Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25236/15.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP2016101025236/15.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 246, FLS.308-324)
Área Temática: .
Sumário: I - O princípio da irredutibilidade da retribuição não é extensivo a toda e qualquer prestação que tenha natureza retributiva, havendo que apreciar, caso a caso, da concreta função ou razão da sua atribuição de tal modo que, cessando licitamente a causa justificativa da sua atribuição, poderá igualmente cessar o pagamento da contrapartida correspondente.
II - É este o caso da isenção de horário de trabalho, em que o trabalhador não fica sujeito, na medida da isenção concedida, aos limites do horário de trabalho fixado, podendo, dentro do limite dessa isenção, ser-lhe exigida a prestação de trabalho e sem que o trabalhador possa reclamar o pagamento do correspondente trabalho que seria considerado como suplementar. E, daí, que deva o trabalhador ser por isso compensado com a atribuição de um acréscimo remuneratório, vulgo subsídio de isenção de horário de trabalho.
III - Mas, pese embora a natureza retributiva de tal prestação, ela não está sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo deixar de ser paga se cessar licitamente a causa justificativa da sua atribuição, qual seja a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 25236/15.6T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 913)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, intentou contra C…. S.A., a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a: reconhecer-lhe o direito a beneficiar, a título de prestação retributiva, da quantia que, até 13 de Maio de 2015, recebeu como isenção parcial de horário de trabalho; pagar-lhe a este título, desde 13 de Maio de 2015 e enquanto permanecer o contrato de trabalho que liga a Ré à Autora, o montante de €340, 25 mensais, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, encontrando-se em dívida, desde aquela data até à propositura da ação a quantia de €1.544, 29, acrescida de juros de mora vencidos; a regularizar junto do Ministério das Finanças, do SAMS e SBN a situação da Autora em conformidade.
Alegou para tanto e em síntese, o seguinte: A Ré é uma instituição de Crédito, tendo Outorgado o ACT para o sector bancário publico no BTE n.º 3, 1ª Série, de 22 de Janeiro de 2011, datando a ultima alteração de 29 de Fevereiro de 2012, publicada no BTE n.º 8; em junho de 1995 a Autora ingressou os quadros da Ré nas seguintes condições – categoria profissional: solicitador, de acordo com o anexo II do ACTV; isenção Parcial de horário de Trabalho, atribuída ao abrigo da cláusula 54º, do ACTV (…), exercendo tais funções sob as ordens, direção e autoridade da Ré; o complemento remuneratório de isenção parcial de horário de trabalho foi-lhe paga com regularidade pela Ré, integrando a retribuição a título de subsidio de férias e de Natal, bem como durante o período em que a Autora esteve ausente do serviço por incapacidade; desde 13 de maio de 2015, que a ré deixou de pagar à Autora o referido complemento; atento o caracter regular e certo com que sempre foi pago à Autora, o referido complemento integra o conceito de retribuição, pelo que, ao omitir o seu pagamento, a Ré atentou contra o princípio da irredutibilidade da retribuição devida ao trabalhador.

A ré contestou aceitando, no essencial, a matéria de facto vertida na petição inicial, mais alegando que, durante o período em que a A. esteve de baixa médica, manteve o pagamento integral da retribuição e demais prestações apenas por se tratar de prática instituída internamente, mas não ao abrigo de qualquer vinculação jurídica, mas a título de mera liberalidade, não exclusiva da A.; entende que a prestação em causa não integra o conceito de retribuição; classifica de abusiva (na modalidade de venire contra factum proprium e supressio) a conduta da Ré ao peticionar o pagamento daquela quantia a título retributivo, pois que ao longo da relação laboral nunca peticionou o pagamento de quaisquer horas extras, o que seria de exigir caso aquele valor não se destinasse a pagar o tempo prestado fora do horário normal de trabalho, criando assim na Ré a convicção de que não viria a peticioná-la, a título retributivo; invoca em favor da supressão unilateral do pagamento daquele valor o disposto na cláusula 54º do ACTV.
Concluiu pela improcedência da ação.

A Autora respondeu à exceção do abuso de direito, concluindo pela sua improcedência

Foi proferido despacho saneador, dispensada a elaboração da base instrutória e realizada a audiência de julgamento, na qual as partes prescindiram de toda a prova testemunhal, apenas havendo sido proferidas as alegações orais.

A Ré veio informar, e juntar documentação comprovativa, de que lhe sucedeu a empresa D…, SA, como entidade empregadora da A. e assumindo a posição processual da Ré, então “C…”..

Foi proferida sentença que decidiu da matéria de facto e julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré, D…, SA, dos pedidos formulados pela A., fixando as custas a cargo desta.

Inconformada, veio a A. recorrer, arguindo no requerimento de interposição do recurso nulidade de sentença; mais alegou, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões:
“1.º - A sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula atenta a violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho, atenta a oposição entre os fundamentos e a decisão.
2.º - A sentença ora em crise parte de um correto enquadramento jurídico e factual, fazendo uma correta caracterização do regime legal da retribuição e da sua irredutibilidade.
3.º - Contudo, ao arrepio de toda argumentação e fundamentação aduzida, entendeu o Tribunal a quo que “Analisadas as comunicações da Ré à Autora datadas de 7 de Junho de 1995 e de 26 de Setembro de 1996, verifica-se que a remuneração aí estabelecida a título de isenção de horário de trabalho, tem por referência/fundamento a mencionada cláusula [a cláusula 54.ª do ACT para o Setor Bancário].
4.º - Além da surpresa inerente à total e frontal oposição entre os fundamentos enunciados e a decisão que, a final, preconizou, mais surpreendente se torna a sentença ora em crise quando fundamenta a sua decisão no, aliás Douto, Acórdão da Relação de Coimbra de 26.03.2015.
5.º - Na verdade, o referido Acórdão decide em sentido diametralmente oposto ao decidido
pelo Tribunal a quo.
6.º - A decisão ora em recurso está, assim, ferida de nulidade, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho, por total e frontal oposição entre os seus fundamentos e a decisão.
7.º - Dá-se aqui por integralmente reproduzida a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.
8.º - Os factos dados como provados pelo Tribunal a quo impunham decisão inversa à proferida pela sentença em recurso.
9.º - Contudo – e antes de mais - verifica-se, que a A. foi convidada a ingressar nos quadros da R. e que, aceite esse convite, foram negociadas e acordadas entre as partes as condições retributivas.
10.º - Assim, deverão ser aditados ao elenco dos factos dados como provados os seguintes
factos alegados pela A. e expressamente aceites pela R.:
- Em Junho de 1995 a A. foi convidada a ingressar nos quadros da R.;
- Perante o convite da R. para que a A. nela ingressasse, foram negociadas entre as partes as condições retributivas;
- Aceites pelas partes as condições propostas, a A. passou a exercer a sua atividade profissional para a R.;
11.º - Porquanto, tais factos encontram-se provados por confissão (art.º 465.º CPC) e deveriam ter integrado a matéria de facto dada como provada.
12.º - Entre as condições retributivas negociadas e acordadas entre as partes encontrava-se uma verba denominada de “Isenção Parcial de Horário de Trabalho”
13.º - Esta verba retributiva foi paga pela R. à A., desde o início da execução do contrato de
trabalho, com periodicidade mensal, integrando a sua retribuição mensal, bem como os subsídios de férias e de Natal;
14.º - Tendo a A. estado ausente do serviço por incapacidade temporária por motivo de doença por um período de cerca de 10 anos, a R. continuou a abonar-lhe mensalmente essa verba retributiva durante esse período bem como após o regresso da A. ao trabalho;
15.º - Pelo que, não podem restar quaisquer dúvidas que a referida verba não foi atribuída (e mantida) como contrapartida de um modo específico de execução do trabalho.
16.º - O complemento salarial que a R. apelidou de “Isenção Parcial de Horário de Trabalho”, negociado e outorgado aquando da admissão da A. ao seu serviço, assume claramente uma natureza retributiva, tendo sido pago com carácter de regularidade e periodicidade (incluindo, nos períodos de ausência da A. ao serviço por incapacidade temporária, ou até, fazendo parte integrante da remuneração paga a título de 13.º e 14.º mês), ao longo de 20 anos, revestindo a natureza de retribuição, porquanto prestação regular e periódica e em contrapartida do seu trabalho (cfr. art.º 258.º do Código do Trabalho).
17.º - Estando em causa uma determinada prestação pecuniária que vinha sendo regularmente paga e que integra a retribuição devida ao trabalhador, impende sobre o empregador o ónus de alegação e prova dos factos que permitam concluir no sentido da cessação lícita da situação que fundamentou a atribuição daquela prestação retributiva e, portanto, da licitude da decisão de cessar o seu pagamento.
18.º - Percorrendo a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, verifica-se não ter a R. logrado provar qualquer dos aspetos que, em abstrato, poderiam configurar como lícita a cessação do pagamento da prestação retributiva que, com carácter de regularidade e periodicidade, vinha pagando à A.
19.º - Pelo que, nunca poderia ter-se entendido – como fez a sentença ora em crise – que “a
denúncia foi lícita, bem como lícita foi a cessação do pagamento correspondente à isenção cessada, tendo em conta que a mesma não é irredutível”.
20.º - Contudo, ainda que por hipótese – o que apenas se admite por dever de patrocínio – se considere que a referida remuneração complementar se trata de remuneração devida por isenção de horário de trabalho, ainda assim a mesma não poderia ser – como foi – unilateralmente retirada à A.
21.º - A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido que a situação de isenção do horário de trabalho, com o seu regime próprio de prestações, é reversível, estando na disponibilidade do empregador a sua manutenção, assim não sendo, porém, quando as partes o tenham clausulado no contrato individual de trabalho, sendo a vontade do trabalhador, no sentido da manutenção do regime de isenção, relevante se e quando tal regime tenha sido inserido no contrato respetivo; neste caso, a retirada do regime, por iniciativa do empregador, carece sempre da concordância do trabalhador.
22.º - Constando do contrato individual de trabalho negociado e outorgado entre as partes a atribuição de um complemento retributivo denominado de “Isenção Parcial de Horário de Trabalho”, a supressão de tal verba pecuniária careceria sempre da anuência da A., o que não se verificou.
23.º - A Jurisprudência tem ainda vindo a entender, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos, que apenas é lícito ao empregador alterar, quer o quantitativo de algumas delas, quer proceder à sua supressão, desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas) resultante da alteração, não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração.
24.º - A R. poderia, assim e no limite, modificar o título de tal atribuição patrimonial, mas não retirar a mesma, já que ela resultava de estipulação individual estabelecida no contrato de trabalho da A.
25.º - Ao retirar-lhe tal subsídio, violou a R. o princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que o mesmo é devido à A. desde 13.05.2015 e enquanto permanecer o contrato de trabalho que a liga à R., incluindo férias, subsídios de férias e de Natal.
TERMOS EM QUE, E NOS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPERIORMENTE QUISEREM SUPRIR, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA CONDENANDO-SE A R. NO PEDIDO COMO SE EXPÔS COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, (…)”

A Recorrida contra-alegou, suscitando, como questão prévia, o facto de a alegada nulidade de sentença ter sido arguida no requerimento de interposição do recurso, ao contrário do que resulta do disposto no art. 615º, nºs 1 al. c) e 4 do CPC; mais pugna pela inexistência da invocada nulidade de sentença e pelo não provimento do recurso.

Foi, pela 1ª instância, fixado à ação o valor de €30.000,01 e admitido o recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual apenas a A. respondeu, dele discordando.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
***
II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância

A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
“1º
A Ré C…, S.A. é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária.
Participou nas negociações e outorgou o ACT para o sector bancário publicado nos BTE n.º 3, de 22 de Janeiro de 2011 e 8, de 29 de Fevereiro de 2012.
A autora está filiada no Sindicato E…, onde figura como sócia n.º …...
Mediante carta data de 7 de Junho de 1995, a Ré comunicou à Autora o seguinte: “ a Comissão Executiva do Banco deliberou concordar com a sua admissão, nas seguintes condições:
- Categoria Profissional: Solicitador, de acordo com o Anexo IV do A.C.T.V.;
- Nível 10 do A.C.T.V., de acordo com o Anexo II do A.C.T.V.;
- Isenção Parcial de Horário de Trabalho, atribuída ao abrigo da Cláusula 54ª do A.C.T.V.;
- Concessão de Crédito à Habitação no montante de Esc.: 10.500.000$00, à taxa do A.C.T.V.;
- Concessão de Crédito Pessoal no montante de Esc.: 1.150.000$00 acrescido de Esc.: 400.000$00, referente aos custos de transferência de hipoteca, à taxa de 5%, taxa que detém
no Banco de origem;
- Contagem do tempo de Banca para efeitos de antiguidade (reportado a 01/02/84), e manutenção das regalias contratuais”.
Por carta datada de 26 de Setembro de 1995, a Ré comunicou à Autora que “nos termos do artigo 3º, do D.L. 5/94 de 11 de Janeiro, vem o C…, S.A. (…) prestar à Sr. D. B…, as seguintes informações relativas ao seu contrato de trabalho sem termo, com início de vigência em 12 de Agosto 1985: a) local de trabalho: Rua …; b) Categoria: Solicitadora; c) Férias a gozar nos termos da cláusula 69ª e 81ª do ACTV para o Sector Bancário; d) Remuneração de Base Mensal: a prevista no anexo I do ACTV para o sector bancário, para o nível 10 do Grupo I; e) outras prestações retributivas: isenção parcial de horário de trabalho no valor e nos termos definidos na cláusula 54ª do ACTV para o sector bancário; f) período normal de trabalho diário e semanal, com a duração e nos termos definidos nas cláusulas 50º, 52º e 53º, do ACTV para o sector bancário; (…) h) Instrumento de regulamentação colectiva aplicável: ACTV para o sector bancário.
O referido contrato teve início a 12 de agosto de 1995, data em que a Autora passou a exercer a sua actividade profissional para a Ré, sob as suas ordens, direcção e autoridade, mediante remuneração.
Na execução do contrato a Autora foi colocada na DJAC/Núcleo Administrativo do Porto.
O valor denominado de isenção do horário de Trabalho, foi pago à Autora, com periodicidade mensal, desde o início da execução do contrato, integrando a sua retribuição mensal, o subsídio de férias e subsídio de Natal.
A Autora esteve ausente do serviço, por incapacidade temporária, desde 08 de Março de 2001 a 20 de Outubro de 2010.
10º
Durante o período de ausência por doença, o referido valor denominado de Isenção de Horário de Trabalho foi pago à Autora.
11º
Tendo a Autora regressado, a 20 de Outubro de 2010, aquele valor continuou a ser-lhe pago, sob aquela remuneração, integrando a retribuição, o subsídio de férias e o subsídio de Natal.
12º
A 10 de Fevereiro de 2015, a Ré comunicou à Autora que a Comissão executiva havia deliberado a 17 de Dezembro de 2014, afectá-la à DRC/Gabinete de Contencioso.
13º
Mediante carta datada de 09 de Fevereiro de 2015, entregue em mão à Autora em 10 de Fevereiro de 2015, a Ré comunicou-lhe que “… na sequência do processo de restruturação que se encontra em curso, o qual abrange obrigatoriamente a área comercial, mas também os serviços centrais (…) foi superiormente deliberado cancelar-lhe a isenção parcial de horário de trabalho a que se encontra vinculada. Face ao exposto, e à consequente desnecessidade em manter o regime de isenção de horário de trabalho, informamos que o regime de Isenção Parcial de Horário de trabalho, ao abrigo do qual tem estado enquadrada, cessará com efeitos a 12 -05-2015.
14º
Por carta datada de 11.02.2015, o Sindicato E…, em nome e representação da A., comunicou à R. que a apelidada “retribuição por isenção de horário de trabalho (…) mais não é do que um complemento remuneratório, negociado e acordado aquando da sua admissão, em Junho de 1995”, considerando que “o referido complemento salarial é, atento o disposto no art.º 258.º, n.º 2 do Código do Trabalho, considerado parte integrante da retribuição da trabalhadora” e que “a redução anunciada viola princípios e normas legais, bem como disposições do Instrumento de Regulamentação Colectiva aplicável (cfr. art.º 129.º, n.º 1 d) e cls.ª 30.ª c) do ACT para o Sector Bancário”, requerendo-se que “seja, de imediato, dada sem efeito a medida anunciada, assegurando-se o pagamento nos valores que vêm sendo praticados”.
15º
Por carta datada de 03.03.2015, a Ré respondeu nos seguintes termos, “embora não exista documento que formalize o acordo de isenção de horário de trabalho, o certo é que tal foi convencionado desde o momento da sua admissão. Adicionalmente, no mês de Setembro de 1995, a colaboradora, ao abrigo do dever de informação, recebeu novo documento por parte do Banco, de onde resulta, para além da retribuição base mensal que lhe era devida, se encontrava convencionado entre as partes a atribuição de uma isenção parcial de horário de trabalho valor e nos termos definidos na cláusula 54º, do ACTV para o sector bancário.
16º
Por carta datada de 16.03.2015, o Sindicato …., em nome e representação da A. insistiu no anteriormente solicitado, informando que “na sequência da documentação que nos fizeram chegar que comprova plenamente o carácter retributivo da prestação salarial em causa, em representação desta nossa Associada, solicitamos a V/ Exa. que seja, de imediato, dada sem efeito a medida anunciada (caso na detecção desse V/ lapso ainda não o tenham feito), assegurando-se o pagamento nos valores que vêm sendo praticados.”
17º
A ré respondeu, por carta datada de 20 de Março de 2015, nos seguintes termos: “A carta de condições de admissão da Colaboradora, assim como o documento entregue no mês de Setembro de 1995, ao abrigo do dever de informação são claros que a trabalhadora iria reger-se, no que respeita à forma de organização do tempo de trabalho, a um regime de isenção parcial de horário de trabalho, no valor e nos termos definidos na cláusula 54º, do ACT para o sector Bancário. Tal significa que a trabalhadora, em virtude das funções para as quais foi contratada se obrigou a prestar mais 1 hora de trabalho por dia, motivo pelo qual lhe seria pago mensalmente, um subsídio de isenção de horário de trabalho parcial, calculado e devido em função do montante que resulta da cláusula 54º, do ACT. Ora, deixando de se verificar a prestação de trabalho ao abrigo desta forma de organização de tempo de trabalho, atentos os motivos já mencionados nas cartas anteriores, deixa de subsistir a retribuição especial inerente à mesma, com efeitos a partir de 13 de Maio de 2015, dando-se por cumprido o pré-aviso de 3 meses de retribuição adicional, consagrado no n.º 5 da cláusula 54º do ACT.
18º
A Ré deixou de pagar à Autora o valor processado a título de Isenção de Horário de Trabalho, desde 13 de Maio de 2015.
19º
Ao longo do tempo de trabalho a Autora nunca peticionou ao C… o pagamento de trabalho suplementar.
20º
No dia 20 de Dezembro de 2015, em reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi deliberado “Alienar ao Banco F…, S.A. os direitos e obrigações que constituem activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do C…, S.A., constantes do Anexo 3, à presente deliberação.
21º
O anexo 2 dessa deliberação específica que os direitos e obrigações correspondentes a activos do C… foram transferidos para a sociedade comercial com a firma G…, S.A. referindo no seu ponto 5, que vai transmitido para esse veículo de gestão de activos “posição contratual do C… nos contractos de trabalho de todos os trabalhadores que desenvolvam a sua actividade nos Serviços Centrais (que são os que em Portugal Continental não desenvolvam actividade na rede de agências de retalho e empresarial/corporate em Portugal Continental”.
22º
Apesar de na Deliberação tomada na Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal se aludir sempre à G…,S.A, facto é que esta sociedade comercial nunca foi formalmente constituída.
23º
Nos termos da nota à imprensa emitida para o efeito pelo Banco de Portugal “[a]pesar de a firma G…, S.A. se apresentar disponível na base de dados 'online', conforme pesquisa realizada em momento oportuno, o Registo Nacional de Pessoas Colectivas veio a indeferir o pedido de certificado de admissibilidade da firma G…, S.A. por entender que a mesma é confundível com G… SGPS, S.A., sociedade já constituída”.
24º
E, de acordo com o Banco de Portugal, “uma vez que a mudança de firma não coloca nenhum constrangimento relevante optou-se por não recorrer daquele indeferimento e proceder à alteração da denominação social do veículo. O nome D…, S.A. foi proposto pelo CA [Conselho de Administração] do veículo e está aprovado”.
25º
Assim sendo, no dia 12 de Janeiro de 2016, foi constituída a sociedade comercial anónima D…, S.A., a qual, de acordo com o respectivo objecto social, ficou responsável pela “[a]dministração dos direitos e obrigações que constituam activos do C…, S.A. que lhe forem transferidos em cada momento, por decisão do Banco de Portugal ,tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-C do RGICSF”.
26º

Pelo que a D…, S.A. é, actualmente, a entidade Empregadora da Autora.”.
***
III. Questão Prévia

Suscita a Recorrida, como questão prévia, a da nulidade de sentença não haver sido corretamente invocada, pois que, ao contrário de o ter sido nos termos do art. 615º, nº 4, do CPC/2013, o haver sido no requerimento de interposição do recurso.
O CPC é, na jurisdição laboral, aplicável apenas subsidiariamente, caso a situação não se encontre prevista no CPT [art. 1º, nºs 1 e 2, al. a), do CPT/2009].
Ora, o art. 77, nº 1, do CPT/2009, aplicável ao caso e que não foi revogado, dispõe, de forma inequívoca, que “1-A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”, sob pena, como aliás é pacificamente entendido na jurisprudência, de extemporaneidade dessa arguição se feita, apenas, nas alegações e conclusões do recurso. Tal prende-se com uma maior celeridade processual na deteção da(s) nulidade(s) de sentença, designadamente por parte da 1ª instância, sendo certo que o nº 3 do citado art. 77º, dispõe que pese embora seja da competência do tribunal de recurso conhecer das mesmas, o tribunal a quo sempre as poderá suprir antes da subida do recurso.
A questão prévia suscitada pela Recorrida é, assim e sem necessidade de considerações adicionais, totalmente destituída de fundamento.
***
IV. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Deste modo, são as seguintes as questões suscitadas:
- Nulidade de sentença;
- Aditamento de matéria de facto;
- Se a Ré não poderia ter suprimido a prestação auferida pela A. sob a designação de subsídio por isenção de horário de trabalho.

2. Da nulidade de sentença

A Recorrente, no requerimento de interposição do recurso, invocou, expressa e separadamente a nulidade que imputa à sentença recorrida, pelo que, tendo dado cumprimento ao disposto no art. 77º, nº 1, do CPT, nada obsta a que se conheça de tal questão.
Diz a Recorrente que a sentença é, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, nula por oposição entre os seus fundamentos e a decisão, o que, em síntese, sustenta no seguinte: na sentença concluiu-se que o recebimento da prestação em causa (subsídio por isenção de horário de trabalho), tem natureza retributiva, tendo sido paga periódica e regularmente, incluindo no período de ausência da A. por motivo de doença; não obstante, incompreensivelmente, entendeu a sentença que tal remuneração foi, em 1995 e 1996, estabelecida por referência/fundamento à clª 54ª do ACT para o setor bancário e que, nos termos dessa clª, foi lícita a decisão de cessação do seu pagamento, tanto mais quando invoca o Acórdão da Relação de Coimbra de 26.03.2015, que conduz a solução contrária à adotada na sentença recorrida.

2.1. Dispõe o citado art. 615º, nº 1, al, c) que: “1- É nula a sentença quando: (…); c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão; (…)”.
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
A nulidade invocada reporta-se a uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ou, por outras palavras, quando existe uma quebra no raciocínio lógico, não retirando o juiz, das premissas de que parte, a conclusão lógica que se imporia no silogismo judiciário.
De referir que tal nulidade não se confunde com eventual erro de julgamento.
Na sentença recorrida, considerou-se, em síntese e após considerações jurídicas a propósito da retribuição, que: a prestação em causa, atenta a regularidade e periodicidade do seu pagamento, mormente considerando que o mesmo se manteve no período de ausência da A., não pode deixar de assumir natureza retributiva; todavia, não se pode daí, concluir sem mais que a mesma não possa ser retirada à A.; o principio da irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas, não incidindo ele sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (p.ex. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho), cuja obrigação de pagamento apenas se verifica enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cessa a situação específica que esteve na base da sua atribuição, situação esta em que se enquadra o subsídio de isenção de horário de trabalho; assim conclui que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra violação do princípio da irreversibilidade da retribuição; no caso, a Ré fundamentou a supressão do acréscimo remuneratório na clª 54ª do ACT aplicável ao sector bancário, clª essa que faculta ao empregador a possibilidade de fazer cessar o regime de isenção de horário de trabalho mediante denúncia de qualquer das partes feita com a antecedência de um mês e, se a denúncia for da iniciativa da Instituição, sendo devido pagamento da retribuição adicional até 3 meses depois de a mesma ter sido comunicada; a isenção de horário de trabalho foi, em, 1995, estabelecida tendo por referência/fundamento a mencionada clª, mais havendo a ré operado a denúncia desse regime em conformidade com a mesma.. E, assim, conclui, no sentido da licitude da denúncia, bem como da cessação do pagamento do correspondente a essa isenção cessada. Em apoio, invocou ainda o Acórdão da RC de 26.03.2015.
Ora, como decorre do exposto, é manifesto que não se verifica qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, não se descortinando vício que afete o raciocínio lógico entre a fundamentação e a decisão, a qual está em consonância com os pressupostos de que parte e que a fundamentam. E, como nela se entende e explica – não se cuidando agora da apreciação da bondade ou não de tal solução - a circunstância de a prestação poder ter natureza retributiva não significa que não possa ser suprimida. Acresce que não é uma qualquer citação de um acórdão que determina a invocada nulidade, para além de que, e diga-se, o acórdão citado na sentença prevê até duas diferentes situações. Quando muito, e na melhor das hipóteses, o que se poderia concluir é que teria havido uma errada interpretação do mesmo por parte do tribunal recorrido.
Em conclusão, o que se verifica é que a Recorrente confunde, pois, nulidade de sentença (por contradição entre os fundamentos e decisão) com eventual erro de julgamento, o que são realidades totalmente distintas.
Assim, improcede a arguida nulidade de sentença.

