Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
801/10.1TAESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CRAVO ROXO
Descritores: BURLA QUALIFICADA
MODO DE VIDA
CRIME CONTINUADO
Nº do Documento: RP20151209801/10.1TAESP.P1
Data do Acordão: 12/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Entende-se como fazendo “ da burla modo de vida” – circunstancia qualificativa prevista no artº 218º2 b) CP - não apenas a entrega habitual à burla que se basta com a pluri-reincidência, mas fundamental é também a reiteração dos crimes, que representam e fornecem os réditos principais do arguido.
II – No crime continuado a unificação das diversas condutas numa só (continuada) resultará da unidade do fim, desígnio ou planeamento do crime, com aproveitamento de semelhantes ocasiões exteriores de execução, resultando este contexto de uma diminuição considerável da culpa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 801/10.1TAESP.P1
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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 801/10.1TAESP, do 1º Juízo, 1ª Secção Criminal, Instância Central da Comarca do Porto, foi o arguido B… julgado em Tribunal Colectivo.
Realizado o julgamento, foi proferida a seguinte decisão:
a) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º e 218º, n.º 1 e n.º 2, al. b) ambos do Código Penal (por referência ao ponto I), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
b) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.ºs 217º e 218º, n.º 2, al. b) ambos do Código Penal (por referência ao ponto II) na pena de 2 (dois) anos de prisão.
c) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.ºs 217º e 218º, n.º 2, al. b) ambos do Código Penal (por referência ao ponto III) na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
d) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º e 218º, n.º 2, als. a) e b) ambos do Código Penal (por referência ao ponto IV), na pena de 3 (três) anos de prisão.
e) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º e 218º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e b) ambos do Código Penal (por referência ao ponto V), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão.
f) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º e 218º, n.º 1 e n.º 2, al. b) ambos do Código Penal (por referência ao ponto V), na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) de prisão.
g) Absolver o arguido B… da prática de um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1 do Código Pena.
h) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, als a), c) e e) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
i) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos art.ºs 256º, n.º 3, por referência aos art.ºs 255º, al. a) e 256º, n.º 1, als. c) e e) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
j) Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido B… na pena única de 7 (sete) anos de prisão efectiva.
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Desta decisão, recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso:
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A - Inexistência da circunstância qualificativa "modo de vida" determinante para a qualificação da burla:
I - O Tribunal a quo socorre-se do artigo 218.°, n.° 2 do CP para qualificar o crime de burla por entender que o recorrente fazia da sua prática modo de vida;
II- Os factos criminosos que constam dos autos são tão separados no tempo - Junho de 2010, Janeiro de 2011, finais de 2011, Outubro de 2013 e Fevereiro de 2014 - que não têm o mínimo contacto com uma realidade conceptual do princípio do modo de vida.
III- O Tribunal a quo qualifica as condutas como modo de vida também pela ausência de declarações de rendimentos "(...) até porque provado ficou que desde o ano de 2007 que o recorrente não apresentou qualquer declaração de rendimentos e não efectuou descontos para a Segurança Social, não se encontrando vinculado a qualquer entidade empregadora desde Abril de 2007."
IV- A falta de apresentação de declarações fiscais, embora possam conduzir a violações fiscais relativas à falta de entrega das declarações de rendimentos, não podem consubstanciar ou até indiciar a prática de um modo de vida criminoso.
V- Além disso, afigura-se ainda de maior gravidade o facto do Tribunal a quo fundamentar esta questão com processos que foram arquivados por desistência de queixa e, deste modo, não ter sido afastado o velho princípio que recai sobre o recorrente de in dúbio pro reo.
VI- Ou seja, aproveitou o Tribunal a quo processos cuja responsabilidade criminal não se apurou - por desistência de queixa - para fundamentar a qualificação do crime de burla.
VII- E, assim, o recorrente foi condenado pelo crime de burla qualificada, sendo esta qualificação baseada no modo de vida do recorrente que, como vimos, não tem qualquer razão de ser, mormente nas decisões vertidas nos pontos a), b), c) e f) do douto acordão.
VIII- Caso de burla simples estamos na presença de uma moldura penal até três anos de pena de prisão, enquanto que no caso de burla qualificada numa pena de prisão de dois a oito anos.
IX- E, assim, desde já se requer que as decisões supra identificadas devam ser tidas com base na moldura penal do crime de burla simples.
B - da consideração de burla simples para a desistência de queixa
X- Acresce ao que foi dito, que inexistindo a qualificação do crime de burla, o recorrente jamais poderia ser punido pelo crime constante no ponto II dos factos provados - vide pág. 267 dos autos e págs. 61, 62. 63 e 91 do douto acórdão.
XI- Com efeito, o crime de burla simples previsto e punido pelo artigo 217.° do CP é um crime semi-público, ou seja, admite desistência de queixa.
XII- Consta dos autos a pág. 267 dos autos e 61, 62, 63 e 91 do douto acórdão, C… e D… declararam nos autos desistir da queixa apresentada contra o recorrente.
XIII- E tal desistência foi rejeitada, tal como foi vertido na pág. 63 do douto acórdão, porque se estava na presença de um crime de natureza pública e o recorrente fazer da burla um modo de vida.
XIV- Não resultou provado que o recorrente fez da burla modo de vida; e, assim, não poderia tal crime constituir natureza pública.
XV- A desistência de queixa deveria ter sido aceite, atenta a natureza semi- pública do crime aqui em causa.
XVI- E assim fosse, como é de elementar justiça, a condenação por este processo não entrava para o cúmulo jurídico da pena aplicada ao recorrente.
XVII- Face ao exposto, a desistência de queixa supra identificada deve ser aceite e. consequentemente, o crime constante do ponto II do Douto acórdão não ser considerado para efeito de cúmulo jurídico.
C - concurso aparente entre os crimes de falsificação de documento e o crime de burla
XVIII- Quanto a este ponto da factualidade dada como provada, vem o Douto acórdão, nas págs. 59 a 61, 83, 84, 85, 90 e 91, condenar o recorrente por burla qualificada a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por falsificação de documento simples a 6 (seis) meses de prisão e pelo crime de falsificação de documento agravado a 1 (um) ano de prisão.
XIX- Em síntese, os factos dados como provados e consequentes crimes praticados são os seguintes:
Burla
O recorrente exibiu um imóvel a E… dizendo que o mesmo pertencia a F… com o propósito de o vender;
E… acreditou que o recorrente estava em representação de F…;
O recorrente apresentou um contrato promessa a E… que acedeu a assinar;
E… entregou ao recorrente um cheque de 8.000€;
- O recorrente sabia que não podia vender o imóvel porque não detinha autorização do proprietário;
Falsificação de Documento
- O recorrente elaborou um contrato promessa, apondo ou mandando apor no mesmo, as palavras "F…", como se da assinatura dele se tratasse e entregou-o ao E… para que este o assinasse na qualidade de promitente comprador;
Falsificação de Documento Agravado
- E… entregou o dito cheque de 8.000€;
- O recorrente ou alguém a seu mando apôs no verso do cheque os dizeres "F…", como se da assinatura deste se tratasse;
-O recorrente usou da assinatura de F… sem o seu consentimento.
XX- Face aos factos supra descritos e tidos como provados, os crimes de falsificação cometidos pelo recorrente foram o meio com que cometeu o crime de burla.
XXI- Uma falsificação de escritos utilizados unicamente como meio de burlar alguém, está em concurso aparente (é consumida pelo) com o crime de burla (crime-fim), devendo a punição deste concurso ser encontrada na moldura penal mais grave, na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida da pena." - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.° 4395/03.6TDLSB.L1-5 de 29-06-2010 in www.dgsi.pt.
XXII- Neste sentido escreve Paulo Pinto de Albuquerque: "Há concurso aparente (consunção) entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla ou qualquer outro crime que tenha sido preparado, facilitado, executado ou encoberto por intermédio de documento falso, tendo o legislador propositadamente afastado a jurisprudência dos acórdãos de fixação de jurisprudência do STJ de 19/02/1992 e 8/2000 (...)."
XXIII- Assim, por encontrarem em concurso aparente, outra decisão não se espera que não seja a do crime de burla consumir o crime de falsificação, o que desde já se peticiona.
D - Do crime continuado
XXIV- O recorrente vem acusado de ter cometido, em autoria material e concurso efectivo, três (3) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, ais. a) e b) do Código Penal (CP), um (1) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, al. b) do CP, dois (2) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, al. b) do CP, um (1) crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.° e 256.°, n.° 1, ais. a), c) e e) do CP, um (1) crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.° e 256.°, n.° 2 do CP.
XXV- O recorrente, a ser condenado com decisão transitada em julgado, apenas pode ser punido por um crime (continuado), ou seja, um crime de burla qualificada.
XXVI- Atendendo à circunstância do crime de burla consumir o de falsificação, a punição pelo crime continuado deve ser a de mais elevada moldura penal, que é o da burla qualificada.
XXVII- Encontramo-nos diante de uma pluralidade de factos aos que, por força da lei, corresponde uma unidade de acção e portanto o tratamento como um único crime, ou seja, a actuação imputada ao recorrente consubstancia a previsão legal do crime continuado.
XXIX- As resoluções concebidas a concretizadas pelo recorrente estão entre si umbilicalmente relacionadas, estão numa relação de continuidade e interdependência, inserem-se numa rotina de procedimentos, facilitada pelo mesmo circunstancialismo externo.
XXX- Assim, deve o recorrente ser condenado por um único crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.° e 218.° do Código Penal (CP).
E- da medida da pena
XXXI- Entende o recorrente que as medidas das penas que lhe foram aplicadas e que constituem o cúmulo jurídico pecam por excesso.
XXXII- O artigo 71.° do CP estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
XXXIII- Conforme determina o artigo 40.° do CP "A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade."
XXXIV- O direito penal deve determinar o ponto de equilíbrio entre a medida da pena e a necessidade de prevenir futuros eventos criminosos, tanto pelo agente alvo da sanção como por potenciais prevaricadores, nesta equação entram assim as considerações de prevenção geral e especial.
XXXV- Embora existam antecedentes criminais, a idade jovem do recorrente e sua estrutura familiar o suporta (mormente a sua esposa e o seu filho de tenra idade), são circunstâncias que permitem formular um prognóstico muito favorável acerca do comportamento daquele para a sua vida futura.
XXXVI - Sob o ponto de vista da comunidade e das elevadas exigências de exteriorização física da reprovação, não fere a sensibilidade geral a sanção perto do mínimo legal pelos factos praticados.
XXXVII - Cita-se Claus Roxin, em Derecho Penal- Parte General, Tomo I, pág. 99/101 e 103, "a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada. A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e "merecida" é só uma pena de acordo com a culpabilidade... (....) a pena serve os fins de prevenção especial e geral: limita-se na sua magnitude peia medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais."
XXXVIII - Atente-se que o Tribunal a quo puniu o recorrente pelos crimes de que vinha acusado a penas de prisão, na sua maioria, de pelo menos metade da sua moldura penal.
XXXIX - O Tribunal a quo, na determinação da medida da pena, não tomou em consideração a reparação de alguns dos factos a que foi acusado, nomeadamente a entrega dos valores que injustamente se havia locupletado.
XL - E do facto de ter confessado os factos de que foi acusado.
XLI - Face ao exposto, conclui-se como se começou, as medidas das penas que lhe foram aplicadas pelo tribunal a quo e que constituem o cúmulo jurídico pecam por excesso.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve julgar-se o presente recurso totalmente procedente, de acordo com as conclusões supra alinhadas e, em consequência, anular-se ou revogar-se a douta Sentença recorrida, com todas as legais consequências.
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Do acórdão recorrido, são estes os factos e a respectiva motivação:
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I.
1. Em data anterior a 09 de Junho de 2010, o arguido exibiu o imóvel sito na Rua …, n.º …/…, registado sob o artigo matricial n.º 2407, a E…, dizendo-lhe que o mesmo pertencia a F… e que este o pretendia vender por €42.500 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), tendo o E… acedido a comprar o imóvel pelo valor proposto.
2. Então, o arguido elaborou um documento intitulado “contrato promessa”, datado de 09 de Junho de 2010, apondo ou mandando apor no mesmo, no local destinado à assinatura do promitente vendedor, as palavras “F…”, como se da assinatura deste se tratasse e entregou-a a E… para que este assinasse no local destinado ao promitente-comprador.
3. Acreditando que o arguido actuava em representação de F… e que tinha consentimento para vender o referido imóvel por €42.500 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), bem como que havia sido F… a assinar no local destinado ao promitente vendedor, E… assinou o referido documento, no local destinado ao promitente-comprador, e entregou a B… o cheque n.º ………., sacado sobre a conta ……….. do G…, sucursal de …, de que é titular E…, no valor de €8.000 (oito mil euros), emitido à ordem, de F….
4. Então, o arguido ou alguém a seu mando, apôs no verso do cheque os dizeres “F…”, como se da assinatura deste se tratasse.
5. De seguida, alegando tratar-se da comissão que recebeu pela venda de um imóvel, o arguido entregou o cheque n.º ………. a H…, sua companheira, tendo esta solicitado a I…, sua colega de trabalho que procedesse ao levantamento do cheque.
6. Sucede que esta não o logrou fazer por ter o visto de residência caducado.
7. H…, alegando que o cheque em causa era referente a uma comissão que o arguido havia recebido pela venda de uma casa, solicitou a J… que procedesse ao seu levantamento, uma vez que esta tinha conta no G…, ao que esta acedeu, levantando o dinheiro na sucursal do G… sita na … e entregando-o a H… que, por sua vez, o entregou ao arguido B…, que fez do mesmo coisa sua.
8. F… não autorizou o arguido a vender o imóvel em causa por €42.500 a E…, actuando aquele sem o conhecimento e contra a vontade de F….
