Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1826/12.8TBOAZ-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÕES
Nº do Documento: RP201509281826/12.8TBOAZ-C.P1
Data do Acordão: 09/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Atento o disposto no art. 11º do CIRE, em sede de incidente de qualificação da insolvência, vigora o princípio do inquisitório, o que significa que a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes, podendo ainda, por sua iniciativa investigar livremente os factos.
II - O juiz pode servir-se para fundamentar a decisão dos factos que sejam do conhecimento geral e aqueles de que tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções e ainda, que não tenham sido atendidos no parecer do administrador.
III - Demonstrada a violação do dever de colaboração, nos termos do art. 186º/1/2 i) CIRE, por efeito da presunção “juris et de jure”, inelídivel, não se exige a prova do nexo de causalidade entre os factos e circunstâncias que revelam a violação do dever de colaboração e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Insolv-Qualf1826/12.8TBOAZ-C.P1
Comarca de Aveiro
Proc. 1826/12.8TBOAZ-C
Proc. 611/15-TRP
Recorrente: B… e Outros
Recorrido: Ministério Público e Outros
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira
Manuel Fernandes
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
No presente apenso de qualificação de insolvência veio o Exmo Sr. Administrador da Insolvência, em cumprimento do disposto no art. 188 n.º 2, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), emitir o respetivo parecer pronunciando-se no sentido desta ser qualificada como culposa, tendo por base as presunções legais de culpa consagradas nas alíneas a), b), d) e g) do n.º 2 do art. 186.º, concluindo pela responsabilização dos respetivos gerentes B…, C… e D….
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O Ministério Público aderiu na íntegra ao parecer do Exmo Sr. Administrador da Insolvência, tendo promovido a qualificação da insolvência como culposa com base no disposto nos citados normativos legais.
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Ordenou-se o cumprimento do disposto no art. 188.º, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Os Requeridos citados deduziram oposição, impugnando os factos alegados pelo Administrador da Insolvência.
Juntaram documentos da contabilidade.
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Procedeu-se à prolação do despacho previsto nos artigos 595.º e 596.º do Novo Código de Processo Civil “ex vi” artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dispensando-se a seleção da matéria de facto.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância do seu formalismo legal.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Nos termos expostos, decide-se:
a) qualificar a insolvência de “E…, Lda.” como culposa;
b) declarar afetados pela qualificação da insolvência os gerentes da insolvente e aqui requeridos B…, D… e C….
c) – Decretar a inibição dos requeridos B…, D… e C… para administrarem patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de dois anos.
d) – Condenar solidariamente os Requeridos a indemnizarem os credores do devedor, até às forças dos respetivos patrimónios, pelo valor dos prejuízos reclamados nos apensos de reclamação de créditos e de verificação ulterior de créditos, a fixar em execução de sentença.
Após trânsito em julgado deve ser dado cumprimento ao disposto no art. 189.º n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Custas a cargo da massa insolvente (cfr. art. 304.º do CIRE)”.
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Os requeridos B…, D… e C… vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:
1. Por Sentença datada de 30 de março de 2015, foi a insolvência de E…, Lda. qualificada como culposa, ao abrigo do artigo 186.º, n.º 2, al. i) do CIRE, e declarou como afetados pela qualificação os Requeridos, aqui Apelantes, e consequentemente decretou a inibição dos mesmos nos termos do artigo 188.º, n.º 2, al. c) do CIRE e condenou-os solidariamente a indemnizar os credores até as forças dos seus patrimónios ao abrigo do disposto no artigo 188.º, n.º 2, al. e) do CIRE.
2. É entendimento dos Apelantes que a Douta Sentença recorrida não julgou corretamente os factos em causa, nem fez uma correta aplicação do direito aos factos em apreço, uma vez que não houve qualquer violação reiterada dos deveres de apresentação e de colaboração nos termos previstos no artigo 186.º, n.º 2, al. i) do CIRE e, por isso, deve a insolvência da firma E…, Lda. ser considerada fortuita.
3. O Meritíssimo Juiz a quo, entendeu, relativamente aos Requeridos, e em resumo, que “os gerentes da insolvente não prestaram qualquer colaboração ao Administrador de Insolvência, não tendo sido possível contactá-los, sendo certo que tal impossibilidade se deveu a uma conduta omissiva e prolongada no tempo Requerentes, colocando-se voluntariamente numa situação de total indisponibilidade para prestar a colaboração a que estavam obrigados, a qual só surgiu quando os mesmos foram confrontados com o parecer de qualificação da insolvência” e que “esta indisponibilidade dos Requeridos, decorrente da impossibilidade de serem contactado pelo Administrador de Insolvência – pois nunca o contactaram, nem se deixaram contactar, mudando, inclusive, de residência sem nunca a comunicar ao Tribunal -, não pode deixar de corresponder a um incumprimento reiterado do respetivo dever de colaboração”.
4. Os Requeridos (ora Apelantes) não se conformando com a Douta Sentença, vêm da mesma interpor o competente Recurso.
5. No âmbito da matéria de facto fixada, o Tribunal deu como assente que o Senhor Administrador de Insolvência pronunciou-se no sentido de a insolvência da E…, Lda. ser qualificada como culposa ao abrigo do disposto nas als. a), b), d) e g) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, nos termos dos quais é considerada culposa a insolvência do devedor que tenha “destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”; “criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas”; “disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros”; “prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência”, respetivamente.
6. Sucede que, o Juiz a quo pronunciou-se não só pela verificação dos factos previstos nas als. a), b), d) e g) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, mas também pela verificação da al. i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, qualificando, a final, a insolvência como culposa ao abrigo dessa mesma alínea, por mote próprio, sem que o Senhor Administrador de Insolvência tivesse proposto a qualificação com base nesta alínea ou tivesse invocado ou provado factos para o preenchimento dos seus pressupostos.
7. Ocorre, assim, um vício de excesso de pronúncia – a que se alude na al. d), do nº 1 do artigo 615.º do CPC – suscetível de levar à nulidade da sentença, uma vez que o julgado não coincide com o suscitado pelo Administrador de Insolvência no seu parecer, tendo o julgador ido além do conhecido naquele parecer.
8. Acresce que, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo não é manifesta a verificação de qualquer dos factos de que depende a qualificação da insolvência, uma vez que, os mesmos não se encontram verificados ou sequer provados.
9. É que, não obstante, se qualificar as situações ínsitas no artigo 186.º, n.º 2 do CIRE como constituindo (ou não) presunções inilidíveis de culpa, “no caso do incumprimento do dever de colaboração, a atribuição do caráter culposo à insolvência não é alcançada de maneira automática, sem intervenção da valoração judicial automática do significado normativo da conduta em causa, cabendo sempre ao julgador avaliar da reiteração da conduta (só neste caso se estará perante a enunciação legal de insolvência culposa), compaginando-a com a que resulta do n.º 3 do art. 83 do CIRE”(...) (cfr. Acórdão do TRL de 09/11/2010, processo n.º168/07.5TBLBH-D.L1-7).
10. Ao contrário do alegado, não se verifica um incumprimento reiterado do dever de colaboração por parte dos Apelantes, impondo-se, por isso, a alteração da matéria de facto provada contida nos pontos 5, 6 e 7 da Sentença.
11. Efetivamente, os Apelantes nunca rececionaram qualquer notificação, nem sequer foram contatados pelo Senhor Administrador de Insolvência, porquanto os mesmos, a partir do momento em que decidiram encerrar a empresa insolvente, também mudaram de residência, já que as suas residências se situavam no mesmo local onde funcionava a empresa e, mercê desse encerramento, tiveram forçosamente de abandonar esse local.
12. Tal mudança de local ocorreu não por qualquer vontade de se furtar ao cumprimento dos seus deveres de colaboração, mas antes por razões ponderosas ligadas à alienação do imóvel em fevereiro de 2012 (cfr. documento n.º 5, que ora se junta) para saldar dívidas da insolvente relativas a salários de trabalhadores.
13. Acresce que, caso o Senhor Administrador de Insolvência tivesse contatado os aqui Apelantes, estes, de imediato, tal como aconteceu em sede de qualificação da insolvência, forneceriam os elementos por ele pretendidos para análise da contabilidade e das razões da insolvência e prestariam todas as informações que aquele solicitasse.
14. Apenas se poderia considerar relevante o incumprimento do dever de colaboração dos aqui Apelantes caso os mesmos, após a receção das cartas do Administrador de Insolvência, tivessem mostrado uma atitude de total indiferença, o que não aconteceu, porquanto nem sequer chegaram a ser notificados uma única vez, não se verificando assim a reiteração da conduta dos aqui Apelantes.
15. Pelo que não resultando dos Autos qualquer outro facto que resulte o preenchimento de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, a insolvência terá que ser qualificada como fortuita.
16. Nem sequer se mostra provado que foram remetidas sucessivas notificações pelo Administrador de Insolvência aos aqui Apelantes, nomeadamente pela junção aos Autos dos avisos de receção.
17. Da consulta dos autos principais, consta apenas referência, em algumas cartas remetidas pelo Administrador de Insolvência ao Tribunal, a informar a impossibilidade de notificação dos Administradores da Insolvente.
18. Após a notificação da declaração de insolvência da firma proferida a 17 de setembro de 2012 (e até ao parecer do Senhor Administrador de Insolvência em 18 de outubro de 2013) consta referência a uma carta que o Senhor Administrador, por carta datada de 10 de janeiro de 2013, dirigiu ao Tribunal a informar que remeteu cartas aos sócios da insolvente, concedendo-lhes prazo para patentearem no seu escritório elementos da contabilidade, bem como relação atualizada do acervo patrimonial da empresa, mas só quase meio ano depois, em 13 de maio de 2013, é que o mesmo veio informar que as cartas foram devolvidas, solicitando a notificação com recurso às bases de dados do Tribunal.
19. Tendo sido o Administrador de Insolvência, em resultado dessa consulta, informado das moradas apuradas, não se compreende como pode o mesmo, posteriormente, por carta datada de 21 de outubro de 2013, vir informar que há “impossibilidade de notificação dos administradores dos insolventes”.
20. Não obstante, em audiência de julgamento, no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, datada de 26 de junho de 2014, no decorrer do depoimento do Senhor Administrador de Insolvência, a mandatária dos Requeridos, aqui Apelantes, tendo verificado, naquela data, a imprescindibilidade de junção de documentos, que o Senhor Administrador de Insolvência referiu, para a decisão dos presentes autos e nomeadamente para a manutenção ou não do parecer de qualificação de insolvência, requereu de imediato prazo para a junção dos mesmos.
21. Acresce que, a apreciação dos factos dos autos em apreço, a alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE deve ser interpretada e aplicada de forma restritiva, porquanto a eventual ocorrência da falta de colaboração não permite estabelecer uma presunção suficiente que permita ao Tribunal estabelecer, com segurança, nexo causal entre facto e culpa, exigido nos termos do n.º 1 do artigo 186.º do CIRE.
22. Ora, in casu, a alegada falta de colaboração dos aqui Apelantes em nada contribuiu para a situação de insolvência da firma, nem foi de molde a criar ou a agravar a mesma, mas foi antes causada por circunstâncias que lhe são alheias, derivadas da falta de pagamento dos seus clientes, dos elevados juros bancários e da recessão económica, com quebra de encomendas e de margem de lucro, que levou a que a firma, ao longo dos anos, fosse acumulando débitos e incumprimentos contratuais,
23. Conforme foi também determinado na própria Sentença aqui em causa que concluiu que “não resultaram apurados quaisquer factos concretos, nem o Administrador de Insolvência os invoca, quer permitam concluir pela ocultação do património do devedor” pelos aqui Apelantes, ou sequer que tenham “criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros”, ou mesmo “disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros” ou “prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência”, concluindo, assim, que não se encontram verificados qualquer uma das presunções previstas no artigo 186.º, n.º 2, als. a), b), d) e g) do CIRE, que determinam a culpa dos Apelantes na criação ou agravação da insolvência.
24. Ora, o Tribunal a quo, ao estabelecer de forma automática o juízo normativo de culpa dos aqui Apelantes, prescindindo de uma apreciação concreta da conduta dos aqui Apelantes, não avaliou ou sequer demonstrou estar verificado o nexo causal entre a omissão dos deveres constantes da alínea i) e a situação de insolvência ou o seu agravamento, não se encontrando, por isso, verificado o requisito da existência de nexo de causalidade entre os factos em causa e a insolvência, pelo que não pode a insolvência em causa ser qualificada como culposa, impondo-se a alteração do direito nesta parte.
25. Mesmo que assim não se entenda, e o Tribunal a quem considere estarem verificados os factos previstos na al. i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, sempre o Tribunal deverá considerar que a Sentença do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 232.º, n.º 5, 191.º, 188.º e 189.º do CIRE.
26. É que determinando o artigo 232.º, n.º 5 do CIRE que “encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, o incidente de qualificação da insolvência, se ainda não estiver findo, prossegue os seus termos como incidente limitado” e tendo o processo de insolvência da firma E…, Lda. sido encerrado a 28 de fevereiro de 2014 por insuficiência da massa insolvente, estando ainda a correr o incidente de qualificação, deveria o mesmo ter passado a correr como incidente limitado nos termos do artigo 191.º, o que não sucedeu, tendo corrido como incidente pleno.
27. Pelo que a sentença de qualificação da insolvência fez constar as menções referidas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, quando deveria apenas fazer constar as menções referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do citado artigo, por força do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 191.º.
28. É o que também refere o acórdão do TRL de 10 de maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 1166/08.7TYLSB-B.L1-7: “Assim, se o apuramento da situação de insuficiência se verifica antes da data da prolação da sentença declaratória, o juiz, na sentença, apenas dará cumprimento a algumas das determinações do art.36º e declarará aberto o incidente de qualificação com caráter limitado (arts.36º, al. i), 39º, nº1 e 191º, nº1). Se se verifica depois, o juiz, na sentença, dará cumprimento às determinações do art.36º e declarará aberto o incidente de qualificação com caráter pleno, o qual prosseguirá os seus termos como incidente limitado quando o processo de insolvência for encerrado por insuficiência da massa (arts.36º, al. i), 191º, nº1 e 232º, nº5). Nesta segunda hipótese, das duas uma: ou o incidente pleno de qualificação está já terminado (caso em que o encerramento não tem quaisquer efeitos sobre a tramitação da qualificação da insolvência); ou está ainda em curso (caso em que o incidente continua, mas com alteração dos trâmites ainda não preenchidos, já que passa a processar-se como incidente limitado, com as especialidades previstas no art.191º)”.
29. Pelo que a condenação solidária dos Requeridos, aqui Apelantes, a indemnizar os credores, até às forças dos respetivos patrimónios, pelo valor dos prejuízos reclamados nos apensos de reclamação de créditos e de verificação ulterior de créditos a fixar em execução de sentença, violou os termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 5, 191.º, 188.º e 189.º do CIRE, devendo a Sentença ser revogada e alterada nessa parte, por outra que não condene em indemnização nos termos da al. e) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE.
Terminam por pedir a qualificação da insolvência como fortuita, revogando-se a sentença recorrida e mesmo que assim não se entenda, pedem a revogação parcial da sentença na parte em condena os Apelantes a indemnizar os credores, até às forças dos respetivos patrimónios, pelo valor dos prejuízos reclamados nos apensos de reclamação de créditos e de verificação ulterior de créditos, por violação do disposto nos artigos 232.º, n.º 5, 191.º, 188.º e 189.º do CIRE.
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O Ministério Público veio apresentar resposta onde, em síntese, defende a manutenção da decisão.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC;
- reapreciação da decisão de facto, quanto aos concretos pontos 5, 6, 7 dos factos provados;
- da verificação dos pressupostos do art. 186º/i) CIRE;
- da aplicação dos efeitos do incidente limitado de qualificação da insolvência.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. Em 30 de julho de 2012 B…, invocado créditos laborais, requereu a declaração de insolvência de “E…, Lda.”, com sede no … freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis.
2. A requerida, regularmente citada, não deduziu oposição.
3. Em 17 de setembro de 2012 foi proferida sentença a declarar a insolvência da sociedade “E…, Lda.”, a qual transitou em julgado em 15 de outubro de 2012, tendo os Requeridos dela sido notificados.
4. Na sentença que declarou a insolvência da Requerida foi fixada a residência aos gerentes da devedora, B…, D… e C…, no …, freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis.
5. Até à data da elaboração do seu parecer, em 18 de outubro de 2013, nunca foi exibida ao Administrador da Insolvência qualquer contabilidade dos exercícios de 2009, 2010 e 2011, o que o impediu de constatar a evolução dos negócios e, como tal, aperceber-se das razões subjacentes à situação de insolvência.
6. O Administrador da Insolvência deslocou-se à sede da empresa insolvente, nunca tendo conseguido contactar com os gerentes da insolvente.
7. O Administrador da Insolvência remeteu sucessivas notificações para que a insolvente lhe facultasse qualquer elemento de contabilidade que permitisse uma análise cabal da sua escrita, saúde financeira ou composição do seu acervo patrimonial.
8. O Administrador da Insolvência apenas teve acesso à contabilidade com a oposição à qualificação da insolvência e posteriormente à primeira sessão de julgamento, datada de 26 de junho de 2014, em que os elementos contabilísticos lhes foram facultados pelos Requeridos.
8. Os Requeridos abandonaram as suas residências que se situavam no mesmo local onde funcionava a empresa, tendo mudado de domicílio.
9. A Insolvente dedicava-se à atividade de indústria de fabrico manual de calçado de todos os tipos.
10. Os Requeridos encerraram a atividade da sociedade em inícios do ano de 2012.
11. Com a decisão de encerramento da atividade, a Insolvente vendeu o seu património, constituído pelas máquinas e utensílios, aplicando o produto dessa venda no pagamento parcial de débitos, nomeadamente de créditos de trabalhadores.
Factos não provados
Não resultaram provados quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa, designadamente que:
a) - Tenha ocorrido dissipação de máquinas e de equipamento diverso.
b) – Os requeridos tenham mudado de residência antes da declaração de insolvência.
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3. O direito
- Nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 1 a 7 suscita o apelante a nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC, por entender que o tribunal conheceu de factos não alegados pelos administrador da insolvência, qualificando a insolvência como culposa com fundamentos não indicados no parecer do administrador da insolvência.
A sentença na sua formulação pode conter vícios de essência, vícios de formação, vícios de conteúdo, vícios de forma, vícios de limites[2].
As nulidades da sentença incluem-se nos “vícios de limites“ considerando que nestas circunstâncias, face ao regime do art. 615º CPC, a sentença não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia[3], sendo certo que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário[4].
De acordo com o art. 615º/1 d) CPC, a omissão de pronuncia sobre questões que o juiz devesse apreciar ou o conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento constitui um dos fundamentos de nulidade da sentença.
O conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, constitui um vício relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento“ – art. 608º/2 CPC.
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a apreciar correspondem aos pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer[5].
No que concerne à ponderação de factos não concretamente alegados pelas partes, ou provados, o vício não configura uma nulidade porque não estamos perante a apreciação de questões.
Considera, porém, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (admitindo ser discutível), que a resposta a matéria não articulada pelas partes pode configurar uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 668º/1 /2ª parte CPC)[6].
A consideração de factos não alegados não configura o vício apontado, pois não se trata de apreciar questões jurídicas. Não se trata de um vício de limites, pois não está em causa a apreciação de diferentes fundamentos do pedido, diferentes dos que se discutem nos autos.
Por outro lado, atento o disposto no art. 11º do CIRE, em sede de incidente de qualificação da insolvência vigora o princípio do inquisitório, o que significa que a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes, podendo ainda, por sua iniciativa investigar livremente os factos.
Desta forma, o juiz pode servir-se para fundamentar as decisões dos factos que sejam do conhecimento geral e aqueles de que tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções[7] e ainda, que não tenham sido atendidos no parecer do administrador.
No caso concreto o juiz do tribunal “a quo” pronunciou-se apenas sobre a qualificação da insolvência, analisando dos fundamentos para qualificar a insolvência como culposa (parecer do administrador da insolvência e do Ministério Público) ou fortuita (tese da oposição). Concluiu por qualificar a insolvência como culposa, nos termos do art. 186º/1/2 i) do CIRE, considerando os factos alegados no parecer do Administrador da Insolvência e ainda, os elementos que resultavam dos autos.
Com efeito, no parecer do administrador da insolvência faz-se menção à falta de elementos da contabilidade e bem assim, ás sucessivas notificações remetidas à insolvente para fornecer tais elementos, mas que a insolvente nunca facultou, nem entregou, o que impediu o administrador da insolvência de realizar uma análise cabal da escrita, saúde financeira ou composição do acervo patrimonial da insolvente.
Na oposição, os apelantes tomaram posição sobre tal matéria alegando que nunca foram contactados pelo Administrador da Insolvência e por isso, ficaram impedidos de fornecer os elementos a que se alude no parecer.
Constata-se, assim, que o Administrador da Insolvência alegou factos suscetíveis de configurar a violação do dever de colaboração, a respeito dos quais os apelantes tiveram a oportunidade de exercer o contraditório.
Mas não bastando, resulta da ata de julgamento 26 de junho de 2014 que era intenção do tribunal levar em consideração, no âmbito do incidente de qualificação, a violação do dever de colaboração, quando se proferiu o seguinte despacho:
“Sem prejuízo do dever de colaboração que impendia sobre os requeridos e que os mesmos, volvidos mais de 6 meses da data da emissão do parecer do Administrador de Insolvência, só agora, aparentemente, se mostram dispostos a colaborar, facto que não pode deixar de ser tido em consideração no presente incidente de qualificação de insolvência.
Os elementos contabilisticos em falta que se encontram na posse dos legais dos representantes dos requeridos poderão permitir apurar se houve eventual dissipação do seu património, pelo que, atento princípio do inquisitório previsto no art.º 11º do CIRE se concede aos requeridos o prazo de 10 dias para junção aos autos dos elementos contabilisticos que têm na sua posse e que só agora se mostram dispostos a facultar ao Tribunal e ao Administrador de Insolvência a fim de ponderar a verificação dos demais pressupostos que incidem as diversas alíneas do art.º 186º do CIRE, conforme consta nos pareceres emitidos pelo Administrador de Insolvência e pela Digna Magistrada do M.P..-
Uma vez juntos tais documentos abra conclusão ao Juiz que presidiu à audiência a fim de se destinar data para a sua continuação”.
Verifica-se que o juiz levou em consideração os factos alegados no parecer do administrador da insolvência e ao abrigo do princípio do inquisitório diligenciou por indagar os factos que poderiam configurar a violação do dever de colaboração, para efeito de qualificação da insolvência, que constitui a questão a decidir no presente incidente.
Argumentam os apelantes que o Administrador da Insolvência não propôs a qualificação com fundamento no art. 186º/2 i) CIRE, como se acabou por decidir e por isso, tomou o juiz conhecimento de fundamentos não alegados.
O juiz não está sujeito ás alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como se prevê no art. 5º/3 CPC, aplicável por remissão do art. 17º do CIRE, podendo atribuir um diferente enquadramento jurídico aos factos alegados no parecer do administrador.
Conclui-se, assim, que a sentença não padece do vício apontado e os fundamentos alegados não preenchem a invocada nulidade, improcedendo os pontos 1 a 7 das conclusões de recurso.
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- Reapreciação da decisão de facto, quanto aos concretos pontos 5, 6, 7 dos factos provados -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 8 a 20 suscitam os apelantes a reapreciação da decisão de facto, quanto aos concretos pontos 5, 6, 7 dos factos provados.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[8].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes vêm impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, indicaram a prova a reapreciar – elementos que resultam dos autos e declarações prestadas pelo administrador da insolvência em sede de julgamento - e ainda, a decisão que consideram que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Conclui-se, assim, por considerar preenchidos os ónus de impugnação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[9].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[10].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[1].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[12].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[13].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[14].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[15].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise critica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pelos apelantes, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição do CD que contém a prova gravada e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos conclui-se que a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos concretos pontos objeto de impugnação não merece censura pelos motivos que a seguir se expõem.
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A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os factos provados que a seguir se enunciam:
5. Até à data da elaboração do seu parecer, em 18 de outubro de 2013, nunca foi exibida ao Administrador da Insolvência qualquer contabilidade dos exercícios de 2009, 2010 e 2011, o que o impediu de constatar a evolução dos negócios e, como tal, aperceber-se das razões subjacentes à situação de insolvência.
6. O Administrador da Insolvência deslocou-se à sede da empresa insolvente, nunca tendo conseguido contactar com os gerentes da insolvente.
7. O Administrador da Insolvência remeteu sucessivas notificações para que a insolvente lhe facultasse qualquer elemento de contabilidade que permitisse uma análise cabal da sua escrita, saúde financeira ou composição do seu acervo patrimonial.
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Na fundamentação da decisão, ponderou o juiz do tribunal “a quo”:
“Valoraram-se, ainda, os esclarecimentos prestados pelo Administrador da Insolvência, o qual explicitou que se deslocou à empresa e procurou contactar os Requeridos, sem que tenha conseguido alcançar com sucesso esse objetivo, ficando, deste modo, impossibilitado de avaliar os elementos contabilísticos que se mostravam imprescindíveis para apurar as razões que estiveram subjacentes à declaração de insolvência.
Na realidade, resulta evidenciado que o Administrador da Insolvência esteve cerca de um ano a procurar contactar com os gerentes da sociedade insolvente, sem que tenha obtido qualquer sucesso, conforme se constata, designadamente, pelas informações disponibilizadas aos autos principais em 11 de janeiro de 2013 e 14 de maio de 2013 (cfr. fls. 88 e 91 a 101 dos autos principais).
Por outro lado, nenhum dos Requeridos se preocupou em contactar o Administrador da Insolvência, sendo certo que os mesmos tinham conhecimento da pendência do processo de insolvência, conforme o atesta a assinatura aposta pela Requerida C… na carta registada com aviso de receção que foi dirigida ao seu marido, na qualidade de legal representante dessa sociedade no âmbito do processo de insolvência (cfr. fls. 36 do p.p.) dos autos principais.
Mostra-se, de igual modo, comprovado que os Requeridos foram devidamente notificados da sentença de declaração de insolvência (cfr. fls. 46 a 48 do p.p.), tendo-lhes, assim, sido disponibilizado todos os elementos e informações necessárias ao processo, destacando-se a identificação e morada do Administrador da Insolvência que foi nomeado e a data da realização da assembleia de credores.
Acresce que os elementos contabilísticos se encontravam na posse dos Requeridos, tanto assim que só no decurso do incidente de qualificação da insolvência, maxime já em sede de audiência de julgamento, é que os mesmos se prontificaram a facultar os referidos elementos ao Administrador da Insolvência, extraindo-se do exposto que tais elementos só não foram disponibilizados tempestivamente ao Administrador da Insolvência por, pelo menos, inércia ou negligência dos Requeridos”.
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Os apelantes consideram que os factos em causa devem julgar-se não provados, porque os elementos que resultam dos autos, em particular do processo de insolvência, não permitem obter tal conclusão, porquanto os apelantes nunca foram contactados pelos Administrador da Insolvência, sendo certo que em sede de incidente de qualificação prontamente entregaram os elementos da contabilidade solicitados pelo Administrador da Insolvência.
A impugnação da decisão de facto versa sobre as diligências promovidas pelo administrador da insolvência junto dos gerentes da insolvente no sentido de obter os elementos da contabilidade dos anos de 2010, 2011 e 2012.
Constata-se da análise dos autos – processo de insolvência e incidente de qualificação – que os apelantes apresentaram documentos da contabilidade com a oposição ao incidente de qualificação, os quais se revelaram insuficientes para compreender a real situação económica da sociedade, como aliás o afirmou o Administrador da Insolvência em sede de julgamento. Os demais elementos (e não todos os necessários) foram apresentados porque o Administrador da Insolvência insistiu na necessidade da respetiva análise para compreender as transações celebradas, como se pode constatar da análise das atas de julgamento – 26.06.2014, 17.12.2014, 06.03.2015 -, sendo certo que logo no respetivo parecer o Administrador da Insolvência fez menção da necessidade de tais elementos.
Os elementos da contabilidade foram fornecidos pelos apelantes em sede de incidente de qualificação da insolvência e por solicitação do Administrador da Insolvência. Atenta a previsão do art. 186º/2 i) CIRE tais procedimentos em nada relevam para efeitos de qualificação da insolvência, pois nesta sede apenas é considerado o comportamento que precede a apresentação do parecer pelo administrador.
Da análise dos elementos que constam do processo de insolvência em confronto com as declarações prestadas pelo Administrador da Insolvência e pela testemunha F… podemos concluir que os apelantes tomaram conhecimento da necessidade de fornecer os elementos da contabilidade e dispunham dos elementos, porque os entregaram em sede de incidente de qualificação.
O processo de insolvência foi instaurado em 30 de julho de 2012.
A insolvente E…, Lda foi citada na pessoa da sócia gerente C… na seguinte morada: Rua …, nº …, …, Oliveira de Azeméis (fls. 36).
Em 17 de setembro de 2012 proferiu-se sentença que declarou a insolvência de E…, Lda e determinou o cumprimento das notificações legais, nomeadamente a notificação da devedor para proceder à entrega imediata ao Administrador da Insolvência de todos os elementos a que alude o nº1 do art. 24º do CIRE, a apreensão para imediata entrega ao Administrador da Insolvência de todos os elementos de contabilidade e bens do devedor.
Na sentença fixou-se a residência dos gerentes, aqui apelantes, no …, freguesia …, Oliveira de Azeméis.
Os gerentes foram notificados da sentença, por carta com aviso de receção, na seguinte morada: Rua …, nº …, …, Oliveira de Azeméis (fls. 46, 47, 48).
Em 05 de novembro de 2012 o Administrador da Insolvência apresentou o relatório ao abrigo do art. 155º CIRE, no qual dá conhecimento que não foi exibida qualquer contabilidade dos exercícios de 2009, 2010, 2011, o que impediu o administrador de constatar a evolução dos negócios e aperceber-se das razões subjacentes à insolvência (fls. 77).
Em 11 de janeiro de 2013, na sequência da notificação do tribunal, veio o Administrador da Insolvência informar que das diligências levadas a cabo não obteve informação a respeito da composição do património da insolvente, tendo remetido cartas aos sócios concedendo-lhes prazo para entregar no respetivo escritório do administrador os elementos da contabilidade, relação atualizada do acervo patrimonial da requerida à data da insolvência (fls. 88).
Em 13 de maio de 2013 o Administrador da Insolvência veio informar o processo da devolução das cartas para notificação dos sócios gerentes da insolvente e solicitar a sua notificação pelo tribunal, depois de obtida informação sobre o atual endereço daqueles (fls. 90).
Efetuada a pesquisa comunicaram-se os elementos ao Administrador da Insolvência.
Da pesquisa resulta, face as elementos de fls. 93 a 101, que nas bases de dados D… e B…, na carta de condução mantêm a morada na Rua …, nº …, …, Oliveira de Azeméis; nos registos de identificação civil, em 21.12.2012 foi emitido novo bilhete de identidade para D… constando como morada rua …, nº …, São João da Madeira e em 03.01.2013 foi emitido novo bilhete de identidade para C…, constando como morada rua …, …, …, ….
Em 18 de outubro de 2013 o administrador da insolvência veio informar da impossibilidade de notificação dos gerentes da insolvente, obtendo informação da inexistência de bens através da consulta efetuada junto da conservatória do registo predial e automóvel.
Em 04 de fevereiro de 2014 veio esclarecer que se deslocou em 06 de novembro de 2012 às instalações da insolvente e que das notificações remetidas para aquele endereço não obteve resposta dos sócios-gerentes. Obteve cópia do contrato de compra e venda do atual titular do prédio, G… e que nenhuns elementos foram fornecidos pelos sócios-gerentes a respeito da venda dos bens móveis (fls. 122).
Das declarações prestadas pelo Administrador da Insolvência em sede de julgamento do incidente de qualificação decorre que se dirigiu às instalações da insolvente e foi recebido por uma terceira pessoa que lhe forneceu uma cópia do contrato de compra e venda do prédio. Não encontrou no local os sócios-gerentes da insolvente. O documento consta de fls. 123 a 127. Referiu, ainda, que enviou cartas aos sócios gerentes, para o antigo e atual endereço, sem nunca obter qualquer resposta.
Esclareceu que as instalações da insolvente e a casa de habitação dos sócios-gerentes se situavam no mesmo imóvel e foram objeto de venda em data anterior à instauração do processo de insolvência.
O administrador da insolvência indicou o motivo pelo qual os elementos da contabilidade se mostravam determinantes para avaliar da situação económica da sociedade e para compreender a causa da insolvência. Só com a análise de tais elementos poderia compreender a causa da insolvência e como se processou a venda dos bens da insolvente e a forma como foi aplicado o dinheiro obtido com a venda dos bens de equipamento e do imóvel. Considerou, ainda, que os elementos da contabilidade que foram facultados permitiram compreender a causa da insolvência – “balancetes cada vez mais negativos” -, mas não permitem esclarecer como foi aplicado o dinheiro obtido com a venda do imóvel - € 125.000,00 -, pois se parte do valor se destinou ao pagamento das rendas vencidas no contrato de leasing - € 87.000,00 – a aplicação da diferença, não está comprovada na contabilidade.
A respeito desta concreta questão, apenas a testemunha F…, técnico oficial de contas que prestou serviços para a insolvente durante cerca de 30 anos, revelou ter conhecimento dos factos, referindo que a diferença se destinou a pagar outras dividas ao Banco e com a diferença, que representaria € 10.000,00, pagaram alguns salários em atraso dos trabalhadores da insolvente.
A testemunha F…, que prestou serviços para a insolvente durante cerca de 30 anos, referiu que a partir do inicio de 2012 deixou de exercer funções como contabilista, desconhecendo os procedimentos fiscais que a requerida adotou depois dessa data. Contudo, esclareceu que depois dessa data a sócia-gerente B… manteve contactos com a testemunha e informou-o da pendência do processo de insolvência, mas não lhe solicitou elementos da contabilidade.
Da conjugação destes elementos decorre que os sócios-gerentes da insolvente tomaram conhecimento dos deveres que sobre os mesmos recaíam, em particular do dever de colaboração pois foram notificados da sentença de insolvência e não informaram de qualquer alteração da morada, nem diligenciaram por comunicar com o administrador da insolvência. As diligências do administrador não surtiram qualquer efeito, pois nunca obteve qualquer resposta dos sócios-gerentes, sendo certo que foram realizadas para a morada em que receberam a citação e para as moradas que constavam das bases de dados. Na pendência do processo de insolvência obteve alguns documentos através das buscas que realizou e através de terceiros (cópia da escritura de compra e venda facultada pelo adquirente do imóvel onde se encontrava instalada a insolvente). Os elementos da contabilidade apenas são fornecidos em sede de incidente de qualificação, com a oposição e na fase de julgamento, os quais se revelaram de grande utilidade para perceber a causa da insolvência.
Neste contexto não merece censura a decisão de facto, por não se apurar qualquer erro na apreciação da prova.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso sob os pontos 8 a 20.
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- Da verificação dos pressupostos do art. 186º/1/2/i) CIRE -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 21 a 24 consideram os apelantes que não se demonstrando o nexo causal entre a omissão dos deveres constantes da alínea i) e a situação de insolvência ou o seu agravamento não pode a insolvência ser qualificada como culposa.
A questão que se coloca reconduz-se à natureza da presunção de culpa prevista no art. 186º/1/2 i) CIRE.
No preâmbulo do DL 53/2004 de 18/3 refere-se que "as finalidades do processo de insolvência e, antes ainda, o próprio propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, seriam seriamente prejudicados se aos administradores das empresas, de direito ou de facto, não sobreviessem quaisquer consequências sempre que estes hajam contribuído para tais situações. A coberto do expediente da personalidade jurídica coletiva, seria possível praticar incolumemente os mais variados atos prejudiciais para os credores".
O incidente de qualificação da insolvência tem justamente por finalidade "a obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresas e dos administradores de pessoas coletivas".
Esta fase do processo destina-se, assim, a apurar as causas que conduziram à situação de insolvência e se a causa reveste natureza fortuita, ou culposa, porque criada de forma fraudulenta pelo devedor ou por quem o represente[16].
Ponderando estes princípios, que moldam o regime do processo de insolvência e em particular, o incidente de qualificação, cumpre apreciar atendendo aos factos provados, se merece censura a sentença proferida que qualificou a insolvência como culposa.
A insolvência é culposa, tal como prevê o art. 186º/1 Código da Insolvência e Recuperação de Empresas – DL 53/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08 (de forma abreviada CIRE) -, quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
No n.º 1 do preceito fixa-se uma noção geral da insolvência culposa, limitada às situações de dolo ou culpa grave, que vale indistintamente para qualquer insolvente, exigindo-se a verificação dos seguintes pressupostos:
- conduta dolosa ou com culpa grave do devedor e dos seus administradores de direito ou de facto;
- que esse comportamento tenha contribuído ou agravado a situação de insolvência, o que consubstancia um nexo de causalidade entre essa conduta e a situação de insolvência; e
- a conduta tenha sido criada nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Contudo, o preceito, nos nº 2 e 3, estabelece um conjunto de presunções de insolvência culposa.
A doutrina[17] e jurisprudência[18] têm considerado de forma unânime - com interpretação que também acolhemos - que o art. 186º/2 do CIRE contém uma presunção juris et de jure de insolvência culposa, o que significa que a lei estabelece uma presunção da existência de culpa grave e uma presunção do nexo de causalidade dos comportamentos previstos para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em contrário (art. 350º/1/2 CC).
A previsão do nº 2 deve ser articulada com a previsão do nº 1, quanto ao limite temporal, pelo que a relevância dos factos nelas previstos depende do limite temporal estatuído no nº1.
O art. 186º/3 CIRE contém uma presunção ilidível de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, mas é necessário que fique demonstrado o nexo de causalidade entre o incumprimento dessas obrigações e a situação de insolvência ou o seu agravamento.
No caso presente a insolvência foi qualificada como culposa, nos termos do art. 186º/1/2 i) CIRE.
De acordo com este preceito considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: “[...] i) incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº 2 do artigo 188”.
Neste contexto, demonstrada a violação do dever de colaboração, enquadramento que os apelantes não questionam, por efeito da presunção legal não se exige a prova do nexo de causalidade entre os factos e circunstâncias que revelam a violação do dever de colaboração e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Como se observa no Ac. Rel. Porto de 27 de fevereiro de 2014:”[e]stando demonstrada a verificação das situações previstas alíneas h) e i) do nº 2 do art. 186º do CIRE, a insolvência é sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do nexo de causalidade a que se reporta o n.º 1 do mencionado preceito, por aquela norma não presumir apenas a existência de culpa, mas também a existência de causalidade entre a atuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência”.
Neste sentido, entre outros, podem consultar-se os Ac. Rel. Porto 27 de novembro de 2007 (Proc. 0723926), Ac. Rel. Porto de 15 de julho de 2009 (Proc. 7462/07.3TBVNG-B.P1), Ac. Rel. Lisboa 26 de abril de 2012 (Proc. 2160/10.3TJLSB-B.L1-2), Ac. Rel. Porto 27 de fevereiro de 2014 (Proc. 1595/10.6TBAMT-A.P2) todos disponíveis em www.dgsi.pt.
O douto aresto citado pelos apelantes –Ac. Rel. Lisboa de 09 de novembro de 2010[19] – em nada contraria tal interpretação, como decorre do seguinte extrato que aqui se transcreve: “Na verdade, independentemente de se qualificar as situações ínsitas no º2 do art.º 186 do CIRE, como constituindo ou não verdadeiras presunção inilidíveis, o certo é que o legislador foi claro (Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor quando (…) tenham (…)) ao valorar normativamente condutas integradas por determinado circunstancialismo, considerando que, nessas situações, tais comportamentos não permitiam a necessidade (nem a possibilidade) de serem objeto de um juízo casuístico por parte do julgador para efeitos da qualificação da insolvência e aplicação das medidas a que alude o art. 189º, do CIRE. No caso particular do incumprimento do dever de colaboração (assim como em todas as situações em que a respetiva caracterização pressupõe o apelo a conceitos indeterminados), cumpre fazer realçar que a atribuição do caráter culposo à insolvência não é alcançado de maneira automática, sem intervenção da valoração judicial autónoma do significado normativo da conduta em causa possibilitando, assim e desde logo, o direito de defesa do visado, pois que a lei contempla a situação de um incumprimento reiterado (sublinhado nosso) e só quanto a ela a define como consistindo insolvência culposa. Por conseguinte, caberá sempre ao julgador avaliar da reiteração da conduta; só nesse caso se estará perante a enunciação legal de insolvência culposa. Ainda no âmbito da violação do dever de colaboração adstrito ao insolvente, não poderá deixar de se ter em conta a necessidade do julgador compaginar a situação a que se reporta a referida alínea do art.º 186, do CIRE, com a que resulta do n.º3 do art.º 83 do mesmo Código, pois que neste preceito a lei estabelece que a recusa de prestação de informações ou de colaboração é livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para efeito da qualificação da insolvência como culposa. Na verdade, tal como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda, tem de se entender que o poder de apreciação, que o n.º3 do art.º 83º. atribui ao juiz, não se aplica quando o incumprimento dos deveres de apresentação e de colaboração seja reiterado. Neste caso, uma vez apurada a «reiteração» – e só quanto à verificação desta o juiz tem liberdade de decisão -, a insolvência é sempre qualificada de culposa”.
O preceito consagra uma presunção “juris et de jure”, inelídivel por não admitir prova em contrário, o que significa que a situação ali contemplada conduz à atribuição de caráter culposo à insolvência e por isso, não merece censura a sentença quando qualificou a insolvência como culposa.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões sob os pontos 21 a 24.
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- Da aplicação dos efeitos do incidente limitado de qualificação da insolvência -
Na última questão colocada, sob os pontos 25 a 29, insurgem-se os apelantes contra o segmento da sentença que fixou os efeitos da qualificação. Consideram que julgado extinto o processo de insolvência, por inexistência de bens, antes do termo do presente incidente, devia o processado seguir o regime do incidente limitado de qualificação da insolvência e em conformidade com o art. 191º/1 c) CIRE devia fazer-se constar da sentença apenas as menções referidas nas alíneas a) a c) do nº2 do art. 189º pelo que a sentença não podia condenar os apelantes em indemnização nos termos da al. e) do nº2 do art. 189 CIRE.
Entendemos que os apelantes laboram num lapso.
Com efeito, o processo de insolvência encontra-se findo, com fundamento na inexistência de bens, encontrando-se pendente o incidente de qualificação da insolvência.
Em conformidade com o art. 232º/5 CIRE o incidente devia ser processado com caráter limitado, mas nenhum despacho foi proferido nesse sentido.
Da sentença proferida consta as menções ás alíneas a) a c) e e) do nº2 do art. 189º do CIRE.
Porém, ainda, que se aplicasse o regime do incidente com caráter limitado não estava dispensada tal referência.
O art. 191º/1c) do CIRE prevê:
“Da sentença que qualifique a insolvência como culposa constam apenas as menções referidas nas alíneas a) a c) e e) do nº2 do art. 189º”.
Da sentença de qualificação, quer nos casos em que segue a tramitação com caráter pleno ou com caráter limitado, deve constar sempre as menções referidas nas alíneas a) a c) e e) do nº2 do art. 189º.
A sentença respeitou o critério legal e por isso justifica-se a condenação no pagamento da indemnização, como se prevê na alínea e) do nº2 do art. 189º do CIRE.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos 25 a 29.
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Custas a cargo da massa insolvente – art. 304º e 303º do CIRE.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
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Custas a cargo da massa insolvente.
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Porto, 28 de Setembro de 2015
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
______________
[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
[2] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. III, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito, 1982, pag. 297.
[3] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, ob. cit., pag. 308.
[4] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 686.
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, Vol.II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pag. 704.
[6] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, LEX, 1997, pag.350.
[7] Cfr. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado 2ª edição, Quid Juris, Lisboa 2013, pag. 121
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag. 126.
[9] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[10] ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[11] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 569.
[12] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[13] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt.
[14] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[15] ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).
[16] Cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO Direito da Insolvência, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, pag. 283.
[17] LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO Direito da Insolvência, ob. cit., pag. 284; LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, Reimpressão, Lisboa, Quid Juris, 2009, pag. 610.
[18] Ac. Rel. Porto 25 outubro 2007, Proc; Ac. Rel. Porto 16 abril 2013, Proc. 1709/06.0TBPNF-T.P2, Ac. Rel. Porto 27 fevereiro 2014, Proc. 1595/10.6TBAMT-A.P2www.dgsi.pt.
[19] Ac. Rel. Lisboa de 09 de novembro de 2010, Proc. 168/07.5TBLNH-D.L1-7, disponível em www.dgsi.pt