3. Aditamento de matéria de facto

Pretende a Recorrente que se adite à matéria de facto provada a constante dos arts. 5º e 6º da p.i. que foram expressamente aceitas pela Ré na contestação.
De tais arts. consta o seguinte:
“5. Em Junho de 1995 a A. foi convidada a ingressar nos quadros da Ré.
6. Perante o convite da Ré para que a A. ingressasse, foram negociadas entre as partes as condições retributivas.”
A Ré, no art. 1º da contestação, aceitou expressamente tal factualidade, pelo que, nos termos doa art. 574º do CPC/2013, se tem a mesma como assente por acordo das partes nos articulados.
Assim, e porque se nos afigura que nada obsta ao aditamento pretendido, adita-se à matéria de facto provada os nºs 26 e 27 com o seguinte teor:
26. Em Junho de 1995 a A. foi convidada a ingressar nos quadros da Ré.
27. Perante o convite da Ré para que a A. ingressasse, foram negociadas entre as partes as condições retributivas.

4. Se a Ré não poderia ter suprimido a prestação auferida pela A. sob a designação de subsídio por isenção de horário de trabalho.

Na sentença recorrida considerou-se, em síntese, que é lícita a supressão do subsídio de isenção de horário de trabalho que a A. vinha auferindo.
Discordando do assim decidido, alega a Recorrente, em síntese, que: tal prestação tem natureza retributiva, não tendo sido atribuída, nem mantida, como contrapartida de um modo específico de execução do trabalho, impendendo sobre o empregador o ónus da prova dos factos que permitiriam concluir no sentido da cessação lícita da situação que fundamentou a atribuição da prestação em causa e, por consequência, da licitude dessa decisão, o que não decorre da matéria de facto provada. Mas, mesmo admitindo, por mero dever de patrocínio, que se considere que a referida remuneração complementar se trata de remuneração devida por isenção de horário de trabalho ela não poderia, ainda assim, ser unilateralmente retirada: a situação de isenção de horário de trabalho e respetivo pagamento podem ser reversíveis, salvo, porém, quando as partes a tenham clausulado no contrato individual de trabalho, caso em que a retirada desse regime, por iniciativa do empregador, carece da concordância do trabalhador, sendo que, no caso a IHT foi clausulada no contrato individual de trabalho da A. e esta não deu o seu consentimento; ao empregador é apenas lícito alterar ou suprimir o quantitativo, mas desde que o montante global resultante da alteração não seja inferior ao que resultaria do somatório com as parcelas retributivas anteriores a essa alteração.

4.1. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Preliminarmente, importa referir, que, atenta a data em que os factos ocorreram (anteriormente a 1 de Dezembro de 2003), é aplicável ao caso o regime anterior ao Código do Trabalho, designadamente o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo DL n.º 49 408, de 24-11-1969 (doravante designado LCT) e de Duração do Trabalho, previsto no DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, uma vez que o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto entrou em vigor em 01-12-2003 (cf. art.s 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1, da referida Lei).
Está em causa o complemento que a Ré retirou à Autora, mais concretamente a retribuição especial por isenção de horário de trabalho.
Uma vez que a retribuição do trabalhador goza de irredutibilidade (cf. art. 21.º, n.º 1, c), da LCT), impõe-se, desde logo, apurar se aquela prestação integra a retribuição da Autora e, em caso afirmativo, se a mesma podia ser retirada, sem que desse facto decorresse a violação das garantias da autora quanto à não diminuição da retribuição.
Estipula o art.º 82.º, da LCT:
“1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador."
Como assinala Monteiro Fernandes- Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 439., deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.
Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
No que respeita à característica de periodicidade e regularidade da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador- Monteiro Fernandes, ob. citada, pág. 440, 441., conferindo, dessa forma, relevância, ao nexo existente entre as retribuições e as necessidades pessoais e familiares daquele.
A retribuição pode, pois, em cada caso, ser determinada em função de uma remuneração de base e de prestações complementares ou acessórias.
Não obstante este critério definidor e interpretativo, em que, em síntese, se pode considerar que o elemento fundamental da qualificação de certa prestação como retribuição assenta na regularidade e periodicidade dos benefícios patrimoniais auferidos pelo trabalhador, pode, contudo, não se revelar suficiente, nem pode aplicar-se com excessiva linearidade aquele critério, antes devendo o intérprete ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico ao fixar os componentes ou elementos que imputa no conceito de retribuição pressuposto na norma respectiva.
Como ensina Jorge Leite- Direito do Trabalho II, Coimbra 1999, p. 175., “a dificuldade da determinação quantitativa da retribuição genericamente referenciada resulta, em boa medida, da relatividade da própria noção de retribuição, isto é, dos vários sentidos com que a mesma expressão pode ser usada em diferentes normas, o que exigirá uma cuidada tarefa interpretativa com recurso aos cânones hermenêuticos adequados, tendo em conta o contexto normativo correspondente”.
Monteiro Fernandes- Ob. citada, pág. 447., por seu turno, escreve que “a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido no art.º 82.º da LCT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição». O ciclo vital de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-de pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho”.
No mesmo sentido, agora já por referência ao Código de trabalho de 2009, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado do Direito do Trabalho, 4º Ed. Pág. 574 “Para além da retribuição base, o trabalhador pode ter direito a determinados complementos remuneratórios, os quais integram ou não o conceito de retribuição, consoante partilhem os respectivos elementos essenciais. No caso afirmativo, estes complementos beneficiam da tutela da irredutibilidade e do regime de tutela dos créditos retributivos; no caso negativo poderão ser retirados ao trabalhador, se a razão pela qual foram atribuídos deixar de existir. A multiplicidade e diversidade dos complementos remuneratórios auferidos pelo trabalhador em execução do contrato de trabalho, tornam difícil a sua enumeração e, sobretudo a sua qualificação, que só pode ser feita no caso concreto, aferindo da presença, em cada um deles das características que permitem a sua recondução ao conceito de retribuição.
Sobre o conceito de retribuição escreve ainda a mesma Autora, in ob. Cit. Pág. 571/2 “Reportando-nos agora especificamente ao conceito de retribuição a sua noção legal, (…) permite isolar os seguintes elementos essenciais: a retribuição constituiu um direito do trabalhador; (…) que decorre do próprio contrato; (…) é a contrapartida da actividade laboral; (…) é regular e periódica; (…) é uma prestação patrimonial.
No caso em apreço, considerando que a Ré se obrigou a pagar, e pagou, à Autora, mensalmente, desde 12 de Agosto de 1995 até 13 de Maio de 2015, uma importância a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, a referida prestação dadas as características de periodicidade e regularidade (no sentido de que a Ré empregadora se obrigou a pagar, e pagou, com determinada normalidade temporal, o valor em causa) não podem deixar de assumir natureza retributiva, mormente mostrando-se provado que a prestação em causa se manteve, mesmo no período de ausência por doença.
Todavia, embora assente o carácter retributivo daquela prestação, daí não se pode concluir, sem mais, que a mesma não possa ser retirada à Autora.
Na verdade, em relação à retribuição, a lei (art.º 21.º, n.º 1, c), da LCT) estabelece um princípio de irredutibilidade, no sentido de que não pode ser diminuída a retribuição do trabalhador, salvo casos específicos previstos na lei, nas portarias de regulamentação do trabalho e nas convenções colectivas ou, quando precedendo autorização da autoridade administrativa, haja acordo do trabalhador.
No dizer de Pedro Romano Martinez- Direito do Trabalho, Almedina, 2.ª edição, pág. 549., «A remuneração de base que corresponde ao montante fixo auferido pelo trabalhador, com exclusão das outras prestações pagas pelo empregador como contrapartida do trabalho, ainda que regulares e periódicas. A remuneração de base relaciona-se com a categoria que o trabalhador tem na empresa (…) Os complementos salariais representam acrescentos à remuneração de base e são devidos ao trabalhador, isto é, são obrigatórios».
Também Jorge Leite e Coutinho de Almeida- Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 89. definem a remuneração-base como «[…] a prestação que, de acordo com os critérios das partes, da lei, do IRC ou dos usos, é devida ao trabalhador com determinada categoria profissional pelo trabalho de um dado período realizado em condições consideradas normais ou comuns para o respectivo sector ou profissão (...) constitui o rendimento mínimo com que o trabalhador conta, pelo exercício da sua actividade, para satisfazer as suas necessidades quotidianas e as dos membros do seu agregado familiar”.
Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art.º 21º, n.º1, al. c) da LCT, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (vg. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho).
Tais remunerações, não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Assim, Pedro Romano Martinez- Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, pág. 595., assinala que «[…] os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado.
O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral.
Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento».
Também Monteiro Fernandes- Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, pág. 472., a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os «aditivos» específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, esclarece que «[…] os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento […]».
De igual modo, Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho- Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lex, pág. 100., escrevem que «[…] a irredutibilidade da prestação não pode significar a impossibilidade de retirar a correlativa atribuição patrimonial específica ao trabalhador que deixa de estar adstrito ao regime de turnos, que é transferido para uma cidade, que deixa de trabalhar em condições de risco. A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (…) ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações».
Do que fica dito, é imperioso concluir que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.
A Ré fundamenta a supressão do acréscimo remuneratório em causa na cláusula 54º do ACT aplicável ao sector bancário.
Dispõe a referida cláusula que “ 1.Por acordo escrito, podem ser isentos de horário de trabalho os trabalhadores com funções específicas ou de enquadramento e todos aqueles cujas funções o justifiquem. 2. Os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição adicional, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia, no caso de, em média, não excederem de uma hora o seu período normal de trabalho diário; de outra forma, a remuneração adicional não será inferior à correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia. 3. A isenção de horário de trabalho não prejudica o direito aos dias de descanso semanal e aos Feriados previstos neste Acordo. 4. O regime de isenção de horário de trabalho cessará nos termos acordados ou, se o acordo for omisso, mediante denúncia de qualquer das partes feita com a antecedência mínima de um mês. 5. Se a denúncia for da iniciativa da Instituição, é devido o pagamento da retribuição adicional até três meses depois de a mesma ter sido comunicada ao trabalhador.
Analisadas as comunicações da Ré à Autora datadas de 7 de Junho de 1995 e de 26 de Setembro de 1996, verifica-se que a remuneração aí estabelecida a título de isenção de horário de trabalho, tem por referência/fundamento a mencionada cláusula.
De acordo com o facto descrito em 12º a Ré, por escrito datado de 9 de Fevereiro de 2015, comunicou à Autora a decisão de cancelamento da isenção parcial da prestação de isenção de horário de trabalho a que se encontra vinculada, o que veio a acontecer a 13 de Maio de 2015.
Operou assim a denúncia do acordo com um mês de antecedência e, com a antecedência concedida, garantiu o pagamento da retribuição adicional até três meses depois de a mesma ter sido comunicada. (neste sentido veja-se o Ac.TRC de 26.03.2015, in www.dgsi.pt.).
Podemos, assim, concluir que a denúncia foi lícita, bem como lícita foi a cessação do pagamento correspondente à isenção cessada, tendo em conta que a mesma não é irredutível nos termos já acima indicados.
Improcedem assim os pedidos formulados pela Autora.
Nesta decorrência, fica prejudicado o conhecimento da excepção de abuso de direito, invocada pela Ré.”.

4.2. O pagamento da prestação em causa, a título de isenção parcial de horário de trabalho, foi comunicada pela Ré à A. aos 26.06.1995 e 26.09.1995, havendo a A. iniciado a sua prestação de trabalho em Agosto de 1995, pagamento esse que se manteve até que a Ré, por carta de 10.02.2015, comunicou à A. a cessação de tal isenção a partir de 12.05.2015.
Assim, e pese embora o início da prestação de trabalho e do referido pagamento tenham ocorrido na vigência da LCT, os factos em causa ocorreram também no domínio do CT/2003 [aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08] e, particularmente, no âmbito do CT/2009 [aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02], o qual se encontrava em vigor aquando da comunicação de tal cessação.
Ou seja, pese embora às condições de validade do referido acordo fosse aplicável a LCT, no mais não se tratam de factos cujos efeitos se tenham produzido totalmente em data anterior aos mencionados Códigos, pelo que são aplicáveis, também, os CT/2003 e de 2009 [cfr. arts. 8º, nº 1, da Lei 99/2003 e 7º, nº 1, da Lei 7/2009]. Assim, e nesta parte, não se acompanha a sentença recorrida. De todo o modo, e para o que importa ao caso em apreço, tal tem pouca ou nenhuma relevância, na medida em que os referidos Códigos não introduziram alterações significativas no que se reporta ao conceito de retribuição e ao princípio da irredutibilidade da mesma [arts. 122º, al. d) e 249º do CT/2003 e arts. 258º e 129º, nº 1, al. d) do CT/2009].
De referir ainda que, no período em causa, vigoraram os seguintes ACTV para o setor bancário publicados nos BTE: 31/90, 30/91, 31/92, 32/93, 42/94, 17/95, 41/95, 2/96, 5/96, 15/97, 21/98, 24/98, 24/99, 25/2000, 24/2001, 26/2002, 3/2009 [com texto consolidado], 39/2010, 3/2011 e 8/2102.,

No que se reporta às considerações de natureza jurídica acompanhamos as tecidas na sentença recorrida. Assim, e em síntese, a retribuição é o conjunto das atribuições patrimoniais [ou não patrimoniais] que constituam contrapartida da prestação de trabalho [ou da disponibilidade para a mesma] e comporta um sentido estrito, abrangendo este e essencialmente, a retribuição base, e um sentido amplo, no qual se poderão incluir uma séria de prestações acessórias ou complementares atribuídas pelo empregador que, em função ou em razão de diversas circunstâncias justificativas dessa atribuição [relacionadas, designadamente, com maior esforço ou penosidade do trabalho, com situações de desempenho específicas (vg. isenção de horário de trabalho), ou com maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho)] e da regularidade e periodicidade do seu pagamento, comunguem da natureza retributiva.
E, como referido na sentença recorrida, o princípio da irredutibilidade da retribuição não é extensivo a toda e qualquer prestação que tenha natureza retributiva, havendo que apreciar, caso a caso, da concreta função ou razão da sua atribuição de tal modo que, cessando licitamente a causa justificativa da sua atribuição, poderá igualmente cessar o pagamento da contrapartida correspondente. É este o caso da isenção de horário de trabalho, em que o trabalhador não fica sujeito, na medida da isenção concedida, aos limites do horário de trabalho fixado, podendo, dentro do limite dessa isenção, ser-lhe exigida a prestação de trabalho e sem que o trabalhador possa reclamar o pagamento do correspondente trabalho que seria considerado como suplementar. E, daí, que deva o trabalhador ser por isso compensado com a atribuição de um acréscimo remuneratório, vulgo subsídio de isenção de horário de trabalho. Mas, como doutrinal e jurisprudencialmente aceite, pese embora a natureza retributiva de tal prestação, ela, por regra, não está sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo deixar de ser paga se cessar a causa justificativa da sua atribuição, qual seja a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.