9. O arguido actuou da forma acima descrita com o intuito concretizado de levar E… a acreditar que tinha poderes para proceder à venda do imóvel sito na Rua …, n.º …/… e, por esta razão a entregar-lhe o cheque n.º ………., no valor de €8.000 (oito mil euros), apesar de saber que não podia proceder à venda desse imóvel, pois não era proprietário do mesmo e não tinha autorização de F…a para proceder à sua venda nos termos descritos.
10. Bem como com o intuito de levar o funcionário bancário a acreditar que o cheque n.º ………. havia sido endossado por F… e, deste modo, levá-lo a entregar a J… o valor titulado pelo mesmo, bem sabendo que ao agir da forma descrita estava a causar a E… o prejuízo de €8.000, correspondente ao valor do cheque.
11. O arguido quis apor ou mandar apor, no contrato promessa acima identificado, os dizeres F…, como se da assinatura dele se tratasse, com o intuito de levar E… a acreditar que havia sido F… a assinar o mesmo e, deste modo, a entregar-lhe €8.000 (oito mil euros), apesar de saber que tal não correspondia à verdade, e que estava a utilizar a assinatura de F… sem o seu consentimento.
12. O arguido, quis apor ou mandar apor no cheque ………., os dizeres “F…”, como se da assinatura de F… se tratasse, com o intuito de levar o funcionário bancário a acreditar que o cheque havia sido endossado por F… e, deste modo, a entregar-lhe €8.000 (oito mil euros), apesar de saber que tal não correspondia à verdade, que o documento em causa era um cheque e que estava a utilizar a assinatura de F… sem o seu consentimento.
II
13. A 24 de Janeiro de 2011, o arguido exibiu o imóvel sito na Rua …, n.º …, 5º Esq, no Porto, a C… e a D…, dizendo-lhes que o mesmo lhes pertencia e que estava disponível para arrendamento pelo valor de €500 (quinhentos euros) mensais, tendo estes acedido a arrendar o imóvel pelo valor proposto.
14. Então, o arguido solicitou-lhes o pagamento adiantado de um mês, no valor de €500 (quinhentos euros).
15. Acreditando que o arguido era o proprietário do imóvel e que o pretendia arrendar por €500 (quinhentos euros), C… entregou-lhe o cheque n.º ………., sacado sobre a conta n.º …………. da K…, balcão de …, de que são titulares C… e D…, no valor de €500 (quinhentos euros), datado de 24 de Janeiro de 2011, emitido à ordem do arguido, tendo-lhes este entregue um documento por si manuscrito intitulado “recibo”.
16. O arguido não era o proprietário do imóvel sito na Rua …, n.º …, 5º Esq, no Porto, pertencendo o mesmo a L…, que nunca autorizou o arguido a proceder ao seu arrendamento.
17. O arguido actuou da forma acima descrita com o intuito concretizado de levar C… e D…, a acreditarem que tinha poderes para proceder ao arrendamento do imóvel sito na Rua …, n.º …, 5º Esq, no Porto e, por esta razão, a entregar-lhes o cheque n.º ………., no valor de €500 (quinhentos euros), apesar de saber que não podia proceder ao arrendamento desse imóvel por não ser proprietário do mesmo e não ter autorização de L… para proceder ao seu arrendamento, bem sabendo que ao agir da forma descrita estava a causar a C… e D… um prejuízo no valor de €500 (quinhentos euros), correspondente ao montante que lhe entregaram.
III
18. No dia 03 de Novembro de 2011 o arguido exibiu o imóvel sito na Rua …, n.º …, 5º Esq, no Porto, a M… e a N…, dizendo-lhes que o mesmo estava disponível para arrendamento pelo valor de €500 (quinhentos euros) mensais, tendo estes acedido a arrendar o imóvel pelo valor proposto.
19. O arguido solicitou-lhes o pagamento adiantado de €400 (quatrocentos euros).
20. Acreditando que o arguido era o proprietário do imóvel e que o pretendia arrendar por €500 (quinhentos euros), no dia 04 de Novembro de 2011, no café “O…”, no Porto, N…, entregou ao arguido €400 (quatrocentos euros) em numerário, tendo-lhe o arguido entregue um documento por si manuscrito intitulado “recibo”.
21. Posteriormente, o arguido solicitou o pagamento adiantado de dois meses de renda, no valor global de €1.000 (mil euros), pelo que M… e N…, entregaram ao arguido €600 (seiscentos euros) em numerário, no interior do referido apartamento.
22. O arguido não era o proprietário do imóvel sito na Rua …, n.º …, 5º Esq, no Porto, pertencendo o mesmo a L…, que nunca autorizou o arguido a proceder ao seu arrendamento.
23. O arguido actuou da forma acima descrita com o intuito concretizado de levar M… e N…, a acreditarem que tinha poderes para proceder ao arrendamento do imóvel sito na Rua …, n.º …, 5º Esq, no Porto e, por esta razão, a entregarem-lhe a quantia de €1.000 (mil euros), apesar de saber que não podia proceder ao arrendamento desse imóvel por não ser proprietário do mesmo e não ter autorização de L… para proceder ao seu arrendamento, bem sabendo que ao agir da forma descrita estava a causar a M… e a N… um prejuízo no valor de €1.000 (mil euros), correspondente ao montante que lhe entregaram.
IV
24. No final do ano de 2011, o arguido foi apresentado a P… por um individuo de nome Q…, seu conhecido, porquanto aquele alegando ser engenheiro pretendia arrendar uma loja de sua propriedade sita na Rua …, no Porto, pelo valor de €2.500 (dois mil e quinhentos euros) mensais.
25. Verificando que P… tinha dinheiro disponível, o arguido com o intuito de suscitar naquele uma imagem de credibilidade e para ganhar a sua confiança, fê-lo acreditar que era engenheiro civil, detentor de grande património, habituado a fazer negócios no ramo imobiliário, tendo pendentes alguns negócios de compra de imóveis por um preço inferior ao seu real valor, que depois venderia por um valor mais elevado, o que não correspondia à verdade de molde a convencer P… de que esses negócios existiam e a investir nos mesmos e, deste modo, a entregar-lhe dinheiro.
26. Na execução deste plano, o arguido disse a P… que era proprietário de um hotel sito no Algarve e que se encontrava a construir um hotel na ilha da Madeira.
27. Com o mesmo intuito, o arguido disse a P… que tinha património, nomeadamente que tinha uma quinta em Amarante.
28. Após ter ganho a confiança de P…, o arguido começou a encorajá-lo a investir no mercado imobiliário, alegando ser a altura ideal para fazer bons negócios, atenta a conjuntura do mercado, levando-o a visitar vários empreendimentos, nomeadamente um empreendimento de nove moradias localizadas junto do S…, de que o arguido era portador das chaves.
29. O arguido disse a P… que o T… tinha 9 moradias localizadas junto ao S… para vender pelo valor de €75.000 (setenta e cinco mil euros), cada uma, as quais poderiam ser posteriormente vendidas pelos investidores a um preço superior ao da compra.
30. Com o intuito de convencer P… de que a aquisição destas moradias era um bom negócio, o arguido disse-lhe que já prometera vender três das nove moradias, uma a um cidadão de nacionalidade alemã, de quem receber €20.000 (vinte mil euros) a título de sinal, que, posteriormente desistiu do negócio e duas a duas irmãs, de quem recebeu €20.000 (vinte mil euros) a título de sinal.
31. Verificando que P… acreditava naquilo que lhe dizia, nomeadamente que tinha investido nestas moradias, o arguido disse-lhe que ele poderia tornar-se seu sócio neste investimento, sendo que, para o efeito, a comparticipação de ambos seria de igual valor, ou seja, de 50% cada.
32. Ao mesmo tempo, o arguido disse a P… que podia, ainda, investir numa moradia sita na …, …, n.º .., Santa Maria da Feira.
33. Com o intuito de convencer P… de que se tratava de um bom negócio e, deste modo, a entregar-lhe o dinheiro, o arguido disse-lhe que a moradia pertencia a um individuo ligado ao ramo da hemodiálise e que estava a necessitar de dinheiro com urgência, pelo que vendia a moradia pelo valor de €50.000 (cinquenta mil euros).
34. Como P… se mostrou interessado no negócio, o arguido disse-lhe que, a título de sinal, era necessário entregar ao proprietário da moradia €35.000 (trinta e cinco mil euros), pelo que, P… teria que entregar ao arguido €17.500 (dezassete mil e quinhentos euros).
35. Uma vez que esta situação não correspondia à realidade e para evitar que P… o descobrisse, o arguido disse-lhe que o proprietário da moradia conhecia o P… e tinha vergonha de assumir as suas dificuldades económicas perante ele, pelo que o contrato promessa teria que ser realizado, apenas, com o arguido.
36. Acreditando que o arguido efectivamente tinha investido no empreendimento de moradias localizadas junto do S… e na moradia acima identificada, sita em Santa Maria da Feira, P… entregou ao arguido quantia concretamente não apurada, mas não inferior a €40.000 (quarenta mil euros).
37. Sucede que o arguido nunca celebrou qualquer contrato promessa referente aos imóveis acima indicados, nem nunca pretendeu fazê-lo, nem nunca entregou qualquer das quantias que referiu a P… ter entregue a título de sinal dos mesmos, actuando da forma acima descrita com o intuito de convencer P… a entregar-lhe dinheiro.
38. O arguido incentivou, ainda, P… a investir na aquisição de nove moradias em banda, de que ele tinha a chave, pertencentes ao T…, alegando que o T… pedia €75.000 (setenta e cinco mil euros) por cada uma delas.
39. Posteriormente, o arguido disse a P… que já tinha entregue ao T… a título de sinal €5.500 (cinco mil e quinhentos euros) por cada uma das três moradias, que prometera vender às duas irmãs e ao cidadão de nacionalidade alemã.
40. Sucede que, P… tomou conhecimento de que o T… estava a solicitar um valor superior a €200.000 (duzentos mil euros) pela venda de cada uma dessas moradias, pelo que não entregou qualquer quantia ao arguido.
41. O arguido, actuou da forma descrita com o intuito concretizado de levar P… a acreditar que era engenheiro civil, que tinha uma grande capacidade financeira e negociava habitualmente no mercado imobiliário, tendo investido, nomeadamente, nos empreendimentos acima identificados, e, deste modo, a entregar-lhe as quantias acima referidas para aquisição de imóveis, apesar de saber que não tinha realizado, nem pretendia realizar, os referidos investimentos, e que, ao agir da forma descrita, estava a causar a P… um prejuízo no valor não inferior a €40.000 (quarenta mil euros).
V
42. O arguido conheceu U… através de uma cunhada deste, V…, com quem o arguido manteve uma relação de namoro, tendo-se sempre apresentado como sendo engenheiro.
43. No decurso de conversas mantidas entre o arguido e U…, este comentou que a sua esposa, W…, pretendia mudar de veículo, sendo que esta gostava de jipes e pick ups.
44. Então, o arguido disse a U… que costumava adquirir massas insolventes de empresas que incluíam veículos com estas características, pelo que, U… poderia obter um veículo proveniente de uma massa insolvente, tendo U… ficado interessado em adquirir um veículo nessas condições.
45. Com o intuito de ganhar a confiança de U…, o arguido deu-lhe o endereço electrónico de X…, que trabalhava numa instituição financeira, onde tratava de processos relacionados com massas insolventes indicando-lhe que este teria informações referentes à venda de um veículo Mitsubishi …, com a matrícula ..-FZ-...
46. Então, U… remeteu um mail a X… que o informou que a viatura de matrícula ..-FZ-.. já não estava disponível para venda, tendo aquele dado conhecimento deste facto ao arguido.
47. Com o intuito de convencer U... a entregar-lhe dinheiro, o arguido disse-lhe que a sociedade arguida “Y…, Lda”, de que era sócio gerente, havia adquirido dois veículos pick ups numa massa insolvente, tendo sinalizado em 28 de Outubro de 2013, a aquisição dos mesmos com o pagamento de 30% do seu valor, pelo que lhe poderia ceder um desses veículos, um Mitsubishi …, pelo valor de €7.500 (sete mil e quinhentos euros), ao que U… acedeu, alertando-o para o facto de pretender adquirir esse veículo em nome da sociedade “Z…, Lda” e efectuar o seu pagamento através de transferência realizada de conta bancária titulada por esta sociedade.
48. O arguido não procedeu à identificação dos veículos, nem da massa insolvente onde estavam inseridos, nem do processo e tribunal onde estaria pendente o processo de insolvência.
49. Como o arguido tardava em apresentar os veículos a U…, e questionado sobre este facto por ele, o arguido disse-lhe que o tribunal estava a reter as viaturas e que era necessário fazer pressão sobre o mesmo, pedindo-lhe para, em nome da sociedade “Z…, Lda”, elaborar um documento que ele entregaria no tribunal, remetendo-lhe em 29 de Outubro de 2013, através do endereço electrónico B1...@gmail.com, a minuta desse documento, que U… entregou a AB…, sócia gerente da sociedade “Z…, Lda” para que o assinasse, entregando-o, depois, U… ao arguido, sendo que, nem AB…, nem U… tiveram acesso aos documentos aí referidos como estando em anexo.
50. Como o arguido continuava a não apresentar qualquer veículo e U… o continuava a pressionar para o efeito, o arguido, com o intuito de manter em U… a convicção, de que, efectivamente, a sociedade “Y…, Lda” tinha adquirido dois veículos numa massa insolvente, disse-lhe que o tribunal não havia atendido ao requerimento que havia sido apresentado em nome da sociedade “Z…, Lda” por desconhecer a mesma, sendo que apenas conhecia a empresa do arguido, pelo que seria necessário proceder à elaboração de um contrato de confissão de dívida, que, para ser atendido pelo tribunal, teria que ser datado de 28 de Outubro de 2013, data em que o arguido teria sinalizado a aquisição dos veículos.
51. Assim, o arguido elaborou um documento intitulado “Contrato de Confissão de Dívida”, figurando, como primeiro outorgante a sociedade “Y…, Lda” e, como segundo outorgante, a sociedade “Z…, Lda”, constando do mesmo que a sociedade “Y…, Lda” havia adquirido dois veículos a uma empresa insolvente e cedia a sua posição contratual em relação a um desses veículos à sociedade “Z…, Lda”, pelo valor de €7.500 (sete mil e quinhentos euros), que a sociedade “Y…, Lda” já havia pago à massa insolvente com vista à aquisição do veículo, tendo este documento sido assinado pelo arguido em representação da sociedade “Y…, Lda” e por AB… em representação da sociedade “Z…, Lda”.
52. Não obstante no contrato em causa serem referidos anexos, o arguido nunca os exibiu a U… e a AB….
53. Como o arguido continuava a não apresentar os veículos e U… o confrontava com este facto, o arguido, com o intuito de manter naquele a convicção de que, efectivamente, a sociedade “Y…, Lda” os havia adquirido, solicitou a U… que fosse elaborado novo requerimento a apresentar em Tribunal pela “Z…, Lda”, datado de 14 de Novembro de 2013.
54. Durante o período de tempo acima referido, o arguido, pelo menos, numa ocasião solicitou a U… que lhe entregasse o valor do veículo que dizia ter sido adquirido pela sociedade “Y…, Lda”, em numerário, não tendo U… o feito, por à data não ter liquidez suficiente.
55. No dia 22 de Novembro de 2013, quando U… se encontrava a caminho do aeroporto, foi contactado pelo arguido que lhe disse que pertencia adquirir uma massa insolvente e necessitava, com urgência, de €5.000 (cinco mil euros) em numerário, solicitando-lhe que lhe disponibilizasse essa verba, como adiantamento do pagamento da carrinha que já havia sido adquirida pela sociedade “Y…, Lda”.
56. Acreditando que a sociedade “Y…, Lda”, efectivamente havia adquirido um veículo a uma massa insolvente e cedido a sua posição nessa aquisição à sociedade “Z…, Lda” e que o arguido, realmente, necessitava urgentemente de €5.000 (cinco mil euros) para sinalizar uma massa insolvente, U… telefonou a W…, sua esposa, e pediu-lhe que procedesse ao levantamento dessa quantia e a entregasse ao arguido.
57. Então W…, dirigiu-se a uma agência do AC… e procedeu ao levantamento de €5.000 (cinco mil euros), por débito na conta n.º …………………, de que é titular U….
58. De seguida, acreditando que a sociedade “Y…, Lda”, efectivamente, havia adquirido um veículo a uma massa insolvente e cedido a sua posição nessa aquisição à sociedade “Z…, Lda” e que o arguido, realmente, necessitava urgentemente de €5.000 (cinco mil euros) para sinalizar uma massa insolvente, W… entregou ao arguido €5.000 (cinco mil euros) em numerário, fazendo o arguido desta quantia coisa sua.
59. Sucede que, o arguido nunca entregou qualquer veículo à sociedade “Z…, Lda”, nem a U… ou a AB….
60. Com efeito, a sociedade “Y…, Lda” nunca adquiriu os veículos que o arguido referiu a U…, razão por que o arguido nunca os identificou nem identificou o processo e tribunal onde correu o processo de insolvência.
61. O arguido actuou da forma descrita, em representação e no interesse da sociedade “Y…, Lda”, com o intuito concretizado de fazer crer a U… que esta sociedade havia adquirido dois veículos a uma massa insolvente e que tinha cedido a sua posição em relação à aquisição de um desses veículos à sociedade “Z…, Lda” pelo valor de €7.500 (sete mil e quinhentos euros) e, deste modo, levá-lo a entregar-lhe ou a mandar entregar-lhe, €5.000 (cinco mil euros), bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que, ao actuar da forma descrita, estava a causar a U… um prejuízo no valor de €5.000 (cinco mil euros).
VI
62. Em data anterior a 05 de Fevereiro de 2014, o arguido referiu a AD…, funcionário da sociedade “AE…, Lda”, que pretendia proceder à venda do imóvel sito na …, n.º …./…., no Porto, inscrito na matriz sob o art.º 3412, descrito na Conservatória do registo Predial do Porto, sob o n.º 7010, através da sociedade “Y…, Lda”, tendo AD… dado conhecimento deste facto a AF…, presidente do concelho de administração da sociedade “AG…, SA”.
63. Após deslocar-se ao imóvel, onde se encontravam AD… e o arguido, que referiu que o imóvel pertencia à sociedade “Y…, Lda”, de que era sócio gerente, AF… ficou interessado na aquisição do imóvel em nome da sociedade “AG…, SA”.
64. Assim, após negociações, AF… acordou com o arguido a aquisição do imóvel por €200.000 (duzentos mil euros), devendo a sociedade “AG…, SA” entregar, a título de sinal, €20.000 (vinte mil euros) em numerário, por o arguido ter referido necessitar de liquidez.
65. No dia 05 de Fevereiro de 2014, o arguido, em representação da sociedade “Y…, Lda”, celebrou com a sociedade “AG…, SA”, um contrato intitulado “contrato promessa de compra e venda”, segundo o qual a sociedade “Y…, Lda” declarava ser dona e legítima proprietária do prédio urbano destinado à habitação sito na …, n.º …./…., Porto, e prometer vender esse prédio à sociedade “AG…, SA”, pelo valor de €200.000 (duzentos mil euros).
66. Acreditando que a sociedade “Y…, Lda” era proprietária do imóvel e que o pretendia vender à sociedade “AG…, SA”, por €200.000 (duzentos mil euros), nesse data, AH…, accionista da sociedade “AG…, SA”, entregou a arguido €20.000 (vinte mil euros) em numerário, fazendo o arguido deste valor coisa sua e da sociedade “Y…, Lda”.
67. Sucede que, nem a sociedade “Y…, Lda”, nem o arguido eram proprietários do imóvel sito na …, n.º …./…., Porto, pertencendo o mesmo a AI…, que o arrendou a arguido em 01 de Janeiro de 2014 e nunca o autorizou a proceder à sua venda.
68. O arguido actuou da forma acima descrita, em representação e no interesse da sociedade arguida “Y…, Lda”, com o intuito concretizado de fazer crer a AF… que o imóvel sito na …, n.º …./…., Porto, pertencia à sociedade “Y…, Lda” e que esta sociedade o pretendia vender à sociedade “AG…, SA”, pelo valor de €200.000 (duzentos mil euros) e, deste modo, levar AF... a entregar-lhe €20.000 (vinte mil euros) em numerário, apesar de saber que o prédio em causa não pertencia à sociedade “Y…, Lda” e que não tinha autorização dos seus proprietários para proceder à sua venda, e que, ao agir da forma descrita, estava a causar à sociedade “AG…, SA”, um prejuízo no valor de €200.000 (duzentos mil euros).
VII
69. AJ…, AK…, AL…, AM… e AN… apresentaram queixa contra o arguido, alegando que este, na qualidade de proprietário do imóvel sito na Rua …, n.º …, no Porto, lhes disse que lhes arrendava essa habitação, tendo-lhes aqueles entregue, no dia 12 de Novembro de 2009, como adiantamento da renda do imóvel, €550 (quinhentos e cinquenta euros), sendo que o arguido nunca lhes entregou essa habitação para residir, nem outra, ou o dinheiro.
70. Estes factos originaram o processo n.º 129/10.7PPPRT, onde o arguido foi condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5 (cinco euros), pela prática de um crime de burla simples.
71. AO… apresentou queixa contra o arguido, alegando que o mesmo, no período compreendido entre 14 de Abril de 2011 e 18 de Abril de 2011, na qualidade de proprietário da sociedade “AP...”, disse-lhe que lhe arrendava a habitação sita na Rua …, n.º …, Habitação …, …, Vila Nova de Gaia, tendo-lhe entregue, como adiantamento de renda do imóvel €600 (seiscentos euros), sendo que o arguido nunca lhe entregou essa habitação para residir, nem outra, ou o dinheiro.
72. Estes factos originaram o processo n.º 990/11.8PAVNG, que foi arquivado por desistência de queixa.
73. AQ…, apresentou queixa contra o arguido, alegando que no período compreendido entre 16 de Abril de 2011 e 19 de Abril de 2011, o arguido na qualidade de proprietário da sociedade “AP…”, disse-lhe que lhe arrendava a habitação sita na Rua …, n.º …, Habitação …, …, Vila Nova de Gaia, tendo-lhe entregue, como adiantamento de renda do imóvel €700 (setecentos euros), sendo que o arguido nunca lhe entregou essa habitação para residir, nem outra, ou o dinheiro.
74. Estes factos originaram o processo n.º 966/11.5 PAVNG, que foi arquivado por desistência de queixa.
75. O arguido obtinha o dinheiro necessário à sua subsistência e à subsistência da sociedade arguida, através das condutas acima descritas, sendo que não tinha qualquer actividade profissional que lhe permitisse obter rendimentos certos, de forma lícita.
76. O arguido não apresentou qualquer declaração de rendimentos desde o ano de 2007 e não efectuou descontos para a segurança social, não se encontrando vinculado a qualquer entidade empregadora desde Abril de 2007.
77. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
78. No dia 13 de Fevereiro de 2014, pelas 11h50m, o arguido tinha consigo, num dos bolsos do casado, €4.150 (quatro mil cento e cinquenta euros); um telemóvel da marca Samsung …, com o IMEI …………… e o cartão SIM ………; o telemóvel da marca Samsung .., com o IMEI ……………/.., contendo o cartão SIM ……… e o telemóvel IPhone com o IMEI …………….
79. Os €4.150 (quatro mil cento e cinquenta euros) apreendidos ao arguido fazem parte do dinheiro que lhe havia sido entregue pela sociedade “AG…, SA”
Do pedido de indemnização civil:
80. A assistente “AG…, SA”, é uma sociedade que faz investimentos imobiliários.
81. Em consequência da conduta do arguido B… e da sociedade arguida, a assistente ficou desapossada da importância de €20.000 (vinte mil euros).
Mais se provou que:
82. No dia 09 de Abril de 2012, o arguido restituiu a C… e a D…, a importância de €500 (quinhentos euros), que os mesmos lhe haviam anteriormente entregue por referência ao arrendamento do apartamento sito na Rua …, n.º …, 5º esq, no Porto.
83. O processo de desenvolvimento psico-social do arguido decorreu junto do grupo familiar de origem, do qual faziam parte os pais e um irmão mais velho, de condições socio-económicas favorecidas, assentes nos rendimentos que os pais auferiam provenientes da exploração duma empresa fabril de colchões.
84. Concluiu o 12º ano de escolaridade, integrado num curso de formação tecnológica “Administração de Empresas”.
85. Norteado pela vontade em se autonomizar da família precocemente, aos 19 anos de idade inicia-se profissionalmente, na empresa dos pais, como técnico de vendas, passando a residir sozinho, numa fase inicial num apartamento arrendado em S. João da Madeira e, mais tarde num imóvel em Lourosa, adquirido com recurso a crédito bancário.
86. Aos 25 anos de idade, passou a viver em união de facto com a actual companheira, de quem tem um filho, actualmente com 10 anos de idade.
87. As condições económicas da família, sustentadas com recurso ao vencimento do arguido a trabalhar junto dos pais e aos proventos da companheira enquanto cabeleireira por conta de outrem, garantiram á família uma situação financeira estável.
88. Após 12 anos de exercício de funções na empresa do pai, foi confrontado com o encerramento da mesma no ano de 2008, pelo que durante o ano subsequente passou por dificuldades económicas, que não lhe permitiram assegurar as suas obrigações bancárias, vendo-se obrigado, decorrido um ano, a entregar o imóvel à instituição bancária, recorrendo a uma familiar da companheira que os acolheu numa fase inicial.
89. Entretanto conseguiu colocação laboral, em regime de biscates numa empresa de alumínios em Santa Maria da Feira, actividade pela qual, auferia €50 (cinquenta euros) por tarefa.
90. Apesar de reunir melhores condições económicas, os proventos que o arguido e a companheira auferiam, só com uma gestão criteriosa dos mesmos evitaram novo colapso financeiro do agregado, pelo que o arguido optou por se dedicar à venda e arrendamento de imóveis através da internet, numa fase inicial em casa, e mais tarde em espaço arrendado na Rua …, em Vila Nova de Gaia, explorando a empresa “Y…, Lda”.
91. Em contexto prisional, tem contado com o apoio do pai, companheira e filho do casal, através de visitas regulares ao estabelecimento prisional.
92. A companheira tem vivenciado uma situação de carência económica, uma vez que há alguns meses que não aufere salário, decorrente de baixa médica prolongada, tem 9 meses de renda em atraso e por falta de pagamento já não beneficia de água canalizada, encontrando-se à procura de outra casa, sem sucesso, antevendo uma acção de despejo a curto prazo.
93. Na sequência de uma participação anónima apresentada na CPCJP de … por falta de capacidade da companheira do arguido em impor regras de conduta ao filho e por falta de condições económicas do grupo familiar, foi encaminhada por aquela comissão para um programa da autarquia dirigido a famílias carenciadas, no sentido de passar a beneficiar de apoio alimentar, tendo sido ainda sensibilizada no sentido de requerer o rendimento social de inserção e o abono de família, cessado no corrente ano por falta de apresentação de prova de rendimentos.
94. Em contexto prisional, o arguido tem registado um comportamento globalmente cordato com as regras estabelecidas, à excepção de uma repreensão escrita de que foi alvo em 11 de Fevereiro de 2015, por não cumprir com os deveres impostos.
95. No estabelecimento prisional, não se mostrou interessado em aderir a um projecto laboral ou de integração em actividade formativa ou outra minimamente estruturada, adiando essa decisão para momento posterior à decisão dos presentes autos e em caso de condenação em pena de prisão efectiva, diz pretender exercer trabalho, aproveitando os recursos disponíveis no estabelecimento prisional e paralelamente frequentar um curso de nível superior.
96. Ao arguido são conhecidos antecedentes criminais, constantes do respectivo CRC de fls. 1322 a 1331, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo sido condenado:
- Na Comarca do Baixo Vouga, em 25 de Março de 2004, pela prática em 10 de Maio de 2003 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €4 (quatro euros), no total de €720 (setecentos e vinte euros), declarada extinta em 25 de Março de 2004.
- No 2º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira, em 14 de Julho de 2011, pela prática em 2009 de um crime de abuso de confiança, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de €6 (seis euros), no total de €1.320 (mil trezentos e vinte euros), declarada extinta em 25 de Março de 2004.
- No 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, em 18 de Dezembro de 2012, pela prática em 18 de Dezembro de 2012 de um crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5 (cinco euros), no total de €500 (quinhentos euros), declarada extinta em 12 de Junho de 2014.
- No 3º Juízo do Tribunal de São João da Madeira, em 13 de Janeiro de 2011, pela prática em 01 de Maio de 2007 de um crime de abuso de confiança, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 2 anos e 7 meses, sob condição de pagar ao demandante a quantia de €28.253,13, no prazo de 2 anos e 6 meses e comprovar nos autos, no prazo de 1 ano o pagamento de metade desse valor, ou seja, de €14.126,56.
- No 3º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, em 06 de Fevereiro de 2013, pela prática em 06 de Fevereiro de 2013 de um crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €7 (sete euros), no total de €700 (setecentos euros).
- No 3º Juízo Criminal do Porto, em 01 de Outubro de 2013, pela prática em 12 de Novembro de 2009 de um crime de burla simples, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5 (cinco euros), no total de €600 (seiscentos euros).
Os factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa, designadamente:
II
1. Que o referido em 13 dos factos provados tivesse sido em data anterior a 24 de Janeiro de 2011.
IV
2. Que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 26 dos factos provados, o arguido tivesse dito a P… que era dono de uma empresa localizada junto da estação …, no Porto, onde trabalhavam dezoito pessoas, sendo que, oito seriam engenheiros, pretendendo mudar para instalações mais espaçosas, dada a dimensão da sua empresa, sendo que, ainda possuía outras instalações em Vila Nova de Gaia.
3. Que tivesse igualmente dito a P… que tinha uma vivenda nas Antas, um apartamento sito na …, n.º ., …, 8ºF, em Vila Nova de Gaia e que tivesse guardado na quinta de Amarante um veículo Porsche … e um veículo BMW …, por ter sido condenado numa pena acessória de proibição de condução de veículos pelo período de dois anos, razão porque se deslocava sempre de metro ou de táxi.
4. Que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 29 dos factos provados, o arguido tivesse dito a P… que as moradias localizadas junto ao S… estavam há muitos anos para vender e que o T… concedia o prazo de dois anos para a celebração da escritura de compra e venda, que poderia ser celebrada pelos investidores ou por pessoa a quem estes cedessem a sua posição contratual.
5. Que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 30 dos factos provados, o arguido tivesse dito a P… que tinha recebido de uma das irmãs a título de sinal, a quantia de €19.500 (dezanove mil e quinhentos euros).
6. Que nessas mesmas circunstâncias, o arguido tivesse dito a P… que, em relação às moradias que prometera vender aos dois irmãos, o preço de cada moradia seria de €161.000,00 (cento e sessenta e um mil euros), no valor total de €322.000,00 (trezentos e vinte e dois mil euros), e que já havia entregue ao T… 35% do valor global, ou seja, €112.700,00 (cento e doze mil e setecentos euros) mas, como já havia pago €5.000,00 (cinco mil euros) a AS…, mediador, deduzia, esse valor aos €112.700 (cento e doze mil e setecentos euros), pelo que o valor a pagar por ambos era de €107.700 (cento e sete mil e setecentos euros); em relação às sete moradias ainda não vendidas, onde se incluía a moradia que tinha sido vendida ao individuo alemão que desistiu da aquisição, havia entregue ao T…, a título de sinal, €5.500 (cinco mil e quinhentos euros), por cada uma delas, no valor global de €38.500 (trinta e oito mil e quinhentos euros), pelo que o valor total pago por si ascendia a €146.200 (cento e quarenta e seis mil e duzentos euros) – (€107.700 + €38.500).
7. Que deste modo, P… tivesse que lhe entregar 50% desse valor, ou seja, €43.350.
8. Que para evitar que P… o descobrisse, o arguido lhe tivesse dito que os contratos promessa deveriam ser feitos apenas, em seu nome, por P… estar com problemas nas sociedades de que era sócio.
9. Que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 33 dos factos provados o arguido tivesse dito a P… que o proprietário da moradia sita em Santa Maria da Feira, necessitasse do dinheiro para pagar uma dívida à banca, e que a moradia poderia ser posteriormente vendida por €100.000 (cem mil euros) a €150.000 (cento e cinquenta mil euros).
10. Que tivesse sido no dia 12 de Abril de 2012, que P… entregou ao arguido a quantia a que se alude em 39 dos factos provados.
VII
11. Que os telemóveis e Iphone aprendidos ao arguido tivessem sido adquiridos pelo mesmo com dinheiro proveniente da sua actividade ilícita.
Da contestação:
12. Que o arguido tivesse celebrado negócios lícitos que correram mal.
13. Que tivesse regularizado quatro situações.
14. Que fosse sua intenção vender o prédio sito na …, n.º …./…., no Porto, tendo autorização de AT… para o efeito, autorização dada quando da negociação do arrendamento, esperando estar em condições de o poder, legalmente fazer quando fosse interpelado para a escritura.
Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e global, de toda a prova produzida em audiência, bem como da que consta dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal.
Assim, a convicção positiva quanto aos factos por que se acusava o arguido, assentou, desde logo, na conjugação da prova produzida, designadamente prova testemunhal e documental que infra se pormenorizará.
E, por uma questão de facilidade de raciocínio, importará analisar a prova produzida por referência a cada uma das situações descritas nos factos provados.
I
Assim, no que concerne aos factos provados sob os pontos 1 a 12, atendeu o tribunal ao depoimento das testemunhas E…, o promitente-comprador do imóvel sito na Rua …, n.º …/… e F…, legítimo proprietário desse imóvel.
Ora, da conjugação das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelas identificadas testemunhas, nenhuma dúvida subsistiu quanto ao facto do arguido ter intermediado a venda de um imóvel propriedade de F…, sito na Rua …, n.º …/… e, nessa sequência, prometeu vendê-lo a E…, com o qual celebrou o respectivo contrato promessa de compra e venda e recebeu a título de sinal, o montante de €8.000 (oito mil euros).
Ora, vistos estes factos, aparentemente dos mesmos não resulta a conclusão da prática de qualquer crime, designadamente do crime de burla e do crime de falsificação de documento, pois que, se apresenta como um quadro absolutamente normal.
Porém, nenhuma dúvida subsiste ao tribunal de que efectivamente o arguido cometeu quer o crime de burla, quer o crime de falsificação de documentos, aliás, dois crimes de falsificação, um deles agravado.
Senão vejamos.
Como se disse supra, o arguido a pedido da testemunha F…, intermediou a venda do imóvel propriedade deste.
Com efeito, e segundo esta testemunha, o arguido ter-lhe-á sido apresentado por um outro individuo seu conhecido para proceder à venda daquele imóvel, pois que, era pessoa séria e com uma grande carteira de clientes no ramo do imobiliário, facto de que a testemunha ficou convencida.
E, mais convencida ficou quando, o arguido a dada altura lhe terá dito que tinha um casal de professores muito interessado na aquisição do imóvel, razão pela qual entregou ao arguido as chaves do mesmo, a fim de o poder mostrar, sendo que, o preço da venda ascenderia a €65.000 (sessenta e cinco mil euros).
Porém, mais tarde, e sem que tivesse qualquer conhecimento de que o imóvel tivesse sido vendido a quem quer que fosse, pois que, não celebrou qualquer contrato promessa, nem recebeu qualquer sinal fosse de quem fosse, foi visitado na sua casa por um individuo questionando-o acerca da data para a celebração do contrato prometido, ou seja, para a realização da escritura de compra e venda, facto que o “apanhou” de surpresa, tanto mais que, nunca sequer o arguido lhe tinha dito que tinha comprador e os tais professores que tão interessados estavam na aquisição do imóvel, afinal nenhuma proposta apresentaram conforme lhe foi transmitido pelo arguido.
Conjugadamente com tais declarações, o “promitente comprador”, a testemunha E…, de forma espontânea, objectiva e absolutamente descomprometida, referiu ter por intermédio do arguido – que lhe foi apresentado por um seu amigo - visitado o imóvel sito na Rua …, n.º …/…, no Porto, imóvel esse que lhe interessou, pelo que, concordando com o valor pedido para a venda do mesmo, de €42,500 (quarenta e dois mil e quinhentos euros) – note-se que a testemunha anterior, F…, dono desse imóvel, disse espontaneamente que o preço que pretendia para a venda da casa eram, €65.000, portanto um valor manifestamente superior – decidiu concretizar o negócio.
Conforme esta testemunha E… deixou bem patente no seu depoimento, estava convencido que o arguido actuava em representação do legítimo proprietário, pelo que, nele acreditou.
E, as razões da confiança que tinha no arguido, são várias, conforme ele próprio foi deixando expresso no seu depoimento, designadamente:
- O facto de o conhecer há cerca de 4 anos, através de um amigo ao qual o arguido tinha arrendado uns imóveis, pelo que, o relacionamento com o mesmo era bom;
- O contrato promessa de compra e venda referente ao imóvel em causa sito na Rua …, foi-lhe entregue pelo arguido já com a assinatura do legítimo proprietária F…, aposta no local destinado ao promitente vendedor (e que, como veremos mais à frente não foi o F… que assinou esse contrato, mas sim o próprio arguido).
Ora, estes factores conjugados entre si, contribuíram para que, sequer desconfiasse que o arguido estaria a intermediar aquela venda à revelia do legítimo proprietário, razão pela qual, após ter assinado o contrato promessa de compra e venda, entregou ao arguido o cheque identificado nos autos no valor de €8.000 (oito mil euros), emitido à ordem do F….
De acordo com a testemunha E…, só descobriu que tinha sido “burlado” – expressão usada pelo mesmo aquando do respectivo depoimento – quando foi ter com o F…, que ficou “muito admirado” com um “papel assinado por ele”.
Deste modo, o valor do prejuízo por si sofrido foi de €8.000 (oito mil euros), valor esse pelo qual nunca foi, até à presente data, ressarcido pelo arguido.
Em conjugação com a aludida prova testemunhal, levou o tribunal em consideração o teor do contrato promessa de compra de venda do imóvel sito na Rua …, …/…, no Porto, de fls. 27 a 29 – que pese embora contenha no local destinado ao promitente vendedor F…, por este não foi em momento algum assinado, conforme este expressa e objectivamente atestou em sede de audiência de julgamento - e bem assim, o cheque n.º ………., sacado sobre a conta n.º ……….., do G…, sucursal de …, de que é titular E…, no valor de €8.000 (oito mil euros), emitido à ordem de F… de fls. 30 – que o próprio quando inquirido esclareceu nunca ter recebido este valor – e, informação comprovativa do depósito do mesmo, de fls. 35.
Por seu turno, o arguido prestou a este propósito declarações, admitiu ter celebrado o contrato promessa em causa e ter ficado com a quantia de €8.000 titulada pelo cheque que lhe foi entregue pelo E…, depois de ter assinado no verso do cheque, no local destinado ao endosso do mesmo, o nome do F…, cheque esse que terá sido levantado por uma amiga da então companheira, H…, amiga essa que tinha o nome de J…, conforme o arguido expressamente admitiu.
Quanto às razões que o levaram a ficar indevidamente com a aludida importância de €8.000 (oito mil euros), referiu que à data precisava de dinheiro, porquanto a mãe tinha um problema de saúde do foro oncológico e necessitava de fazer um “tratamento especial” (sendo que, curiosamente a propósito de uma doença deste tipo por parte da progenitora nem sequer resulta do teor do relatório social).
Ora, a ser verdade tal situação, a mês anão justifica que se adopte este tipo de condutas.
Na verdade, se é igualmente verdade que à data em que estes factos ocorreram, o arguido trabalhava como mediador imobiliário e, portanto teria rendimentos que lhe permitiam certamente contrair um empréstimo bancário, como tanta gente contrai para fazer face a determinadas situações.
II
A convicção positiva do tribunal quanto aos factos que se deram como provados sobre os pontos 13 a 17 assentou, no depoimento das testemunhas C… e D…, cujos depoimentos se afiguraram isentos, objectivos e espontâneos, não se tendo em momento algum duvidado da credibilidade dos mesmos.
Assim, da conjugação destes depoimentos, que foram coerentes entre si, resulta que, de facto, o arguido exibiu-lhes um apartamento para arrendamento sito na Rua …, n.º …, 5º esq, no Porto, apartamento esse que lhes interessou, tendo sido pedido pelo arguido o valor mensal de €500 (quinhentos euros) a título de renda.
Concretizando.
A testemunha C…, referiu que o marido (a testemunha D…) havia logrado entrar em contacto com o arguido através da internet, com o qual veio a contactar que logo lhe falou da disponibilidade para arrendamento do aludido apartamento que era sua propriedade por o ter adquirido a um médico, sendo que, o mesmo também poderia ser vendido, se assim o quisessem.
Assim que viram o apartamento, ou seja, logo na primeira abordagem, o arguido solicitou-lhes a entrega da quantia de €500 (quinhentos euros) relativa a um mês de renda, o que fizeram, conforme resulta do teor do cheque respectivo n.º ………., sacado sobre a conta n.º …………., da K…, Balcão de …, datado de 24 de Janeiro de 2011, de fls. 278 a 279, e comprovativo do n.º de conta de fls. 135.
Em contrapartida, o arguido entregou-lhes naquela altura um papel manuscrito e assinado, sob a epígrafe “recibo”, atestando ter deles recebido a importância de €500 relativo a “sinal de arrendamento de apartamento na Rua …, …, 5º esq., no Porto”, de fls. 272 (original desse documento).
De acordo com as testemunhas, não obstante terem procedido à entrega daquele valor, o arguido não lhes entregou as chaves do apartamento, pois que, ficara naquela altura comprometido a realizar obras no mesmo. Aliás, a este propósito, segundo esta testemunha C…, quando perguntavam se podia mudar “isto ou aquilo”, o mesmo respondia-lhes que “sim a tudo”.
Como esta situação ocorreu em Novembro, ficou combinado, que o arguido iria realizar as obras necessárias, com a promessa de que as testemunhas fossem habitar a casa por altura do natal desse ano, o que não sucedeu, não obstante as testemunhas terem ficado a aguardar pela entrega da mesma até finais de Janeiro, inícios de Fevereiro de 2012.
Aliás, segundo esclareceram estas testemunhas, a partir de determinada altura o arguido deixou de estabelecer qualquer contacto com os mesmos – situação patente nos mails que foram trocados, de fls. 137 a 143 – com os quais foi a testemunha D… confrontada e cujo teor corroborou na íntegra.
Esclareceram, ainda, estas testemunhas terem já sido ressarcidas pelo arguido, conforme comprovativo de depósito de fls. 570, na sequência do que, a C… veio declarar, a fls. 327 que era sua intenção “desistir da queixa relativa ao processo 801/10.1TAESP, visto ter sido já ressarcida do montante em causa”, declaração essa cujo tratamento jurídico infra será dado.
Quanto às razões que estiveram por detrás dessa situação, esclareceram as testemunhas que, tal se ficou a dever ao facto de terem passado uns tempos a morar num prédio no qual estava também o arguido, numa loja, prédio esse sito na Rua … no Porto.
Foi precisamente atenta essa coincidência, o facto de o arguido quando estava a fazer umas mudanças para a loja sita nesse prédio se ter apercebido que os mesmos lá residiam, quer resolveu devolver-lhes a aludida importância de €500 (quinhentos euros).
Conjugadamente com a aludida prova, levou ainda o tribunal em consideração o teor das declarações prestadas pela testemunha L…, proprietário do imóvel em apreço sito na Rua …, n.º …, 5º Esq, no Porto, das quais resulta que o mesmo nunca deu autorização ao arguido para proceder ao arrendamento desse imóvel, mas sim para o vender.
Na verdade, segundo explicou de forma isenta e espontânea, o arguido foi-lhe apresentado por um outro indivíduo de nome Q…, como sendo engenheiro e, ligado ao ramo do imobiliário. Acordou, assim, com o arguido no sentido do mesmo proceder à venda do imóvel, nunca tendo autorizado o arrendamento do mesmo.
Com efeito, segundo esclareceu esta testemunha nunca disse ao arguido que podia arrendar o apartamento, como também nunca lho prometeu vender.
Ainda segundo esta testemunha, pediu mais tarde a devolução das chaves do apartamento quando se apercebeu através de uma senhora que lhe telefonou que tinha celebrado um contrato de arrendamento por referência ao mesmo, tendo até adiantado o pagamento de rendas, sendo certo que nunca o apartamento lhe foi entregue.
Relativamente a esta factualidade, o arguido prestou declarações, alegando ter celebrado com L… um contrato promessa de compra e venda do apartamento em apreço, sito na Rua …, n.º …, 5º esq., no Porto, tendo sido feito constar desse contrato uma cláusula que permitia a cedência da posição contratual e, nessa ocasião tinha efectivamente uma pessoa interessada na compra do mesmo.
Não colhe, todavia, esta argumentação.
Senão vejamos.
Desde logo, em primeiro lugar, a testemunha L… foi peremptória em referir que, nunca prometeu vender o imóvel em causa ao arguido.
Depois, em segundo lugar, se é verdade que o arguido celebrou um contrato promessa de compra e venda com o L… quando tinha uma pessoa interessada na compra, não se percebe por que é que tendo sido contactado por aquele para intermediar a venda, não os tivesse apresentado, não tivesse intermediado o negócio entre eles e recebido a respectiva comissão.
Em terceiro lugar, se é verdade que celebrou um contrato promessa de compra e venda com o L…, por que motivo não o juntou aos autos?
Por fim, em quarto e último lugar, se é verdade que tinha uma pessoa interessada na compra do apartamento e, por isso salvaguardou no contrato promessa que alega ter celebrado a possibilidade de ceder a sua posição contratual, por que motivo andava a mostrar o imóvel às pessoas para arrendamento, como o fez com o D… e C… e, também com a M... e o N…, 20 dias antes (factualidade respeitante ao ponto III dos factos provados e, que infra trataremos), pedindo-lhes o pagamento de rendas adiantadas e, recebendo-as?
De facto, se a ideia do arguido fosse efectivamente a de ceder a posição contratual num contrato promessa de compra e venda, a conduta de andar a mostrar o imóvel para arrendamento, não é compatível com aquele propósito.
III
A convicção positiva quanto aos factos que se deram como provados sob os pontos 18 a 23, assentou nas declarações que em sede de audiência de julgamento foram prestadas pelas testemunhas M… e N…, cujos depoimentos se afiguraram isentos, objectivos e espontâneos, não se tendo em momento algum duvidado da credibilidade dos mesmos.
Estas testemunhas, esclareceram o tribunal que o imóvel sito na Rua …, n.º …, 5º esq, no Porto, lhe foi exibido pelo arguido que se intitulou proprietário do mesmo, por o ter comprado a um médico pretendendo, agora, proceder ao respectivo arrendamento pelo valor de €500 (quinhentos euros) mensais, sendo que, conseguiram o contacto do arguido através de um anúncio que o mesmo tinha publicitado no jornal (cfr. fls.. 6 dos autos apensos 177/12.2PIPRT – NUIPC anterior à apensação aos presentes autos).
Quando viram o apartamento ficaram interessados em arrendá-lo e, perante isso, o arguido logo nesse dia, pediu-lhes os dois meses de adiantamento de renda, num total de €1.000 (mil euros).
Uma vez que não tinham esse dinheiro com eles, segundo referiram logo no dia seguinte a terem visto a casa, a testemunha N… foi ter com o arguido ao café “O…”, no Porto, onde entregou ao arguido a importância de €400 (quatrocentos euros).
Como prova do recebimento dessa importância, o arguido entregou à testemunha N… um documento por si manuscrito e assinado, sob a epígrafe “recibo”, nos termos do qual declarava ter recebido a aludida importância a título de “sinal de arrendamento do apartamento sito na Rua …, n.º …, 5º esq, no dia 04 de Novembro de 2011”.
Para além da aduzida importância de €400 (quatrocentos euros), numa segunda vez procederam à entrega ao arguido da quantia de €600 (seiscentos euros).
Entregaram, assim, ao arguido o montante global de €1.000 (mil euros) que correspondia aos dois meses de renda adiantados, quantia essa de que continuam desapossados até à presente data, conforme expressamente referiram em sede de audiência de julgamento.
Por isso, e porque dos autos resultava terem junto um requerimento, a fls. 571, dando conta que o arguido já lhes tinha entregue a aludida quantia e que não lhes devia mais nada, foram confrontados com o teor do mesmo.
Nessa sequência de forma espontânea, imediata e revoltada declararam que nunca assinaram tal requerimento, que as assinaturas constantes do mesmo com os seus nomes, não foram por si redigidas e também não correspondia à realidade o teor do mesmo, ou seja, que se tinham encontrado com o arguido B… na AU… em Gaia, e muito menos correspondia à verdade que lhe tivessem entregue a referida quantia de €1.000 (mil euros) – razão pela qual foi ordenada a extracção de certidão e subsequente remessa ao DIAP para os fins tidos por convenientes, a requerimento do Ministério Público, conforme se infere da acta respectiva.
O arguido confrontado com esta situação, referiu que efectivamente encontrou as testemunhas na AU… em Gaia e, que nessa oportunidade lhes entregou a quantia de €1.000 (mil euros) e que foram as testemunhas que assinaram aquele documento, tanto mais que, tal documento lhe chegou às mãos quando se encontrava já detido no estabelecimento prisional.
Não colhe a versão do arguido.
Senão vejamos.
Quando o arguido no início da audiência de julgamento prestou declarações (e portanto antes do depoimento das referidas testemunhas e, antes do tribunal colectivo se ter visto confrontado com o requerimento de fls. 571, falso), negou que lhe tivesse sido entregue pela M… e pelo N…, a quantia de €1.000.
Referiu ter apenas recebido daqueles, numa primeira vez, o montante de €400, conforme recibo junto aos autos e ao qual se faz referência e, numa segunda vez, foi-lhe entregue €100, tudo num total de €500 (quinhentos euros).
Ora, se de facto as testemunhas M… e N… entregaram ao arguido a quantia de €500, porque razão é que iam assinar um documento (o tal de fls. 571) declarando ter recebido do arguido €1.000 (mil euros).
A acrescer, temos a reacção das testemunhas que assim que confrontadas com o documento em causa, ficaram notoriamente consternadas, com uma reacção de todo incompatível com quem não estivesse a dizer a verdade.
Ademais, o que ganhariam com isso? É que, no final de contas, continuam sem o dinheiro e, ficaram sem a possibilidade de arrendamento da casa em apreço.
Conjugadamente com o teor dos aludidos depoimentos, levou-se, ainda, em consideração o teor dos mails trocados entre a testemunha N… e o arguido, dos quais decorre claramente os factos que se deram como provados, designadamente o facto de terem sido enganados pelo arguido.
Na verdade, a este propósito, chama-se a atenção para o último mail enviado pela testemunha N… ao arguido, datado de 26 de Janeiro de 2012, de fls. 18 autos apensos 177/12.2 PIPRT (NUIPC anterior à apensação aos presentes autos), onde se pode ler, entre o mais, que “Desculpe mas quero que me dê o dinheiro pessoalmente, quanto ao resto que diz ter não quero saber, isto já está entregue a quem de direito…você ia alugar uma casa que nem sua é, a casa pertence ao Dr. L…, que é director no Hospital de … e tem uma clínica em Mirandela…já falei com o dr. L… ele confirmou que a casa é dele, ele nem sequer sabia o que você está a fazer como também me disse que você não pode fazer isso ia alugar uma coisa que nem é sua e… desculpe agora só quero o meu dinheiro o resto já está entregue às autoridades… quanto ao aresto eu vou tratar com o verdadeiro proprietário (…)”.
O teor deste mail, é elucidativo daquilo que efectivamente aconteceu e, o tribunal está absolutamente convencido que tudo terá ocorrido em conformidade com o que veio a dar como provado.
IV
Os factos provados sob os pontos 24 a 41, assentaram nas declarações prestadas pela testemunha/ofendido P… que, não obstante essa qualidade prestou um depoimento sério, isento e objectivo, não se tendo em momento algum duvidado da credibilidade do mesmo.
Com efeito, foi esclarecendo por que forma conheceu o arguido e da razão de ter confiado nele e, designadamente nos negócios que o mesmo lhe apresentava, a saber a aquisição de 9 moradias pertença do T… e a aquisição de uma vivenda sita em Santa Maria da Feira.
Mais confirmou que, por conta de ter acordado com o arguido investir nesses negócios veio a entregar-lhe quantia que não soube precisar, com excepção do facto de ser superior a €40.000 (quarenta mil euros), quantia essa que lhe entregou em numerário, em virtude de à data se encontrar inibido de cheques.
De acordo com esta testemunha nunca suspeitou que o arguido o estivesse a ludibriar, nem sequer cogitou essa situação, uma vez que o mesmo lhe havia sido apresentado por um individuo de nome Q…, seu conhecido de há muitos anos, no qual fazia confiança, para além do facto do arguido lhe ter sido apresentado como pessoa idónea e honesta, para além de pessoa rica com muito património.
Ademais, igualmente contribuiu para o facto do arguido não lhe levantar suspeitas, o facto do arguido ter as chaves das casas cujos investimentos lhe propunha, designadamente, das 9 moradias pertença do T…, e bem assim da casa sita em Santa Maria da Feira, tendo só mais tarde vindo a descobrir que as chaves lhe tinham sido entregues por um tal AS…, que intermediava essas vendas.
No mesmo sentido, foi o depoimento de AS…, que trabalhava à data e, actualmente para a imobiliária AV… e, foi nessa qualidade que foi abordado pelo arguido que se mostrou interessado na aquisição das 9 moradias pertença do T…, apenas lhe tendo entregue as chaves das mesmas por o arguido ter dito que necessitava de tirar uns orçamentos.
Chegou, ainda, esta testemunha a referir que, passado um tempo foi ter com ele a testemunha anterior, P… perguntando-lhe se havia ou não negócio, ao que o mesmo respondeu negativamente, pois que, o arguido pese embora tivesse assinado um contrato promessa de compra e venda no qual figurava como promitente comprador, a verdade é que, nunca chegou a proceder à entrega de qualquer quantia em dinheiro (note-se que contrariamente ao que o arguido avançou a P… quando o estava a convencer a investir naquele negócio), tendo reparado que este ficou aflito, precisamente por ter confiado no arguido.
Acresce que, no decurso do seu depoimento foi o ofendido P… confrontado com o teor da declaração de dívida datada de 10 de Abril de 2014, de fls. 616 a 617, nos termos da qual o arguido se declarava devedor da importância de €90.000 (noventa mil euros), comprometendo-se a efectuar o respectivo pagamento em 10 prestações mensais, no valor de €10.000 (dez mil euros) cada, e bem assim, da manifestação de concordância quanto à extinção do procedimento criminal contra o arguido, nos termos do preceituado no art.º 206º do C. Penal, tendo de imediato negado a autoria da assinatura, deixando bem patente nunca ter tido conhecimento de tais documentos, tratando-se de documentos forjados, tanto mais que, nunca foi ressarcido pelo arguido e o último contacto que teve com o mesmo foi em Abril/Maio do ano de 2012, e a declaração de divida data de Abril de 2014, altura em que, portanto o ofendido há cerca de dois anos nenhum contacto tinha com o arguido.
Perante esta situação, à semelhança do ocorrido anteriormente, a requerimento do Ministério Público foi ordenada a extracção de certidão e subsequente remessa aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes.
V
A factualidade que se deu como provada sob os pontos 42 a 61, assentou no teor das declarações que foram prestadas em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas U…, Q…, mulher deste e irmã da então namorada do arguido, V…, que também prestou depoimento.
À semelhança das testemunhas anteriores, também estas três prestaram um depoimento claro, coerente, espontâneo e objectivo, não se tendo em momento algum duvidado da respectiva credibilidade.
Com efeito, da conjugação dos depoimentos destas testemunhas, resultou claro e evidente que, mais uma vez, o arguido de forma astuta fazendo crer que era engenheiro e que tinha conhecimentos e uma empresa, levou a que U… e a mulher W… lhe entregassem a importância de €5.000 (cinco mil euros), montante do qual continuam até aos dias de hoje desapossados.
De facto, segundo estas testemunhas, a aludida importância terá sido entregue ao arguido que apercebendo-se que estavam interessados na aquisição de um veículo, designadamente uma pick up, por a testemunha W… gostar desses veículos, astuciosamente fê-los crer que a sua empresa, denominada “Y…, Lda” tinha adquirido duas pick ups numa massa insolvente, pelo valor de €7.500 (sete mil e quinhentos euros) cada uma, predispondo-se a ceder-lhes uma dessas viaturas.
No imediato, declarou não querer que lhe entregassem qualquer montante pela viatura, e mais tarde alegando querer comprar uma massa insolvente, solicitou o pagamento, que não lhe foi, nessa ocasião efectuado por falta de liquidez das testemunhas U… e W…, à data.
No entanto, numa segunda vez, concretamente no dia 22 de Novembro de 2013, alegando o arguido necessitar da importância de €5.000 (cinco mil euros) para adquirir uma massa insolvente, nesse mesmo dia, conseguiu depois de falar com o U… que se encontrava a caminho do aeroporto que a mulher deste, W… fosse levantar a aludida importância e lha entregasse.
Sucede porém que, até à data, as testemunhas U… e W… não conseguiram a viatura - até porque a mesma não existia, tudo não tendo passado de uma “história” para os levar a entregar ao arguido a referida quantia de €5.000 (cinco mil euros) – nem foram ressarcidos do dinheiro que entregaram ao arguido.
Acresce ainda que, de acordo com o depoimento das referidas testemunhas – coerentes quanto a este aspecto específico – nunca duvidaram do arguido, por várias e múltiplas razões, designadamente as seguintes:
- O arguido mal iniciou a relação de namoro com V…, cunhada do U… e irmã da W…, apresentou-se como sendo engenheiro civil e proprietário de empresas e, com o passar do tempo ia dizendo que fazia negócios de massas insolventes.
Aliás, a actividade da testemunha V… era à data profissional de seguros e no âmbito dessa actividade era chefe de vendas numa companhia de seguros, tendo-lhe sido encaminhado por um vendedor o arguido que alegava ter muitas empresas e muitos negócios, pretendendo segurar o seu património, que segundo o mesmo valia milhões.
Para além disso, referiu à testemunha que era divorciado (quando na verdade é solteiro) e tinha dois filhos à sua guarda (quando na realidade apenas tem um), com os quais residia, razão pela qual, pese embora tivesse depois iniciado uma relação de namoro com a testemunha nunca a levou a sua casa (o que bem se compreende, pois que, tudo não terá passado de uma “história” por si contada e, que no fundo lhe veio a ser útil para depois “enganar” o cunhado e a irmã da então namorada).
- Por esse motivo e quando lhe falaram que precisavam de um carro, prontamente o arguido lhes disse que podiam se faziam bons negócios com as massas insolventes, sendo possível conseguir-se carros mais baratos.
- Ter o arguido nessa sequência fornecido o contacto de X… que trabalhava numa instituição financeira, onde tratava de processos relacionados com massas insolvente (conforme ele próprio referiu quando prestou declarações, dizendo-lhe que o mesmo tinha uma viatura pick up, disponível para venda com a matrícula que lhe indicou, tendo sido dada resposta no sentido dessa viatura já não se encontrar disponível – cfr. mails de fls. 12 dos autos apensos com o NUIPC 395/14.9 JAPRT, número anterior à sua apensação.
- A própria relação de namoro que o arguido mantinha com V…, cunhada de U… e irmã de W…, que levou a que nem sequer pudessem colocar a hipótese do arguido os estar a enganar, o que é, aliás, compreensível.
Depois, a demora na entrega da viatura, acabou também por não suscitar dúvidas nas testemunhas, face a toda a panóplia de requerimentos que a sociedade “Z…, Lda” assinou por lhe terem sido remetidas pelo arguido, alegando que se destinavam a desbloquear a situação em tribunal.
De entre tais requerimentos, conta-se um intitulado “contrato de confissão de dívida”, constante de fls. 10 a 11, nos termos da qual a sociedade arguida declarava ter adquirido no âmbito da sua actividade dois veículos, cedendo a sua posição contratual relativamente a um desses veículos à sociedade “Z…, Lda”, sendo o custo dessa cedência, €7.500 (sete mil e quinhentos euros).
Para além daquele, temos também os requerimentos a que se alude nos pontos 52 e 56 dos factos provados, de fls. 14 e 16 dos autos apensos com o NUIPC 395/14.9JAPRT, número anterior à sua apensação, conjugadamente, como é evidente com o depoimento da testemunha U…, e bem assim os mails trocados com o arguido, cujo teor corroborou, mails esses de fls. 12, 13 e 15.
Ora, da conjugação da prova testemunhal e documental supra enunciada, nenhuma dúvida se coloca ao tribunal quanto ao facto da actuação do arguido ter sido toda ela direccionada no sentido de fazer o ofendido U… acreditar ter adquirido uma viatura numa massa insolvente, a qual já havia sido paga pelo arguido.
Também a propósito destes factos, o arguido prestou declarações, negando os factos e, mantendo a versão de que efectivamente adquiriu a dita viatura pick up numa massa insolvente que entretanto cedeu ao U…, e a justificação por até à presente data a viatura não ter sido entregue, justificou esse factos com a sua detenção.
Com efeito, segundo referiu, entretanto foi preso e por via disso não chegou a concluir o negócio.
Ora, esta versão também não colhe, porquanto se era verdade que adquiriu a tal viatura numa massa insolvente e se é verdade que remeteu ao processo onde corria a insolvência o aludido contrato de confissão de dívida, por via do mesmo, a viatura sempre teria que ser entregue à empresa “Z…, Lda”, da qual, o ofendido U… era o sócio gerente.
VI
A factualidade constante dos pontos 62 a 68 que se deu como provada, baseou-se nas declarações que foram prestadas pelas testemunhas AF…, administrador da assistente AG…, SA”, da testemunha AH…, AW…, ambos accionistas desta sociedade, AX…, técnico oficial de contas desta mesma sociedade, AD…, funcionário da imobiliária “AE…, Lda”, que intermediou a venda do imóvel sito na …, n.º …./…., no Porto, propriedade de AI… (já falecido) e AT…, viúva daquele, que também prestou declarações em sede de audiência de julgamento.
Ponto comum aos depoimentos prestados, foi a espontaneidade, objectividade e imparcialidade com que foram prestados, não se tendo em momento algum duvidado da credibilidade dos mesmos.
E, da conjugação dos mesmos, resultaram demonstrados todos os factos por que se acusava o arguido, designadamente que, após ter arrendado aos legítimos proprietários, AI… (entretanto falecido) e mulher AT…, o prédio sito na …, n.º …./…., no Porto, intitulando-se dono do mesmo, prometeu vender o mesmo através de AD…, que era funcionário da sociedade “AE…, Lda”, à sociedade “AG…, SA”, recebendo a título de sinal e em numerário, a importância de €20.000 (vinte mil euros).
Concretizando.
Referiu a testemunha AD… funcionário da aludida imobiliária “AE…” e que conhecia o arguido da actividade de mediação imobiliária, referiu que o mesmo lhe terá dito que tinha uma moradia para vender sita na Avenida da Boavista, pelo valor de €400.000 (quatrocentos mil euros), tendo a testemunha em resposta lhe dito que teria um cliente para esse imóvel, designadamente a testemunha AF…, administrador da AG…, com o qual contactou.
Na sequência desse contacto, a testemunha AF… visitou o imóvel, gostou dele e mostrou-se interessado na respectiva aquisição, embora por um preço diferente daquele que estava a ser pedido pelo arguido.
Na verdade, quer segundo esta testemunha, quer segundo a testemunha AW…, accionista daquela sociedade anónima, foi este quem negociou o valor do imóvel com o arguido, acordando ambos, cerca de 15 dias depois, que o preço da venda seria de €200.000 (duzentos mil euros), portanto, metade do valor inicialmente pedido pelo arguido.
Obtido o acordo quanto à venda do imóvel, foi celebrado o respectivo contrato promessa, o qual se mostra junto a fls. 7 a 9 dos autos apensos com o NUIPC 5518/14.5TDPRT (número anterior à apensação aos presentes autos principais).
Da análise desse contrato promessa de compra e venda, datado de 05 de Fevereiro de 2014, resulta como primeira outorgante, na qualidade de promitente vendedora, a sociedade arguida “Y… Lda”, ali representada pelo respectivo sócio gerente, o arguido B….
Como segunda outorgante e, na qualidade de promitente compradora, figura a sociedade anónima “AG…”, nesse acto representada pelo respectivo administrador AF….
Ainda de acordo com a cláusula primeira desse contrato (cujo teor foi corroborado em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas AF…, administrador da AG…, AH…, accionista da AG… e AY…, toc dessa sociedade), resulta entre o mais, que “A primeira outorgante é dona e legítima proprietária do prédio urbano destinado a habitação, sito na …, n.º …./…., união das freguesias de …, concelho do Porto (…)”.
E, ainda, na cláusula segunda que “A primeira contraente promete vender à segunda contraente e esta promete comprar-lhe, o prédio urbano identificado na cláusula primeira do presente contrato”.
O preço establecido, conforme referido pelas testemunhas e, consta da cláusula terceira do citado contrato era de €200.000 (duzentos mil euros).
Conforme referiram ainda as testemunhas, a AF…, AH…, AX… e AW…, a título de sinal e princípio de pagamento, foi entregue ao arguido, em numerário, em conformidade com o por ele pedido (a testemunha AF…, referiu até a este propósito que o arguido tinha exigido que a entrega fosse em numerário, porquanto estava alegadamente a necessitar de dinheiro), a quantia de €20.000 (vinte mil euros), quantia da qual continuam desapossados.
Com efeito, quem procedeu à entrega em mãos ao arguido dessa importância, foi a testemunha AH…, accionista da AG…, tendo assinado o contrato promessa de compra e venda que consta dos autos - conforme ela própria referiu após ter sido confrontada com o teor do mesmo – entregando ao arguido e, ficando na sua posse com o duplicado assinado pelo arguido naquela ocasião, em representação da sociedade arguida (o que consta dos autos e que tinha ficado na posse da assistente “AG…, SA”.
Inexiste, portanto, qualquer dúvida quanto ao recebimento por parte do arguido da aludida importância de €20.000 (vinte mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento por conta da prometida venda do imóvel sito na ….
Quem assistiu à entrega desse valor ao arguido e à assinatura do contrato promessa de compra e venda, foi a testemunha AD…, conforme ele próprio declarou de forma descomprometida e espontânea em sede de audiência de julgamento.
Aliás, do próprio contrato promessa, resulta da respectiva cláusula quarta, o seguinte: “A título de sinal e princípio de pagamento, a segunda contraente pagou à primeira contraente, a quantia de €20.000 (vinte mil euros) em numerário e liquidará a quantia remanescente de €180.000 (cento e oitenta mil euros) na data da outorga da escritura pública”.
Acrescentando a cláusula sexta desse contrato promessa que “A escritura pública de compra e venda será outorgada até ao dia 30 de Março de 2014, em data e hora a indicar pela segunda contraente à primeira, por carta registada dirigida àqueles, com a antecedência mínima de cinco dias sobre a data de realização da escritura”.
Sucede porém que, resultou igualmente provado que, contrariamente ao que o arguido dizia, o imóvel em causa não era propriedade nem sua nem da sociedade arguida, mas sim propriedade de AI… (já falecido) e de AT…, os quais tinham arrendado esse imóvel ao arguido (e já não à sociedade arguida).
Com efeito, mostra-se junto a fls. 870 a 871, o contrato de arrendamento, datado de 01 de Janeiro de 2014, figurando como primeiro outorgante, na qualidade de locador, AI… e, como segundo outorgante na qualidade de locatário, o arguido B…, nos termos do qual, ficava declarado que o primeiro outorgante na qualidade de dono e legítimo possuidor do imóvel, destinado à habitação, sito na …, n.º …./…., no Porto, arrendava-o ao arguido, pelo valor de renda mensal de €800 (oitocentos euros), no primeiro ano, sendo que, o contrato teria a duração de cinco anos, prorrogado automaticamente caso as partes não o denunciassem ou não o resolvesse nos termos da lei.
A corroborar esta prova documental, foi ouvida a testemunha AT… que de forma absolutamente isenta e espontânea, declarou que na sequência de ter publicitado no jornal o arrendamento do imóvel em questão, o arguido B… apareceu-lhe juntamente com um outro individuo de nome Q…, intitulando-se aquele como sendo engenheiro civil, para verem o imóvel.
Depois, por o arguido B… ter ficado interessado em ficar com o imóvel, foi celebrado o contrato de arrendamento supra referido.
Porém, não obstante a celebração desse contrato, nunca mais avistou qualquer movimentos na dita casa, a ponto de ter que estabelecer contacto dizendo que as ervas existentes no jardim do prédio estavam grandes e que necessitavam de ser cortadas, tendo vindo a saber por intermédio do tal individuo de nome Q… que o arguido se encontrava preso.
A propósito destes factos, o arguido foi confrontado com o contrato de arrendamento de fls. 870 a 871 supra referido, tendo confirmado o respectivo teor, no entanto, referiu que a senhoria, AT… lhe tinha dito que se tivesse um comprador interessado que venderia o imóvel.
