Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ABÍLIO COSTA | ||
Descritores: | ESCRITURAÇÃO COMERCIAL PROVA PERICIAL | ||
Nº do Documento: | RP202205232186/21.1T8STS-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/23/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – A escrituração comercial consiste no registo dos factos que podem influir nas operações e na situação patrimonial dos comerciantes. II – Estando em causa o exame da escrituração comercial e documentos, importa observar o disposto no art.º 43.º do C.Com, independentemente de estar em causa uma parte ou terceiro. III – Relevante é que a pessoa a quem pertencem a escrituração comercial e os documentos “tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida”. IV – Por força do disposto no n.2 do art.º 43.º do C.Com. o exame da escrituração e dos documentos do comerciante é limitados à averiguação e extracção dos elementos que tenham, relação com a questão. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº2186/21.1T8STS-A.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto AA intentou acção declarativa, na forma comum, contra F..., S.A.. Pede que se declare a anulação das deliberações da assembleia geral de 20 de Julho de 2021, na qual foi deliberada a aprovação do relatório e contas do ano de 2020, a proposta de aplicação de resultados, bem como a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade. Alega, essencialmente, ser a R. detentora de 100% do capital da sociedade T..., S.A.; a qual, por sua vez, detém participações sociais das sociedades G... S.G.P.S., S.A., e S... S.G.P.S., S.A.; além disso, a referida “T...” concedeu um empréstimo à referida G... S.G.P.S., S.A., no montante de € 864.000,00; acontece que as referidas G... S.G.P.S., S.A. e S... S.G.P.S., S.A., foram declaradas insolventes; porém, nem a R. nem que a “T...” registaram quaisquer perdas por imparidades nas suas contas, perdas estas que rondam os 27 milhões de euros - resultante da soma das participações sociais nas empresas insolventes, que totalizam € 26.932.500,00, e do montante do referido empréstimo; pelo que ocorre erro nas contas aprovadas, por violação do disposto no art.66º do CSComerciais. Relativamente aos meios de prova indica, entre o mais, a seguinte prova pericial: “Nos termos do disposto no art.467º, nº1 do CPC requer-se a realização de perícia singular à escrita da sociedade, por perito a ser nomeado pelo tribunal. Nos termos do disposto no artigo 475º do CPC, o objecto da perícia consistirá da análise às contas e documentos de suporte na contabilidade da sociedade Ré relativamente ao exercício de 2020, compreendendo o período de 01/01/2020 a 31/12/2021, bem como como assim à contabilidade da sociedade sua participada “T..., S.A.” (também nos termos do artigo 43º do Código Comercial) sociedade…(detida a 100% pela sociedade Ré), relativamente ao mesmo período de 2020, devendo o senhor perito responder às seguintes questões: 1 - Existem perdas por imparidades por registar nas contas da empresa participada da Ré, a T..., nos activos “participações financeiras”, “contas a receber” e “outros activos financeiros”? 2 - Em caso afirmativo: - a que se referem essas perdas e qual o seu valor? - qual o impacto do registo das referidas imparidades nas contas da “T...? 3 - Existem perdas por imparidades a registar na empresa Ré, nos activos “participações financeiras”, “contas a receber” e “outros activos financeiros”? 4 - Em caso afirmativo: - a que se referem essas perdas e qual o seu valor? - qual o impacto do registo das referidas imparidades nas contas da Ré?”. No decurso da audiência prévia, após prolação do despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, foi proferido o seguinte despacho relativamente à prova pericial requerida: “Atentos os factos 3.º a 13.º, 15.º a 30.º e 34.º a 38.º dos temas da prova, nos termos do disposto pelo artigo 467.º, n.º 1 do CPC, por ser importante para a boa decisão da causa, determino a realização de perícia singular à escrita da sociedade, por perito a ser nomeado pelo tribunal. Nos termos do disposto no artigo 475.º do CPC: Objeto da perícia: Atentos os factos 3.º a 13.º, 15.º a 30.º e 34.º a 38.º dos temas da prova, proceder à análise das contas e documentos de suporte na contabilidade da sociedade Ré relativamente ao exercício de 2020, compreendendo o período de 01/01/2020 a 31/12/2020, bem assim como à contabilidade da sociedade sua participada: “T..., S.A.” (também nos termos do artigo 43.