Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3396/18.4JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DANO DA MORTE DA VÍTIMA
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CRITÉRIOS
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP202203163396/18.4JAPRT.1
Data do Acordão: 03/16/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO O RECURSO DO DEMANDADO/ARGUIDO E NÃO PROVIDO O RECURSO DOS DEMANDANTES.
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGO 130º DO C.P.

INDEMNIZAÇÃO DO LESADO
1 - LEGISLAÇÃO ESPECIAL FIXA AS CONDIÇÕES EM QUE O ESTADO PODERÁ ASSEGURAR A INDEMNIZAÇÃO DEVIDA EM CONSEQUÊNCIA DA PRÁTICA DE ACTOS CRIMINALMENTE TIPIFICADOS, SEMPRE QUE NÃO PUDER SER SATISFEITA PELO AGENTE.
2 - NOS CASOS NÃO COBERTOS PELA LEGISLAÇÃO A QUE SE REFERE O NÚMERO ANTERIOR, O TRIBUNAL PODE ATRIBUIR AO LESADO, A REQUERIMENTO DESTE E ATÉ AO LIMITE DO DANO CAUSADO, OS INSTRUMENTOS, PRODUTOS OU VANTAGENS DECLARADOS PERDIDOS A FAVOR DO ESTADO AO ABRIGO DOS ARTIGOS 109.º A 111.º, INCLUINDO O VALOR A ESTES CORRESPONDENTE OU A RECEITA GERADA PELA VENDA DOS MESMOS.
3 - FORA DOS CASOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO REFERIDA NO N.º 1, SE O DANO PROVOCADO PELO CRIME FOR DE TAL MODO GRAVE QUE O LESADO FIQUE PRIVADO DE MEIOS DE SUBSISTÊNCIA, E SE FOR DE PREVER QUE O AGENTE O NÃO REPARARÁ, O TRIBUNAL ATRIBUI AO MESMO LESADO, A REQUERIMENTO SEU, NO TODO OU EM PARTE E ATÉ AO LIMITE DO DANO, O MONTANTE DA MULTA.
4 - O ESTADO FICA SUB-ROGADO NO DIREITO DO LESADO À INDEMNIZAÇÃO ATÉ AO MONTANTE QUE TIVER SATISFEITO.
Sumário: I - O Dec. Lei. Nº 113/2005 de 13 de julho ao prever a atribuição de uma indemnização, pelo dano morte, aos funcionários do Estado abrangidos pelo seu regime e sendo a mesma concedida aos seus beneficiários, exclui a possibilidade de estes obterem nova indemnização, pelo mesmo dano, junto de terceiros, de valor igual ou inferior à recebida.
II - Em pedido civil deduzido em processo penal, tal como em processo civil, a prova da idade dos lesados apenas pode ser feita mediante a observância do regime probatório do nascimento previsto no Código de Registo Civil.
III - A fixação dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, deverá observar, para além do mais, o disposto no artigo 8º nº 3 do Código Civil.
IV – Em sede de recurso relativo aos montantes arbitrados como indemnização aos lesados por evento danoso gerador de responsabilidade extracontratual cabe ao Tribunal da Relação aferir os critérios definidos pelo Tribunal recorrido para a fixação do montante indemnizatório, devendo também este Tribunal de recurso dar cumprimento ao disposto no artigo 8º nº 3 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 3396/18.4JAPRT.P1

Acordam em Conferência na 1ª secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Sumário:
………...
………...
………...

1 Relatório

Nos autos nº 3396/18.4JAPRT. P1, que correram os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira, foi proferida sentença que decidiu:
A) Quanto à parte criminal
1. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência (grosseira), p. e p. pelo art.º 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, a qual se suspende por igual período, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, subordinada à entrega pelo arguido no período da suspensão aos demandantes cíveis das seguintes quantias: €15.000 (quinze mil euros) a cada um dos demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um com a morte de BB, acrescida de juros legais à taxa legal desde a data desta sentença até efetivo e integral pagamento, e €1.370 (mil trezentos e setenta euros) pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
2. (…)
B) Quanto à parte cível
1. Julgar parcialmente procedente, por provado na mesma medida, o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes CC e DD e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar-lhes:
a) A quantia de €15.000 (quinze mil euros), pelos danos não patrimoniais sofridos por BB, a qual deverá ser repartida em duas partes iguais pelos demandantes, nos termos do artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil, acrescida dos juros à taxa legal desde a data desta sentença, e até efetivo e integral pagamento;
b) A quantia de €80.000 (oitenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda do direito à vida de BB, a qual deverá ser repartida em duas partes iguais pelos demandantes, nos termos do artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil, acrescida dos juros à taxa legal desde a data desta sentença e até efetivo e integral pagamento;
c) A quantia de €15.000 (quinze mil euros) a cada um dos demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um com a morte de BB, acrescida de juros legais, à taxa legal desde a data desta sentença e até efetivo e integral pagamento;
c) A importância de €1.370 (mil trezentos e setenta euros) pelas despesas de funeral, acrescidas dos juros à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

Não conformado, veio o arguido interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
A. Relativamente ao dano morte, o pedido civil deve improceder, uma vez que esse dano morte já foi pago aos Demandantes Civis, no valor de €145.000,00, nos termos do despacho n.º 4209/2019 dos Ministros das Finanças e da Justiça, publicado na 2.ª Série do Diário da República de 18/04/2019.
B. O Decreto-lei n.º 203/2015, de 13/07, estabelece uma prestação a favor dos familiares do pessoal do corpo da Guarda Prisional, como era o caso de BB, que funciona como um seguro para as situações em que ocorre um dano pela morte, como aconteceu no caso dos autos a favor dos ora Demandantes civis, que já receberam a referida quantia de €145.000,00.
C. O pedido pelo dano não patrimonial da morte de BB formulado pelos Demandantes é uma duplicação daquilo que já receberam.
D. Na sentença recorrida, entende-se que, atenta a natureza da indemnização e a previsão do art. 7.º, n.º 4, do diploma legal em apreço, segundo o qual a aplicação do regime nele previsto não prejudica ou diminui outros direitos em tudo o que nele não se encontre especialmente regulado, o arbitramento da indemnização de €145.000,00 que os Demandantes já receberam não afasta a responsabilidade do lesante pelo ressarcimento desse dano.
E. A ratio do regime previsto no diploma em causa é garantir que, em qualquer caso, o pessoal do corpo da guarda prisional e demais pessoal por ele abrangido tem sempre assegurado o ressarcimento pelo dano não patrimonial da morte, quando estejam preenchidos os demais requisitos aí consignados.
F. Ou seja, aquilo de que o diploma cuida é de arbitrar uma “compensação pela morte”, o que corresponde a uma indemnização pelo dano não patrimonial da morte.
G. Tal indemnização não prejudica quaisquer outros direitos, designadamente de natureza indemnizatória, que caibam aos lesados, excepto naquilo que nele “não se encontre especialmente regulado”, como prevê o seu art. 7.º, n.º 4 (in fine).
Ora, a indemnização pelo dano não patrimonial da morte está assegurada pelo seguro instituído pelo diploma legal em apreço.
H. Assim sendo, e ressalvado o devido respeito, a compensação pelo dano não patrimonial da morte, a que se reporta o art. 496.º, n.º 2, do CC, foi já assegurado aos Demandantes civis, não tendo os mesmos direito a auferirem uma duplicação daquilo que já receberam.
I. Pelo exposto, a sentença recorrida, neste segmento, aplicou erroneamente ao caso dos autos o regime instituído pelo Decreto-lei n.º 203/2015, de 13/07, devidamente conjugado com o art. 496.º, do CC.
***
Por seu turno, vieram também os demandantes cíveis interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
1 - O presente recurso, restrito à matéria civil, tem por objeto: pontos de facto que deviam ser sido dados como provados, para os efeitos do estabelecido no artigo 412.º, n.º 3, alínea a) do CPP – CC nasceu a .../.../1962 e DD nasceu a .../.../1967;
Indemnização que devia ter sido fixada, ao abrigo do positivado no artigo 495.º, n.º 3, do Código
Civil; Quantum indemnizatório fixado no contexto dos danos não patrimoniais, concretamente: o valor correspondente ao dano morte; a quantia atinente aos danos resultantes do sofrimento da vítima, BB, desde o momento em que foi atingida pelo disparo até à respetiva morte; e os danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes civis.
2 – O arguido, AA, foi condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência (grosseira), p. e p. pelo art.º 137.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, que foi suspensa, na respetiva execução, por igual período, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, subordinada à entrega aos demandantes cíveis, no período da suspensão, das seguintes quantias: 15.000€ a cada um dos demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um com a morte de BB, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento; e 1.370€ pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
3 – Na envolvência do pedido de indemnização civil, na sua parcial procedência, o arguido/demandado civil foi condenado a pagar aos demandantes civis, CC e DD, as seguintes quantias: a) 15.000€, pelos danos não patrimoniais sofridos por BB, a qual deverá ser repartida em duas partes iguais pelos demandantes, nos termos do artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil, acrescida dos juros à taxa legal desde a data desta sentença, e até efetivo e integral pagamento; b) 80.000€, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda do direito à vida de BB, a qual deverá ser repartida em duas partes iguais pelos demandantes, nos termos do artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil, acrescida dos juros, à taxa legal, desde a data desta sentença e até efetivo e integral pagamento; 15.000€ a cada um dos demandantes, pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um com a morte de BB, acrescida de juros legais, à taxa legal, desde a data desta sentença e até efetivo e integral pagamento; e d) 1.370€, pelas despesas de funeral, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
4 – No recurso, sinalizou-se a facticidade que o tribunal a quo deu como provada, bem como a pertinente motivação (que aqui se consideram descritas).
5 – FACTOS QUE FORAM INDEVIDAMENTE DADOS COMO NÃO PROVADOS E QUE DEVEM SER CONSIDERADOS ASSENTES, para os efeitos do estabelecido no artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal – CC nasceu a .../.../1962 e DD nasceu a .../.../1967.
6 – ERRO DE JULGAMENTO. Neste recorte, fez-se uma digressão acerca do seguinte: do pertinente vício; da prova judiciária; e da avaliação das provas.
7 – Diante da motivação do tribunal a quo, que apartou a facticidade assinalada (a data de nascimento dos demandantes civis), cumpre ressair que ela se conforma desarrazoada
8 – Com efeito, importa sobrelevar que, no contexto processual penal (a cujas regras o pedido civil enxertado está subordinado), a data de nascimento não carece necessariamente de prova documental, embora se aceite naturalmente que se trata, nesse ponto, da comprovação mais fidedigna.
9 – Na tessitura dos presentes autos, em que os demandantes civis foram identificados em várias situações, desde o inquérito até ao julgamento, conforme decorre da análise dos autos, ficou sempre averbado, sem controvérsia ou questionamento, que o CC nasceu a .../.../1962, e que a DD nasceu a .../.../1967 – desta sorte, deve ser dada como assente que os demandantes civis nasceram nas preditas datas.
10 – Trata-se, por conseguinte, de matéria que foi incorretamente julgada por nítido erro e violação do princípio da livre apreciação da prova – cf. o artigo 412.º, n. º 3, alínea a), do CPP.
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL.
11 – Neste alinho, transcreveram-se as considerações tecidas pelo tribunal a quo (que aqui se dão por reproduzidas).
LUCROS CESSANTES, nos termos artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil – privação da quantia correspondente ao valor da renda habitacional mensal de 250€, que era suportado pela BB.
12 – Nesse segmento, os demandantes civis requereram uma indemnização de 60.000€) – contudo, o tribunal a quo indeferiu tal pretensão.
13 – Para contraditar a argumentação expendida pelo tribunal, foram citados excertos dos sequentes Acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2018 e da Relação de Guimarães de 13/06/2019 – pela sua exatidão e translucidez, adere-se aqui, na plenitude, à exegese desenvolvida nos supraditos arestos.
14 – Com utilidade, interessa ainda adscrever: i) A BB era arrendatária da casa onde vivia com os demandantes civis, seus pais, e que a pertinente renda correspondia a 250€ mensais, o que totalizava 3.000€ anuais. ii) Tal importância correspondia à sua comparticipação para as despesas da casa e do sustento familiar. iii) Em resultado da conduta do arguido, os demandantes civis ficaram, pois, privados da sobredita quantia, porquanto passaram a ter de suportar o valor dessa renda. iv) a indemnização nestes casos deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida ativa da vítima (que tinha 30 anos por ocasião do seu falecimento) e à esperança de vida dos beneficiários (sendo certo que o CC nasceu a .../.../1962, e a DD nasceu a .../.../1967), de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a perda sofrida e se mostre esgotado no fim do período considerado. v) Na determinação das parcelas indemnizatórias, o juiz não está, nem deve estar, sujeito a estritas regras matemáticas ou confinado ao uso que se faça de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras.
15 – Deve, por conseguinte, o arguido/demandado civil ser condenado a pagar, nesta latitude, por efeito da privação do contributo da BB para o sustento familiar e para as despesas da casa, a quantia de 60.000€.
16 – O Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, infringiu o disposto no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil.
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
17 – Concorda-se, na sua quase totalidade, com as reflexões teórico-jurídicas desenvolvidas no contorno da Sentença, pelo tocante aos danos não patrimoniais.
18 – A dissonância dos demandantes civis relativamente ao teor da sentença justapõe-se aqui aos quanta indemnizatórios fixados em vários recortes do pedido de indemnização civil deduzido, no que afeta aos danos não patrimoniais – incumbe, pois, enfocar os supraditos danos.
DANO MORTE
19 – Nesse apartado, os demandantes civis peticionaram uma indemnização de 160.000€, e o tribunal a quo fixou a indemnização em 80.000€.
20 – Haja vista a matéria de facto assentada e os referentes teórico-jurídicos exarados na sentença, os demandantes civis dissentem da quantia que foi arbitrada, por se conformar desajustada, porquanto reflete uma prevalecente parcimónia.
21 – Na verdade, no âmbito dos presentes autos, representa-se bem mais apropositada a fixação do montante de 100.000€. Nesse reduto, pelo seu interesse, foram transcritos excertos dos subsecutivos Acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2018; da Relação de Évora de 22-01-2019; e da Relação de Évora de 19-11-2019.
22 – No caso concreto, a BB tinha 30 anos de idade na altura do seu falecimento, trabalhava (era guarda prisional), era saudável e dava-se bem com os seus pais, nutrindo por eles uma afetividade, dedicação e carinho próprios da sua condição de filha. De outra parte, importa considerar também as suas expectativas de vida.
23 – À vista do exposto, na sua amplitude, maiormente os escólios jurisprudenciais indigitados, considera-se equitativo que seja arbitrada, a título de dano morte, a importância de 100.000€, o que se reclama.
DANOS MORAIS RESULTANTES DO SOFRIMENTO DA VÍTIMA, BB, DESDE
O MOMENTO EM QUE FOI ATINGIDA PELO DISPARO ATÉ À MORTE.
24 – Nesse tópico, os demandantes civis peticionaram uma indemnização correspondente a 30.000€, e o tribunal a quo fixou a indemnização em 15.000€.
25 – Atendendo à materialidade firmada e as cogitações teórico-jurídicas expendidas, os demandantes civis divergem da quantia que foi arbitrada, por se mostrar desarrazoada, pois que transverbera uma superlativa modicidade.
26 – Efetivamente, no condicionalismo dos presentes autos, configura-se bem mais congruente a atribuição do montante, que foi peticionado, de 30.000€ (trinta mil euros). Nesse perímetro, pela sua servência, interesse, foi transcrito um extrato do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2018.
27 – Na situação sub examine, sendo inequívoca a dificuldade da avaliação do sofrimento e das dores no predito lapso de tempo dado como comprovado, não pode deixar de se averbar a gravidade das lesões, que determinaram a morte volvido pouco tempo após o disparo.
28 - Ponderando o condicionalismo descrito, os demandantes civis entendem que arguido/demandado civil, nesta contextura, deve ser condenado a pagar-lhes a indemnização solicitada, no valor de 30.000€
DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELOS DEMANDANTES CIVIS.
29 – Nessa parcela, os demandantes civis requereram uma indemnização a cada um deles de 25.000€, o que perfaz uma importância global de 50.000€; todavia, o tribunal a quo fixou apenas a indemnização de 15.000€ a favor de cada um dos demandantes civis.
30 – Acolhendo a facticidade estabelecida e as reflexões teórico-jurídicas aduzidas, os demandantes civis discordam da quantia que foi determinada, por se mostrar desacertada, sendo certo que reverbera uma superna escatima.
31 – De facto, no circunstancialismo dos autos, perfila-se bem mais equilibrada/judiciosa a afixação da quantia, que foi postulada, de 25.000€, a favor de cada um dos demandantes.
32 – Trata-se, aliás, de uma importância que tem absoluto estribo na jurisprudência – por tal razão foram reproduzidas passagens do indigitado Acórdão da Relação de Évora de 19-11- 2019.
33 – Neste hemisfério, ficou demonstrado o seguinte: a BB, à data do respetivo falecimento, vivia com os pais e tratava-se de uma pessoa saudável; o seu falecimento ocasionou nos seus pais um enorme e imensurável desgosto, tristeza, angústia, abalo psicológico e depressão; os demandantes civis tinham um forte sentimento de amor e carinho pela BB, a quem estavam muito afeiçoados, dela recebendo apoio e companhia; sofreram, assim, um rude golpe com a morte súbita da sua filha, num momento em que, em termos de normalidade, esperavam tê-la na sua companhia por muitos anos; os demandantes não estavam, ipso facto, preparados para tal evento, sendo certo que ficaram privados de uma pessoa por quem sentiam uma particular afeição e com quem mantinham uma especial relação.
34 – No caso ad rem, em face da matéria de facto provada, maiormente dos sentimentos, sofrimentos e sensações vivenciados pelos demandantes civis, num prudente arbítrio, considerando os critérios enunciados na sentença, deve ser fixada a cada um dos demandantes civis, nos termos impetrados, a quantia de 25.000€, o que totaliza o valor de 50.000€ – reclama-se, por conseguinte, o arbitramento de tal indemnização.
35 – O Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, no que compete aos danos não patrimoniais, violou a regra da equidade estabelecida nos artigos 496.º, n.º 3, 1.ª parte, e 494.º, ambos do Código Civil.
***
Notificados, vieram os demandantes cíveis responder ao recurso do arguido, tendo concluído pelo seu não provimento.
Por seu turno, veio também o arguido responder ao recurso dos demandantes cíveis, concluindo igualmente pelo seu não provimento.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito da causa.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objeto à apreciação das seguintes questões:
Recurso do demandado cível/arguido
a) A compensação pelo dano não patrimonial da morte, a que se reporta o art. 496.º, n.º 2, do CC, foi já assegurado aos Demandantes civis, não tendo os mesmos direito a auferirem uma duplicação daquilo que já receberam, tendo a sentença violado o disposto no DL nº n.º 203/2015, de 13/07. devidamente conjugado com o art. 496.º, do CC. (nota nossa: Certamente por lapso o recorrente refere-se ao DL 203/2015 quando quereria dizer DL 113/2005 de 4 de março)

Recurso dos demandantes cíveis
a) Erro de julgamento
b) Direito a lucros cessantes
c) Valores fixados a título de indemnização pelo dano morte, danos não patrimoniais sofridos pela vitima e danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes.
Cumpre assim apreciar e decidir.

2 Fundamentação
Resultam assentes e não assentes nos autos os factos abaixo transcritos, como também se mostra fundamentada a convicção do Tribunal nos termos que se irá de seguida transcrever:
1. O arguido é Guarda Principal Prisional, com o n.º SRH ...., e desempenha funções, desde 10 de setembro de 2010, no Grupo ... (Grupo ...) 2.º ..., sedeado no Estabelecimento Prisional (EP) de ....
2. O arguido é também formador de armamento e tiro, fazendo parte da respetiva bolsa de formadores da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
3. Por se tratar de formador de armamento e tiro da DGRSP, o arguido está obrigado a observar e cumprir o estabelecido no manual da DGRSP, que serve de base para a formação de todos os instrutores de tiro daquela direção-geral e que o arguido conhece pelo menos desde setembro de 2018.
4. De acordo com esse documento, são os seguintes, entre outros, os procedimentos de segurança aplicáveis à generalidade das armas de fogo, nomeadamente, às pistolas semiautomáticas, de calibre 9 mm Parabellum (9x19 mm ou 9 mm Luger na designação anglo-americana), de marca Heckler & Koch (HK), modelo USP, idênticas àquela que se encontrava distribuída ao arguido:
- Verificar se arma está em segurança, caso não esteja colocar a patilha na posição de segurança;
- retirar o carregador;
- puxar a corrediça/culatra à retaguarda, pelo menos duas vezes, detendo-a;
- inspecionar a câmara de modo físico e/ou visual; libertar a corrediça/culatra;
- colocar a patilha de segurança na posição de fogo;
- efetuar um disparo de segurança, em direção a uma zona limpa e segura, aproveitando o disparo para treino de tiro em seco;
- colocar a patilha de segurança, na posição de segurança.
5. Também nesse documento se estatui, no que concerne às regras de segurança a observar para tiro ou manuseamento de armas de fogo, que deve ter-se sempre presente que, bem como a observância, entre outras, das seguintes regras:
- tratar sempre as armas de fogo como se elas estivessem carregadas, ou seja, como se tivesse uma munição introduzida na câmara;
- nunca apontar uma arma, a menos que esteja em eventual necessidade de efetuar um disparo;
- certificar-se sempre do alvo antes de puxar o gatilho;
- o dedo só deve ser colocado no gatilho na iminência do disparo;
- nunca disparar sobre superfícies duras ou planas, por forma a evitar ricochetes;
- nunca perguntar se as armas estão descarregadas, verificando por si mesmo e com as precauções necessárias;
- lembrar: as armas em si não são perigosas, tudo depende de quem e como as usam.
6. Ainda nesse documento estabelecem-se as seguintes regras específicas a observar nas carreiras de tiro, isto é, na instalação interior ou exterior, funcional e exclusivamente destinada à prática de tiro com arma de fogo carregada com munição de projétil único:
- Para que a instrução de tiro decorra dentro da normalidade, os elementos devem cumprir todas as indicações do formador e manter uma permanente vigilância durante o desenrolar de todas as sessões, para que se possa limitar ao máximo a possibilidade de ocorrência de algum erro;
- antes do início da sessão de tiro, deve ser realizada uma inspeção às armas, as armas devem estar em segurança, ter o carregador extraído (fora do seu alojamento), e a culatra detida à retaguarda.
7. Mais se refere que na instrução de tiro existem regras que devem ser respeitadas, sendo estas um garante da uniformização de procedimentos, que por sua vez tornará possível desenvolver ou aperfeiçoar capacidades de tiro, nomeadamente:
- no tiro de precisão as armas devem estar dirigidas para o solo, formando um ângulo aproximadamente de 45º, mantendo-se sempre o cano na direção do alvo;
- as armas só devem ser carregadas (introdução do carregador municiado e colocação de munição na câmara), quando os atiradores estiverem na sua linha de tiro, e após ordem do instrutor;
- no tiro em deslocação ou rotação, as armas devem estar sempre devidamente empunhadas e só passam para a posição de fogo, depois de o atirador estar devidamente enquadrado com o alvo.
8. Por último, e ainda de acordo com o referido manual, há normas e regulamentos que se impõe observar nas carreiras de tiro, designadamente:
- as armas devem sempre ser consideradas como carregadas até que se tenha verificado o contrário;
- quando se empunhar uma arma deve apontar-se a mesma para uma zona limpa e segura;
- quando se efetuar os procedimentos de segurança é extremamente importante manter o dedo indicador fora do guarda mato da arma.
9. A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais elabora e executa calendário/programa, destinado aos formadores de tiro dos vários estabelecimentos prisionais.
10. O Plano de 2018 foi homologado por despacho de 22.02.2018 do Exmo. Sr. Subdiretor-Geral da DGRSP e era, pelo menos desde essa data, do conhecimento do arguido, até porque praticamente replicava os planos de anos anteriores.
11. Do plano de formação anual de tiro de 2018, consta, entre outras coisas, o seguinte a respeito dos procedimentos de segurança a observar quanto à generalidade das armas de fogo, nomeadamente, às pistolas semiautomáticas, de calibre 9 mm Parabellum (9x19 mm ou 9 mm Luger na designação anglo-americana), de marca Heckler & Koch (HK), modelo USP, idênticas àquela que se encontrava afeta ao arguido:
- verificar se a arma está em segurança e caso não esteja colocar a patilha na posição de segurança;
- retirar o carregador;
- puxar a corrediça/culatra à retaguarda, pelo menos duas vezes, detendo-a;
- inspecionar a câmara de modo físico e/ou visual;
- libertar a corrediça/culatra;
- colocar a patilha de segurança na posição de fogo;
- efetuar um disparo de segurança, em direção a uma zona limpa e segura (caixa de segurança), aproveitando o disparo para treino de tiro em seco;
- colocar a patilha de segurança, na posição de segurança.
12. Os referidos procedimentos de segurança são obrigatórios, além do mais:
- antes e após a execução de qualquer sessão de tiro;
- normalmente, sempre que se manuseia uma arma.
13. Em 2018, por determinação superior da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, aos formadores do ..., entre os quais se encontrava o aqui arguido, foi concedida a responsabilidade de ministrar e orientar as sessões de tiro em vários Estabelecimentos Prisionais, nomeadamente no Estabelecimento Prisional ..., e a autorização para apoiar as sessões de tiro ministradas noutros Estabelecimentos Prisionais, designadamente no Estabelecimento Prisional ..., tudo em execução do mencionado Plano Anual de Tiro de 2018.
14. Assim, durante os meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2018, o aqui arguido ministrou várias formações de armamento e tiro a várias dezenas de elementos do corpo da Guarda Prisional, nos Estabelecimentos Prisionais de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
15. No dia 5 de novembro de 2018, BB, Guarda Prisional (...) a desempenhar funções no Estabelecimento Prisional ..., foi convocada e aceitou comparecer, na manhã do dia 6 de novembro de 2018, na carreira de tiro afeta ao Estabelecimento Prisional ..., sito em ..., ..., a fim de receber instrução de tiro com arma de fogo, a ser ministrada pelo arguido AA com a coadjuvação de EE, Chefe da Guarda Prisional e superior hierárquico da referida instruenda, tudo de acordo e em cumprimento do estabelecido no plano de tiro anual da DGRSP.
16. No dia 6 de novembro de 2018, cerca das 09.00 horas, compareceram na carreira de tiro mencionada a instruenda BB e os referidos instrutores, a fim de participarem na referida instrução, cujo comando caberia ao aqui arguido.
17. Para o efeito, o arguido AA trazia consigo a arma de serviço que lhe foi distribuída pelos serviços prisionais, no caso, a pistola com a inscrição -... da marca Heckler & Koch, juntamente com um carregador pessoal, de cor clara, e com capacidade para 18 munições, mas municiado com 15 ou 16 munições calibre 9 mm Parabellum e introduzido na pistola.
18. O arguido levava na cintura um porta carregadores duplo e um individual com três carregadores vazios de capacidade para 15 munições e distribuídos pelos serviços.
19. Igualmente levou consigo uma mochila na qual acondicionou material de formação, entre o qual várias munições calibre 9 mm em número não apurado.
20. Por sua vez, o instrutor EE tinha consigo a pistola com a inscrição -... da marca Heckler & Koch e dois carregadores vazios, e BB a pistola com a inscrição -... da marca Heckler & Koch, e dois carregadores vazios.
21. A instrução de tiro iniciou-se, num edifício anexo ali situado que serve de apoio à instrução, com a realização dos procedimentos de segurança por parte dos presentes no local (BB, EE e AA), tendo depois versado a parte teórica de armamento e tiro, a identificação das partes principais da pistola da marca Heckler & Koch, modelo USP, calibre 9 mm, bem como a montagem e desmontagem com várias repetições.
22. Durante os procedimentos de segurança iniciais, o arguido retirou da sua arma o carregador de cor clara com 15 ou 16 munições e guardou-o no interior da sua mochila.
23. De seguida os três colocaram as respetivas armas em cima da mesa de formação ali existente sem os respetivos carregadores que se mantiveram na posse dos seus titulares.
24. Durante o período da instrução teórica, como BB lhe tivesse colocado uma dúvida sobre a forma como funcionava a extração da munição, o arguido retirou o referido carregador de cor clara do interior da mochila, e dele sacou uma munição, voltando a colocar o carregador na mochila, e servindo-se da munição para explicar o funcionamento da garra extratora da pistola.
25. Quando se encontravam a levar a cabo o exercício referido no ponto 21., pelas 9 h e 17 minutos, o arguido atendeu o telemóvel, por verificar que se tratava de uma chamada profissional feita pelo seu superior hierárquico, chefe FF, a qual teve a duração de 2 minutos e 47 segundos, pelo que se afastou do local onde se encontrava para junto de uma janela, tendo após, retomado os mesmos procedimentos de montagem e desmontagem de arma.
26. Não obstante ter utilizado a referida munição na instrução, o arguido esqueceu-se completamente da mesma, não tendo, por tal motivo verificado, se a tinha recolocado no carregador donde a tinha sacado, não equacionou a hipótese de ter sido inadvertidamente recolocada por algum dos presentes num outro carregador usado na instrução, não questionou BB ou EE sobre a mesma, quando o podia e devia ter feito.
27. Ao exemplificar à instruenda a extração da munição, como descrito no ponto 24., o arguido deveria ter utilizado uma munição de salva, que tinha consigo, como devia e podia ter feito, mas optou por utilizar uma munição real.
28. O arguido fez duas pausas, uma logo após ter terminado uma breve explicação teórica inicial, e outra, durante a fase de instrução de montagem e desmontagem das armas, onde permitiu que a instruenda saísse um para o exterior do edifício anexo para fumar.
29. Terminada a referida fase de instrução descrita no ponto 21., os três intervenientes saíram do edifício anexo e deslocaram-se para o exterior, mais precisamente para a zona de segurança da carreira de tiro, a fim daí seguirem para a área de tiro e efetuarem duas fases de formação: uma primeira com seis disparos de precisão; e uma segunda fase com outros seis disparos em situação de troca de carregadores.
30. Nesta última fase (disparo em situação de troca de carregador) cada carregador iria ser municiado somente com uma munição, pretendendo-se desta forma que o atirador carregasse a arma com a única munição existente no carregador, efetuasse um disparo ficando a corrediça/culatra fixa à retaguarda e o carregador vazio, retirasse o carregador vazio e introduzisse um novo carregador que estaria municiado igualmente com uma só munição. De seguida, iria levar a corrediça/culatra à frente e efetuava o segundo disparo.
31. Porém, antes de se deslocarem para a área de tiro, o arguido AA decidiu explicar a BB o exercício de disparo em situação de troca de carregador, supostamente “a seco”, ou seja, sem haver lugar à utilização de qualquer munição.
32. Para o efeito, na zona de segurança da carreira de tiro, AA ordenou que a guarda BB se deslocasse alguns metros para a frente do edifício anexo e se colocasse de frente para a zona dos alvos e de costas para o referido anexo.
33. Praticamente em simultâneo, AA colocou-se de frente para o anexo e para BB, a cerca de 3 a 4 metros de distância desta, deslocado para a sua esquerda, a cerca de um metro.
34. Nessa posição, e depois de uma explicação verbal desse exercício sem recurso às armas ou carregadores, o arguido exemplificou de uma vez só e de forma mais aproximada da realidade, a referida técnica de tiro com troca de carregador, simulando os movimentos com a arma e os carregadores.
35. Para tanto, o arguido retirou um carregador do porta carregadores que usava à cintura e introduziu-o na arma sem a retirar do coldre.
36. De seguida e ao mesmo tempo que explicava oralmente, o arguido retirou a arma do coldre e puxou a corrediça/culatra atrás, originando que a mesma ficasse retira à retaguarda e desta forma simulando a anterior existência de um disparo.
37. Seguidamente, recolheu a arma em direção à sua face, libertando o carregador introduzido previamente na pistola e deixando-o cair ao solo, para, de imediato, com a sua mão esquerda retirar um segundo carregador do mesmo porta carregadores, introduzindo-o na pistola, levou a corrediça/culatra à frente libertando-a pela patilha detentora enquanto levava e direcionava a arma à frente e à altura dos olhos.
38. Ato contínuo, julgando estar a efetuar um disparo “em seco” premiu o gatilho da pistola que empunhava, efetuando um disparo de fogo real que veio a atingir o tórax de BB.
39. Antes de exemplificar a referida técnica de tiro com troca de carregador nos moldes que supra se descreveram, o arguido não inspecionou a câmara da arma nem verificou, como devia e podia ter feito, se algum dos carregadores utilizados continha alguma munição, por forma a confirmar por si mesmo que a arma estava descarregada e os carregadores desmuniciados.
40. Tão pouco efetuou qualquer disparo de segurança em direção a qualquer zona limpa e segura, como podia e devia ter feito.
41. Também não teve presente que devia tratar a sua pistola como se ela estivesse carregada, ou seja, como se tivesse uma munição introduzida na câmara, principalmente quando exemplificou a técnica de frente para a sua instruenda, podendo e devendo fazê-lo.
42. Do mesmo modo, e principalmente durante uma instrução de tiro e num local onde existem alvos inanimados, não deveria ter premido o gatilho.
43. Mas tendo-o feito, também não se certificou do alvo antes de puxar o gatilho, como também podia e devia ter feito.
44. Tendo o arguido utilizado na descrita exemplificação uma técnica de instrução “em espelho”, ou seja, o instrutor em frente ao formando, somente o deveria ter feito após observar os descritos procedimentos de segurança (verificar inexistência de munições reais e carregadores vazios), manter o devido desenquadramento de BB, com o dedo ao longo da corrediça e não no gatilho, nem efetuar qualquer disparo em seco como também podia e devia ter feito.
45. Para a exemplificação da técnica de tiro com troca de carregador, o arguido deveria, à frente da instruenda, realizar as manobras de segurança descritas exibindo a arma e os carregadores vazios e só de seguida continuasse a instrução, o que podia e devia ter feito.
46. Em consequência direta e necessária do descrito comportamento do arguido e do disparo por ele efetuado, veio BB a sofrer as lesões traumáticas torácicas, nomeadamente: nas paredes do tórax, laceração com infiltração sanguínea do tecido muscular no músculo grande peitoral esquerdo, e na face posterior do hemitórax esquerdo, ao nível do 7º espaço intercostal, laceração e infiltração sanguínea do tecido muscular; na clavícula, cartilagens e costelas esquerdas, na transição costocondral da terceira costela, presença de laceração, com 1 por 0,8 centímetros de maiores dimensões, dos músculos intercostais envolventes e fratura do arco anterior da terceira costela, com infiltração sanguínea dos bordos ósseos, e no arco posterior da sétima costela, presença de laceração, com 2,2 por 2 centímetros de maiores dimensões, dos músculos intercostais envolventes e fratura do arco posterior da sétima costela, com infiltração sanguínea dos bordos ósseos; no pulmão esquerdo e pleura visceral, na face antero superior do lobo superior, presença de laceração ovalada com infiltração sanguínea da superfície pulmonar envolvente, na face postero-inferior do lobo inferior, presença de laceração ovalada com infiltração sanguínea da superfície pulmonar envolvente, e nas diferentes secções de corte, observado trajeto intra-parenquimatoso com destruição de parênquima entre as duas lacerações pulmonares descritas, correspondente à cavidade permanente resultante do trajeto do projétil, e ainda hemorragia intra-parenquimatosa e áreas de contusão pulmonar; na pleura parietal e cavidade pleural esquerda, laceração da face interna da pleura na transição costo-condral da terceira costela com 1 por 0,8 centímetros de maiores dimensões e laceração da face interna da pleura no arco posterior da sétima costela, com 2,2 por 2 centímetros de maiores dimensões.
47. No relatório de autópsia conclui-se, ainda, que no exame necrópsico foram identificados dois orifícios, com um trajeto no interior do corpo de BB e atingimento de estruturas vitais (pulmões): um orifício (n.º 1), localizado na face anterior do terço médio do hemitórax esquerdo, com características morfológicas compatíveis com orifício de entrada; um outro (n.º2), localizado na face posterior do terço médio do hemitórax esquerdo, com características morfológicas com orifício de saída. E ainda, que considerando as características morfológicas dos orifícios referidos é possível definir um trajeto do projétil no corpo da vítima, de anterior para posterior, ligeiramente de superior para inferior e ligeiramente da direita para a esquerda.
48. As lesões traumáticas torácicas supra descritas foram causa direta e necessária da morte de BB.
49. Apesar do arguido não ter admitido como possível que acionado o gatilho da sua pistola esta disparasse uma munição e ocorresse a morte de BB, a verdade é que o disparo de fogo real por si efetuado e que causou a morte de BB ficou a dever-se à sua atuação imprudente e desatenta, imprópria de alguém com as suas qualificações e experiência profissionais, pois violadora de várias e elementares regras de segurança na instrução de tiro e no uso de armas de fogo, regras essas que o arguido conhecia e que podia e devia ter observado, pois, se o tivesse feito evitaria a morte de BB, que também podia e devia ter previsto caso tivesse em mente, como devia ter tido, as regras de segurança violadas e que as armas raramente dão oportunidade de se cometer um segundo erro.
50. O arguido atuou de forma livre e consciente, sabendo a sua conduta penalmente punível.
51. O arguido foi condenado por sentença proferida em 13.12.2017, transitada em julgado no dia 10.01.2018, pela prática no dia 12.10.2014, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145.º, n.º1, al. a) e n.º2, por referência aos artigos 143.º e 132.º, n.º2, al. h), todos do Código Penal.
(Do percurso de vida e condições socio económicas do arguido)
52. AA, natural de ..., ..., é o mais velho de dois filhos de um casal bem integrado na comunidade local, pai metalomecânico e mãe modista, com uma favorável condição económica e sociocultural que proporcionou aos filhos as condições adequadas ao seu processo de desenvolvimento.
53. O arguido e pais fazem referência à coesão e a uma dinâmica equilibrada, a par de vínculos afetivos consistentes entre os vários elementos do agregado durante o período de crescimento do arguido e até ao presente.
54. O percurso escolar de AA foi marcado por investimento e sucesso, revelando capacidades de aprendizagem.
55. AA concluiu o 12º ano do curso profissional de manutenção mecânica, no qual foi o 2º premiado pela comissão de industriais de ....
56. Em termos de atividades sociais e recreativas, dos 7 aos 21 anos o arguido jogou basquetebol no ... e em ..., para além de ter sido escuteiro e catequista.
57. Durante os períodos de férias letivas de verão exerceu atividades laborais indiferenciadas, demonstrando precoces hábitos de trabalho.
58. AA Estabeleceu o seu primeiro contrato de trabalho aos 21 anos com empresa de ferramentas para máquinas, um ano depois passou a desempenhar funções como desenhador de ferramentas numa outra empresa por um período de um ano.
59. Em 1992, face ao seu gosto pela atividade física e considerar ter capacidades físicas e anímicas para tal, AA integrou, como voluntário, o serviço militar nos comandos, durante um ano. Em 1994, iniciou curso de paraquedista e em 1996, incorporou uma missão na ..., onde sofreu um acidente com explosivos, na sequência do qual foi sujeito a cirúrgica aos membros inferiores, tendo permanecido oito meses hospitalizado, quatro dos quais sem visitas, por se encontrar em território estrangeiro.
60. AA contraiu matrimónio aos 27 anos, relação que terminou 11 anos depois, em 2009. Com a filha, de 20 anos, estudante universitária, mantém laços afetivos coesos e de convívio regular. Após a separação, e desde 2009, o arguido integrou o agregado dos pais.
61. AA ingressa no corpo prisional em 1998, tendo exercido funções em vários Estabelecimentos Prisionais e em 2003, entra para o ... (Grupo ...), iniciando funções em ....
62. O agregado do arguido é constituído pelo pai, GG, de 80 anos, mãe, HH, de 74 anos, ambos reformados e residem em moradia propriedade destes, de construção antiga, com condições de conforto.
63. AA exerce funções no ... – ... (...) 2º ... – desde 20 setembro 2010.
64. Dispõe de uma situação económica estável que lhe advém do desempenho profissional, pese embora faça referência a uma gestão muito equilibrada dos recursos disponíveis, uma vez que tem compromissos mensais que referiu ascender a 1200€/mês, decorrente de crédito pessoal, à pensão de alimentos à filha, ao pagamento de viatura que adquiriu recentemente, às deslocações diárias para o seu posto de trabalho e à ajuda nas despesas do agregado.
65. O ambiente familiar é descrito pelos vários elementos como harmonioso, com a valorização dos laços afetivos, a partilha das rotinas e a realização de atividades conjuntas no espaço doméstico.
66. Há cerca de cinco anos AA iniciou relação amorosa com II, 48 anos, viúva, assistente operacional no Hospital ..., em ... e residente no mesmo concelho.
67. Segundo se avalia, entre o casal, parece haver um relacionamento estável, mutuamente gratificante e emocionalmente investido.
68. O arguido orienta as suas disponibilidades de tempo livre maioritariamente para o contexto familiar, e apresenta motivação pelo desporto.
69. Sob o ponto de vista profissional AA é visto, pelas fontes contactadas, como uma pessoa com hábitos de trabalho, educado, disponível, um profissional muito bom (formador sénior de armamento e tiro, formador de manutenção de ordem prisional e formador de proteção e segurança), características que o levam a ser respeitado, sendo considerado uma mais-valia para o Grupo ..., pela antiguidade e funções
exercidas, contando o seu currículo com alguns louvores, motivo pelo qual as suas comissões de serviço, de duração anual, têm sido sempre renovadas.
70. Na sequência dos factos relativos ao presente processo esteve ano e meio de baixa psiquiátrica, e, de acordo com o seu superior hierárquico foi motivado institucionalmente para retomar funções o que se verificou em fevereiro de 2020.
71. Em virtude da presente acusação foi suspenso das funções de formador de armamento e tiro e de escolta, mantendo as restantes funções inerentes à profissão, assim como as de formador de manutenção da ordem prisional e de dispositivos de proteção e segurança.
72. Na sequência do presente processo, AA iniciou acompanhamento médico psiquiátrico no Hospital ..., em ..., mantendo-se em tratamento ambulatório e a cumprir plano de tratamento, consultas regulares e medicação estando a próxima consulta agendada para 08/07/2021.
73. No meio residencial AA tende a manter uma postura discreta, beneficiando de imagem social positiva.
74. O impacto do presente processo penal é relevante na estrutura pessoal de AA pelas consequências negativas em termos de saúde mental que o levaram a ter baixa psiquiátrica por cerca de dezoito meses.
75. Por outro lado, houve repercussões ao nível da sua carreira profissional, com atividade formativa suspensa e ao nível económico com deduções no vencimento.
76. A família de origem (pais), bem como a namorada de há cinco anos são importantes suportes afetivos e emocionais de AA.
77. Na comunidade a existência da presente situação jurídica não alterou a imagem social de integração que AA detém.
78. O processo de desenvolvimento e a vida adulta de AA decorreu num contexto familiar equilibrado, do ponto de vista afetivo e material, pautado aparentemente pela interiorização de regras e normas socialmente adaptadas.
79. AA dispõe de bom enquadramento profissional e social e tem adequado suporte familiar, uma vez que após um divórcio voltou a viver com os pais e tem uma relação afetiva estável que dura há cinco anos.
80. O arguido aufere o vencimento mensal de €1810.13 líquidos, já incluindo o subsídio de alimentação, de renda de casa, de fardamento e os suplementos.
(Do pedido de indemnização civil)
81. Em consequência da conduta do arguido/demandado civil, AA, os demandantes civis realizaram despesas com o funeral da BB, no montante de €2.570 (dois mil quinhentos e setenta euros).
82. Todavia, pelo tocante a tais despesas, a Segurança Social reembolsou os demandantes civis com a quantia de €1.200 (mil e duzentos euros).
83. BB era arrendatária da casa onde vivia com os demandantes civis, seus pais, e que a pertinente renda correspondia a €250 mensais, o que totalizava €3.000 anuais.
84. Tal importância correspondia à sua comparticipação para as despesas da casa e do sustento familiar.
85. Em resultado da conduta do arguido, os demandantes civis ficaram, pois, privados da sobredita quantia, porquanto passaram a ter de suportar o valor dessa renda.
86. BB tinha 30 anos de idade na altura do seu falecimento, trabalhava (era guarda prisional), era saudável e dava-se bem com os seus pais, nutrindo por eles uma afetividade, dedicação e carinho próprios da sua condição de filha.
87. BB foi atingida pelo disparo no dia 06.11.2018, a hora não concretamente determinada, mas cerca das 11 horas; apesar disso, ficou ainda consciente por tempo indeterminado, mas não depois das 11.22 horas, vindo a falecer no dia 06.11.2018, pelas 12 horas e 15 minutos.
88. Desde o momento do disparo, e enquanto se manteve consciente, a BB teve sofrimento, dores e do seu estado de saúde e da aproximação da morte.
89. O seu falecimento ocasionou nos seus pais um enorme e imensurável desgosto, tristeza, angústia, abalo psicológico e depressão.
90. Os demandantes civis tinham um forte sentimento de amor e carinho pela BB, a quem estavam muito afeiçoados, dela recebendo apoio e companhia.
91. Sofreram, assim, um rude golpe com a morte súbita da sua filha, num momento em que, em termos de normalidade, esperavam tê-la na sua companhia por muitos anos.
92. Os demandantes não estavam, ipso facto, preparados para tal evento, sendo certo que ficaram privados de uma pessoa por quem sentiam uma particular afeição e com quem mantinham uma especial relação.
(Da contestação)
93. O arguido é reconhecido no meio profissional, social e familiar onde se insere como um cidadão honesto, cumpridor e humanista.
94. O arguido é tido por um formador de armamento e tiro como pessoa que utiliza as melhores práticas, observando prudência e zelo.
95. O arguido ficou muito combalido do ponto de vista psicológico pelas consequências da sua conduta.
96. O arguido tem tido acompanhamento psicológico.
97. Os demandantes cíveis receberam o valor de €145.000, nos termos do despacho n.º 4209/2019 dos Ministros das Finanças e da Justiça, publicado na 2.ª Série do Diário da República de 18.04.2019.
*
Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos:
i.) Nas circunstâncias descritas no pontos 36. a 38. dos factos provados, o arguido apontou a arma na direção de BB
ii.) BB esteve consciente até à hora data do seu falecimento.
iii) CC nasceu a .../.../1962 e DD nasceu a .../.../1967.
*
Ao demais que foi alegado no pedido de indemnização civil e na contestação não se responde, por conter matéria conclusiva, de direito e/ou irrelevante para a decisão da causa ou, em contradição com a factualidade provada.
*
Indicação, valoração e análise crítica da prova
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados fundou-se na apreciação crítica da prova produzida de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma valoração de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável e com recurso às regras de experiência de vida e da normalidade.
§ 0. Indicação da prova
O Tribunal baseou a sua convicção a partir da valoração do seguinte acervo probatório:
» Declarações do arguido AA, do assistente e demandante cível, CC, e da demandante cível, DD, nos termos que infra se fará referência;
» Foram inquiridas as seguintes testemunhas:
(Arroladas na Acusação Pública) EE, chefe da Guarda Prisional; JJ, agente ...; KK, guarda prisional, a prestar funções no 2.º ... do ...; LL, Inspetor da ... (...); MM, Guarda dos Serviços Prisionais a prestar funções no Grupo ...;
NN, Guarda Prisional...; OO, Guarda Prisional...; PP, Guarda dos Serviços Prisionais¸ QQ, guarda prisional no EP ...¸ RR, guarda prisional do 2º ...;
(Arroladas pelos demandantes cíveis) SS, psicólogo; TT, educadora de infância; UU, engenheira civil;
(Arroladas pelo arguido) VV, ... prisional, exercendo funções como ...; WW, oficial PSP; XX, guarda prisional. » Foi valorada a seguinte prova pericial, sendo considerado o que decorre do artigo 163.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, nos termos do qual presume-se subtraído à livre apreciação do julgador o juízo de natureza técnica, científica ou artística, podendo o julgador divergir desse juízo desde que fundamente tal divergência e a sua convicção o suporte:
i.) Relatório de exame pericial n.º 201826075-FRD, do LPC, constante de fls. 274 e ss.;
ii.) Relatório de exame pericial n.º 201826074 FBA, de fls. 354 e ss. (original a fls. 399 e ss.);
iii.) Relatório de autópsia médico-legal, de fls. 423 e ss. (original a fls. 449 e ss.);
» Auto de diligência e reconstituição do facto, de fls. 209 a 214;
» A prova documental é a vertida nos autos, que se detalhará sempre que se justificar pelo seu relevo probatório relativamente a determinados factos, sendo os que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal, umas vezes pela credibilidade que o próprio teor só por si revela e, outras, em conjugação com outros meios de prova, sendo que todos eles apresentam um teor que se afigura verídico e não foram postos em crise por qualquer outro meio de prova. Aqueles, cujo âmbito conceitual normativo é delimitado pelo artigo 363.º do Código Civil, implicam que se considerem provados os factos materiais deles constantes, enquanto a autenticidade dos documentos ou a veracidade do seu conteúdo não forem, fundadamente, postos em causa.
» Por fim, para além da prova direta dos factos, considerou-se, ainda, a prova indireta relativamente a parte da factualidade objeto de julgamento e que infra será expressamente mencionada. Sobre a prova indireta, entende Euclides Dâmaso Simões1, que o uso da mesma implica dois momentos de análise: um primeiro requisito de ordem material exigirá que os indícios estejam completamente provados por prova direta, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência; posteriormente, um juízo de inferência que seja razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida (dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência).
§ 1. Análise e valoração crítica da prova
O arguido, informado do seu direito ao silêncio, optou por prestar declarações quanto à factualidade que lhe vinha imputada.
No que concerne aos pontos 1. a 24., 26., e 29. a 39., os mesmos resultaram assim provados, desde logo com base no declarado pelo arguido, que confessou expressa e integralmente a sua veracidade, tal como vinham descritos na acusação pública. Mas ainda se realça que, no que concerne ao referido segmento fático, se teve em conta os meios de prova abaixo discriminados (concretamente a prova pericial e documental), decorrendo da análise de cada um, que uns corroboram as declarações do arguido e os outros não as infirmam:
1 In Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205.
- “Manual de Armamento e Tiro”, junto aos autos em anexo autónomo, (quanto aos pontos 3. a 8.);
- “Plano de Formação Anual de Tiro 2018”, junto a folhas 149 a 172 dos autos (quanto aos pontos 9. a 12.);
- Documento junto a folhas 174 (ponto 10.);
- Documentação junta a folhas 278 a 302 (pontos 13. e 14.);
- Autos de apreensão de folhas 141 e 142; relatório de inspeção judiciária do Setor de Perícia Criminalística da PJ de fls.107 a 140 e guias de entrega de fls. 147 e 148 e 183 (pontos 17. a 20.);
- Conclusão do relatório de exame pericial n.º 201826075-FRD, do LPC, constante de fls. 274 e ss. (ponto 30. no que concerne à distância a que o arguido se encontrava de BB).
Mas, acresce ainda que, para além da referida prova, no que concerne à factualidade dos pontos 15., 16., 21., 22., 23., 24., 25., 31., 34., 35. e 37, a testemunha EE apresentou um depoimento coincidente com o declarado pelo arguido, tendo, nesta parte, sido valorado positivamente, por se afigurar que depôs de forma objetiva e revelando conhecimento direto do por si declarado.
*
Foi com base nas declarações do arguido as quais, quer por se afigurarem credíveis quer por terem sido total ou parcialmente corroboradas por outros meios de prova, que a factualidade vertida nos pontos 25., 27. e 28. (que não constava do libelo acusatório), resultou provada.
Em concreto, no que concerne ao telefonema que o arguido afirmou ter recebido, no mesmo sentido depuseram as testemunhas FF e EE, tendo esta última ainda sido coincidente com o arguido quanto à fase da instrução em que se encontravam nesse momento. Mais se valorou o “auto de análise e leitura” feito pela Policia Judiciária ao telemóvel do arguido, junto a folhas 782 e seguintes, do qual consta a receção da referida chamada, bem como a hora e respetiva duração.
As duas pausas que o arguido referiu terem sido feitas (cf. pontos 28.) para BB descontrair e fumar, surgem evidenciadas, quanto a este último ponto, pelo auto de apreensão da roupa da vítima, onde se encontrava um maço de tabaco.
*
Relativamente ao segmento fático vertido nos pontos 39. a 45., embora confessando parte da factualidade aí descrita, o arguido não aceitou que, no momento da formação e circunstâncias ali mencionadas que:
Devia ter feito um qualquer disparo de segurança em direção a qualquer zona limpa e segura;
Devia ter verificado se algum dos carregadores utilizados continha alguma munição, por forma a confirmar por si mesmo que a arma estava descarregada e os carregadores desmuniciados;
Não podia premir o gatilho (após a troca de carregador);
Não manteve o devido desenquadramento de BB;
Não se certificou do alvo antes de puxar o gatilho;
Para a exemplificação da técnica de tiro com troca de carregador, à frente da instruenda, devia ter realizado as manobras de segurança descritas exibindo a arma e os carregadores vazios e só de seguida continuasse a instrução.
Em síntese, o arguido confirmou que, após passarem para o exterior do edifício e antes de se iniciar o exercício de tiro com troca de carregadores, não verificou nem mandou verificar aos presentes, se algum dos carregadores utilizados continha alguma munição, por forma a confirmar que as armas e os carregadores estavam desmuniciados. Contudo, embora aceitando que o poderia ter feito, negou que impendia sobre si tal dever. Justificou, para tanto, que logo no início da formação foram levados a cabo dois procedimentos de segurança, tal como exigido no Manual de Tiro, ambos tendo como objetivo verificar se as armas se encontravam limpas e seguras, explicando que no caso para além de cada um dos três ali presentes verificar a sua arma e carregadores, levaram a cabo o procedimento de segurança de “arma para inspeção”, que consiste em um elemento verificar se, quer a arma quer os carregadores do outro elemento, se encontram desmuniciados. Que, de igual modo, de seguida, todos fizeram um disparo em seco para uma zona limpa e segura, e só após começaram no interior da construção que ali existe o exercício de montagem e desmontagem das armas, colocando-as para o efeito em cima de uma mesa. Porque neste primeiro exercício de montagem e desmontagem de armas os carregadores não eram utilizados, segundo o arguido, os procedimentos de segurança exigidos relativamente aos mesmos já tinham sido levados a cabo e, como tal, não haveria que os repetir antes de iniciar o segundo exercício de troca de carregadores, nem de levar a cabo mais uma vez o disparo a seco para uma zona limpa e segura.
EE, nesta parte, confirmou o declarado pelo arguido, no sentido de que quando chegaram à carreira de tiro, levaram de imediato a cabo todos os procedimentos de segurança, quer relativamente às armas quer aos carregadores. Referiu que, no seu entender, no que concerne aos carregadores, na data não era obrigatório voltar a proceder a nova inspeção/verificação destes, uma vez que, depois da primeira inspeção feita aos mesmos, não voltaram a ser usados no primeiro exercício de montagem e desmontagem de arma.
Quanto ao agora em análise, quer as declarações do arguido quer da referida testemunha não convenceram o tribunal. Isto porque, como se referiu, ambos justificaram a desnecessidade de procederem a novos procedimentos de segurança antes do exercício de troca de carregadores, com o facto de já terem sido inspecionadas as armas, e os carregadores em concreto, e a formação ter sido contínua entre um exercício e outro. No entanto, percebeu-se, pelo que o próprio arguido descreveu quanto ao decorrer da formação que assim não aconteceu, tendo sido feitas três interrupções, as quais, embora por curtos períodos de tempo, exigiam conduta diferente por parte daquele.
Desde logo, o arguido recebeu uma chamada telefónica (ponto 25.), o que implicou, da sua parte uma interrupção. E tal, inevitavelmente, fez com que o arguido perdesse o contacto visual com as armas mas, mais relevante do que isso, perdesse necessariamente a concentração e o foco do que estava a fazer até então, o que resulta demonstrado à saciedade pelo facto de, após tal chamada, não se ter recordado mais da munição que momentos antes estava a manusear.
Para além disso, segundo o próprio arguido, foram feitas duas pausas, as quais apesar de estarem previstas no Plano de Formação Anual de Tiro de 2018 (inclusive estando prevista expressamente a possibilidade do formador autorizar os formandos a fumar – vide página 18 do referido manual) - e como tal não revelarem por si qualquer violação de procedimentos -, no caso implicaram que, pelo menos, a instruenda BB perdesse o contacto visual com a sua arma, ao deslocar-se para o exterior do edificado para fumar. E assim, perante este circunstancialismo concreto de cada uma das três paragens, o arguido, após cada uma delas, teria levar a cabo novos procedimentos de segurança, incluindo a visualização e inspeção dos carregadores e até, acrescenta-se, das munições que cada um tinha consigo.
Aliás, salienta-se que, a testemunha EE, que referiu já não se recordar se naquele dia tinha sido feita outra pausa, para além da motivada pelo telefonema que o arguido recebeu, disse que quando são feitas interrupções nas formações – dando como exemplo, para idas à casa de banho – voltam a repetir-se todos os procedimentos de segurança.
E assim, considerando este circunstancialismo – em que houve interrupções no decorrer dos exercícios – é por demais evidente que o arguido deveria ter levado a cabo novos procedimentos de segurança, o que no caso dos carregadores, se bastava com uma simples verificação ocular, dando, assim, cabal cumprimento, quer ao determinado no Plano de Formação Anual de Tiro, quando aí se manda levar a cabo o procedimento de segurança “sempre que se manuseia uma arma” quer no Manual de Armamento e Tiro, quando aí se determina que “deve ter-se sempre presente que, bem como a observância, entre outras, das seguintes regras: - tratar sempre as armas de fogo como se elas estivessem carregadas, ou seja, como se tivesse uma munição introduzida na câmara; e - as armas devem sempre ser consideradas como carregadas até que se tenha verificado o contrário”.
E, se assim tivesse atuado, o arguido cumpria igualmente a sua obrigação de, antes da exemplificação da técnica de tiro com troca de carregador, à frente da instruenda, realizar as manobras de segurança descritas, exibindo a arma e os carregadores vazios e só de seguida continuava a instrução.
A prova de que o arguido não manteve o desenquadramento devido de BB e não se certificou do alvo antes de puxar o gatilho, resulta inequívoco, quer da explicação dada pelo próprio arguido (que será melhor explanada em sede de fundamentação da factualidade não provada) - ao referir que inconscientemente levou o dedo ao gatilho, o que não deveria ter feito, e deu o tiro antes de estar devidamente posicionado para o efeito -, quer da circunstância de ter atingido o corpo da instruenda, mesmo referindo que não direcionou a arma na direção desta, o que, só por si, e, cremos, que sem necessidade de mais considerandos, é prova segura e suficiente de que aquele não observou regras de segurança, neste caso de posicionamento seguro da instruenda, o que poderia e deveria ter acutelado.
Por fim, relativamente ao segmento fático em apreciação, foram inquiridas as testemunhas KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR. Contudo, não obstante todas as referidas pessoas terem demonstrado experiência nesta área, ora porque ministraram ora porque foram instruendos em formações de tiro semelhantes, nenhuma esteve presente no dia em causa, pelo que, não tendo conhecimento direto e completo da sucessão dos acontecimentos, os seus depoimentos acabaram por não revestir interesse relevante para a descoberta da verdade material.
No que concerne à morte e causas da morte de BB, a mesma está documentada no relatório pericial de autópsia médico-legal (cf. pontos 46 a 48).
Relativamente ao elemento subjetivo do tipo de crime de que o arguido vem pronunciado, importa salientar que, não obstante a negligência pertencer à vida interior de cada um, é possível inferir a sua verificação através de atos exteriores, objetivos, que os revelam, recorrendo a presunções que decorrem das regras da experiência. No caso dos autos, considerando os factos objetivos provados, a confissão do arguido da maior parte dos factos que lhe são imputados, concretamente a assunção da quase totalidade dos factos atinentes ao elemento subjetivo do crime em causa, foi possível ao tribunal concluir pela verificação do mesmo, nos termos vertidos no ponto 49.
Que o arguido atuou nos termos apurados, sabendo que a sua conduta era proibida por lei (cf. ponto 50.), também defluiu das suas próprias declarações, uma vez que o mesmo acabou por revelar tal conhecimento, sendo que tal se afere igualmente pela consideração das suas condutas objetivas praticadas e apuradas, tanto mais que nos autos não consta qualquer elemento que permita colocar em causa o arguido como pessoa de inteligência e determinação de vontade média que, necessariamente, estava na posse das suas faculdades mentais e, por isso, sabia do caráter ilícito da sua conduta e era capaz de se determinar de acordo com o juízo de licitude ou ilicitude que faz.
*
O relatório social fundou a convicção do Tribunal sobre os factos apurados em relação às condições de vida do arguido (cf. pontos 52. a 80.), em articulação com as declarações do próprio em audiência, salientando-se que as fontes desse relatório nele mencionadas se afiguram idóneas para o efeito. Acresce, os depoimentos de EE, NN, VV, WW, OO e XX corroboraram, em parte, o vertido no relatório social, tendo deposto sobre a boa imagem de que goza no seio dos seus colegas e superiores hierárquicos, e fundaram a convicção relativamente à factualidade vertida nos pontos 93. a 96.
Ainda se teve em consideração a cópia do recibo de vencimento do arguido junta a folhas 1068.
*
Quanto ao pedido cível
As despesas tidas com o funeral de BB foram aceites expressamente pelo demandado e constam, ainda do documento junto a folhas 899.
A idade de BB na data do seu falecimento resulta do documento de identificação civil da mesma junto a folhas 106 dos autos.
O assistente CC e a demandante DD depuseram de forma que se afigurou credível, pela forma espontânea e objetiva, com que falaram do percurso de vida do agregado familiar, da dinâmica familiar, da importância de BB no seio familiar, concretamente quer com a ajuda monetária que dava, suportando o pagamento da renda de casa, quer na educação dos seus irmãos mais novos quer ainda no apoio aos seus pais em todos os assuntos da sua vida corrente.
Para além do declarado pelos demandantes no que concerne ao pagamento da renda pela sua filha, ainda se valorou os documentos juntos a folhas 900 e 901, cujo teor não foi impugnado e se afigura como prova idónea relativamente à factualidade vertida nos pontos 82. a 84.
Considerando, ainda, os depoimentos de SS, TT e UU, pessoas amigas dos demandantes e seus conterrâneos, conjugadamente com os documentos juntos a folhas 900 a 904, resultou amplamente demonstrada a factualidade vertida nos pontos 89. a 91.
A factualidade vertida no ponto 87. decorre do documento de folhas 9, que é o certificado emitido pelo INEM relativo à hora da morte de BB e ainda de folhas 449 verso (relatório da autópsia).
Não se tendo apurado o momento em que BB perdeu os sentidos, mas atento o documento emitido pelo INEM e junto a folhas 9, sempre entre as 11.00 e as 11.22 horas, bem como considerando que o projétil lacerou o seu pulmão esquerdo, e que foi a causa da morte, ditam-nos as regras da experiência comum que aquela, após ter sido atingida pelo projétil, ainda se manteve consciente, pelos menos alguns minutos até à falência daquele órgão, alcançou-se a prova de esta, pelo menos durante aquele período de tempo, teve sofrimento, dores e consciência do seu estado de saúde e da aproximação da morte.
*
Volvendo agora a objetiva para os factos não provados, estes resultam da falta de produção de prova consistente sobre a veracidade dos mesmos.
No que concerne à alínea i.) o arguido afirmou que não direcionou nem apontou a arma a BB, explicando que a instruenda ficou colocada de frente para si, mas ligeiramente à sua esquerda. Com este posicionamento, o arguido referiu que sacou da arma, pegou no primeiro carregador, introduziu-o na arma, puxou a corrediça atrás, que ficou presa à retaguarda (não sendo possível disparar a arma), por aquele estar desmuniciado, após o que faz a troca de carregador, olhando para a frente e não para a arma (treino feito no sentido de não perder de visto “o opositor” como em situações reais); liberta a corrediça, esta vai para a frente e neste momento o disparo sai, numa altura em que ainda não estava na posição certa para o fazer (com os braços esticados e empunhadura firme). Explicou que, durante este exercício, tinha a porta à sua frente como ponto de referência (alvo) e não a instruenda, tendo ficado assustado quando o disparo se deu prematuramente. Referiu que apenas consegue explicar ter atingido o corpo da instruenda por não ter uma boa empunhadura da arma no momento em que inadvertidamente faz o disparo, o que fez com que se verificasse uma quebra do ângulo de segurança na trajetória da munição, a qual, nestes casos (por ser destro), tem tendência a fazer um ligeiro desvio para o lado esquerdo. Ainda acrescentou que tal situação – de possibilidade desvio de trajetória - não era à data desconhecida para si.
Nesta parte, conjugadamente com as declarações do arguido, foi valorado o teor do auto de reconstituição de folhas 210 a 214, levado a cabo pela Polícia Judiciária, com base na descrição feita pelo arguido, do qual resulta do teor das fotografias que o integram, uma melhor compreensão do descrito pelo arguido quanto ao posicionamento das pessoas.
Mais se considerou o teor do relatório junto a fls. 368 a 387, elaborado por LL, inspetor da Polícia Judiciária - o qual inquirido em audiência de julgamento, no essencial, depôs de forma coincidente com o ali exarado por si dentro do que a memória lhe consentiu, atento o tempo já decorrido - e do qual consta na página 7 e 8 o seguinte: “conjugadas as medições efetuadas em sede de Inspeção Judiciária, do Exame do LPC às peças de vestuário da vítima e das declarações dos intervenientes nos factos, Chefe EE e Guarda AA, bem como da reconstituição dos factos pelo arguido, procedeu-se a um exame de trajetória do projétil com base nas medições conhecidas e posições indicadas, conforme consta do Apenso I, cujo resultado conclui com relevância a ocorrência do disparo a aproximadamente 2,38 metros, com alguma margem de tolerância em função das variantes ali descritas, em especial a altura da empunhadura, facto leva à conclusão de que estamos perante um disparo ocorrido entre os dois e o três metros. Embora relativamente desfazado, o resultado deste exame é relativamente próximo das versões do arguido e da testemunha, facto que indicia que o disparo ocorreu nas circunstâncias relatadas. Ressalva-se no entanto a questão do enquadramento do arguido com a vítima facto que é adquirido somente em função do depoimento do arguido. Contudo, atenta a posição do projétil no local (entre a posição da vítima e a cápsula), havendo lugar a um desenquadramento dos dois intervenientes, conforme foi relatado, não tendo as posições daquele projétil e cápsula sido alteradas por força do movimento dos presentes até ao início da inspeção, fica-se com a perceção que tal desenquadramento possa não ter ocorrido ou não seja tão evidente quanto o descrito pelo arguido porquanto o projétil fez ricochete na parede do anexo numa trajetória direcionada para a posição do arguido, quando deveria supostamente ter uma direção para o seu lado esquerdo pois este refere estar desenquadrado da vítima para o lado direito. Ainda assim, atenta a descrição da trajetória do projétil no corpo da vítima, fornecida pelo GML de ..., indicando que o projétil atravessou o corpo da região anterior para a posterior, ligeiramente de cima para baixo e da direita para a esquerda (linha média lateral) poderíamos observar aqui uma discrepância na posição da vítima e trajetória do projétil. Contudo, é admissível que a vítima pudesse estar ligeiramente lateralizada e direcionada para o seu lado esquerdo, na direção do instrutor, facto que originaria assim a trajetória identificada e admitiria o referido desenquadramento.”
Ou seja, no que concerne à análise do percurso do projétil, tendo por base o relatório pericial constante do Apenso I, o inspetor LL, não exclui a veracidade da versão apresentada pelo arguido quanto ao posicionamento deste desenquadrado da instruenda BB.
Acrescenta-se que a testemunha MM, responsável técnico pela elaboração do plano anual prático de tiro e pela coordenação das ações de formação nesta área, que mereceu credibilidade por demonstrar conhecimentos técnicos e larga experiência quer em formação quer no que concerne ao manuseamento e “comportamento” das armas, corroborou o arguido, referindo que quando o disparo é feito numa fase em que ainda não há uma empunhadura firme, há um desvio na trajetória do projétil.
Por fim, no que concerne ao depoimento de EE relativamente ao direcionamento da arma pelo arguido, este em julgamento referiu que não podia afirmar se o arguido direcionou a arma à BB, mas no seu entender não o fez. Mais disse que o arguido não apontou a arma à instruenda. A testemunha foi confrontada com o que declarou na Polícia Judiciária no mesmo dia dos factos (cf. fls.180), no sentido de que o arguido “apontou a arma na direção de BB e ao nível do tronco” e com o que declarou também perante a Polícia Judiciária, no dia 15.11.2018, onde relatou que o arguido “apontou a pistola não na direção da BB e ao nível do tronco, facto que não consegue precisar porquanto encontrava-se numa posição lateral. O que consegue precisar é que o AA efetuou um movimento levando a pistola à frente do corpo e ao nível da face não conseguindo inclusive ter capacidade para perceber se ambos estariam desenquadrados”. Perante as discrepâncias verificadas, a testemunha justificou que da primeira vez esteve, logo após o acidente, e sem ter tido qualquer descanso, a ser interrogado até às 23 horas, pelo que, quando foi novamente chamado à Polícia Judiciária passado algum tempo, confrontado com aquele segmento, verificou que não estava correto o que tinha querido dizer e por tal o alterou. Terminou o depoimento em audiência dizendo que atento o seu posicionamento não consegue precisar para onde o arguido direcionou a arma. Perante tal, não o tribunal não pode concluir qual das versões apresentadas pela testemunha corresponde à verdade do que conseguiu ver (ou não), pelo que, naturalmente, não pode valorar positivamente o seu depoimento quanto a este facto.
E assim, da concatenação destes meios de prova, o tribunal não logrou concluir com o grau de certeza mínima que se impunha, que o arguido apontou a arma na direção de BB no momento em que faz o disparo, uma vez que a sua versão não é contrariada por nenhum outro meio de prova, não se podendo afastar a possibilidade adiantada pelo arguido de ter havido o desvio na trajetória do projétil que motivasse que este atingisse o corpo de BB.
Relativamente à factualidade da alínea ii) teve-se em consideração que no momento de chegada do INEM ao local, pelas 11.20 horas, já BB se encontrava em paragem cardiorrespiratória, com 3 na Escala de Coma de Glasgow.
Por fim, quanto à alínea iii.) não foi junto documento idóneo, concretamente certidões civis, para prova de tais factos.
*
Ainda uma nota final para se referir que relativamente aos factos dados como provados nos pontos 25., 27. e 28., que consubstanciam uma alteração não substancial, não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por terem decorrido da defesa do arguido, concretamente das suas declarações prestadas em audiência de julgamento.
***
Recurso do arguido/demandado cível
Insurge-se o demandado cível pelo facto de ter sido condenado a pagar aos demandantes a quantia de 80 mil euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda do direito à vida de BB.
Alega e conclui para tanto que aquele dano foi já indemnizado aos demandantes por força do regime do DL 113/2005 de 13 de julho, tendo estes recebido já recebido a quantia de 145 mil euros pelo que o pedido pelo dano não patrimonial da morte de BB formulado pelos Demandantes é uma duplicação daquilo que já receberam.
Conforme resulta da sentença, entendeu o Tribunal recorrido que a aplicação do regime previsto no DL acima mencionado, e o facto de os demandantes cíveis terem já recebido do Estado a indemnização correspondente ao dano morte da vítima, não colide com a condenação do demandado a indemnizar esse mesmo dano, tendo para tanto referido que, e transcreve-se:
“No que respeita ao dano morte, dano não patrimonial da perda do direito à vida da vítima
Invoca o arguido, e resultou provado, que os demandantes já foram ressarcidos no valor de €145.000 pelo Estado pelo dano morte e, nesta parte o pedido deverá improceder.
O Decreto-Lei n.º 113/2005 de 13 de julho veio estabelecer um novo regime de compensação para danos resultantes dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança inerentes a determinadas profissões, entre as quais as de guarda prisional.
No preâmbulo do referido normativo legal lê-se que “clarifica-se ainda a conexão entre o risco próprio da atividade e os danos elegíveis, adequando-a a um regime que, na prática, substitui um seguro, e a conexão desta compensação com outros benefícios.” No seu artigo primeiro determina-se que “os militares da Guarda Nacional Republicana, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, o pessoal militarizado da Polícia Marítima, o pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o pessoal do Corpo da Guarda Prisional e o pessoal do Corpo Nacional da Guarda Florestal têm direito a uma compensação especial por invalidez permanente ou morte diretamente decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança.” Por sua vez o n.º4 do artigo 7.º do referido diploma legal estabelece que “A aplicação do regime previsto no presente diploma não prejudica ou diminui outros direitos resultantes da aplicação de outras normas legais em vigor em tudo o que aqui não se encontre especialmente regulado.”
Resulta assim, no nosso entendimento que, atenta a natureza da referida indemnização e a previsão expressa do artigo 7.º, n.º4 do diploma supra referido, que o arbitramento de tal quantia não afasta responsabilidade do lesante pelo ressarcimento do dano em causa.”
Ora, com o devido respeito, a interpretação feita pelo Tribunal de 1ª Instância relativamente ao regime do DL 113/2005 não se nos afigura o mais consentâneo com o seu âmbito de aplicação.
Pretendeu o Legislador com aquele diploma, criar um regime de compensação especial a determinados funcionários do Estado – que identifica no seu artigo 1º - por invalidez permanente ou morte diretamente decorrente dos riscos próprios da sua atividade.
Não obstante ter o legislador referido no seu preâmbulo que “clarifica-se ainda a conexão entre o risco próprio da atividade e os danos elegíveis, adequando-a a um regime que, na prática, substitui um seguro, e a conexão desta compensação com outros benefícios.” Não é possível defender no caso a existência de tal regime próprio de um seguro. Na verdade e se atentarmos no regime legal do contrato de seguro, regime esse constante do DL nº 72/2008 de 16 de Abril logo se verifica o cariz contratual de tal vinculação mediante o estabelecimento de obrigações para ambos os contraentes, sendo estabelecido que: “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.” – cfr. artigo 1º do DL supra referido.
No caso, o Estado, não celebrou qualquer contrato de seguro com o seu funcionário, não só porque não é uma entidade seguradora legalmente autorizada – cfr. artigo 16º nº 1 do referido DL, como também não se verifica qualquer obrigação do seu funcionário a pagar o prémio correspondente ao risco.
Mas, ainda que fosse um contrato de seguro, ou que ao caso fosse aplicável o seu regime legal, sempre haveria que ter em conta o disposto no artigo 136.º do mesmo diploma que estabelece o seguinte:
“Sub-rogação pelo segurador
1 - O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.”
No caso dos autos, a vítima, em virtude de pertencer ao Corpo da Guarda Prisional e ter sua morte ocorrido em resultado dos riscos próprios dessa sua atividade, determinou, por força do diploma supramencionado (DL nº 113/2005) que os demandantes cíveis, enquanto beneficiários viessem a receber pela perda do seu direito à vida, o valor de 145.000€.
O que se aprecia agora é o saber se o dano resultante da perda do direito à vida da vítima - o dano morte- cuja indemnização já ocorreu por obrigação legal do Estado em resultado do diploma a que nos vimos referindo, poderá ainda ser considerado em sede de apuramento da obrigação de indemnizar do demandado, e em caso de resposta afirmativa – como deu o Tribunal recorrido – ser fixada nova obrigação de indemnizar.
