisamente na segunda parte, como parece resultar da parte em que refere que “Tais factos determinam, sem mais, a procedência da acção, nos exactos termos em que a mesma é fundamentada na petição inicial”, pese embora depois refira “excepto no que respeita aos concretos valores devidos a título de remuneração nos feriados nos anos de 2014 e 2015, quanto à procedência da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e, da indemnização de antiguidade e quanto ao início de vencimento dos juros de mora, pelos motivos que passamos a expor sucintamente”.
Com o devido respeito, este enquadramento não foi o correcto, dado que contrariamente ao afirmado na sentença, a causa não se reveste de manifesta simplicidade, nem tão pouco os factos provados conduziam à total procedência da acção. Basta ver que o Tribunal a quo necessitou logo de deixar afirmado que a procedência não abrangia parte dos pedidos, nomeadamente, quanto aos “valores devidos a título de remuneração nos feriados nos anos de 2014 e 2015, quanto à procedência da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e, da indemnização de antiguidade e quanto ao início de vencimento dos juros de mora”.
Por conseguinte, no caso impunha-se que o Tribunal a quo tivesse aplicado o n.º 1 do art.º 57.º, considerando provados os factos que admitem confissão, mas para os fixar concreta e precisamente, como condição para depois julgar a causa conforme for de direito.
Mas como não foi esse prosseguimento seguido, repete-se, não pode esta Relação pronunciar-se sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, na medida em que não foram elencados na sentença, nem por isso poderia verificar a correta aplicação do direito.
Decorre do art.º 662.º, n.º 2, al. c) do Cód. Proc. Civil, que a Relação deve, mesmo oficiosamente, “Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (..)”.
No acórdão de 28-05-2012,desta Relação e Secção [Proc.º 53/11.1TTBRG.P1, Desembargador Ferreira da Costa, disponível em www.dgsi.pt], em caso similar e a propósito do anterior art.º 714.º n.º4, do CPC, correspondente à norma acima invocada, consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
I – Decidida a causa através de sentença, proferida ao abrigo do disposto no Art.º 57.º do CPT, sem se ter assentado os factos provados, tal decisão é de anular, atento o disposto no Art.º 712.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil, devendo ser proferida nova decisão em que se assentem os factos considerados provados, conhecendo-se de seguida das restantes matérias pertinentes.
II – Não se tratando de decisão deficiente, contraditória ou obscura, mas omissa, quanto à matéria de facto, a necessidade de anulação é, se não maior, pelo menos idêntica, tendo em vista a possibilidade de sindicância por parte da Relação.
Recorrendo à fundamentação desse acórdão para melhor se perceber as razões que sustentam aquela posição, lê-se o seguinte
- [..]
Desta disposição decorre que se a decisão da matéria de facto contiver os vícios apontados - deficiente, obscura ou contraditória - a decisão pode ser anulada pela Relação, mesmo oficiosamente.
Tem-se entendido que tal estatuição deverá ser aplicada àquelas situações em que se assentou os factos na sentença, mas se omitiu o despacho de resposta aos quesitos e respetiva fundamentação ou o despacho a assentar a matéria de facto provada e não provada e respetiva fundamentação. Igualmente se tem entendido que se a decisão da matéria de facto omitir a relação dos factos não provados, é de aplicar a mesma disciplina. Por último, também se tem entendido que a norma é de aplicar nos casos em que a decisão da matéria de facto foi completamente omitida, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, quer quanto à respetiva fundamentação, como sucede in casu.
Ora, relativamente a esta última situação, que é a nossa, a aplicação da norma impõe-se, se não por maioria, pelo menos por identidade de razão. Na verdade, se uma decisão da matéria de facto, deficiente, obscura ou contraditória, impede a Relação de sindicar, quer a decisão de facto, quer a decisão de direito, a omissão da decisão de facto impede, em absoluto e em toda a extensão, a referida sindicância. Daí que, a nosso ver, a disciplina constante da norma em apreço é igualmente aplicável aos casos em que a decisão da matéria de facto foi completamente omitida.[4]
Do exposto decorre que, in casu, deve ser anulado a sentença, atento o disposto no Art.º 712.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil, devendo ser proferida nova decisão em que se assentem os factos considerados provados, conhecendo-se de seguida das restantes matérias pertinentes.».
Concordamos integralmente com esta posição e com os fundamentos em que sustenta, em tudo transponíveis para o caso vertente.
Assim sendo, impõe-se também aqui anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando concreta e precisamente os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.
Por essa razão, não se toma conhecimento do objeto do recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.

Custas a final, pela parte vencida.
Porto, 14 de Julho de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira