Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
353/19.7JAAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAUL ESTEVES
Descritores: CRIME DE INCÊNDIO
BEM JURÍDICO
Nº do Documento: RP20210310353/19.7JAAVR.P1
Data do Acordão: 03/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA (RECURSO DO ARGUIDO)
Decisão: PROVIDO (REENVIO)
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - “Espaços florestais” são “os terrenos ocupados com floresta, matos e pastagens ou outras formações vegetais espontâneas, segundo os critérios definidos no Inventário Florestal Nacional”. A nomenclatura do Inventário Florestal Nacional encontra-se harmonizada com as definições internacionais em matéria florestal estabelecidas pela FAO no âmbito do Forest Resources Assessments e do processo Forest Europe.
II - Os bens jurídicos protegidos pela incriminação são, além da vida, da integridade física e do património de outrem, o próprio ecossistema florestal, incluindo matas, ou pastagem, mato e formações vegetais espontâneas, tal como estão definidos no Inventário Florestal Nacional.
III- Consultando o Inventário Florestal Nacional, podemos encontrar a definição de matos ( ou matagais) como configurando a seguinte realidade: “Terreno, com área mínima de 0,5 ha e largura mínima de 20 m, com presença de vegetação espontânea composta por mato (por ex.: urzes, silvas, giestas, tojos) ou por formações arbustivas (ex.: carrascais ou medronhais espontâneos) com grau coberto mínimo de 25% e altura mínima de 50 cm.
IV - Mato rasteiro, expressão usada na factualidade provada, terá que ter como significado unicamente o que resulta da definição legal, sendo que, e face ao relatório de fls. 47 dos autos, podemos concluir que o incêndio ocorreu num terreno florestal, situado numa zona urbana no local existiu uma zona arborizada, que foi cortada, ficando no espaço apenas uma dezena de eucaliptos, de pequeno porte, estando o terreno limpo e preservado, tendo o incêndio coberto uma área de 0,25 hectares de mato rasteiro, sendo esta a espécie/objecto ardido.
V -Neste tipo de crime o ponto crucial reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem amiúde num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos sendo que neste tipo de crimes está primacialmente em causa não o dano, mas sim o perigo.
Assim, a área ardida, por si só, não basta para desde logo afastar a natureza do terreno e consequentemente o cometimento do crime, importando apurar a área e a largura do terreno em causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto.
1 Relatório
Nos autos nº 353/19.7JAAVR.P1, que correram os seus termos na Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Ovar, foi proferida sentença que decidiu:
Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, de 1 (um) incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com a obrigação de se sujeitar a acompanhamento por parte da DGRSP, que incidirá, para além do mais, em acompanhamento médico e psicológico, com vista ao tratamento ao alcoolismo.
Não conformado, veio o arguido a interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
I. Por douta sentença exarada em 02.10.2020, foi o aqui recorrente condenado pela prática de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º, n.º 1, do Código Penal, crime do qual vinha acusado pela douta acusação pública de 16.01.2020;
II. A referida norma incriminatória é composta por conceitos indeterminados que o intérprete/julgador tem obrigatoriamente de preencher através do recurso a factos ou de definições adoptadas por outros ramos do ordenamento jurídico, para, assim, deter elementos que lhe permitam operar, ou não, a densificação dos elementos que compõem o tipo objectivo da norma incriminadora em análise, por forma a chegar a um juízo condenatório ou absolutório;
III. Operação de prova e/ou densificação que foi, pura e simplesmente, omitida pelo tribunal a quo;
IV. Analisando a matéria de facto dada como provada na douta sentença de 02.10.2020, conclui-se que o tribunal de julgamento não deu resposta a um facto essencial postulado pelo objecto do processo, isto é, não provou toda a matéria de facto que se mostrava necessária para proceder ao julgamento do incidente na base dos presentes autos, concretamente não provou o que entendeu por mato rasteiro, conceito conclusivo, para, assim, se aferir da verificação cumulativa de todos os pressupostos do tipo objectivo do crime de incêndio florestal;
V. A douta sentença de 02.10.2020 é totalmente omissa quanto à premissa menor que conduziu ao seu silogismo final de condenação, pois não se entende como deu como provado um dos elementos objectivos do tipo legal de crime de incêndio florestal, mais concretamente como preencheu e ou entendeu o conceito de “mato rasteiro”, com a subsequente condenação do recorrente;
VI. Era dever do tribunal a quo ter começado por concretizar, através de factos, o que entendeu por mato rasteiro – noção essencial para o juízo condenatório final –, ou, então, ter recorrido ao uso de algumas das ferramentas que tinha ao seu dispor para a mencionada operação de densificação normativa, nomeadamente recorrendo ao glossário técnico do INCN, instituto público que prossegue o interesse público de conservação e defesa da natureza e das florestas, disponível no site http://www2.icnf.pt/portal/florestas/gf/gloss-tec;
VII. De acordo com o mencionado glossário, para o ICNF mato é “(…) extensão de terreno com área P 5.000 m2 e largura P 20 m, com cobertura de espécies lenhosas de porte arbustivo, ou de herbáceas de origem natural, onde não se verifique atividade agrícola ou florestal, que podem resultar de um pousio agrícola, constituir uma pastagem espontânea ou terreno pura e simplesmente abandonado. (…)”;
VIII. Confrontando a definição agora apresentada com a matéria dada como provada não percepciona o recorrente como é que o julgador preencheu/entendeu o conceito de mato rasteiro, existindo, pois, uma clara omissão do tribunal a quo quanto ao teor da sua premissa menor, composta pela noção/ideia/percepção de mato rasteiro, conceito aqui essencial para aferir como foi feito o preenchimento cumulativo dos pressupostos objectivos do tipo de ilícito;
IX. Aliás, verifica-se que a norma incriminatória só prevê o conceito de mato (que, de acordo com o espírito do legislador, tinha como objectivo enquadrar os grandes terrenos compostos por basta vegetação e inúmeras árvores que tornam perceptível, a olho nu, a ausência de manutenção e limpeza dos mesmos) enquanto o tribunal a quo utilizou a expressão de mato rasteiro sem a concretizar;
X. Analisando o teor da douta sentença de 02.10.2020, é evidente que não se provaram factos que permitissem chegar à conclusão extraída pelo tribunal a quo quanto à existência de mato rasteiro, ficando, claramente, por fundamentar o iter congnoscitivo do julgador, fundamentação que é de todo imprescindível à sindicância da bondade da decisão exarada, concretamente da verificação de um “incêndio que consumiu (…) mato rasteiro”;
XI. Tal omissão de factos gera o vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal o que, consequentemente, faz com que o processo seja reenviado para novo julgamento nos termos do disposto no artigo 426.º do Código de Processo Penal;
XII. No mesmo sentido do entendimento do recorrente exposto, referem Henriques Eiras e Guilhermina Fontes in Dicionário de Direito Penal e Processo Penal, 3.ª edição, que se verifica o vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal “(…) quando da factualidade vertida na decisão se constatar que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição (…) Concluindo-se em recurso pela existência do vício pode o processo ser reenviado para novo julgamento (artigo 426.º do CPP).(…)”, assim como
XIII. O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 475, página 502, no qual se consignou que “(…) Está-se na presença da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito quanto os factos colhidos, após o julgamento não consentem, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade, o ilícito como provado (…)”;
XIV. Do exposto, conclui-se que houve uma notória falta de fundamentação da douta sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Penal, por omissão de prova de factos essenciais à condenação alcançada, vício que se requer seja expressamente declarado por vossas excelências;
XV. Na hipótese de se considerar que o vocábulo “mato rasteiro” não se trata de um conceito factual, mas de direito a ser dado como provado, confrontando o alegado em VII. Destas alegações com o teor do relatório de inspeção judiciária, a fls. 47 a 50 dos autos, o qual foi tido em consideração pela douta sentença em crise, facilmente se verifica que há um notório erro na apreciação da matéria de facto dada como provada, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal,
XVI. Pois do mencionado relatório a fls dos autos consta que o epicentro do incidente em investigação no presente processo crime se tratava de terreno limpo e preservado, sem a existência de herbáceas de origem natural, evidenciando ter sido tratado pelo seu proprietário, atenta a sua classificação como preservado,
XVII. Havendo, por isso, escassez de material para servir de combustível;
XVIII. Confrontando a definição ínsita em VII com os elementos existentes nos autos, não houve incendio florestal algum, pois o terreno onde ocorreu o incidente registado no dia 18.05, além de não ter as dimensões consideradas em tal definição, não se caracterizava por ser um terreno inculto com plantas agrestes;
XIX. O que verificou no terreno é que o espaço onde o incidente ocorreu não tinha vegetação densa e denotava estar preservado,
XX. Havendo, assim, erro notório na apreciação da prova, pois “(…) Verifica-se esse erro quando, no uso de um processo racional e lógico, se extrai, de um facto dado com provado, uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Há-de tratar-se de uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si e que o que se deu como provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…) É a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (…)”;
XXI. Assim, na hipótese de improceder o vício arguido em XIV, o que apenas se admite no desenvolvimento de um raciocínio, sem conceder, subsidiariamente, requer-se que seja declarado o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, com todas as suas consequências legais;
XXII. Deu-se como provado em 2.º de II. da douta sentença de 02.10.2020 que “(…) Não obstante, o fogo reacendeu-se no dia seguinte, tendo sido necessária de novo a intervenção dos bombeiros (…)”;
XXIII. Tal facto é contraditado pelos próprios autos, porquanto na douta acusação pública refere-se que o suposto incêndio que deflagrou no dia 18.05.2019, foi extinto devido à “(…) pronta e imediata intervenção dos bombeiros com duas viaturas que extinguiram o fogo (…)”;
XXIV. Dada a intervenção de técnicos especializados no combate às chamas não vislumbra o recorrente como pôde o tribunal a quo fundar o nexo de causalidade essencial para dar como provado o referido facto vertido em 2.º de II., pois atenta a intervenção dos referidos bombeiros ou houve clara negligência das técnicas de rescaldo por parte da intervenção daqueles ou foi ateado fogo no dia seguinte, facto a que também o recorrente é alheio e não resulta dos autos a sua necessária investigação;
XXV. Havendo, assim, mais uma vez, erro notório na apreciação na prova;
XXVI. “(…) I – Como é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, o erro notório na apreciação da prova, como os demais vícios elencados no nº 2 do art. 410º do CPP, deve resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e tem de ser de tal modo evidente que uma pessoa de mediana compreensão o possa descortinar.
II – E existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (…)” – cfr. douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.04.2008, mencionado no Código de Processo Penal Comentado, da autoria de António Henriques Gaspar e outros, nas páginas 1360/1361;
XXVII. Perante o exposto, verifica-se existir uma clara ausência de factos que suportem a conclusão vertida no 2.º ponto da matéria de facto dada como provada em II da douta sentença de 02.10.2020, gerando, assim, incerteza quanto à bondade da matéria dada como provada e da correspondente decisão exarada, vício expressamente previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que deverá ser declarado, com as inerentes consequências processuais;
XXVIII. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, então não subsistirão dúvidas de que estamos perante o vício da insuficiência da matéria dada como provada, insuficiência que decorre da prova produzida ser insuficiente para as conclusões extraídas a final, gerando, assim, o vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, vício que aqui se requer seja declarado com todas as suas consequências legais.
Responderam ao recurso, quer a Digna Magistrada do Ministério Público, quer os assistentes, tendo todos concluído pelo não provimento do recurso.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos emitindo parecer no mesmo sentido.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP. foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação
É a seguinte a decisão proferida pelo Tribunal recorrido sobre a matéria de facto:
1.º
No dia 18 de maio de 2019, cerca das 18:30 horas, o arguido B… enquanto deambulava pela Rua…, em Ovar, com sinais de se encontrar alcoolizado, a dada altura, parou junto de uma zona composta de mato rasteiro, arbustos e de alguns eucaliptos de pequeno porte, ladeada pela Urbanização … e pelo Bairro…, e depois de dizer que “estava frio”, agachou-se no local e usando um isqueiro que trazia consigo, o arguido através de chama direta ateou fogo à vegetação seca, provocando um incêndio que consumiu cerca de 0,25 hectares de mato rasteiro, incêndio esse que só não atingiu maiores proporções nem pôs em risco as habitações ali existentes e a integridade física dos respetivos moradores, devido à pronta e imediata intervenção dos bombeiros com duas viaturas que extinguiram o fogo ao fim de cerca de 45 minutos, e que foram chamados ao local por um vizinho que se apercebeu da conduta do arguido.
2.º
Não obstante, o fogo reacendeu-se no dia seguinte, tendo sido necessária de novo a intervenção dos bombeiros.
3.º
Ao proceder do modo descrito, o arguido agiu com a intenção, conseguida, de pegar fogo à vegetação existente no local, bem sabendo que ao atuar desse modo, poderia causar um incêndio de elevadas proporções, colocando em risco as habitações existentes no local e a integridade física dos seus moradores, resultado esse que apenas não se verificou devido à pronta intervenção dos bombeiros que acabaram por extinguir o incêndio.
4.º
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível.
5.º
O arguido sofreu as seguintes condenações:
- Por sentença de 15 de junho de 2004, transitada em julgado a 30 de junho de 2004, foi condenado pela prática, em 29 de maio de 2004, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €:2,00 (dois euros);
- Por sentença de 24 de junho de 2004, transitada em julgado a 9 de julho de 2004, foi condenado pela prática, em 24 de novembro de 2003, dos crimes de condução sem habilitação legal e em estado de embriaguez, na pena única de 190 (cento e noventa) dias de multa, à taxa diária de €:3,00 (três euros);
- Por sentença de 25 de novembro de 2004, transitada em julgado a 10 de dezembro de 2004, foi condenado pela prática, em 19 de novembro de 2004, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos;
- Por sentença de 5 de maio de 2005, transitada em julgado a 20 de maio de 2006, foi condenado pela prática, em 30 de dezembro de 2004, dos crimes de condução em estado de embriaguez e desobediência, na pena única de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com regime de prova;
- Por sentença de 14 de dezembro de 2006, transitada em julgado a 18 de janeiro de 2007, foi condenado pela prática, em 21 de novembro de 2006, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 10 (dez) meses;
- Por sentença de 12 de julho de 2007, transitada em julgado a 28 de maio de 2008, foi condenado pela prática, em 30 de agosto de 2006, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 7 (sete) meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 7 (sete) meses;
- Por sentença de 4 de fevereiro de 2008, transitada em julgado a 25 de fevereiro de 2008, foi condenado pela prática, em 2007, do crime de desobediência, na pena única de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano;
- Por sentença de 6 de maio de 2010, transitada em julgado a 7 de junho de 2020, foi condenado pela prática, em 18 de abril de 2010, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova, e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 12 (doze) meses;
- Por sentença de 13 de dezembro de 2011, transitada em julgado a 25 de janeiro de 2012, foi condenado pela prática, em 3 de dezembro de 2011, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 10 (dez) meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 18 (dezoito) meses;
- Por sentença de 10 de janeiro de 2018, transitada em julgado a 9 de fevereiro de 2018, foi condenado pela prática, em 9 de janeiro de 2018, na pena de 11 (onze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 20 (vinte) meses.
6.º
O arguido esteve institucionalizado até aos 11 (onze) anos; completou o 6.º ano de escolaridade; trabalhou na construção civil dos 14 (catorze) aos 17 (dezassete) anos de idade; iniciou o consumo de estupefacientes na adolescência; atualmente vive com o cônjuge, doméstica, em apartamento arrendado; recebe RSI no valor de €:300,00 (trezentos euros); é apoiado complementarmente mediante atribuição mensal de cabaz alimentar; dedica-se a “arrumar carros” em superfície comercial; prossegue tratamento ao alcoolismo no CRI de Ovar, com sujeição a prescrição medicamentosa, adotando uma postura de autodeterminação, no sentido de valorizar o seu livre arbítrio na decisão de continuar a terapêutica.
Matéria de facto não provada:
Com interesse para a decisão da causa, não resultou provado qualquer outro facto, designadamente não se provou que:
a) Na altura dos factos, os demandantes C… e D… tenham sentido medo que o fogo ateado pelo demandado B… consumisse a sua casa e, dessa forma, destruísse o seu património ou provocasse danos físicos em si próprio ou nos seus entes queridos;
b) Os demandantes sintam receio sempre que o demandado pratique factos idênticos aos aqui em causa;
c) Em consequência da conduta do demandado, os demandantes se sintam extremamente desgostosos, ansiosos e nervosos.
Motivação da decisão de facto:
A convicção do tribunal assentou na análise crítica da prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento.
Assim, antes de mais e quanto à factualidade imputada (pontos 1.º a 4.º dos Factos Provados), foram ponderadas as declarações do arguido B… que confessou, quase na integralidade, a factualidade imputada. Referiu, o que foi confirmado pela generalidade das testemunhas, que, em face do descontrolo das chamas, tentou extinguir o fogo com o casaco que trazia vestido. Confirmou, igualmente, que os assistentes, com quem tem um conflito, se encontravam nas imediações, tendo o D… se recusado a auxiliá-lo no combate.
