Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8712/17.3T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP202109068712/17.3T8VNG-B.P1
Data do Acordão: 09/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito da exoneração do passivo restante as quantias recebidas pela insolvente a título de subsídio de alimentação, integrando, enquanto prestações periódicas e regulares, a remuneração por ele auferida como trabalhador por conta de outrem, não estão excluídas, pela sua natureza, do conceito de rendimento disponível enquanto objecto de cessão à massa insolvente.
II - E a circunstância do subsídio de alimentação não ser pago em dinheiro, mas sim mediante um tickets-refeição a que se atribui um certo valor e que permite custear despesas de alimentação até ao valor atribuído, não significa que não constitua um rendimento para a devedora, já que lhe permite a poupança de despesas que sempre teria que realizar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 8712/17.3T8VNG-B.P1
Origem-Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
B…, nos presentes autos de insolvência de pessoa singular, aquando da sua apresentação à insolvência requereu a exoneração do passivo restante ao abrigo dos artigos 235.º e seguintes do C.I.R.E.
*
No despacho inicial da exoneração foi fixado em um salário mínimo nacional o sustento digno da insolvente.
*
No 1º ano do período de cessão o Exº Fiduciário apurou haver rendimento disponível a ceder à fidúcia no valo de € 3.874,60.
A insolvente requereu o pagamento em prestações, das quais pagou duas no valor de € 100 cada a 02/01/2020 e 10/02/2020, até à informação relativa ao 2º ano do período de cessão.
De acordo com a informação relativa ao 2º ano do período de cessão, a insolvente auferiu nesse período rendimento disponível a ceder à fidúcia no valor de € 4.229,53. Notificada da informação relativa ao 2º ano do período de cessão, veio a insolvente apresentar requerimento no qual sustenta que o rendimento disponível a ceder à fidúcia é de € 1.984,26 e não de € 4.229,53.
A tal requerimento respondeu o Exº Fiduciário referindo que o valor de € 1.984,26 não atende ao valor dos tickets refeição que auferiu no período e que, mesmo na versão da insolvente, o valor a ceder seria de € 2.807,53.
Novamente a insolvente veio aos autos requerer que seja desconsiderado o valor auferido em tickets-refeição, por entender não constituir rendimento.
*
O senhor Fiduciário e o Ministério Público pronunciaram-se em sentido contrário ao sustentado pela insolvente.
*
Conclusos os autos foi proferido, em 16/04/2021 o seguinte despacho:
“Depois de extensiva análise crítica impendente sobre a problemática em crise no requerimento datado de 21/12/2021, sou a considerar que tal pretensão não encontra bom suporte “de jure” tal qual propugnado pela Ilustre Magistrada do M.P, a tal propósito decisoriamente sufragando (“ipsis verbis”) o aduzido pelo Exmo. AI, quanto a tal segmento da causa, entendimento este que–e por brevidade-dou integralmente reproduzido e integrado, ao mesmo nada mais tendo a acrescentar na sua conformidade “de jure constituto”, o que julgo.
Como corolário de tal, indefiro tudo o que em divergente sentido veio impetrado pela Sra. D. B…”.
*
Não se conformando com o assim decidido, veio a insolvente interpor o presente recurso concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Devidamente notificado contra-alegou o Ministério Público concluindo pelo não provimento do recurso.
*
Foram dispensados os vistos.
*
II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:
a)- saber se o montante auferido pelo insolvente a título de subsídio de refeição integra, ou não, rendimento para efeitos de cálculo dos valores a ceder à fidúcia.
*
A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O quadro factual que importa considerar para a apreciação da questão supra elencada é o que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzido.
*
III- O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o montante auferido pelo insolvente a título de subsídio de refeição integra, ou não, rendimento para efeitos de cálculo dos valores a ceder à fidúcia.
Preceitua o artigo 239.º, nº 2 do Código da Insolvência[1] (CIRE) que no despacho inicial se determina que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a um fiduciário.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, refere-se a respeito deste regime: “o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante. O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos-designado período da cessão-ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento“.
No regime criado, confrontamo-nos, assim, com dois interesses fundamentais a ponderar: por um lado, o interesse dos credores, que pretendem, naturalmente, reaver os seus créditos e o do insolvente em libertar-se do passivo.
A lei permite que o insolvente obtenha a exoneração dos créditos sobre a insolvência não integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste (artigos 235.º e 236.º do CIRE), de modo a poder reiniciar a sua vida económica livre das dívidas contraídas.
Como este resultado é conseguido à custa dos credores, importa seguir com especial atenção a lisura do comportamento do devedor e a sua boa fé, visto que a medida em causa, gravosa quanto àqueles, só se compreende à luz da ideia de que o insolvente deseja orientar a sua vida de modo a não se envolver de novo em situações similares.
Neste contexto, a lei estabelece limites que passam pelo indeferimento do pedido de exoneração (artigo 238.º, nº 1 do CIRE) e a cedência do rendimento disponível aos credores (artigo 241.º do mesmo diploma legal), como forma de minorar o prejuízo destes e de responsabilizar o devedor pelo cumprimento, na medida do possível, das suas obrigações.
Nos termos do artigo 239.º, nº 3 do CIRE integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor.
Contudo, ficam excluídos do rendimento disponível, como prevê o mesmo preceito:
a) os créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) o que seja razoavelmente necessário para:
i- o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii- o exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii - outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
Dispõe, ainda o n.º 4 do mesmo inciso que: “Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”.
Referem sob este conspecto Carvalho Fernandes e João Labareda[2], em anotação ao artigo 239.º, “o n.º 4 impõe ao devedor uma série de obrigações acessórias decorrentes da cessão do rendimento disponível, às quais preside, genericamente, a preocupação de assegurar a efectiva prossecução dos fins a que é dirigida.
Neste plano, e para esses fins, importa, desde logo, que o tribunal e o fiduciário tenham conhecimento dos rendimentos efectivamente auferidos pelo devedor. Assim, não devendo este ocultá-los ou dissimulá-los, está ainda obrigado a prestar todas as informações que aquelas entidades lhe solicitem, não só quanto aos rendimentos, mas também quanto ao seu património [al. a); cf., ainda, al. d)]”.
No caso em discussão nos autos, tendo o Sr. Fiduciário relacionado como rendimentos a ceder os valores recebidos pela insolvente a título de subsídio de alimentação, veio a mesma manifestar a sua discordância da inclusão desses valores naquela cedência.
Contra esse entendimento decidiu o despacho recorrido.
Que dizer?
Como supra se referiu uma das obrigações que recai sobre o insolvente é a de proceder à imediata entrega ao fiduciário dos rendimentos por si recebidos que sejam objecto de cessão.
Ora, estes rendimentos são todos os que advenham, a qualquer título, ao devedor, não excluídos pelo dever de entrega ao fiduciário por alguma das alíneas do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE.
Assim, sendo o devedor trabalhador por conta de outrem serão, desde logo, objecto de cessão todos os rendimentos por ele recebidos como contrapartida pelo trabalho prestado, que integrem o que se fixou como rendimento disponível, e que não sejam excluídos pelo n.º 3 do artigo 239.º do CIRE.
De acordo com o artigo 258.º do Código do Trabalho, considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
O acórdão do STJ de 27/05/2010[3] debruça-se de forma expressiva sobre o que é que deve considerar-se retribuição e nele pode ler-se o seguinte: “O conceito de retribuição é-nos fornecido pelo art. 249.º, ns.º 1 e 2, do CT, sendo que, de acordo com o respectivo n.º 3, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. E, de há muito, doutrina e jurisprudência entendem que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida, aqui avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o carácter sinalagmático do contrato de trabalho, permitindo, assim, excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado, mas que, ao invés, prossigam objectivos com justificação distinta Como sejam, v.g., os subsídios pelo risco, pela maior penosidade da actividade desenvolvida pelo trabalhador ou destinados a compensar despesas decorrentes do contrato de trabalho. Enformando e integrando o conceito de retribuição, surgem, também, as acima enunciadas características da periodicidade e da regularidade que, por um lado, apoiam a presunção da existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente prevista), e, por outro, assinalam a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo assim relevância ao nexo existente entre a retribuição e as suas necessidades pessoais e familiares. A regularidade da retribuição está associada à sua constância, a qual se opõe à arbitrariedade; a periodicidade significa que a retribuição é satisfeita em períodos certos ou aproximadamente certos no tempo. Destarte, pode, pois, dizer-se que a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é, num primeiro momento, determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global–no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas–engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os enunciados requisitos da regularidade e da periodicidade. Assim, constituindo critério legal da determinação da retribuição a obrigatoriedade do pagamento da prestação pelo empregador, dela apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador–ou a sua disponibilidade para o trabalho–, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este”.
Por outra banda o n.º 1 do artigo 260.º do Código do Trabalho identifica as importâncias, gratificações ou participações que não integram o conceito de retribuição, não prevendo como situação excludente da remuneração o subsídio de alimentação, ao contrário do que sucede, por exemplo, com as ajudas de custo e as despesas para transporte, dela expressamente arredadas.
Diante do que fica exposto haverá que concluir-se que não sendo o subsídio de alimentação excluído do conceito de retribuição pelo n.º 1 do citado artigo 260.º, deverá tal subsídio integrar tal conceito, como, de resto, deriva do artigo 258.º do Código de Trabalho.