Confirmou, ainda, ter recebido a quantia de €20.000 (vinte mil euros) por parte da AG…, em duas tranches de €8.000 (oito mil euros), em numerário e de €12.000 (doze mil euros) em cheque (que curiosamente nem sequer sendo que o contrato promessa de compra e venda foi celebrado em nome da sociedade “Y…, Lda”, “para ceder a posição contratual”, conforme referiu, não tendo sido a sua intenção enganar a AG…, em concreto, tudo não tendo passado de negócios que correram mal, tanto mais que, tendo sido entretanto preso não teve possibilidades de cumprir o negócio da venda.
Sucede porém que, também quanto a esta situação específica não colheu a versão apresentada pelo arguido.
Senão vejamos.
E, começa-se desde logo por dizer que se efectivamente a intenção do arguido era a de adquirir o imóvel em apreço, muitas questões se colocam, designadamente:
Porque é que arrendou o imóvel?
Porque é que o arrendou pelo período de 5 anos?
Porque é que não combinou logo com os legítimos proprietários a compra do mesmo?
Se a intenção fosse adquiri-lo e posteriormente vendê-lo à AG…, não se compreende como é que no contrato promessa de compra e venda a que supra fizemos referência, se tivesse comprometido/acordado que a escritura pública de compra e venda seria celebrada no prazo de 30 dias.
Com efeito, não se vislumbra como é possível que conseguisse adquirir o imóvel e logo de seguida vendê-lo, ou melhor, até conseguiria se todos os intervenientes no negócio estivessem a par da situação, o que não foi o caso, pois que, tudo foi feito à revelia dos donos da moradia.
Ademais, a proprietária do imóvel, AT… foi clara no seu depoimento ao referir que nunca sequer pediu ao arguido que mostrasse a casa a outras pessoas para a vender. Nunca lhe disse que a venderia e, nunca sequer falaram em quaisquer valores.
Acresce ainda que, muito se estranha que estando o arguido a pedir pela venda da casa a importância de €400.000 (que referiu ao AD…, quando lhe disse que a queria vender) ou €350.000 (trezentos e cinquenta mil euros), conforme veio a pedir à testemunha AW… tivesse depois baixado esses valores para metade, aceitando vender o imóvel por €200.000 (duzentos mil euros).
A única explicação que logramos vislumbrar é a de que efectivamente o arguido orquestrou toda esta situação única e exclusivamente para lhe ser entregue o sinal de €20.000 (vinte mil euros), conforme veio, de facto, a suceder.
Além disso, a forma como o arguido procedeu não levantou qualquer suspeita no administrador da AG…, AF…, como também não levantou qualquer suspeita ao accionista da mesma, AW… que interveio directamente nas negociações da venda com o arguido.
De facto, conforme ambos referiram de forma peremptória e coerente, por o arguido lhes ter sido apresentado pelo AD… que já conheciam de longa data por ter trabalhado para eles na compra e venda de outros imóveis, sem quaisquer razões de queixa, acreditaram de boa-fé que também estariam a lidar com uma pessoa séria e honesta, que logo na primeira visita ao imóvel lhes abriu a porta da entrada e sempre se intitulou como sendo o dono da casa, nada fazendo suspeitar que assim não fosse.
Na verdade, a boa-fé destas testemunhas era tanta que, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda nem sequer se deram ao trabalho de pesquisarem na conservatória do registo predial e nas finanças pelo nome em que o mesmo estaria registado.
Apenas vieram a descobrir que haviam sido enganados, quando o tal AD… lhes disse que o arguido se encontrava preso, altura em que foram verificar os documentos atinentes ao prédio, verificando que, afinal, o arguido não era o dono do mesmo.
VII
A factualidade provada e descrita sob os pontos 69 a 78, assentaram na análise das certidões juntas aos autos, designadamente, de fls. 365 a 376, por referência à factualidade descrita nos pontos 69 e 70; de fls. 221 a 223, por referência à factualidade constante dos pontos 71 e 72; de fls. 246 a 248, por referência à factualidade descrita nos pontos 73 e 74.
No que concerne à convicção positiva quanto ao facto do arguido não apresentar qualquer declaração de rendimentos desde o ano de 2007 e não efectuar descontos para a segurança social, não se encontrando vinculado a qualquer entidade empregadora, levou-se em consideração o teor de fls. 529 e 510, respectivamente.
A convicção positiva relativa à importância monetária e telemóveis que lhe foram apreendidos, atendeu-se ao respectivo auto de apreensão de fls. 421.
Considerou, ainda, o Tribunal o teor do relatório social junto aos autos, a fls. 244 a 247, quanto às condições de vida do arguido (plasmadas na factualidade vertida nos pontos 82 a 94) e o CRC também junto aos autos, a fls. 1322 a 1331, no que concerne aos antecedentes criminais que lhe são conhecidos.
A factualidade que se deu como não provada, resultou da ausência de prova séria, segura e indubitável relativa à respectiva verificação, sendo que, a prova que foi sendo produzida ao longo da audiência de julgamento foi sucessivamente apontando caminhos bem diferentes, precisamente os que se vieram a dar como provados.
Com efeito, estamos aqui a referir-nos ao facto de não se ter considerado provado que o arguido se tivesse limitado a celebrar negócios lícitos que pura e simplesmente lhe correram mal, conforme ele alegou em sede de contestação e, que de facto era sua intenção vender a moradia sita na ….
Quanto a este último facto, como justificação para se considerar que esse facto não resultou provado, damos por uma questão de brevidade, damos aqui por integralmente reproduzidas as considerações que expusemos supra quanto a esta situação.
E, quanto à questão da licitude dos negócios celebrados que correram mal, não colhe esta versão.
Com efeito, toda a conduta do arguido, o modo como fazia as coisas, até o próprio modo como se apresentava às pessoas, como engenheiro, como pessoa de posses, criando uma falsa imagem, foi levando a que as pessoas na sua boa fé acreditassem no que dizia e, consequentemente lhe entregassem as quantias monetárias a que se faz alusão nos autos.
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Decidindo:
Limitemos as questões a decidir neste recurso:
- a circunstância qualificativa do crime de burla agravada;
- a consequente validade das desistências de queixa quanto à burla simples;
- o concurso aparente entre os crimes de burla e de falsificação de documento;
- a verificação da existência de crime continuado;
- a medida da pena.
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O Tribunal a quo considerou estar preenchida a circunstância qualificativa prevista no Art. 218º, nº 2, alínea b), do Código Penal, em relação a alguns dos crimes praticados pelo arguido (o agente faz da burla o seu modo de vida).
O arguido, no seu recurso, discorda de tal qualificativa e pretende que tais crimes são apenas burlas simples, previstas no Art. 217º, nº 1 e nº 3, do mesmo diploma legal.
Vejamos se, face aos factos provados o arguido fez da burla modo de vida e assim preencheu tal elemento do tipo legal.
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O crime de burla pressupõe a verificação dos seguintes requisitos objectivos e subjectivos (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.2.1992, proferido no processo nº 42.203 daquele Alto Tribunal): que alguém, astuciosamente, induza outrem em erro ou engano; que a pessoa assim enganada se determine a praticar actos que, a si ou a outrem, causem prejuízos patrimoniais; que o agente tenha agido com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
O bem jurídico aqui protegido consiste no património globalmente considerado; a burla consubstancia, também, um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de "disponibilidade fáctica" do sujeito passivo ou da vítima e, assim, quando se dá um "evento" que, embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónomo em relação a ela.
Por outro lado, a burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento: traduz-se ela na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
A burla constitui um crime de dano que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro e apenas nesse momento.
Consubstancia assim um crime material ou de resultado, cuja consumação depende da verificação de um evento que se traduz na saída dos bens ou valores da esfera de "disponibilidade fáctica" do legítimo detentor dos mesmos ao tempo da infracção.
Repetindo, para melhor esclarecimento: integra esta infracção penal um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento: traduz-se ela na utilização de um meio astucioso e enganoso, tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
É uma questão já exaustivamente estudada: tratando-se de um crime material ou de resultado, a consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (seu ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial.
Ainda no tocante à conduta, o n° 1 do Art. 217° assinala que o erro do sujeito passivo tem de ser provocado astuciosamente, mediante engano ou erro provocado.
Em síntese, a burla consubstancia, portanto, um delito de intenção (Absichtsdelikt).
Dir-se-á assim e a priori que a responsabilidade criminal do agente pelo ilícito agravado, necessariamente pressupõe a admissibilidade de um dolus generalis, enquanto instrumentum capaz de dar uma cobertura mínima à continuidade de uma defesa por um direito penal que jamais se estribe na responsabilidade objectiva: Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 70.
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Mas a questão tem de ser avaliada no caso concreto, valorizando enquanto tal a análise discursiva teórica do tipo legal e seus elementos essenciais:
A qualificativa do Art. 218º, nº 2, alínea b) (o agente fizer da burla modo de vida) difere da alínea a) do Artº 314º da versão originária do Código Penal: o agente se entregar habitualmente à burla: trata-se nitidamente de expressão de conteúdo mais restritivo, exigindo-se, para além de o agente se dedicar habitualmente à prática de burlas, que ele faça disso a fonte dos proventos e rendimentos para o seu sustento.
Não se exige sequer qualquer condenação anterior, sendo suficiente a prova de que o agente se vem dedicando à prática de burlas como seu modo de vida, retirando réditos essenciais desta sua atitude penalmente relevante.
Circunscrevendo o tema em estudo, citamos aqui o Ac. da Relação de Coimbra, de 16 e Junho de 2015, proferido no processo nº 202/10.1PBCVL (dgsi.pt), que nos confere, dentro do estudo realizado e a realizar, um conceito muito seguro de modo de vida na prática do crime de burla:
“Para preenchimento da qualificativa modo de vida, não se exige que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de um daqueles tipos legais de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja factor determinante para que se possa concluir que disso também faz modo de vida.
Deve entender-se como fazendo da burla modo de vida não é suficiente que as infracções singulares tenham sido cometidas com o escopo de lucro ou com o fim de outro proveito económico, mas o complexo das infracções deve revelar um sistema de vida, como é o caso do ladrão ou do burlão que vivem sem trabalhar, dos proventos dos delitos (Manzini, Tratado, Vol. III, pág. 223)”.
Entende-se como fazendo “da burla modo de vida”, a entrega habitual à burla, que se basta com a pluri-reincidência, devendo ser tomadas em consideração, não só as eventuais anteriores condenações do agente, constantes do seu registo criminal, como também as denúncias ou participações policiais existentes, o conteúdo dos ficheiros policiais e todos os outros elementos testemunhais ou documentais, além – como é óbvio – dos factos descritos no acervo e realmente praticados (sendo aqui indiferente o espaço temporal que medeia entre a prática dos mesmos).
Fundamental é a reiteração dos crimes, que representam e fornecem os réditos principais do agente.
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Fixado o conteúdo da qualificativa modo de vida, resultante do conjunto dos factos provados, dúvidas não podem subsistir quanto à sua verificação.
Com efeito, para além das condenações que o recorrente havia já sofrido pela prática de crimes de burla, o número de crimes desta natureza por si praticados e que são objectos destes autos, aliado aos valores envolvidos [alguns deles muito elevados (questão também com outro contorno penal)], não pode ter outro sentido de que a actividade da prática de burlas constituía um exclusivo modo de vida.
Em conclusão, está verificada a referida circunstância qualificativa prevista no Art. 218º, nº 2, alínea b), do Código Penal, referente ao crime de burla qualificada, tal como resulta do libelo acusatório e do acórdão agora sob censura.
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E sendo assim, a consequente validade das desistências de queixa quanto à burla simples não tem razão de ser: o crime de burla qualificada reveste a natureza de crime público, pelo que não releva a desistência de queixa: Arts. 113º, nº 1 e 116º, nº 2, ambos do Código Penal (terá validade em sede de elaboração de cúmulo jurídico).
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A questão seguinte refere-se à eventual existência de concurso aparente entre os crimes de burla e de falsificação:
Entendo o recorrente que se trata de um único crime, já que a falsificação de documento integra o conceito de acto preparatório do crime de burla.
Este assunto já foi por diversas vezes analisado e decidido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, sempre no sentido do concurso real, atendendo aos bens jurídicos protegidos por ambas as normas típicas.
Vejamos:
À laia de resumo prévio, concordamos com o sumário do acórdão do S.T.J., de 26.10.2011, prolatado no processo n.º 1441/07.8JDLSB.L1 (dgsi.pt): “Ao contrário do que pretende o recorrente, da alteração da redacção do art. 256°, n° 1 do CP, introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, não resulta a alteração ou a caducidade da jurisprudência fixada, quanto ao concurso de crimes, pelos Acórdãos do STJ, de Uniformização, de 19.2.1992 e 8/2000.
Provavelmente, ao alargar a acção típica aos segmentos «ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outros crimes», o legislador apenas terá pretendido incluir condutas que, até aí, não estavam previstas, por forma a abranger aquelas situações em que o agente pudesse não ter tido intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de obter, para si ou para outrem, beneficio ilegítimo, mas apenas tivesse a intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. Assim se justifica, na redacção actual da norma, a conjunção ou que antecede o novo segmento do texto e o pronome outro que precede a palavra crime.
Esse alargamento introduzido pelo legislador em nada afecta ou contende com a dimensão normativa dos preceitos penais em causa, uma vez que o que releva nesta sede é a natureza distinta dos bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminatórias, e essa natureza não foi beliscada pela alteração legislativa introduzida”.
Com efeito, o S.T.J. fixou a seguinte jurisprudência: “no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217.º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”: Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 8/2000, de 04.05.2000, publicado no D.R. nº 119, SÉRIE I-A, de 23.5.2000.