Já não foi tida em consideração a justificação apresentada, pelo arguido, para a sua conduta, uma vez que, para além de fantasiosa e bizarra, não encontrou sustentação em qualquer elemento probatória adicional, sendo, outrossim, infirmada pela demais prova produzida.
*
Foram, também, consideradas as declarações dos assistentes D… e C…, que confirmaram a eclosão do incêndio na proximidade da residência, relatando o perigo que representou para os Bairros próximos. Ambos referiram encontrarem-se em litígio, há mais de dois anos, com o arguido. O assistente marido referiu, o que foi confirmado pela sua mulher, ter-se negado a combater o fogo, sobre o pretexto de não ter sido ele a provocá-lo.
*
Foi, ainda, ponderado o depoimento das seguintes testemunhas:
- E…, inspetor da PJ e instrutor do processo, autor do Relatório de Inspeção Judiciária de fls.47/54, cujo teor confirmou. Relatou o modo como o fogo se propagou, informando o Tribunal da ameaça que representou para as habitações vizinhas;
- F…, vizinha dos assistentes; que, para além do mais, relatou que apenas o arguido tentou combater o incêndio, utilizando os pés e um casaco;
- G…, agente da PSP, subscritor do auto de notícia de fls. 4/5, cujo teor confirmou integralmente. Referiu que as roupas do arguido se encontravam sujas de fumo e cinzas, o que confirma o seu papel ativo no combate ao incêndio.
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Foram, ainda, e quanto a esta matéria, tidos em consideração os seguintes documentos:
- Auto de Notícia de fls. 4/5;
- Auto de Apreensão de fls. 6;
- Auto de fls. 20/30;
- Relatório de Inspeção Judiciária de fls. 47/50;
- Reportagem Fotográfica de fls. 51/54;
- Pesquisa informática de fls. 61;
- Auto de fls. 73/76.
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Quanto ao ponto 5.º, a sua prova estribou-se na análise do Certificado de Registo Criminal de fls. 234/245.
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No que se refere ao ponto 6.º dos Factos Provados, a sua prova baseou-se na análise do relatório social de fls. 231/234, que se encontra corretamente elaborado e fundamentado. De salientar que a Técnica de Reinserção Social que o produziu, H…, foi inquirida em audiência de discussão e julgamento, tendo reforçado o que consta no aludido documento.
*
Quanto aos factos não provados, resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
Na realidade, a conduta dos assistentes D… e C… aquando do incêndio, de total passividade, desmente, de forma impressiva, qualquer perturbação com o sucedido. Aliás, ficou bem evidente que o que os move contra o arguido não são os factos em análise nos presentes autos (incêndio e potencial perigo para os seus bens, integridade física, vida) mas outrossim um conflito com mais de dois anos.
Acresce que os assistentes, nas suas declarações, foram vagos e genéricos, não tendo concretizado, em situações concretas, as consequências da conduta do arguido no seu equilíbrio psicológico.
***
Atentas as conclusões do recurso, sendo estas que balizam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, aponta o recorrente vícios na apreciação da matéria de facto, mais especificamente os constantes do nº 2 al. a) e c) do artigo 410º do CPP.
Vejamos então.
Insurge-se o recorrente quanto à tipificação da sua conduta como integrando o cometimento de um crime de incêndio florestal p. e p. pelo artigo 274º nº 1 do C.P. pois, a propriedade onde ocorreu o incêndio não pode ser qualificada como contendo “mato rasteiro”, pelo que, não tendo o Tribunal especificado tal conceito haverá insuficiência para a decisão da matéria de facto provado, vício constante da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P..
Ora, dispõe do artigo 274.º nº 1 do C.P. que:
Incêndio florestal
1 - Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Como refere Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 969, o legislador remete a definição dos elementos típicos para uma norma extra penal precisa, o artigo 2.º do Código Florestal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 254/2009, de 4.9 [Diário da República, de 24 de Setembro, 1.ª série, n.º 186, de 24-09, entrado m vigor em 23-12-2009], que define “espaços florestais” como “os terrenos ocupados com floresta, matos e pastagens ou outras formações vegetais espontâneas, segundo os critérios definidos no Inventário Florestal Nacional”. A nomenclatura do Inventário Florestal Nacional encontra-se harmonizada com as definições internacionais em matéria florestal estabelecidas pela FAO no âmbito do Forest Resources Assessments e do processo Forest Europe.