º do Código Comercial), sociedade com o número de identificação de pessoa coletiva ... (detida a 100% pela sociedade Ré), relativamente ao mesmo período de 2020, devendo o senhor perito, responder às seguintes questões: 1 - Existem perdas por imparidade por registar nas contas da empresa participada da Ré, a T..., nos ativos “participações financeiras”, “contas a receber” e “outros ativos financeiros”? 2 - Em caso afirmativo: i) a que se referem essas perdas e qual o seu valor? ii) qual o impacto do registo das referidas imparidades nas contas da T...? 3 - Existem perdas por imparidade a registar na empresa Ré, nos ativos “participações financeiras”, “contas a receber” e “outros ativos financeiros”? 4 - Em caso afirmativo: i) a que se referem essas perdas e qual o seu valor? ii) qual o impacto do registo das referidas imparidades nas contas da Ré?” Este despacho foi depois alterado, atenta a reclamação da R., nos seguintes termos: “Atentos os factos 3.º a 13.º, 15.º a 30.º e 34.º a 38.º dos temas da prova, nos termos do disposto pelo artigo 467.º, n.º 1 do CPC, por ser importante para a boa decisão da causa, determino a realização de perícia singular à escrita da sociedade, por perito a ser nomeado pelo tribunal. Nos termos do disposto no artigo 475.º do CPC: Objeto da perícia: Atentos os factos 3.º a 13.º, 15.º a 30.º e 34.º a 38.º dos temas da prova, proceder à análise das contas e documentos de suporte na contabilidade da sociedade Ré relativamente ao exercício de 2020, compreendendo o período de 01/01/2020 a 31/12/2020 (contas do exercício e demais documentos de prestação de contas do exercício de 2020), bem assim como à contabilidade da sociedade sua participada: “T..., S.A.” (também nos termos do artigo 43.º do Código Comercial), sociedade com o número de identificação de pessoa coletiva ... (detida a 100% pela sociedade Ré), relativamente ao mesmo período de 2020 (contas do exercício e demais documentos de prestação de contas do exercício de 2020), devendo o senhor perito, responder às seguintes questões: 1 - Existem perdas por imparidade por registar nas contas da empresa participada da Ré, a T..., nos ativos “participações financeiras”, “contas a receber” e “outros ativos financeiros”? 2- Se existem evidências para quantificar a quantia recuperável para que se possa concluir pela existência de imparidades. 3 - Em caso afirmativo: i) a que se referem essas perdas e qual o seu valor? ii) qual o impacto do registo das referidas imparidades nas contas da T...? 4 - Existem perdas por imparidade a registar na empresa Ré, nos ativos “participações financeiras”, “contas a receber” e “outros ativos financeiros”? 5 - Em caso afirmativo: i) a que se referem essas perdas e qual o seu valor? ii) qual o impacto do registo das referidas imparidades nas contas da Ré? 6 - Se no presente caso o registo das imparidades na sociedade T... é uma decisão vinculada ou comporta um plano subjetivo que se detém noutras variáveis”. Inconformada, a sociedade T..., S.A., interpôs recurso. Conclui: .................................... .................................... .................................... Nas contra-alegações a A. conclui pela confirmação da decisão recorrida. * Questão a decidir:* - admissibilidade da perícia relativamente à recorrente. * A matéria a considerar já resulta do relatório.* * A escrituração comercial consiste no registo dos factos que podem influir nas operações e na situação patrimonial dos comerciantes – cfr. PUPO CORREIA in Direito Comercial, 92. Permite, assim, conhecer o património e os negócios do comerciante.