In casu, as diversas acções típicas descritas preenchem os elementos constitutivos de vários crimes de falsificação de documento, previstos nos termos do Art. 256º, nº 1 e nº 3, do Código Penal, sendo irrelevante para a questão do concurso entre o crime de falsificação e de burla saber se a conduta se enquadra na alínea a) ou d) do nº 1 do artº 256º, e, consequentemente, para a questão de saber se deve ou não de ser afastada a doutrina seguida pelo STJ na fixação de jurisprudência sobre essa questão concreta. O que interessa é saber se deve ou não ser afastada a doutrina perfilhada pelo STJ na uniformização de jurisprudência sobre a questão do concurso entre os crimes de burla e falsificação de documento independentemente de a conduta típica de falsificação integrar a previsão da alínea a) ou da alínea d) do nº 1 do artº 256º.
E verificamos que tal doutrina não deve, não pode ser afastada: não constando da motivação do recurso qualquer argumento que não tenha já sido considerado pelo Supremo naquele assento, nem se vislumbrando alguma razão nova para dele divergir, nada havendo a acrescentar às considerações acima referidas, deve concluir-se pela improcedência do recurso, nesta vertente concreta.
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Segue-se a análise de novo segmento do recurso: a eventual verificação da existência de crime continuado.
De harmonia com o disposto no nº 2 do Art. 30º, do Código Penal, são pressupostos do crime continuado: a homogeneidade da forma de execução do crime, a lesão do mesmo bem jurídico, a unidade do dolo e a persis­tência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
Provando-se a existência de um circunstancialismo exógeno condicionante e desculpante da conduta do agente, que realizou várias vezes o mesmo tipo de crime, podemos concluir pela continuação criminosa (delictum continuatum): em cada uma das acções atomísticas, o agente reformula e reafirma a sua intenção criminosa, que no final se reduz apenas a um crime; e age desse modo, porque a sua culpa se esbate: é que não basta mostrar que o elemento unificador da conduta criminosa não implica maior gravidade penal; é preciso também demonstrar que esse elemento importa uma reprobabilidade menor que justifique o tratamento das diferentes actividades como se fossem uma só: Eduardo Correia, ob. cit. (sempre actual), pág. 171.
A figura do crime continuado é uma excepção à regra da pluralidade de crimes.
O cerne da questão é, aqui, o bem jurídico; para os bens não eminentemente pessoais – como por exemplo o patri­mónio – é suficiente que a conduta continuada vise bens jurídicos fundamentalmente idênticos.
Importa ainda conjugar todo o circunstancialismo homogéneo, externo ou exógeno, avaliado à luz de um critério espaço-temporal, com o circunstancialismo endógeno que diminui a culpa do agente; fala a doutrina em linha psicológica continuada para dar solidez à construção do crime continuado, no qual o agente procede a sucessivas renovações do desígnio criminoso inicial (ao contrário do concurso de crimes, no qual em cada acto se manifesta uma nova resolução criminosa).
Em suma, há um só crime continuado, mesmo quando existe a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários tipos legais, se a culpa se mostra acentuadamente diminuída – o que permite que apenas se faça um único juízo de censura.
Ou seja, no crime continuado a unificação das diversas condutas numa só (continuada) resultará da unidade do fim, desígnio ou planeamento do crime, com aproveitamento de semelhantes ocasiões exteriores de execução, resultando este contexto de uma diminuição considerável da culpa.
E é ainda neste último ponto que se determina uma vez mais a ausência de fundamento da tese do recorrente: em nenhum momento do factualismo provado, na sentença recorrida, se vislumbra uma simples referência à culpa diminuída do arguido.
Diremos mesmo mais: admitindo, em tese, que essa diminuição não teria de estar descrita no acervo fáctico, também em nenhum momento da decisão nos é permitido concluir que o quadro exógeno em que o arguido agiu diminuiu substancialmente a sua responsabilidade.
De todos os factos enunciados, de todas as condenações relatadas, essa unidade de conduta não ressalta clara, não pode ser objecto de avaliação à luz de uma renovação da determinação inicial; e se bem se percebe, nem sequer existe a necessária coerência temporal.
Curiosamente – e não se pode deixar de anotar esta realidade – o arguido contradiz-se: por um lado, alega o afastamento temporal das condutas, no sentido de afastar a qualificação do crime, pela não existência de coerência e proximidade temporal; por outro, aqui tenta considerar a proximidade das suas condutas, para fundamentar o crime continuado; sibi imputet.
Em resumo final, a já várias vezes mencionada redução substancial da culpa teria de resultar da criação de um ambiente propício à realização plúrima da conduta, com a necessária aquisição de um grau de confiança primordial, que daria ao agente a possibilidade e a oportunidade de repetir os factos de forma homogénea e reiterada, em obediência a uma linha psicológica constante.
Este quadro não está aqui presente, pelo que não nos confrontamos com a prática de um único crime continuado de burla e outro de falsificação.
Também aqui improcedem os argumentos do recorrente.
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A medida da pena:
Resta, para concluir este trabalho de análise ao acórdão em crise, apreciar e analisar a medida concreta das penas, quer as parcelares, quer a resultante do cúmulo jurídico.
Em termos sintéticos, poderá dizer-se que uma conduta é merecedora de pena sempre que seja considerada socialmente danosa e que, por isso mesmo, a comunidade lhe atribui o merecimento de pena: Faria Costa, Noções de Direito Penal, 2ª edição, pág. 182.
Consideremos que a culpa do agente fixa a moldura da punição, cuja medida concreta será ajustada às exigências dos fins de prevenção e ressocialização; a quantificação dessa medida da culpa resultará da ponderação de todos os elementos relevantes que nela se reflectem.
A individualização judicial da pena de prisão emerge do princípio da culpa; domina, na sua determinação, a teoria da margem de liberdade, que funciona entre parâmetros concretos, do já adequado à culpa ao ainda adequado à culpa, sem deixar de ter em conta os fins de prevenção geral e de prevenção especial.
As sanções criminais são, nas palavras de Eduardo Correia (mestre tantas vezes esquecido), uma necessidade de afirmar certos valores ou bens jurídicos (Direito Criminal, I, pág. 39): elas podem ser dirigidas à prossecução de diversos fins, porventura mesmo de todos eles, em comum: podem dirigir-se à prevenção de violações futuras, agindo sobre a generalidade das pessoas, intimidando-as e desviando-as da prática de crimes (prevenção geral); podem ainda dirigir-se ao próprio agente, intimidando-o e dando-lhe consciência da seriedade da ameaça penal (prevenção especial); acresce hoje o princípio da ressocialização.
A conduta punível deve ser, desde logo, ilícita e tipificada; e importa fazer um juízo de censura sobre tal conduta, que representa a culpa do agente (Faria Costa, ob. cit., pág. 189.
Considerando que a reacção criminal tem em vista proteger interesses relevantes (os bens jurídicos protegidos), conservá-los e defendê-los, a sua razão de ser resulta da necessidade de evitar que esses interesses venham a ser violados, ou voltem a sofrer violações.
À luz dos princípios emergentes do Direito Penal constituído, as penas devem reflectir todas essas finalidades de forma harmónica, visando sempre a protecção do bem jurídico que lhes subjaz e a realização dos fins éticos do sistema: tal é a filosofia do Art. 40º do Código Penal, a que acresce a ratio do seu Art. 71º, nº 1.
Escreveu Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Parte Geral, II, pág. 216): a prevenção significa prevenção geral e também prevenção especial, sendo a culpa que releva para a medida da pena aquela mesma culpa que releva na determinação do sentido, dos limites e dos fins das penas e da sua aplicação. Conclui o autor que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, não podendo a pena ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.
Será ainda de referir que a nossa lei penal respeita os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da personalidade e da humanidade, nas sanções que prescreve; e como corolário do princípio da legalidade, decorre o princípio da não retroactividade da aplicação das penas e medidas de segurança.
Finalizando, dir-se-á que o actual Código Penal ampliou consideravelmente os poderes do juiz no que respeita à escolha e medida da pena, mostrando tal opção do legislador a confiança que lhe merecem os magistrados judiciais portugueses.
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Nesta vertente, um dos princípios fundamentais reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, como desde logo o pronuncia o Art. 13º, ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Também importa considerar este segmento do Ac. do STJ, ainda totalmente actual, in BMJ nº 149, pág. 75:
O grau de violação, ou perigo de violação do interesse ofendido, o número de interesses ofendidos e das suas consequências, os meios de agressão utilizados, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, o grau de intensidade da vontade criminosa, os sentimentos manifestados na preparação do crime, os motivos determinantes do crime, a conduta anterior ao crime e posterior ao crime, a personalidade do agente, as condições pessoais do agente, a situação económica do agente, os sentimentos manifestados na preparação do crime: eis os elementos e as circunstâncias factuais que caracterizam a atitude interna ou a atitude moral do delinquente e que não cabem no dolo, nem nos motivos ou fins da vontade criminosa, dizendo respeito, mais directamente, à posição do agente perante a própria ordem jurídica (elemento imprescindível da medida da pena).
A determinação da pena desenrola-se em três fases: escolhem-se os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada; fixam-se os factores que influem no doseamento da pena, as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação com os fins das penas, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena; tecem-se os fundamentos que alicerçam a determinação efectuada.
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No acórdão recorrido, foram observadas as seguintes premissas, no que respeita à fundamentação jurídica das penas parcelares:
No que concerne aos elementos elencados no art.º 71º, n.º 2 do Código Penal, há a considerar o seguinte:
- A ilicitude dos factos é acentuada, sendo igualmente de ponderar o modo de execução de qualquer um dos crimes que se analisam.
- O dolo foi intenso – dolo directo, na sua modalidade mais grave.
- Os antecedentes criminais conhecidos ao arguido pela prática de idênticos ilícitos criminais, as quais não se revelaram suficientes no sentido de o afastar da criminalidade.
- A postura do arguido em sede de audiência de julgamento, que não revelou qualquer juízo de censurabilidade ou reprovação das suas condutas, para além do facto de ter junto aos autos uma declaração de desistência de queixa por ressarcimento dos danos e uma declaração de concordância com a extinção da responsabilidade criminal acompanhada de uma declaração de confissão de dívida, que não foram assinadas pelo punho dos ofendidos, tratando-se, antes, de declarações falsificadas com o fito do tribunal julgar extinta a responsabilidade criminal do arguido e, assim, não o condenar em qualquer pena pela prática desses ilícitos.
Por outro lado, haverá a considerar:
- As condições de vida do arguido, espelhadas na factualidade que, a este propósito e, com base no relatório social se deram como provadas e as quais por razões de brevidade nesta sede se dão por integralmente reproduzidas.
- Já em meio prisional, o arguido tem registado um comportamento ajustado.
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Considerando estes elementos, avaliados à luz das regras ditadas pelo Art. 40º e concretizados no Art. 71º, ambos do Código Penal, a imagem parcial de cada crime permite concluir em síntese que:
- o grau de ilicitude é elevado, sendo tal juízo válido em relação a todos os crimes resultantes da tipificação das diversas condutas.
- a culpa é intensa, manifestando-se em dolo directo, em todas os comportamentos descritos;
- é notória a preparação cuidada de cada um dos crimes descritos, manifestando o arguido conhecimento dos métodos e mecanismos enganatórios e dos ardis utilizados;
- é patente a elevada gravidade das consequências em todos e cada um dos crimes tipificados e aqui preenchidos, sem restituição das quantias ilicitamente obtidas;
- a motivação do arguido é patente, em sede de aproveitamento dos enganos por si provocados, com o fito de obter réditos ilegítimos à custas desses estratagemas;
- acresce o registo criminal e a ausência de auto-crítica e de confissão, mesmo face a todo o factualismo abundantemente provado e descrito;
- será todo o comportamento delituoso ainda apreciado, quer em sede de prevenção especial, quer em sede de prevenção geral (nunca perdendo de vista a necessária e premente ressocialização): o arguido, não obstante ter já sofrido várias condenações relativas a crimes da mesma natureza, não logrou adaptar o seu comportamento às regras legais, éticas e sociais.
- noutra vertente, deverão ser valoradas a sua situação económica, pessoal e familiar.
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Do cotejo de todo este circunstancialismo, teremos de aceitar que todas as diferentes penas parcelares se encontram bem fixadas e determinadas, sendo justas e adequadas à personalidade do arguido e ao seu concreto grau de culpa.
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Em relação ao cúmulo jurídico realizado, vejamos quais as regras para a fixação da pena única:
O momento determinante para a sujeição de um conjunto de crimes a uma pena única é, nos termos dos Arts. 77º, nº 1 e nº 2, aplicável por força do Art. 78.º, n.º 2, ambos do Código Penal, o trânsito em julgado da primeira condenação.
Reavaliando as já estudadas circunstâncias relevantes, considerando a moldura penal de cada um dos crimes em concurso, bem como os limites impostos pelo já citado Art. 78º, nº 2, do Código Penal, apreciando a personalidade do arguido e os factos no seu conjunto, apenas um facto importante não foi considerado globalmente, se bem que sem significado jurídico na determinação das penas parcelares: as desistências de queixa formuladas, mas não atendidas, dada a natureza pública dos crimes de burla em questão.
Deverá agora realizar-se uma nova avaliação, com vista à determinação da concreta pena unitária, sendo certo que se trata de elemento factual, juridicamente não despiciendo no cômputo geral da avaliação final da culpa do arguido (entendemos assim que este é o momento juridicamente adequado para tal avaliação e não as operações de determinação de cada uma das penas parcelares).
Deste modo, a pena final há-de reflectir todo este manancial típico, agora também em sede de consequências dos crimes, sopesada e considerada a personalidade do arguido e a ambiência factual com relevo penal.
E assim, a pena única, em cúmulo, irá ser fixada em 6 anos e 9 meses de prisão.
Deste modo, o recurso será apenas parcialmente procedente, restando os demais segmentos não providos.
*
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Decisão.
Pelo exposto, acordam nesta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido.
Em consequência, condenam o arguido B…, em cúmulo, na pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Sem custas.
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Porto, 9 de Dezembro de 2015.
Cravo Roxo
Horácio Correia Pinto