Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4573/14.2T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVERES DE COMUNICAÇÃO E DE INFORMAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201607074573/14.2T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 629, FLS.255-265)
Área Temática: .
Sumário: I - O dever de comunicação tem de ser concretizado de forma adequada e com antecedência, tendo em conta, nomeadamente, a importância do contrato, a sua extensão e a complexidade das cláusulas.
II - O dever de informação consiste em, ainda em fase pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no contrato mas, e também, prestar todos os esclarecimentos razoáveis, designadamente, informando a outra parte do seu significado e implicações.
III - Ao incumprimento dos deveres de comunicação e de informação, o artigo 8º, alíneas a) e b), do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, faz corresponder a exclusão das cláusulas dos contratos singulares.
IV - A proibição de venire contra factum proprium insere-se no artigo 334º do C.C., quando se refere aos limites impostos pela boa-fé, traduzindo-se em alguém exercer um direito, após criar a aparência a outrem de que nunca o faria, causando-lhe essa convicção.
V - Tendo os locatários pago 46 rendas das 60 que eram devidas, constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, a invocação da exclusão de cláusulas de um contrato de locação financeira, por incumprimento dos deveres de comunicação e informação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4573/14.2T8LO-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes move B… – Instituição Financeira de Crédito, S.A., vieram os executados C…, S.A., D… e E…, alegando, em síntese, que as condições particulares foram previamente acordadas antes da assinatura do contrato.
As condições gerais estavam pré-impressas à negociação e assinatura do contrato.
Não foi explicado aos executados o conteúdo e alcance das cláusulas contratuais relativas às obrigações do locatário, à mora e à rescisão do contrato e respetivas consequências, tudo se passando como se tais cláusulas não existissem.
A exequente não informou, nem comunicou aos executados o conteúdo das cláusulas 7ª, alínea h), 13º, nº 1, e 14º, nº 4, das condições gerais do contrato, e que agora invoca com o preenchimento da livrança.
Caso não se entenda que tais cláusulas são nulas, as executadas também não aceitam pagar à exequente os valores a calcular nos termos daquelas cláusulas, por os considerar manifestamente excessivos.
Com efeito, se o contrato tivesse sido cumprido, a exequente receberia a quantia de €73.532,00, proveniente de 60 prestações, e a quantia de €6.958,33, proveniente do valor residual, o que perfaz o valor total de €80.490,33.
Ao invés, o ganho resultante do incumprimento do contrato, compreenderá a quantia de €56.373,88, relativa a 46 rendas pagas pela 1ª executada, a quantia de €40.000,00, relativa ao valor comercial que o veículo tinha, quando a 1ª executada o entregou à exequente em 24.4.2014, e ainda o valor de €17.708,07 com que a exequente preencheu a livrança dada à execução.
No entanto, àqueles valores haveria que descontar o valor de €4.515,27, relativo às rendas 47ª a 49ª vencidas e não pagas.
Assim, o ganho que resultaria do incumprimento do contrato seria de €109.56,68 (€56.373,88 + €40.000,00 + €17.708,07 + €4.515,27), o que é manifestamente excessivo.

A exequente contestou, invocando, em síntese, que houve possibilidade de negociação e, portanto, não existem cláusulas contratuais gerais.
A livrança foi preenchida, conforme o acordado.
Conclui pela improcedência da oposição.

Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a oposição foi julgada parcialmente procedente, não sendo devida a quantia peticionada, a título de penalização pela mora na entrega do veículo, de €5.819,68 e eventuais juros que sobre a mesma tenham recaído, que deve ser reduzida à quantia exequenda.

Inconformadas, as executadas recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. A livrança dada à execução foi preenchida com base no contrato de locação financeira celebrado entre a exequente e as executadas.
2. O tribunal a quo considerou, e bem, que o dito contrato contém cláusulas gerais pré-elaboradas pela exequente, que estão sujeitas ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, estatuído no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;
3. De acordo com o estabelecido nos artigos 5º e 6º, do citado diploma legal, a exequente tinha de comunicar, de modo adequado e com a devida antecedência, ao aderente do contrato as cláusulas gerais pré-estabelecidas, devendo informá-lo dos aspetos nela compreendidos cuja aclaração se justificasse;
4. O cumprimento desse dever de comunicação e de informação devia ter sido provado pela exequente, tal como determina o n.º 3, do mencionado artigo 5º.
5. No caso em apreço, a exequente não provou que tenha comunicado, nos termos legais, as cláusulas gerais que pré-estabeleceu no contrato celebrado com os executados.
6. A falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais ao aderente, nos termos previstos no artigo 5º, implica a exclusão das mesmas cláusulas do contrato, conforme o previsto na alínea a) do artigo 8º.
7. Não obstante essa cominação legal para a falta da prova do cumprimento desse dever de comunicar, os executados, nos embargos que deduziram à execução vieram impugnar apenas a validade e aplicação ao contrato das seguintes cláusulas gerais pré-estabelecidas pela exequente: 7ª, alínea h), 13ª, nºs 1 e 2, e 14ª, nº 4;
8. Dado que o tribunal a quo decidiu afastar, por “manifestamente excessivo”, a aplicação do previsto no nº 2 da cláusula 13ª, o que se discute no presente recurso fica limitado à pretensão de serem desconsideradas no contrato as restantes cláusulas impugnadas – 7ª, alínea h), 13ª, nº 1, e 14ª, nº 4.
9. O tribunal a quo concluiu, ainda, que, no caso presente, as referidas cláusulas estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais, ou seja à cominação prevista na alínea a) do artigo 8º, todavia decidiu paralisar a aplicação desta norma legal por via do instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334º do C.C.
10. É neste ponto que os executados não se conformam com a douta decisão recorrida.
11. No caso em apreço, os executados reduziram a discussão, tão só, à falta de comunicação do conteúdo das cláusulas 7ª, alínea h), 13ª, nº1 e nº2 (e, neste recurso, limitada ao nº 1), e 14ª nº 4 das Condições Gerais do contrato, logo apenas parte das cláusulas gerais que foram invocadas pela exequente para o preenchimento da livrança;
12. As cláusulas gerais impugnadas pelos executados são aquelas em que a exequente pré-fixou as consequências para as situações de incumprimento do contrato.
13. As executadas não questionam as cláusulas gerais atinentes ao regular andamento e cumprimento do contrato, apesar de o poderem ter feito, à luz do disposto na alínea a) do artigo 8º.
14. Não o fizeram, porque, aí sim, poderia eventualmente configurar-se uma situação de abuso de direito.
15. As cláusulas que os executados impugnam e pretendem ver excluídas do contrato são aquelas que foram invocadas pela exequente para romper o contrato e exigir a indemnização que ela pré-estabeleceu (sem as ter comunicado e esclarecido aos executados) pelo incumprimento.
16. São cláusulas que, além de não terem sido comunicadas, nunca foram chamadas à colação no decurso da vida do contrato,
17. Com as quais, por norma, qualquer contraente apenas se confronta quando o contrato cessa ou entra em crise.
18. Por isso, não se pode dar como seguro ou sequer como provável que os executados criaram na exequente a convicção de que sempre souberam e aceitaram que as consequências pela falta do cumprimento pontual do contrato não eram as que resultam das regras gerais (“o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” – artigo 798.º, do Código Civil), mas antes aquelas que estavam pré-estabelecidas pela exequente nas cláusulas contratuais gerais do aludido contrato de locação financeira.
19. Da materialidade de facto apurada, não resulta que os executados tivessem agido de modo a frustrar uma expectativa criada na contraparte, na qual esta houvesse legítima e razoavelmente confiado;
20. Pelo contrário, no caso vertente, vemos uma relação comercial onde é patente a desigualdade de meios entre os contraentes, sendo que a recorrida exequente ao atuar como atuou, prevaleceu-se de superioridade negocial, em relação aos executados, que recorreram ao seu crédito, não tendo provado, como lhe competia, que cumpriu os deveres de comunicação e de informação das cláusulas gerais do contrato por si pré-determinadas;
21. Deste modo, a responsabilidade pela situação criada (falta de comunicação e de informação das cláusulas em crise) cabe à exequente, não podendo os executados serem penalizados por essa falta da exequente;
22. Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder.
23. É preciso, como acentuava M. de Andrade, que o direito seja exercido, em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
24. Levando em conta as específicas cláusulas gerais impugnadas e o comportamento da exequente, profissional no mercado de crédito, com o arsenal de meios logísticos, marketing e publicidade de que dispõe, o circunstancialismo em que os executados (a parte mais fraca no contexto negocial, repetimos), invocam a exclusão das cláusulas 7ª, alínea h), 13ª, nº1, e
14ª, nº 4, do contrato, não exprime abuso de direito.
25. Ao decidir de modo diverso, o tribunal a quo exorbitou o âmbito de aplicação do instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334º do C.C.
26. Assim, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que, julgando procedentes os embargos dos executados, determine a redução do valor do título executivo dado à execução para a quantia exequenda de €4.609,97.

A exequente interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
1. Veio a sentença a quo afastar a aplicação da cláusula 13.ª, n.º 2 do contrato, declarando nulas as cláusulas inseridas no contrato assinado pelas recorrentes, por considerar que a recorrida não fez prova nos autos de ter cumprido os seus deveres de comunicação e informação. Por outro lado, afastou os efeitos da nulidade, porquanto considerou que as recorrentes agiram em abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium.
2. Assim sendo, não podendo todas as cláusulas serem consideradas nulas, o tribunal a quo dissertou sobre validade das cláusulas 13.ª, n.º 2 [indemnização pela mora na entrega da viatura] e 14.ª n.º 4 [pagamento de 20% do capital vincendo], qualificando ambas como cláusulas penais.
3. Quanto à cláusula 14.ªn.º 412 [pagamento de 20% do capital vincendo], o tribunal a quo entendeu, e bem, que a mesma é válida. No entanto, não admite a cumulação da cláusula 14ª, nº 2, com a cláusula 13ª, nº 2 [indemnização pela mora na entrega da viatura], afastando a aplicação desta.
4. Por não se conformar com o seu decaimento, vem a recorrida [recorrente no presente recurso subordinado] impugnar a sentença a quo na parte em que (i) considera nulas as cláusulas por violação dos deves de informação e comunicação impostos à locadora por via da LCCG e (ii) afasta a aplicação da cláusula 13ª, nº 2, por não ser cumulável com a cláusula 14ª, nº 4.
5. O tribunal a quo vem considerar que “Houve, pois, uma violação do dever de informação relativamente às aludidas cláusulas gerais insertas no contrato em causa nos autos e, como tal, não se consideram integrantes do aludido contrato tais cláusulas”.
6) Não se conformando, respeitosamente, com tal entendimento, sempre se dirá que a recorrida cumpriu com os deveres que sobre ela impendiam, designadamente, no que diz respeito ao conteúdo e alcance das cláusulas que versam sobre a responsabilidade pelo incumprimento do contrato e consequente preenchimento da livrança.
7. Quanto ao dever de comunicação consagrado no artigo 5.º do Decreto-Lei nº 446/85, cumpre referir que tem sido entendido pela doutrina que a concretização de tal dever é cumprido quando a referência às condições gerais do contrato se apresente no documento de forma aberta e inequívoca permitindo que o aderente se aperceba da sua existência e fique aberto o caminho para tomar conhecimento efetivo dessas mesmas cláusulas.
8. No que diz respeito, por sua vez, ao dever de informação consagrado no artigo 6º do mesmo diploma, este impõe que o contratante torne acessível, ao aderente, os aspetos compreendidos nas cláusulas contratuais cuja aclaração se justifique, incluindo, ainda, o dever de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.
9. Sublinhe-se que a lei não obriga a que o utilizador “leia as cláusulas” ao aderente, mas sim que permita o seu conhecimento completo e efetivo, bastando-lhe para tal usar de comum diligência.
10. No entanto, e para que dúvidas não restem, cumpre esclarecer que, a exequente, aquando da celebração do contrato, cumpriu na íntegra e devidamente os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada perante a subscritora do contrato de locação.
11. Sendo genericamente entendido pela jurisprudência que tais condições gerais e respetivas cláusulas devem ser consideradas válidas. Veja-se, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de Maio de 2006, in www.dgsi.pt: “(...) se, no rosto do documento, antes da assinatura dos contratantes, se referiu expressamente que o contrato de mútuo celebrado era o «constante das Condições Específicas e Gerais seguintes», e se, constando tais «condições gerais» do verso do documento, onde foram previamente impressas sem nenhum formulário, se provar que não passaram despercebidas aos contratantes, não há qualquer violação ao disposto no artigo 8º, al. d), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10.”
12. E certo é que as recorrentes apuseram a sua assinatura abaixo de onde constam os seguintes dizeres “o locatário e os avalistas reconhecem expressa e inequivocamente que as condições gerais do presente contrato, que constam do verso bem como as condições particulares do mesmo, lhes foram comunicadas e explicadas com antecedência e pelo modo necessário, pelo que têm do contrato um conhecimento completo e efetivo”.
13. Perante este cenário, só uma atitude negligente da parte das recorrentes, designadamente a locatária recorrente, poderia levar a que estes não tomassem conhecimento das cláusulas a que se iria vincular.
14. Ou seja, o proponente das cláusulas deve, por um lado, “transmitir” o clausulado ao aderente e, por outro lado, tornar possível o real conhecimento de tais cláusulas por parte do mesmo, não tendo, todavia, de assegurar o real conhecimento das cláusulas por parte do aderente.
15. De facto, o que a lei obriga é que seja dada a possibilidade ao aderente de, usando de comum diligência, aceder ao conhecimento efetivo das cláusulas. A ser de outra forma inviabilizar-se-ia qualquer atividade comercial em grande escala, não tendo sido essa a intenção do legislador.
16. Nem tão pouco foi, como pretendem as recorrentes, a de atribuir ao aderente uma posição de inércia perante a contratação, ou até mesmo de falta de diligência e de cumprimento de deveres de cuidado mínimos. Por essa razão se refere que “o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver para tanto uma actividade razoável”.
17. Deste modo, há que concluir que da parte da exequente, o dever de comunicação foi integralmente cumprido, desde logo porque tal contrato foi facultado às partes num contexto em que estas poderiam ter, muito bem, lido todas as cláusulas, bem como colocar todas as dúvidas que tais cláusulas lhe suscitassem.
18. Acresce que a modelação concreta do ónus do proponente em proporcionar a razoável possibilidade de conhecimento das cláusulas ao aderente vai depender da importância do contrato e da extensão e complexidade das cláusulas, bem como das circunstâncias que caracterizam o próprio aderente, sendo tal ónus menos intenso no caso de o aderente se tratar de uma empresa.
19. Ora, os contratos de locação financeira são celebrados com bastante frequência no giro comercial entre sociedade comerciais, e inclusivamente com particulares, sendo que a sua extensão e “complexidade” não implicam um “agravado” dever de comunicação por parte do proponente, uma vez que, e de uma forma geral, o conteúdo das respetivas cláusulas é facilmente apreensível e compreensível pelo aderente que use de comum diligência.
20. No caso vertente, não nos podemos alhear do facto de a recorrente C…, subscritora do contrato, ser uma sociedade comercial, que, certamente, como comerciante que é, facilmente compreenderá o conteúdo e alcance de um contrato desta natureza.
21. Por outro lado, também os deveres de informação foram in casu integralmente cumpridos. Com efeito, a recorrente subscritora do contrato jamais solicitou qualquer esclarecimento que permitisse à Exequente esclarecê-la para além do que era o seu dever geral de informação.
22) Jurisprudência recente sufraga todo o entendimento exposto supra, assumindo como suficiente ao cumprimento do dever de comunicação a conduta do proponente que entrega a minuta do contrato ao aderente, contendo as referidas cláusulas.
23) Da mesma forma, entende-se que o dever de informação se tem por cumprido a partir do momento em que os contratos se mostram assinados, sendo presunção bastante de que o aderente os entendeu. Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 24.03.2011 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Dezembro de 2009.
24. Termos em que se impõe concluir pela validade e consequente aplicabilidade das condições gerais do contrato celebrado, as quais foram subscritas com pleno conhecimento dos recorrentes. Cláusulas que deram origem, perante a situação de incumprimento contratual, aos valores insertos na respetiva livrança.
25. No que diz respeito à Cláusula 14.ª, n.º 4, o contrato estabelece efetivamente uma cláusula penal devida pela resolução por incumprimento do locatário, a qual corresponde à aplicação de uma percentagem de 20 % da soma das rendas vincendas com o valor residual. Tal cláusula tem, pois, uma inquestionável função indemnizatória de reais e efetivos prejuízos, que consistem nos danos específicos resultantes do incumprimento, fixados previamente no contrato celebrado.
26. De salientar que os prejuízos em que incorre a sociedade locadora, em resultado do incumprimento do contrato, vão muito para além do montante das rendas vencidas e não pagas e respetivos juros de mora, ou seja, da privação do equipamento durante o tempo da sua utilização pelo locatário. A aquisição da coisa locada é um investimento financeiro efetuado na previsão de que a amortização total se realize por via do pontual pagamento das rendas.
27. A locadora/exequente sempre cumpriu as suas obrigações, pelo que cabia à locatária cumprir as suas – pagar os montantes estabelecidos e nos prazos fixados no contrato. Isto porque, nos termos legais (artigo 406º nº 1, do C.C.), os contratos devem ser pontual e integralmente cumpridos sob pena de, não o fazendo, se constituir o devedor em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor a partir do momento em que se constitui em mora (artigos 804º e 805º do C.C.), presumindo-se culposa a omissão do devedor (artigo 799.º do C.C.).
28. Ora, a maioria da jurisprudência, citando-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Maio de 1995, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1995, Tomo III, pág. 89 e seguintes, tem ido no sentido de que “Nos contratos bilaterais, como o da locação financeira, a resolução é cumulável com indemnização”. Recorde-se, como supra ficou demonstrado, que os riscos da sociedade locadora são avultados, havendo, não um enriquecimento, mas sim um real e efectivo empobrecimento com o incumprimento dos contratos.
29. Assim, sendo a Locação Financeira Mobiliária um tipo de contrato que implica um significativo risco para o locador, o qual aplica um elevado volume de capital na aquisição do veículo objecto do contrato a celebrar, importa ao mesmo dissuadir os contraentes do incumprimento, quer pela previsão de cláusulas resolutivas, quer, a título complementar, através da fixação de cláusulas de natureza penal (Cfr. Acórdão do STJ, de 15 de Junho de 1998, in www.dgsi.pt).
30. Não é de mais esclarecer que, no que diz respeito à admissibilidade da cumulação da exigência do pagamento das rendas vencidas e da indemnização acima mencionada, a maioria da jurisprudência acima citada também não coloca qualquer entrave à mesma.
31. Já no que diz respeito à cumulação da indemnização prevista da cláusula 14ª, nº 4 com a Cláusula 13.ª, n.º 2 do contrato, considerando que são clausulas que visam ressarcir a locadora de prejuízos de escopo diverso, cumpre dizer o seguinte:
32) A quantia devida nos termos do n.º 2 da cláusula 13.ª, a chamada penalização pela mora na entrega do veículo, não é mais do que a retribuição devida à Locadora pelo uso da viatura após resolução do contrato, até à restituição do bem.
33. Tal indemnização está associada ao valor da privação do uso da viatura por parte da locadora, enquanto proprietária da mesma, enquanto a mesma não lhe é, indevidamente, devolvida – indemnização, aliás, calculada em função desse mesmo fator (número de dias multiplicado pelo valor do aluguer diário).
34. Assim, será a cumulação desta cláusula 13.ª com a 14.ª manifestamente excessiva?
Entendemos que não. Senão vejamos:
35. O n.º 1, alínea c) do artigo 19.º, do Decreto-lei nº 446/85, integra o universo das denominadas “cláusulas relativamente proibidas”, ou seja, trata-se de uma cláusula que, tendo sido inserida num contrato concreto, poderá ser proibida, consoante o quadro negocial padronizado, como resulta do n.º 1 do mesmo artigo.
36. Quanto a este aspeto, interessa analisar os montantes indemnizatórios que a jurisprudência considera razoáveis em casos semelhantes ao subjudice e ter em consideração que as cláusulas do contrato com base nas quais foram calculados os montantes indemnizatórios em causa assumem a natureza de cláusula penal.
37. Conforme já se disse, no que diz respeito aos montantes indemnizatórios fixados em cláusula penal no âmbito dos contratos de locação financeira, é entendimento da jurisprudência que um montante equivalente a 20% das rendas vincendas com o valor residual não é excessivo.
38. O mesmo se verifica quanto ao valor devido em função da mora na devolução do veículo de acordo com a cláusula 13.ª, ponto 2, não se considerando excessivo, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.05.2008, in www.dgsi.pt.
39. Se assim não fosse, a que título poderiam as recorrentes manter-se em posse da viatura, desde a data em que ocorreu a resolução do contrato (29.12.2013) até à data em que ocorreu a restituição da viatura (24.04.2014), somente após instauração de procedimento cautelar15 instaurado para o efeito?
40. É que, nos termos do disposto na cláusula 14.ª das condições gerais do contrato, resolvido que seja o contrato, deveriam as recorrentes: a) Restituir imediatamente o veículo dado em locação em perfeito estado de conservação; b) Pagar à exequente os alugueres vencidos e não pagos, acrescidos dos respetivos juros de mora; c) Pagar à exequente uma indemnização por força do incumprimento do contrato e mencionada na referida cláusula.
41. Com o devido respeito, a nosso ver, a privação do uso da viatura por parte da sua proprietária deve ser ressarcido, por referência ao montante diário do aluguer anteriormente contratado, tal como previsto na cláusula 13.ª, n.º 2, pela falta de cumprimento da obrigação de restituição da viatura, pelo período a que respeita.
42. Assim, conclui-se que os montantes peticionados pela exequente e inscritos na livrança a título de indemnização e penalização, ainda que em cumulação, não só correspondem aos montantes comummente praticados em sede de contratos de locação financeira mobiliária do tipo em questão como são expressa e inequivocamente aceites e considerados legítimos pela jurisprudência,
43. Pelo que os mesmos não poderão ser considerados como “excessivos” ou “desproporcionais” quanto aos respetivos danos que visam ressarcir. A este respeito, volta-se a citar, o já referido Acórdão do STJ, de 15.06.1998.
44. Em suma, o contrato – assinado e acordado pelas recorrentes – prevê expressamente, não só uma cláusula penal da mora na entrega do veículo, mas também o pagamento de uma indemnização no caso de resolução do mesmo por incumprimento pelo locatário, ambas estipulações, de escopos diversos, consideradas não desproporcionadas pela vasta jurisprudência exposta.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Fundamentos de facto.

1. A exequente é portadora de uma livrança, no montante de €17.708,07, datada e com vencimento a 11/09/2014, subscrita pela sociedade executada C…, Lda. e avalizada à subscritora pelas executadas D… e E….
2. Tal livrança foi entregue para garantia do cumprimento das obrigações assumidas no contrato de locação financeira mobiliária n.º ….., datado de 20 de Dezembro de 2009 e com termo a 20/12/2014, assinado pelos executados, celebrado com referência a um veículo, marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-IM-.., para o efeito adquirido, a pedido da dita sociedade, pela B…, à firma F…, Lda., fornecedora do mesmo veículo, que foi rececionado pela sociedade executada.
3. O contrato de locação financeira previa o pagamento de 60 rendas, com vencimentos mensais e sucessivos, no valor de €1.224,18, acrescido de IVA, despesas e portes no total de € 197,15 e um valor residual de €6.958,33, acrescido de IVA.
4. O aludido contrato tinha cláusulas gerais pré-elaboradas, conforme documento junto de fls. 7 e 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde constava designadamente que: Cláusula 7ª "Obrigações do Locatário" «Para além das obrigações previstas no presente contrato e na legislação aplicável, o locatário fica ainda obrigado a: alínea h) «Todas as despesas ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento, e incumprimento do presente contrato e bem assim, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados, solicitadores e/ou prestadora de serviços em que o locador venha a incorrer para garantia e cobrança dos créditos emergentes do presente contrato, que desde já se fixam em 15% sobre os valores a cobrar, acrescidos dos impostos e demais encargos legais em vigor, são da responsabilidade do locatário»; - Cláusula 13ª "Mora": n.º 1 «Em caso de mora no pagamento pelo locatário de quaisquer quantias devidas ao locador por força deste contrato, aquele pagará ao locador juros de mora calculados à taxa supletiva legal, agravada de sobretaxa máxima...»; n.º 2: «Caso o locatário não exerça o direito de opção de compra do veículo e não devolva o mesmo no fim do prazo da locação ou, em caso de cessação do presente contrato, qualquer que seja a causa, incluindo rescisão pelo locador, caso o locatário não proceda à imediata devolução do veículo, o locador terá direito, a título de cláusula penal pela mora na devolução do veículo, a receber uma quantia diária correspondente à divisão do valor da última renda vencida pelo número de dias a que a mesma respeita»; - Cláusula 14ª "Rescisão": n.º 4 «Sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de rescisão do contrato pelo locador, este terá direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros, e ainda a um montante indemnizatório igual a 20 % da soma das rendas vincendas com o valor residual, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos».
5. Em 27 de Janeiro de 2015 o gabinete jurídico da mandatária do exequente, enviou um e-mail à executada C…, dando-lhe conhecimento de uma carta onde a mesma informa que tinha preenchido a livrança ora dada à execução como garantia do contrato, no valor de € 17.708,07, resultado da soma dos seguintes valores:
-€4.515,27, correspondente às rendas 47 a 49 vencidas e não pagas;
-€6,60, relativos a portes;
-€180,61, relativos à penalização de 4% sobre os montantes em dívida;
-€1.476,00, relativos às despesas de contenciosos incorridas pelo incumprimento do contrato, conforme preçário em vigor;
-€5.022,95, correspondentes à indemnização de 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual (clausula 14ª, nº4 das Condições Gerais do Contrato);
-€598,86, quanto aos juros de mora legais contados até a presente data;
-€5.819,68, pela penalização pela mora na entrega da viatura desde 29-12-2013 até 24-04-2014 e;
-€88,10, relativo ao imposto de selo da livrança.
6. Do referido contrato foram pagas as 46 primeiras rendas, de um total de 60.
7. Face ao não pagamento das rendas, a exequente enviou cartas aos executados a informar do valor em dívida, do preenchimento da livrança e a resolver o contrato com recurso à via judicial, a 11/09/2014.

Factos não provados

Toda a restante matéria foi dada como não provada, aqui se dando por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, não se provando, designadamente, que todas as cláusulas do contrato tenham sido lidas e explicadas aos executados, bem como o valor de mercado do veículo.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: se a exequente, aquando da celebração do contrato, cumpriu os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada; exclusão das cláusulas 7ª, alínea h), 13º, nº 1, e 14º, nº 4, das condições gerais do contrato; se existe abuso de direito por parte dos executados ao invocar a exclusão daquelas cláusulas; se a cumulação da cláusula 13ª com 14ª é manifestamente excessiva.

I. Com a presente oposição, as executadas visam obstar à execução do montante exequendo, que tem por fundamento e título executivo uma livrança.
Invocam os executados que parte das cláusulas contratuais gerais do contrato celebrado são nulas, uma vez que não lhes foram explicadas ou dadas a ler.
O contrato celebrado é de locação financeira imobiliária regulado no Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro, e pelo Decreto-Lei nº 285/2001, de 3 de Novembro.
O artigo 1º do citado Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, define a locação financeira como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados».
Face a esta definição e a outros aspetos do regime legal, os elementos da locação financeira são os seguintes: troca do uso temporário de uma coisa (móvel, imóvel ou estabelecimento comercial) por uma renda que incorpore a amortização de mais de metade do valor do bem – artigo 4º, nº 1; aquisição da coisa pelo locador, em conformidade com a indicação dada pelo locatário; direito do locatário a comprar a coisa locada no termo final do contrato.
O contrato de locação financeira, como esta própria denominação o revela, tem uma finalidade creditícia.
Por isso, normalmente, a posição de locador é desempenhada por uma instituição financeira, sem especiais conhecimentos técnicos acerca do equipamento ou do imóvel locado.
Daí também «a repercussão no aligeiramento da responsabilidade do locador por vícios da coisa (artigo 12º), na admissibilidade de acção directa do locatário contra o fornecedor (artigo 13º) e na imediata transmissão do risco para o locatário (artigo 15º). Nem por isso o locador perde a qualidade material de proprietário, funcionalizada porém, como noutras situações (v. g. na reserva de propriedade mais frequente) a um escopo de garantia». Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, pág. 218.
De facto, os citados artigos 12º e 13º do DL 149/95 limitam a responsabilidade do locador.
Como refere Gravato Morais, «a obrigação do locador confina-se a assegurar ao locatário a traditio do bem, por via não só da aquisição da coisa, mas garantindo ainda junto do fornecedor a entrega ao locatário. Tudo lhe é exigível neste quadro, mas nada mais além dele. O locador financeiro (comprador) deve pois fazer tudo o que está ao seu alcance para que o objecto em causa seja entregue directamente ao locatário pelo fornecedor (com quem celebrou o contrato de compra e venda). Aquele limita-se a financiar o gozo do bem – que adquiriu – pagando o respectivo preço ao alienante.
(…) A subscrição pelo locatário do referido “auto de recepção e de conformidade do equipamento” releva, neste âmbito, a dois níveis. Por um lado, serve para aferir se houve ou não entrega da coisa ao locatário. Por outro lado, marca o momento a partir do qual o comprador da coisa (locador) deve pagar o preço ao vendedor». Manual da Locação Financeira, págs. 122 e 123.
Não vem posto em causa que se trata de um verdadeiro contrato de adesão, a ele se aplicando as regras das cláusulas contratuais gerais, previstas no Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
As cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las – artigo 5º, nº 1, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelos Decretos-lei nº 220/95, de 31 de Agosto, e 249/99, de 7 de Julho.
A referida comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência – artigo 5º, nº 2.
O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais – artigo 5º, nº 3.
A lei prescreve, a propósito do dever de informação, que o contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, devendo ainda ser prestados os esclarecimentos razoáveis solicitados – artigo 6º.
O citado artigo 5º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, estabelece o seguinte: 1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las; 2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência; 3 – O ónus de prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as clausulas contratuais gerais.
O dever de comunicação desdobra-se em duas exigências: «A comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respetivo conteúdo.
Não basta, assim, para que esteja cumprido tal dever, a mera comunicação das cláusulas, sendo exigível, que a sua transmissão se concretize de tal modo e com tal antecedência que se verifique por parte do destinatário uma efectiva tomada de conhecimento do seu conteúdo, pois só assim, poderá formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance e as consequências das suas decisões». Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, pág. 234.
Impõe-se, portanto, que a comunicação se realize de forma adequada e com antecedência, tendo em conta, nomeadamente, a importância do contrato, a sua extensão e a complexidade das cláusulas.
O dever de informação consiste em, ainda em fase pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no negócio mas, e também, prestar todos os esclarecimentos razoáveis, designadamente, informando a outra parte do seu significado e implicações.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 8 de Abril de 2010, «a entidade que pretenda inserir cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares que celebra deve comunicá-las antes da conclusão do negócio, de modo a proporcionar à contraparte a indispensável reflexão e um conhecimento completo e efectivo do clausulado; e este dever de comunicação, situado na fase de negociação ou pré-contratual, destina-se a que o aderente possa conhecer, com a necessária antecipação relativamente ao momento da consumação do negócio, o respectivo conteúdo contratual, de modo a poder apreendê-lo, nas suas efectivas e reais consequências prático-jurídicas, outorgando-lhe, deste modo, um espaço de reflexão e ponderação sobre o âmbito e dimensão das vinculações que lhe irão resultar da celebração do negócio». in www.dgsi.pt.
Como resulta do exposto, o DL 446/85 distingue, respetivamente, nos artigos 5º e 6º, as obrigações de comunicação e de informação, o que provoca, no dizer de Ana Prata, «uma separação relativamente forçada ou artificial. No modo como artigo 5º concebe a primeira vão contidas as informações necessárias à compreensão do conteúdo do contrato. A utilidade autónoma do artigo 6º reside sobretudo no seu nº 2. Admite-se, todavia, que a lei tenha querido enfatizar a necessidade de cabal esclarecimento das cláusulas contratuais com o nº 1 do artigo 6º». Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 252.
Ao incumprimento dos deveres de comunicação e de informação, o artigo 8º, alíneas a) e b), do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, faz corresponder a exclusão das cláusulas dos contratos singulares.
Como refere Ana Prata, «sempre que for incumprida a obrigação de comunicação ou a de informação, as cláusulas não comunicadas ou aclaradas consideram-se excluídas do contrato.
Há, pois, uma redução ope legis do contrato, uma amputação deste das cláusulas, que não são consideradas nele integradas, por violação das obrigações pré-contratuais que a lei enuncia». ob cit., pág. 266.
No caso, a exequente não provou que, aquando da celebração do contrato, cumpriu os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada.

II. Mas, a sentença recorrida considerou que «a declaração de nulidade integral das referidas cláusulas, com base na aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, causaria prejuízos notórios ao financiador, violando a sua situação de confiança, pelo que se justifica a paralisação dos efeitos da nulidade, por força da atuação do abuso de direito nos termos do artigo 334º do C.C. e da procedência desta exceção, o que se determina».
Cremos que a exclusão das cláusulas por via da omissão dos deveres de comunicação ou informação, efetivamente, deve ser neutralizada com fundamento no abuso de direito.
Estabelece o artigo 334º do C.C. que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Um dos modos de verificação do abuso de direito mais frequente constitui o chamado venire contra factum proprium.
Nesses casos, o titular do direito exerce-o em contradição com a sua conduta anterior, conduta essa que conduziu a outra parte à convicção de que não seria exercido se, interpretando-se à luz da boa-fé e ou dos bons costumes ou ainda do fim desse direito, fundadamente confiou que assim seria.
A proibição de venire contra factum proprium insere-se no citado artigo 334º do C.C., quando se refere aos limites impostos pela boa-fé, traduzindo-se em alguém exercer um direito, após criar a aparência a outrem de que nunca o faria, causando-lhe essa convicção.
Por sua vez, Baptista Machado refere que «os casos excepcionais em que se justificaria submeter a invocação da nulidade à proibição do venire contra factum proprium haveriam de caracterizar-se pelos seguintes traços:
a) Ter uma das partes confiado em que adquiriu pelo negócio uma posição jurídica;
b) Ter essa parte, com base em tal crença, orientado a sua vida por forma a tomar disposições que agora são irreversíveis, pelo que a declaração de nulidade provocaria danos vultosos de vária ordem que agora se revelam irremovíveis através doutros meios jurídicos, designadamente através do recurso ao artigo 227º do C.C;
c) Poder a situação criada ser imputada à contraparte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades». RLJ, Ano 118, pág. 11.
Na nossa maneira de ver, o caso sub judice enquadra-se numa daquelas situações que legitima o afastamento da legislação relativa às cláusulas contratuais gerais, nomeadamente, os citados artigos 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelos Decretos-lei nº 220/95, de 31 de Agosto, e 249/99, de 7 de Julho.
As embargantes pagaram as 46 rendas das 60 que eram devidas, e agora, vêm invocar um vício verificado na génese do contrato que foram cumprindo quase integralmente.
Ocorre, de facto, uma violação do princípio da confiança e a sua proibição reclama uma atuação pautada por regras éticas e respeito pelos direitos da contraparte, tendo as executadas criado na exequente a expetativa de cumprimento e legalidade do contrato, nunca tendo invocado qualquer irregularidade.
No sentido de que se verificam os requisitos do abuso de direito em caso semelhantes, encontram-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 5.5.2014, 29.4.2014 e 9.10.2014, in www.dgsi.pt.
Os factos provados revelam, pois, uma conduta censurável e injustificada por parte das executadas, com grave prejuízo da exequente, e daí que a invocação da exclusão das cláusulas deva ser neutralizada com fundamento no abuso de direito.