Conforme resulta do artigo 7º nº 3 do DL 113/2005, quando a morte (…) tenha resultado de acidente de viação imputável a terceiro, e cuja responsabilidade civil esteja transferida ou garantida para entidade seguradora, ou equiparável, fica o Estado sub-rogado nos direitos dos beneficiários da indemnização paga pelo Estado até ao valor dos montantes pagos nos termos deste diploma.
Tal norma permite-nos interpretar o regime do DL 113/2005 de molde a excluir a duplicação da indemnização – pelo menos até ao montante atribuído pelo Estado – pela lesão dos direitos consagrados no diploma.
Na verdade, se a indemnização atribuída pelo Estado aos beneficiários pela perda do direito à vida da vítima fosse acumulável com a indemnização recebida por esses mesmos beneficiários pela perda do mesmo direito da vítima, e da responsabilidade do causador do evento danoso, então não teria sentido o legislador ter consagrado tal impossibilidade ( a duplicação de indemnizações) unicamente para os eventos danosos cuja origem fossem acidentes de viação.
Dito por outras palavras, que razões teria o legislador para entender que somente a indemnização decorrente da invalidez permanente ou a morte do seu servidor originada por acidente de viação por culpa de terceiro cuja responsabilidade civil estivesse transferida para seguradora ou entidade equiparável seria a única legalmente admissível até ao montante por si pago?
Pretenderia que os beneficiários da indemnização pelo dano morte da vítima, no caso deste se verificar por evento danoso com origem em acidente de viação ficassem prejudicados perante outros beneficiários da indemnização pelo mesmo dano cuja vítima tivesse perdido a sua vida por evento danoso de origem diferente?
A resposta só pode ser negativa.
É evidente, o que o legislador entendeu, é que perante a lesão do direito à vida da vítima, haveria lugar a uma única indemnização fosse a lesão desse direito originada por evento danoso resultante de acidente de viação ou de qualquer outra causa, com a particularidade de que, sendo o evento danoso um acidente de viação originado pela culpa de terceiro com a sua responsabilidade civil transferida, o Estado ficaria sub-rogado nos direitos dos beneficiários.
E é nesse entendimento, que o legislador veio consagrar no nº 4 do artigo 7º do DL 113/2005 que “a aplicação do regime previsto no presente diploma não prejudica ou diminui outros direitos resultantes da aplicação de outras normas legais em vigor em tudo o que aqui não se encontre especialmente regulado”, realçando-se aqui a expressão “outros direitos”, ou seja, e no caso dos autos, todos os direitos decorrentes da morte da vítima, com exceção do direito à vida desta, já indemnizado pelo Estado, permitindo ainda o legislador, por força desta norma que o quantum da indemnização pelo dano morte, fixada pelo Tribunal, no caso de ser superior ao valor pago pelo Estado, possa ser objeto de atribuição na parte excedente, com a consequente condenação do responsável na obrigação de indemnizar pelo dano morte, nessa parte.
Ora, no caso dos autos, tendo o Tribunal fixado a indemnização pelo dano morte da vítima em 80 mil euros, e ao mesmo tempo tendo os beneficiários/demandantes cíveis recebido já do Estado 145 mil euros a título de indemnização pelo mesmo dano, haverá que concluir que estariam a receber o valor de 225 mil euros, o que se configuraria como um possível enriquecimento sem causa na parte agora fixada pelo Tribunal.
Assim haverá que julgar provido o recurso do arguido/demandado cível e nesta parte alterar a decisão recorrida.

Recurso dos demandantes cíveis.
Começam os recorrentes por se insurgirem quanto ao facto de o Tribunal não ter dado como provado qual a data do seu nascimento.
Alegam a esse propósito ter havido erro de julgamento pois facultam os autos diversas provas referentes a essa realidade, nomeadamente na identificação dos demandantes ao longo dos autos redigidos nas diversas diligências em que tomaram lugar.
Alegam ainda que estando o seu pedido cível a ser apreciado em sede de processo crime, tal facto haverá de ser dado como provado sem o reconhecimento das exigências específicas do processo civil.
Ora, com o devido respeito, não assiste razão aos recorrentes.
A apreciação do pedido cível formulado nestes autos não se compadece com o alheamento de quaisquer uma das exigências probatórias resultantes da lei civil, e no caso temos lei expressa que impede a livre apreciação da prova tal qual configurada pelo artigo 127º do CPP.
Dispõe o artigo 1º do Código de Registo Civil (CRC) que o registo do nascimento é obrigatório dispondo os artigos 3º, 4º e 211º desse mesmo Código que:
“Artigo 3.º
Valor probatório do registo
1 - A prova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de estado e nas acções de registo.
2 - Os factos registados não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a rectificação dos registos correspondentes.
Artigo 4.º
Prova dos factos sujeitos a registo
A prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos neste Código.
Artigo 211.º
Meios de prova
1 - Os factos sujeitos a registo e o estado civil das pessoas provam-se pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão.”
Não estamos assim perante um erro de julgamento, mas sim perante uma impossibilidade legal de obter a prova relativa à data de nascimento dos demandantes cíveis mediante o recurso a outros meios de prova que não aqueles que o CRC consagra como exigíveis, pelo que, não tendo os recorrentes junto aos autos as suas certidões de nascimento, ou junto os elementos necessários para o acesso à base de dados competente, bem andou o Tribunal ao dar como não provado esses factos, pelo que e nesta parte haverá o recurso que improceder.
Vieram de seguida os recorrentes insurgirem-se por o Tribunal recorrido não ter atendido o seu pedido a título de lucros cessantes pela privação da quantia correspondente ao valor da renda habitacional mensal de 250€, que era suportado pela BB.
Concluem assim que o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 495º nº 3 do Código Civil (CC).
Quanto a este pedido dos demandantes fundamentou o Tribunal recorrido a sua decisão, escrevendo:
“Quanto à indemnização pelos danos patrimoniais
Os demandantes peticionam o valor de €60.000 correspondente ao valor da renda habitacional mensal de €250 que a sua filha suportava.
Mais peticionam o ressarcimento do valor das despesas do funeral que tiveram que suportar no montante de €1370.
Vejamos se tais valores indemnizatórios devem proceder.
O artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil prescreve que “Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Pelo que se deve ter como formulado pelos demandantes pedido indemnizatório, a título de danos patrimoniais futuros, na perspetiva de perda de alimentos.
Como se vem entendendo, no citado n.º 3 contempla-se, em caso de morte da vítima – vertente que aos autos importa - o direito a indemnização por danos patrimoniais futuros, jure proprio, por perda de alimentos, cuja prestação incumbia à vítima.
Compreendendo-se entre as pessoas a quem se prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural, o filho que os presta aos pais, sendo que esse direito não nasce em virtude da herança da vítima, antes do dever imposto por lei ao lesante, e à margem, pois, do direito sucessório.
Razão pela qual a lei concede às pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado só, e apenas, o direito de indemnização do dano da perda dos alimentos- que este, lesado, lhes teria de prestar, se vivo fosse.
A necessidade de prestação de alimentos – encarada esta como dano patrimonial futuro, previsível – surge, porque cessa a prestação realizada/efetivada por quem a cumpria/efetuava, e que em princípio, continuaria a ser exigível, ou simplesmente prestada, caso o lesado falecido pelo facto ilícito fosse vivo.
Excluindo-se, desta feita, qualquer outro direito patrimonial futuro, v.g., a título de lucros cessantes.
Nos termos do artigo 2009.º do Código Civil estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada, o cônjuge ou o ex-cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os irmãos.
À pergunta sobre se têm direito a indemnização por danos patrimoniais apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo, a resposta é afirmativa.
O referido direito de indemnização deve ser apurado com base no prejuízo derivado da perda de direito a exigir alimentos que teria o lesado se o obrigado vivo fosse, nos termos dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil; não sendo o seu cálculo feito em função restrita da própria medida de alimentos.
O direito de indemnização atribuído aos lesados indiretos na hipótese prevenida no n.º 3 do artigo 495.º tem, como qualquer outro, a medida estabelecida nos artigos 562.º e ss., devendo o quantum dessa indemnização repor a situação que existia no momento da lesão, conforme artigos 562.º, 564.º e 566.º, do CC.
A indemnização neste âmbito visa ressarcir o interessado pela perda dos proventos que a fonte de rendimentos que cessou (pela lesão ou morte do obrigado) lhe proporcionaria. A medida da indemnização será determinada (tendencialmente) pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que o interessado poderia receber do lesado.
Como resulta da materialidade apurada, BB comparticipava mensalmente com o valor €250, a titulo de pagamento da renda da casa onde o agregado familiar vivia e do qual ela fazia parte.
Salvo devido respeito por opinião contrária não se afigura que o referido valor possa consubstanciar uma obrigação de alimentos natural a que alude o
Tal comparticipação encontra-se prevista no artigo 1874.º, n.º2 do Código Civil nos termos do qual pais e filhos devem-se mutuamente assistência, compreendendo o dever de assistência a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, com os próprios recursos para os encargos da vida familiar.
Diferentemente será a obrigação daquela em prestar alimentos aos pais, que serão devidos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, ao seu próprio sustento, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
E assim, não obstante BB na data da sua morte ainda viver com os seus pais e contribuir com o referido valor para a economia do agregado familiar do qual fazia parte – na modalidade de pagamento da renda habitacional – para que se afira da necessidade destes pais, ora demandantes, em receberem alimentos para fazerem face às suas elementares necessidades diárias, cabia-lhes o ónus de alegar factos demonstrativos da sua situação de carência económica e, consequentemente, de terem direito a receber da sua filha, a título de alimentos, o referido montante. Faltando esse requisito, por falta de alegação e prova – o da necessidade dos demandantes receberem alimentos da sua filha – deve improceder, nesta parte o pedido cível.”
Ora, na verdade, nenhuma censura é possível fazer à decisão do Tribunal recorrido, sendo claro que o artigo 495º nº 3 do CC confere o direito a serem indemnizados aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, o que significa, no caso dos autos, que o pagamento do montante mensal de 250 € por parte da vítima a titulo de pagamento da renda de casa onde esta e os seus pais viviam, para que fosse considerado obrigação alimentar haveriam os recorrentes que alegar e provar que esse recebimento tinha como fonte a sua incapacidade económica. Ora, tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 20-10-2009, proferido no processo nº 85/07.9TCGMR.G1, disponível em www. dgsi.pt, o reconhecimento e atribuição de alimentos àqueles que os podem exigir não depende da prova em concreto de que, ao tempo da verificação do facto danoso, estivessem a recebê-los" sendo "suficiente, para tal efeito, a demonstração de que, à data do facto danoso, se estava em situação de legalmente exigir os alimentos, o que não aconteceu nos autos.
Tal como configurado pela factualidade provada nos autos, a contribuição mensal da vítima, filha dos recorrentes e que com eles vivia em comum, integra-se no âmbito do seu dever de assistência previsto no artigo 1874º nº 2 do CC consistindo no dever de contribuir durante a vida em comum para os encargos da vida familiar, obrigação essa que cessou com a sua morte e consequentemente com a vida em comum estabelecida com os recorrentes.
Assim e com o devido respeito, bem andou o Tribunal ao entender não haver no caso lugar à atribuição de uma indemnização pelos lucros cessantes peticionados pelos recorrentes.
Por fim, vieram os recorrentes insurgirem-se quanto aos montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal e referentes aos danos não patrimoniais peticionados, a saber, o dano morte, os danos morais sofridos pelos recorrentes e o dano moral sofrido pela vítima decorrente do seu sofrimento até ao momento da morte.
Vejamos então.
Quanto ao dano morte, conforme já referimos a propósito do recurso do demandado, tendo tal dano sido indemnizado pelo Estado ao abrigo do disposto no DL 113/2005, no montante de 145 mil euros, apenas será de apreciar em sede do presente recurso se é ou não devida a atribuição de uma indemnização de valor superior – atento terem os recorrentes peticionado nos autos o valor de 160 mil euros.
Conforme resulta da sentença dada a recurso, entendeu o Tribunal, face aos factos assentes, que o valor da indemnização pelo dano morte seria fixado no montante de 80 mil euros, referindo a esse propósito o seguinte:
“Quanto ao dano da perda do direito à vida, já desde o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.03.1971 (BMJ, 205, p. 150), é pacífico que “a perda do direito à vida por morte ocorrida em acidente de viação é passível de reparação pecuniária, que o direito a esta reparação se integra no património da vítima e que, por morte desta, transmite-se aos seus herdeiros”.
Conforme enunciam Gomes Canotilho e Vital Moreira17, “o direito à vida (…) é o primeiro dos direitos fundamentais constitucionalmente enunciados. É, logicamente, um direito prioritário, pois é a condição de todos os outros direitos das pessoas. Ao conferir-lhe uma proteção absoluta, não admitindo qualquer exceção, a Constituição erigiu o direito à vida em direito fundamental qualificado. (…) O direito à vida significa, primeiro e acima de tudo, direito a não ser morto, de não ser privado da vida.”
