Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
178/11.8TAARC-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CRAVO ROXO
Descritores: ESCUSA
NAMORO
Nº do Documento: RP20141105178/11.8TAARC-A.P1
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE PENAL
Decisão: DEFERIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Constitui motivo sério e grave, fundamento do pedido de escusa, a existência de uma relação de grande proximidade (namoro) entre a juiz e o advogado de uma parte do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 178/11.8TAARC.P1
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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 178/11.8TAARC, do (agora extinto) Tribunal de Arouca (hoje Núcleo de Arouca do Tribunal da Comarca de Aveiro), a Meritíssima Juíza Dra. B…, a quem o mesmo foi distribuído para julgamento, veio deduzir junto desta Relação o incidente de escusa, invocando que a requerente mantém um relacionamento pessoal de grande proximidade (namoro) com o mandatário do demandante nos referidos autos.
E assim, nos termos dos Arts. 43º, nº 1 e nº 4, 45º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal e 119º, nº 2, do Código de Processo Civil, vem solicitar a este Tribunal da Relação a sua escusa; aduz ainda que se trata de salvaguardar a sua imparcialidade, que não gostaria de ver posta em causa no exercício das suas funções, as quais pretende exercer com a maior das dignidades.
Juntou certidão do processo principal, para ilustrar este apenso de escusa.
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Decidindo:
Nesta questão (pedido de escusa), dispõe o nº 4 do Art. 43º, do Código de Processo Penal, que o juiz pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir, quando se verificarem as condições dos seus números 1 e 2.
Ora o nº 1 daquele aresto legal determina que "a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade".
O motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar de objectiva justificação, avaliando as circunstâncias invocadas pela requerente, não pelo convencimento subjectivo desta, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstâncias, a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador; o que importa é, pois, determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade pode, fundadamente, suspeitar que o juiz, influenciado pelo facto invocado, deixe de ser imparcial e injustamente o prejudique, ou beneficie (Ac. da Rel. do Porto, de 13.1.2010).
É, assim, imprescindível a ocorrência de um motivo sério e grave, do qual resulte inequivocamente um estado de forte desconfiança sobre a imparcialidade do juiz (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro), a avaliar objectivamente.
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Tem-se presente o texto do Acórdão do Supremo Tribunal, proferido em 14 de Julho de 2004 (processo nº 2837/04), no qual o nosso Alto Tribunal decide: “na ponderação dos motivos relevantes do pedido de escusa de magistrado judicial, deve ser avaliado, não só o aspecto da imparcialidade subjectiva, mas ainda, face à nova sensibilidade e à atenção redobrada dos cidadãos perante o modo de administração da Justiça, o da imparcialidade objectiva; esta impõe a averiguação, independentemente da conduta do juiz, da existência de factos que permitem pôr em causa a imparcialidade; nesta matéria, podem as aparências revestir importância, tendo em conta a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem inspirar”.
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Fazendo ainda uso das palavras sábias do Ac. do S.T.J., proferido em 18 de Janeiro de 2007 (www.dgsi.pt, nº SJ200701180001635), diremos que ninguém pôs ou põe em dúvida a imparcialidade da Senhora Juíza requerente que, se porventura se lhe impusesse julgar esta pendência, o faria justa e despreconceituosamente, apesar da relação pessoal estreita que mantém com o mandatário nos referidos autos.
No entanto, a Ilustre requerente não quererá – compreensivelmente – correr o risco de, inconscientemente, vir a utilizar a favor da parte patrocinada pelo seu namorado, para evidenciar a sua imparcialidade, de um critério menos rígido que o habitual, ou mais rígido para com o mesmo mandatário e seu representado; nem o de, subconscientemente, vir a usar, a seu favor ou contra ele, o conhecimento que possa ter, mercê da sua relação de grande proximidade, das suas virtudes e fragilidades; nem ainda quererá sujeitar-se ao perigo de a sua decisão, se favorável ao referido mandatário, poder vir a ser acusada de haver sido influenciada (ou como tal sentida) pelo estreito relacionamento pessoal entre o juiz e um dos mandatários.
E havendo essa relação de proximidade pessoal, está verificado o motivo sério e grave que a lei processual exige.
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Nestas circunstâncias rigorosas, aderindo-se ao pedido da própria senhora Juíza e às suas boas razões (Art. 43º, nº 1 e nº 4, do Código de Processo Penal), justificar-se-á que se autorize esta a afastar-se da decisão da causa que lhe tocou.
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Decisão.
Tudo visto, esta Relação, reunida em conferência para o apreciar, delibera deferir o pedido de escusa de intervenção da Meritíssima Juíza B…, no processo nº 178/11.8TAARC, do (extinto) Tribunal de Arouca (hoje Núcleo de Arouca do Tribunal da Comarca de Aveiro).
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Porto, 05/11/2014
Cravo Roxo
Álvaro Melo