No caso, a A., na petição inicial, e no sentido da natureza retributiva da prestação em causa, apenas alegou: os termos do que, na sequência das negociações havidas entre as partes, ficou vertido nas comunicações da Ré referidas nos nºs 4 e 5 dos factos provados; que a ré lhe pagou, mensalmente e desde agosto de 1995, uma importância “a título de remuneração complementar que apelidou de Isenção Parcial de Horário de Trabalho”; tal prestação foi, inclusivamente, paga durante o seu período de ausência por incapacidade temporária para o trabalho [de 08.03.2011 a 20.10.2010]. E, daí e atenta a regularidade e periodicidade desse pagamento, conclui pela natureza retributiva da prestação e, por consequência, da impossibilidade da sua retirada por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. De referir que, na resposta à contestação, refere que “Mesmo que o complemento retributivo auferido se consubstanciasse num subsídio por isenção de horário de trabalho, o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se pondera, a retirada desse subsídio (…).”
No recurso, a Recorrente põe em causa que a prestação em questão “seja contrapartida de um modo específico de execução do trabalho”, o que, novamente, sustenta no facto de ter sido, desde o início, paga mensalmente, incluindo nos subsídios de férias e de Natal e, bem assim, durante o período de ausência por doença.
Vejamos.
De acordo com os nºs 4 e 5 dos factos provados, aquando da admissão da A., foi-lhe comunicado que lhe era atribuída “Isenção Parcial de Horário de Trabalho ao abrigo da Cláusula 54ª do ACTV” (nº 4) e que lhe era atribuída “isenção parcial de horário de trabalho no valor e nos termos da cláusula 54ª do ACTV para o sector bancário.”.
O referido é expresso, e não deixa margem para dúvidas, que foi à A. atribuída isenção (parcial) do horário de trabalho nos termos da mencionada clª, não se tendo provado, nem aliás a A. o alegou, que [à exceção do período de ausência por motivo de incapacidade para o trabalho] não haja prestado trabalho para além do horário normal de trabalho de modo a poder-se concluir que essa isenção, de facto, não se verificava ou. dito de outro modo, que o pagamento feito a tal título não era justificado pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
É certo que se provou que tal prestação foi paga à A. durante cerca de 9 anos e meio [de 08.03.2011 a 20.10.2010], em que ela esteve ausente do trabalho por motivo de doença. Ora, como é evidente, tendo ela estado ausente do trabalho, esse pagamento não pode, naturalmente, justificar-se com a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, pelo que, aparentemente, mas só aparentemente como se dirá, se poderia dizer que, não tendo tal pagamento essa causa específica da prestação laboral, nunca poderia ser considerado como pagamento por causa da isenção, assim constituindo retribuição sem essa causa específica de atribuição.
Tal argumentação não poderá, todavia, proceder.
A retribuição, como decorre dos arts. 82º, nº 1, 249º, nº 1, do CT/2003 e 258º, nº 1, do CT/2009, e tal como qualquer outra prestação de natureza retributiva e, no que ora importa, o subsídio por isenção de horário de trabalho, constituem contrapartida do trabalho prestado [este no modo específico em que é prestado, i.é, sem sujeição, dentro do limite da isenção, ao horário de trabalho]; no caso de não prestação do trabalho por incapacidade temporária do trabalhador não há que pagar qualquer contrapartida por uma prestação de trabalho que não existe; ou seja, não há lugar ao pagamento de retribuição, pelo que qualquer prestação que seja feita ao trabalhador no período dessa ausência, incluindo o subsídio por isenção de horário de trabalho, poderá ter uma qualquer outra causa que tenha levado o empregador, no caso a Ré, a pagar-lho, mas nunca como contrapartida da prestação de trabalho; ou seja, não é, nem pode ser retribuição, nem tem essa natureza retributiva. E, nesta parte, se discordando do segmento da sentença recorrida em que se refere que a natureza retributiva da prestação decorre também do seu pagamento no período de ausência da A..
Como escreve MONTEIRO FERNANDES[1], a noção legal de retribuição “será a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida)”, sendo que do conceito legal de retribuição excluir-se-ão “as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho[2]”.
Ou seja, no caso, o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho durante o período de ausência da A. por incapacidade para o trabalho, seja por que razão for que haja sido pago, se não tem, como não tem, como causa específica a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, também não constitui contrapartida da prestação de trabalho e não tem, assim, função e natureza retributivas. E, daí, que não se possa utilizar o argumento invocado pela Recorrente para concluir que, por ter sido pago durante a doença, ele constituirá retribuição cuja causa não assenta na isenção de horário de trabalho e, daí, que não pudesse ser retirado.
Assim, não vemos que esse pagamento durante o período de ausência da A. por incapacidade para o trabalho, determine ou leve à conclusão de que o pagamento acordado aquando da admissão da A. não seja, como referido nas condições de admissão, para prestação de trabalho em regime de isenção parcial de horário de trabalho.
À exceção do que que acabámos de dizer, quanto ao mais aduzido na sentença e ao concreto enquadramento do caso em apreço, concorda-se igualmente com o decidido e fundamentação correspondente, não procedendo a demais argumentação aduzida pela Recorrente.
Como se deixou dito, a obrigação do pagamento da retribuição por isenção de horário de trabalho impõe-se enquanto o trabalho for prestado em tal regime e, salvo melhor opinião, nada impede que a Ré pudesse, no caso, fazer cessar unilateralmente a prestação de trabalho em tal regime de isenção.
Com efeito, argumenta a Recorrente que a situação de isenção de horário de trabalho e respetivo pagamento podem ser reversíveis, salvo, porém, quando as partes a tenham clausulado no contrato individual de trabalho, caso em que a retirada desse regime, por iniciativa do empregador, carece da concordância do trabalhador, sendo que, no caso a isenção de horário de trabalho foi clausulada no contrato individual de trabalho da A. e esta não deu o seu consentimento.
Ainda que, porventura e como mera hipótese de raciocínio, não pudesse o empregador fazer cessar unilateralmente a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho e/ou apenas o pagamento da retribuição correspondente quando tal tivesse sido acordado no contrato individual de trabalho, o certo é que, no caso - e é o que resulta dos factos provados – das comunicações feitas à A. o que decorre é que a isenção de horário de trabalho lhe foi atribuída “ao abrigo da clª 54ª do ACTV” e, ainda, que “a isenção parcial de horário de trabalho no valor e nos termos definidos na cláusula 54ª do ACTV para o sector bancário” (nºs 4 e 5 dos factos provados).
Ora, é essa mesma clª 54ª, nos nºs 4 e 5, do ACTV em vigor à data da denúncia, tal como também já o previa a clª 54ª do ACTV na sua redação original, constante do BTE 31/90, que prevê que o regime de isenção de horário de trabalho possa ser denunciado unilateralmente pelo empregador nos termos nela previstos e que, como se diz na sentença, foram observados pela Ré. Ou seja, desde logo nos termos e condições de admissão da A., foi, por remissão para a clª 54ª, salvaguardada a possibilidade de denúncia unilateral pelo empregador do regime de isenção de horário de trabalho.
Mais alega a Recorrente que ao empregador é apenas lícito alterar ou suprimir o quantitativo, mas desde que o montante global resultante da alteração não seja inferior ao que resultaria do somatório com as parcelas retributivas anteriores a essa alteração.
Como decorre do que já foi dito e do mais que consta da sentença, o princípio da irredutibilidade da retribuição não abrange o subsídio de isenção de horário de trabalho desde que, naturalmente, cesse a prestação de trabalho em tal regime. O alegado pela Recorrente é uma afirmação genérica que poderá ter cabimento no âmbito de outras prestações de natureza retributiva, mas não no âmbito da retribuição por prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho ou outras similares, que tenham uma causa específica de atribuição que, deixando licitamente de se verificar, determina a injustificação da continuação do seu pagamento (v.g., trabalho suplementar, subsídio por trabalho noturno, por turnos).
Por outro lado, o pagamento da retribuição correspondente a essa isenção nos subsídios de férias e de Natal também não obsta a que, cessada a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, cesse o pagamento da contrapartida correspondente. Sendo embora pago nesses subsídios e não obstante a natureza retributiva, esta não obsta, a que, cessada a causa justificativa desse pagamento, cesse igualmente a sua integração em tais subsídios.
Resta apenas dizer, tendo ainda em conta o alegado pela Recorrente, que estando assente que foi atribuída à A. isenção de horário de trabalho ao abrigo da clª 54ª do ACTV aplicável, nos termos da qual os trabalhadores aí referidos podem ser isentos de horário de trabalho, que não se provou que a A. não prestasse o seu trabalho em tal regime de isenção e/ou que o prestasse apenas e sempre dentro do horário normal de trabalho para o sector bancário, prova essa que se nos afigura que lhe competia [mais não seja, por infirmar o que foi acordado e/ou comunicado à A.], por um lado, e tendo a Ré feito prova de que fez cessar a referida prestação de trabalho em tal regime nos termos dos nºs 4 e 5 dessa clª 54ª [cfr. nº 12 dos factos provados], por outro, nada mais é exigido no sentido de se concluir pela licitude da cessação da prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho e, consequentemente, pela licitude da cessação do pagamento da correspondente retribuição.
Deste modo, improcedem as conclusões do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 10.10.2016
Paula Leal de Carvalho
António José Ramos
Jerónimo Freitas
_____
[1] In Direito do Trabalho, 13º Edição, Almedina, pág. 456
[2] Vide Monteiro Fernandes, In Direito do Trabalho, 13º Edição, Almedina, pág. 458.