Sobre os critérios para a quantificação, a doutrina e jurisprudência não são unânimes. Se, para uma tese, deve atender-se à idade da vítima, ao seu estado de saúde e a outros fatores pessoais, designadamente o seu relacionamento social e familiar, projetos e atividades, outros sustentam que “o prejuízo é o mesmo para todos os homens. (…) A indemnização deve ser a mesma para todos”, que teve acolhimento, designadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.09.2013 (proc. 1/12.6TBTMR.C1.S1), no qual foi decidido que “o dano morte não se confunde com os danos não patrimoniais, sendo um valor a obter pela equidade e tendencialmente fixo, dado que o valor vida é sempre igual é adequado fixar o valor do dano morte em €65.000,00”.
Salvo o devido respeito, afigura-se que, se é certo que, tendencialmente, o valor da vida humana é igual para todas as pessoas, na medida em que um dos critérios de fixação da indemnização é o da equidade, na conformação desta deverá atender-se ao conjunto dos fatores da personalidade da vítima, entre os quais, necessariamente, o da idade, já que, em termos pragmáticos, a expetativa do número de anos de vida de uma pessoa de 30 anos é distinta da expetativa do número de anos de vida de uma pessoa de 70 ou 80 anos, conjugando esta com o estado de saúde e outros fatores pessoais. Assim, na fixação do valor da indemnização e na conformação do critério geral de equidade (artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil), o julgador também deve recorrer aos critérios previsto no artigo 494.º, do mesmo Código, se os mesmos forem passíveis de aplicação, não deixando de comparar o caso concreto com situações análogas ou próximas que tenham sido objeto de ponderação em decisões judiciais proferidas pelos Tribunais Superiores, bem como, igualmente, os critérios enunciados na Portaria nº 377/08, de 26 de maio, com as alterações introduzidas pela Portaria nº679/2009, de 25 de junho, que embora não sejam vinculativos para a decisão do Tribunal (os valores constantes do anexo II têm uma aplicação extrajudicial), afigura-se que não podem deixar de também serem incluídos, designadamente como referência ou fator de orientação, na decisão ponderada e conjugada de todos os elementos. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25.02.2009 (proc. 3459/08), a saber: “(…) os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, fatores preordenados, fórmulas em forma abstrata e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e tal como acontece com qualquer outro método que seja expressão de um critério abstrato, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objeto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo”, ou seja, assumindo um caráter instrumental.
A vítima dos presentes autos tinha, à data da morte, 30 anos de idade. A esperança média de vida em 2018 era de 83 anos para pessoas do sexo feminino.
“Da análise da jurisprudência do S.T.J. dos últimos anos resulta a consolidação do entendimento de que o dano pela perda do direito à vida se situa, em regra e com algumas oscilações, entre os €50.000,00 e €80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00”.
Assim, atendendo a que o óbito ocorreu na sequência de um acidente em que não houve culpa concorrente da vítima, que esta vivia com a sua família de origem, era uma jovem adulta saudável, feliz e ativa e poderia viver pelo menos mais 50 a 53 anos, afigura-se justo e equitativo fixar a indemnização de €80.000 (oitenta mil euros), a indemnização pela perda do direito à vida, a qual é igualmente repartida pelos dois demandantes.”
Ora, a tutela do direito à vida, material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto, encontra-se reconhecida no art. 70º, do CC e no art. 24.º da Constituição da República Portuguesa.
Compreende-se, assim, que a nossa ordem jurídica imponha a terceiros deveres de omissão, e nalguns casos deveres de ação, de molde a evitar a lesão ou o risco de lesão desse bem fundamental e que a lesão desse direito absoluto deva implicar a indemnização do dano correspondente.
Na aferição do quantum a atribuir, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve apreciar, essencialmente, se foram observados os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, de molde a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade, dando assim satisfação ao comando legal do art.º. 8º, nº3, do CC.
Ora, da análise da jurisprudência do Supremo Tribunal colhe-se a orientação de que a indemnização do dano pela perda do direito à vida se situa, em regra, em valores que oscilam entre os €50.000,00 e os €80.000,00 (v., entre outros, os acs. do STJ de 4/6/2020, processo nº 2732/17, de 11.4.2019, processo nº 465/11.5TBAMR,G1.S1, de 21.3.2019, processo nº 20121/16.7T8PRT.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e a jurisprudência aí citada).
Nesta conformidade, afigura-se-nos que a indemnização fixada pelo Tribunal recorrido está de acordo com os padrões jurisprudenciais adotados, razão pela qual não se altera a mesma, o que tem o alcance de significar que estando compreendida no valor pago pelo Estado – 145 mil euros – não será o demandado condenado a este título.
Quanto à indemnização atribuída pelo Tribunal em resultado dos danos morais sofridos pela vítima até ao momento da sua morte, entendem os recorrentes que deveria ter sido fixada uma indemnização de 30 mil euros, e não de 15 mil euros tal qual fixou o Tribunal.
Porque, como acabamos de referir, cabe a este Tribunal de recurso aferir os critérios definidos pelo Tribunal recorrido para a fixação do montante indemnizatório, vejamos o que foi escrito na sentença recorrida a este respeito:
“Relativamente ao dano sofrido pela vítima antes da sua morte
Quanto aos danos não patrimoniais próprios da vítima, resultou provado que a morte desta ocorreu na sequência do trajeto intra-parenquimatoso do projétil com destruição de parênquima entre as duas lacerações pulmonares, atingindo estruturas vitais (pulmões) – cf. relatório de autópsia - o que levou a um colapso pulmonar.
E assim, BB sofreu dores físicas para além das que terá sentido com a perfuração do tórax, e que sentiu angústia com o aproximar da morte, mesmo que por breves minutos. E assim, como referiu o STJ (processo n.º290/07.8PATNV.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.) “excetuados os casos em que a morte surge instantaneamente, a vítima “in casu” tomou consciência, sentiu, os resultados da colisão no hiato temporal, de alguns minutos, aos quais se seguiu a morte, sofrendo angústia e tendo medo da morte após a prática daquela manobra da maior negligência, integrante de culpa exclusiva do arguido, e que se traduziram em danos não patrimoniais, de agressão “in persona”, que estão a coberto da obrigação de indemnizar, portadores como são de gravidade pressuposta no art.º 496.º , n.ºs 1 , 2 e 3 , do CC , justificativos de uma satisfação de índole pecuniária ao lesado , por força do art.º 483.º n.º 1 e 562.º n.º 1 , do CC”.
Cumpre, então aferir do valor a arbitrar.
Conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 13-12-2017, proc. 07A3927), “a nível de danos não patrimoniais o dano morte é o máximo dos danos, pelo que a fixação de uma indemnização compensatória pelo sofrimento que antecede a morte deve ser fixado em termos inferiores àquele, devendo ter-se em conta uma multiplicidade de fatores que vão, por exemplo, desde a angústia de ver antecipadamente a morte como resultado inevitável, o estado físico em que ficou o lesado, o grau de sofrimentos físicos registados, e o tempo de duração até à chegada da morte e a concorrência de culpa ou risco para o respetivo resultado”. No mesmo sentido, o Acórdão do STJ, de 04-06-2008, proc. 1618/08-3.ª, decidiu que “os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte”.
A jurisprudência tem fixado valores díspares para o dano pré-morte sofrido e sentido pela vítima, sabendo que não há qualquer valor passível de reparar a perda de uma vida ou a dor sofrida, o Tribunal tem de procurar fixar um montante equitativo e que acompanhe a jurisprudência maioritária, designadamente tendo de considerar o período temporal em que a vítima sofreu e teve a perceção da morte (in casu, como se referiu, não foi possível apurar o período em que a vítima teve essa perceção, sendo que, não obstante o seu óbito tenha sido declarado pelas 12.15 horas, aquela já se encontrava em estado comatoso desde, pelo menos as 11.22 horas, atento o valor verificado nessa hora na Escala de Coma de Glasgow).
Há jurisprudência que incide sobre casos em que a vítima apenas sobreviveu algumas horas e outros em que a vítima foi sujeita a intervenções médicas e cirúrgicas, com agonia, durante dias e até meses). A título exemplificativo, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 03.11.2016 (proc.nº 6/15.5T8VRF.P1.S1), arbitrou a quantia de €20.000 para sua indemnização perante os seguintes factos: vítima sofreu dores intensas e graves lesões; suportou cerca de 23 dias de clausura hospitalar; sofreu dolorosos tratamentos; perspetivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.
Como se referiu, não resultou, provado qual o tempo que BB esteve consciente depois de ter sido atingida pelo projétil, mas sempre terá sofrido dores físicas para além das que terá sentido com a perfuração e terá sentido angústia com o aproximar da morte, mesmo que esta tenha ocorrido minutos após o momento em que foi atingida.
Nestas circunstâncias e considerando os critérios e valores que têm vindo a ser fixados pelos tribunais superiores (cf., por exemplo, o Ac. do STJ de 22/02/2018, proferido no processo 33/12.4GTSTB.E1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt), este dano deve ser fixado em €15.000 (quinze mil euros), a qual é repartida pelos dois demandantes.”
Ora, também aqui procurou o Tribunal encontrar na jurisprudência um montante indemnizatório que se encontrasse alinhado com decisões semelhantes, o que nos leva a subscrever integralmente tal decisão, sendo certo que o quantum indemnizatório arbitrado na sentença afigura-se ajustado à factualidade assente, especialmente ao facto de não se ter apurado qual o grau e o tempo em que a vítima conseguiu ter perceção dos danos que sofreu, a sua gravidade e das dores inerentes aos mesmos.
Assim e por não nos merecer qualquer censura, mantém-se a decisão do Tribunal recorrido nesta parte.
Por último, vieram os recorrentes peticionar o aumento do montante indemnizatório fixado a titulo dos seus danos morais sofridos pela morte da sua filha.
Peticionaram para o ressarcimento deste dano o montante de 50 mil euros, sendo que o Tribunal fixou tão somente 30 mil euros, 15 mil euros para cada um dos recorrentes.
Seguindo o mesmo critério de apreciação, vejamos como fundamentou o Tribunal recorrido a determinação do quantum indemnizatório destes danos:
“Danos não patrimoniais sofridos demandantes
No que concerne aos danos não patrimoniais próprios dos demandantes é inquestionável que, de entre todas as relações familiares, aquelas que se estabelecem entre pais e filhos são das mais fortes, pelo que a perda de um filho constitui um dano gravíssimo que não pode deixar de merecer a tutela do direito.
A tal propósito, ficou provado que a vítima e os demandantes mantinham uma fortíssima ligação afetiva, que ficaram privados da sua presença, do seu carinho, do seu contacto e que sentem continuadamente a sua ausência.
Em suma, o desaparecimento prematuro da filha privou os demandantes de viver o resto da sua vida e envelhecerem sem a companhia da sua filha e contar com o apoio e carinho desta nos tempos vindouros.
Conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. 15-04-2009, proc. 08P3704), “É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os fatores subjetivos, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”. O mesmo aresto explicita que “(…) IX - No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de afeição a quem a lei concede reparação quando pessoalmente afetadas, por isso, nesses sentimentos. X - Neste caso, os danos destas vítimas “indiretas” emergem da dor moral que a morte pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure próprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos, na falta destes, aos pais, e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem – art. 496.º, n.º 2, do CC. XI - Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o desgosto provocado pela morte do ente querido. XII - A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano – cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230. (…) XV - É pacífico que um dos fatores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização. XVI - Na sua determinação «há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou» – cf. Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13”.
Atendendo à relação de parentesco entre a vítima e os demandantes (filha e pais), à circunstância de terem uma particular relação de proximidade, de convivência comum, à idade da vítima, fixa-se o valor indemnizatório de €15.000 (quinze mil euros) para cada um dos demandantes.”
Ora, perante a fundamentação acabada de transcrever, também aqui se nos afigura não haver qualquer tipo de censura a fazer à fixação do quantum indemnizatório, tendo o Tribunal atendido, como era seu dever, à especial ligação existente entre a vítima e os recorrentes e a todo o sofrimento que o seu desaparecimento lhes causou, ficando assim privados da companhia da sua filha durante o resto das suas vidas.
Neste quadro, há que reconhecer que o Tribunal recorrido ponderou devidamente os critérios normativos que devem pautar a fixação da indemnização, quanto ao apontado dano, pelo que nenhuma censura merece o decidido.

3 - Decisão
a) Pelo exposto, julga-se provido o recurso do demandado/arguido e consequentemente revoga-se a decisão condenatório do mesmo a pagar aos demandantes o valor de 80 mil euros a título de indemnização pelo dano morte da vítima, mantendo-se na parte restante a decisão condenatória do mesmo.
b) Julga-se não provido o recurso dos demandantes.

Custas pelos demandantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 uc’s

Porto, 16 de março de 2022

Raul Esteves
Amélia Catarino