Ora, integrando o rendimento disponível–logo, objecto de cessão–todos os rendimentos recebidos pelo devedor, seja a que título for, com exclusão apenas das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, não se vê razão para nele não incluir as importâncias recebidas pela insolventes a título de subsídio de alimentação.
As importâncias por ela recebidas a esse título integram a retribuição paga pela entidade empregadora, não sendo excluídas pelo artigo 260.º, nº 1 do Código de Trabalho.
Além disso, o corpo do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE considera rendimento disponível todos os rendimentos recebidos pelo devedor, independentemente da sua natureza, desde que contidos nos limites impostos pelas suas alíneas a) e b).
Importa, sopesar que a recorrente poupa nas suas refeições, que sempre teria que fazer, montante idêntico ao que lhe é disponibilizado pela sua entidade patronal a título de subsídio de refeição pago mediante tickets-refeição.
Trata-se, assim, sem margem para qualquer tergiversação, de um provento e sem qualquer paralelismo com as ajudas de custo, na medida em que se trata de uma despesa que o trabalhador teria que fazer sempre, estivesse ou não a laborar, embora eventualmente com menor dispêndio do que o que tem ao tomar as refeições no local de trabalho. Pelo contrário aas ajudas de custo destinam-se a reembolsar despesas realizadas apenas por causa do exercício das funções laborais.
A circunstância do subsídio de alimentação não ser pago em dinheiro mas sim mediante um tickets-refeição a que se atribui um certo valor e que permite custear despesas de alimentação até ao valor atribuído, não significa que não constitua um rendimento para a devedora, já que lhe permite a poupança de despesas que sempre teria que realizar.
Na verdade, não nos parece que seja normativamente sustentável incluir ou não o subsídio de alimentação consoante a forma como seja abonado ao devedor, incluindo-o no rendimento disponível se for pago em dinheiro e dele o retirando se for pago, como sucede no caso dos autos, mediante um cartão de refeições.
Convocar o disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea b), ponto 2, do CIRS, como o faz a recorrente, para sustentar que não se considera rendimento do trabalho dependente o subsídio de refeição na parte em que este seja igual ou inferior ao limite legal estabelecido ou, quando tratando-se de subsídio recebido através de tickets-refeição, seja igual ou inferior ao limite legal estabelecido acrescido de 60%, não faz qualquer sentido dado não ter de existir correspondência entre o conceito de rendimento previsto no aludido diploma, determinado apenas para efeitos tributários, e o previsto no CIRE, nomeadamente no seu artigo 239.º, n.º 3, definido para efeitos de determinação do objecto de cessão.
Nem o facto de poder ser pago em géneros afasta a qualificação de rendimento, pois como supra se referiu não deixa de traduzir um gasto que a insolvente não tem de assumir e, logo tem tradução monetária.
Aliás, em todos os Instrumentos de Regulamentação Colectiva relativos a sectores de actividade em que o subsídio de alimentação é prestado em espécie, como é o caso da hotelaria, está sempre previsto o valor da refeição em numerário quando, por qualquer razão, o trabalhador dele não goza, em determinados dias, em espécie.
*
Assim, sendo prestação regular e periódica devida pela contraprestação do trabalho e não estando excluída do conceito de retribuição pelo art.º 260º do CT, tal subsídio, pago em numerário ou espécie, integra o conceito de retribuição.
E sendo o rendimento disponível, objecto de cessão, constituído por todos os rendimentos auferidos pelo devedor, a qualquer título, apenas dele se excluindo as situações enunciadas nas alíneas a) e b) do art.º 239º do CIRE, não se vê razão para nele não incluir as importâncias recebidas pela insolvente a título de subsídio de alimentação.
Não existe, face ao exposto, qualquer fundamento para se alterar o valor apurado pelo Exº Fiduciário como rendimento disponível a ceder à fidúcia relativamente ao período de cessão já decorrido-€ 3.874,60 no primeiro ano do período de cessão e € 4.229,53 no segundo-nem ao que ainda resta.
*
Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
*
IV- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.
*
Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do disposto nos artigos 241.º, nº 1 a) e 248º do CIRE.
*
Porto, 6 de Setembro de 2021.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
______________
[1] DL 53/2004 de 18/03, com as alterações introduzidas pelo DL 200/2004 de 18/08, DL 76-A/2006 de 29/03, DL 282/2007 de 07/08, DL 116/2008 de 04/07, DL 185/2009 de 12/08, Lei 16/2012 de 20/04.
[2] In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, vol. II, p. 788.
[3] Processo n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1, www.dgsi.pt.