III. Mas, a sentença recorrida considerou que a junção da cláusula 13ª com a 14ª não deve ser admitida, tornando aquela, em relação à mora na entrega do veículo, excessiva
Além dos 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual – € 5.022,95 –, a exequente peticionou um valor a título de não entrega imediata do veículo – €5.819,69 –, com fundamento no estabelecido na cláusula 13ª, nº 2: «Caso o locatário não exerça o direito de opção de compra do veículo e não devolva o mesmo no fim do prazo da locação ou, em caso de cessação do presente contrato, qualquer que seja a causa, incluindo a rescisão pelo locador, caso o locatário não proceda à imediata devolução do veículo, o locador terá direito, a título de cláusula penal pela mora na devolução do veículo, a receber uma quantia diária correspondente à divisão do valor da última renda vencida pelo número de dias a que a mesma respeita».
É esta a questão que motivou a discordância da exequente e consequente interposição do recurso subordinado.
Dispõe o artigo 19º, alínea c), do DL 446/85, que são relativamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
Para se avaliar a adequação e proporcionalidade da cláusula estabelecida deve ter-se em conta o valor dos danos a reparar e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a que se possa afirmar que há uma equivalência entre os dois valores.
As cláusulas penais são, no dizer de Ana Prata, «quase inevitavelmente – excluídas as hipóteses de fraude à lei, isto é, de cláusulas penais que constituam cláusulas de exclusão ou de limitação da responsabilidade – vantajosas para o credor, uma vez que, fixando antecipadamente o montante indemnizatório em caso de incumprimento, dispensam-no da prova de qualquer dos pressupostos do direito à indemnização que não seja o não cumprimento obrigacional». ob. cit., pág. 413.
A desproporção ou desequilíbrio entre a cláusula penal e os danos a reparar não tem de ser manifestamente excessiva, como se exige para a redução equitativa da cláusula penal, prevista no artigo 812º do C.C., fixada por negociação das partes.
Cremos que a proibição consagrada na alínea c) do artigo 19º não se verifica quando exista uma pequena desproporção entre os danos a reparar e a pena fixada, mas apenas quando tal desproporção seja sensível. cfr. Acórdão do STJ, de 29.1.2003, in www.dgsi.pt
Na estipulação de cláusulas penais em contratos deste tipo tem de estar subjacente a boa-fé, sob pena de proibição, como resulta dos artigos 15º e 16º do diploma que tem vindo a ser citado.
Por outro lado, os fins compulsórios das cláusulas penais pressupõem a verificação de um certo grau de desproporção, sendo que o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do C.C., não deve sofrer limitações nos casos em que é pequena tal desproporção entre o dano a ressarcir e a pena fixada.
No caso em apreço, não se vê que haja uma desproporção sensível entre os danos e a indemnização exigida a título de cláusula penal.
De facto, a cláusula que estabelece que, caso não proceda à restituição do bem locado no prazo estipulado, o locatário constitui-se na obrigação de pagar ao locador uma quantia diária correspondente à divisão do valor da última renda vencida pelo número de dias a que a mesma respeita, não é de considerar desproporcionada.
Nesta espécie de contratos, o atraso na restituição dos equipamentos móveis locados pode provocar danos, tais como a impossibilidade de vender ou locar; a rápida degradação dos mesmos, pela demora na entrega, por serem de desgaste rápido; e por o locatário, eventualmente, poder descurar a sua manutenção ou proceder a uma utilização menos cautelosa.
A não ser assim, as executadas/apelantes poderiam manter-se na posse do veículo, desde a data em que ocorreu a resolução do contrato (29.12.2013) até àquela em que viesse a ocorrer a respetiva restituição.
Por conseguinte, a quantia inscrita na livrança e peticionada de € 5.819,68, a título de penalização pela mora na entrega do veículo não é excessiva, correspondendo, inclusivamente, a montantes vulgarmente praticados em contratos de locação financeira do tipo em questão.
Deste modo, improcede o recurso das executadas e procede o recurso subordinado da exequente.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em:
– Julgar improcedente o recurso das executadas.
– Julgar procedente o recurso subordinado da exequente.
– Revogar a sentença recorrida e, consequentemente, julgar totalmente improcedente a oposição deduzida.

Custas pelas executadas/apelantes.

Porto, 7.7.2016
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido
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Sumário:
I. O dever de comunicação tem de ser concretizado de forma adequada e com antecedência, tendo em conta, nomeadamente, a importância do contrato, a sua extensão e a complexidade das cláusulas.
II. O dever de informação consiste em, ainda em fase pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no contrato mas, e também, prestar todos os esclarecimentos razoáveis, designadamente, informando a outra parte do seu significado e implicações.
III. Ao incumprimento dos deveres de comunicação e de informação, o artigo 8º, alíneas a) e b), do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, faz corresponder a exclusão das cláusulas dos contratos singulares.
IV. A proibição de venire contra factum proprium insere-se no artigo 334º do C.C., quando se refere aos limites impostos pela boa-fé, traduzindo-se em alguém exercer um direito, após criar a aparência a outrem de que nunca o faria, causando-lhe essa convicção.
V. Tendo os locatários pago 46 rendas das 60 que eram devidas, constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, a invocação da exclusão de cláusulas de um contrato de locação financeira, por incumprimento dos deveres de comunicação e informação.

Augusto de Carvalho