* Assim sendo, e nos termos do disposto no art.41º do C.Comercial, “As autoridades administrativas ou judiciárias, ao analisarem se o comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil, devem respeitar as suas opções, realizadas nos termos do artigo 30”; “A exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência” – art.42º do C.Comercial; dispondo-se, relativamente ao exame da escrituração e documentos, no art.43º do C.Comercial: “Fora dos casos previstos no artigo anterior, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida” – nº1; e “O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no domicílio profissional ou sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e extracção dos elementos que tenham relação com a questão” – nº2. Ainda, de relevante nesta matéria, dispõe-se no art.435º do CPC: “A exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial”. Acresce, nesta parte, ser de observar o disposto nos art.s 410º a 422º do CPC – disposições gerais – em tudo o que não seja contrariado pelas referidas disposições especiais. Entre elas, o dever de cooperação para a descoberta da verdade previsto no art.417º daquele diploma legal. Voltando-nos para o caso em apreço, pretende a A. a anulação das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral de 20-7-2021, com fundamento em erro nas contas aprovadas, por violação do disposto no art.66º do CSComerciais. Assim, e consoante já resulta do relatório, alega que a R. detém 100% da sociedade T..., S.A.; esta, por sua vez, detém participações sociais nas sociedades G... S.G.P.S., S.A., e S... S.G.P.S., S.A.; além disso, concedeu um empréstimo à sociedade G... S.G.P.S., S.A., no montante de € 864.000,00; sucede, que, entretanto, as referidas G... S.G.P.S., S.A. e S... S.G.P.S., S.A., foram declaradas insolventes, não tendo a T..., S.A., nem a R., registado as respectivas perdas por imparidades. Para prova do alegado requereu, entre outros meios de prova, a produção de prova pericial, relativamente às contas e respectivos documentos de suporte, da R. e da sociedade T..., S.A., no período de 1-1-2020 a 31-12-2020, o que foi deferido por despacho de 11-1-2022 – posteriormente alterado relativamente ao seu objecto, consoante supra transcrito. A recorrente discorda alegando, desde logo, não ser parte na causa – estando em causa alegadas irregularidades nas contas da R.. Não parece, todavia, que tal obste à realização da perícia. Na verdade, estando em causa exame da escrituração e documentos, importa observar o disposto no art.43º do C.Comercial, independentemente de estar em causa uma parte ou terceiro. Relevante é que a pessoa a quem pertencem a escrituração e os documentos “tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida”. Ora, alega a A. que a recorrente não registou as perdas por imparidades, resultantes da insolvência das sociedades G... S.G.P.S., S.A., e S... S.G.P.S., S.A., o que teve impacto nas contas da R., dado que detém aquela a 100%. Ou seja, nos termos alegados, a recorrente “tem responsabilidade na questão”: não registou as referidas imparidades, o que se reflectiu nas contas da A.. Aliás, a entender-se doutro modo, estava a A. impedida de demonstrar o direito invocado – cfr. no sentido invocado, para além dos ac.s do STJ de 21-4-2003, e da RC de 12-3-2013, citados pela recorrida, PINTO FURTADO in Disposições Gerais do C.Comercial, 119 (onde cita, no mesmo sentido, PINTO COELHO in Lições, 590). Alega a recorrente que, de qualquer modo, foi enunciado um objecto da perícia demasiado alargado, em violação do disposto nos art.s 42º e 43º do C.Comercial. Assim, a admitir-se a perícia, a mesma deve limitar-se “às contas do exercício e demais documentos de prestação de contas do exercício de 2020”, e não “à análise de contas e documentos de suporte contabilístico…”; sendo que a expressão “análise de contas e documentos de suporte contabilístico da sociedade Ré…bem assim como à contabilidade da sua participada T...…” é susceptível de levar à conclusão de que em causa está a exibição judicial por inteiro dos livros e documentos das sociedades. Nos termos do disposto no art.43º, nº2, do C.Comercial, o exame da escrituração e dos documentos do comerciante é limitado à averiguação e extracção dos elementos que tenham relação com a questão. Ora, e consoante resulta da decisão recorrida, deverá o perito proceder à análise das contas e documentos de suporte contabilístico relativamente ao ano de 2020, especificando-se entre parênteses “(contas do exercício e demais documentos de prestação de contas do exercício de 2020)”. Este, portanto, o objecto da perícia. Não ocorrendo, assim, qualquer violação do disposto nos art.s 42º e 43º do C.Comercial. Pelo que o recurso não merece provimento. * Acorda-se, em face do exposto, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.* Custas pela recorrente. Porto, 23-05-2022 Abílio Costa Augusto de Carvalho José Eusébio Almeida |