A págs. 971/2, da mesma obra, refere o autor que os bens jurídicos protegidos pela incriminação são, além da vida, da integridade física e do património de outrem, o próprio ecossistema florestal, incluindo matas, ou pastagem, mato e formações vegetais espontâneas, tal como estão definidos no Inventário Florestal Nacional.
Consultando o Inventário Florestal Nacional, podemos encontrar a definição de matos ( ou matagais) como configurando a seguinte realidade:
“Terreno, com área mínima de 0,5 ha e largura mínima de 20 m, com presença de vegetação espontânea composta por mato (por ex.: urzes, silvas, giestas, tojos) ou por formações arbustivas (ex.: carrascais ou medronhais espontâneos) com grau coberto mínimo de 25% e altura mínima de 50 cm.
Notas explicativas:
1. As árvores eventualmente presentes nestes terrenos não podem ter um grau de coberto igual ou superior a 10%.
2. Os terrenos de matos com coberto arbóreo entre 5-10% (de árvores florestais com mais de 5 metros de altura) são contabilizados também como outras áreas arborizadas.
3. Exclui vegetação espontânea existente em zonas húmidas.
4. Os matos com altura superior a 2 m são designados por matos altos.”
Ora, mato rasteiro, expressão usada na factualidade provada, terá que ter como significado unicamente o que resulta da definição legal, sendo que, e face ao relatório de fls. 47 dos autos, podemos concluir que o incêndio ocorreu num terreno florestal, situado numa zona urbana no local existiu uma zona arborizada, que foi cortada, ficando no espaço apenas uma dezena de eucaliptos, de pequeno porte, estando o terreno limpo e preservado, tendo o incêndio coberto uma área de 0,25 hectares de mato rasteiro, sendo esta a espécie/objecto ardido.
Com o devido respeito, afigura-se-nos ter o incêndio confessado pelo recorrente, ocorrido em espaço que efectivamente coloca dúvidas quanto à sua natureza classificativa, não tanto pelo tipo de vegetação nele existente, mas sim pela sua área.
Referem os autos que área ardida é de 0,25 hectares, o que é muito inferior aos 0,5 hectares previstos no Inventário Florestal Nacional para enquadrar os terrenos de mato, sendo que a largura mínima do terreno terá que ser de 20 metros.
Importa contudo chamar à colação, que estamos na presença de um crime de perigo comum
Ora os crimes de perigo caracterizam-se pela não exigência típica de efectiva lesão do bem jurídico tutelado, razão pela qual a consumação se basta com o risco (efectivo ou presumido) de lesão do bem jurídico, risco que se consubstancia numa situação de perigo, a qual só por si é objecto de tutela.
Na verdade, neste tipo de crime o ponto crucial reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem amiúde num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos sendo que neste tipo de crimes está primacialmente em causa não o dano, mas sim o perigo.
Assim, a área ardida, por si só, não basta para desde logo afastar a natureza do terreno e consequentemente o cometimento do crime, importando apurar a área e a largura do terreno em causa.
A utilização, na factualidade assente da expressão “mato rasteiro”, sem uma indagação quanto ao preenchimento da sua natureza e área específica, impede-nos de subsumir com clareza a conduta à tipicidade objectiva, sendo certo que, não se trata somente da área ardida, mas sim da área total do mato existente no terreno, elemento que falta nos autos e que não nos permite agora colmatar.
Assim, e, com prejuízo das outras questões levantadas pelo recorrente, importa desde já acusar a existência do vício previsto no artigo 410º nº 2 al. a) do CPP, devendo os autos serem devolvidos ao Tribunal de 1ª Instância para que, reaberta a audiência, seja feita prova quanto à área e dimensões da largura do terreno onde deflagrou o incêndio, sendo, na fundamentação da matéria de facto feita expressa referência e análise crítica quanto à integração da expressão “mato rasteiro” no Inventário Florestal Nacional.
3 Decisão
Face ao exposto, julga-se o recurso provido e consequentemente decide-se anular a sentença proferida, devendo ser proferida nova sentença, depois de reaberta a audiência para a produção de prova quanto à área e dimensões da largura do terreno onde deflagrou o incêndio, sendo, na fundamentação da matéria de facto feita expressa referência e análise crítica quanto à integração da expressão “mato rasteiro” no Inventário Florestal Nacional.

Sem custas

Porto, 10 de Março de 2011
Raul Esteves
Victor Morgado.