Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
425885/09.6YIPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA
REQUERIMENTO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE
FALTA DE PRUDÊNCIA
Nº do Documento: RP20120206425885/09.6YIPRT-B.P1
Data do Acordão: 02/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 447º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I - Na interpretação do artigo 447-B do Código de Processo Civil haverá que salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual e, apenas sancionar o que está para lá dessa defesa.
II - Assim, as questões processuais têm de ser manifestamente improcedentes ou dilatórias, ou seja, despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto.
III - E, as questões de mérito hão-de ser manifestamente improcedentes, não apenas por inexistir qualquer jurisprudência que as suporte, pois que, quantas vezes, novas posições se tomam nos tribunais com base na sua defesa pelas partes, apoiadas em outra sustentação que não apenas a jurisprudência, mas porque não há leitura possível para as mesmas, e quando ainda, resultarem exclusivamente da falta de prudência e diligência da parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 425885/09.6 YIPRT-B.P1
5ª SECÇÃO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I
No 1º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão correm termos uns autos de insolvência em que é Autor B…, Lda e Requerente Massa Insolvente C….
Nos mesmos autos foi proferido o seguinte despacho:
«A senhora Administradora da Insolvência interpôs recurso não da sentença que condenou a massa insolvente no pagamento das custas, mas do despacho em que declaramos extinto o poder jurisdicional do Tribunal, deste resultando o cumprimento do despacho anterior em que se ordena à massa insolvente que cumprindo a sentença transitada em julgado proceda ao pagamento das custas do processo no montante de €16,93.
Podendo existir entendimentos que tal despacho não seja de mero expediente, que no nosso modesto entender e concordando com o senhor procurador assumimos ser, o certo é que o valor, quer ad acção, quer da sucumbência (16,93) não permite a interposição do recurso.
Por tal motivo não admitimos o recurso interposto, por ser tal legalmente inadmissível.
(…)
Dos requerimentos e reformas dos despachos:
A questão da inadmissibilidade do recurso não podia ser desconhecida da senhora Administradora de Insolvência.
Efectivamente a senhora AI e neste processo começou por apresentar requerimento/exposição no qual debate a questão, não concluindo por nenhum pedido, mas pelas suas próprias conclusões.
A essa exposição o Tribunal a fls. 43 notificou-a de que a sentença condenatória nas custas havia transitado em julgado e que deveria como tal proceder à inscrição em tabela do valor reclamado ao qual deveria ser dado pagamento logo que a massa insolvente dispusesse de fundos.
Notificada veio novamente a senhora AI pedir agora a reforma deste nosso despacho, considerando-o um acto ilegal.
Novamente o Tribunal consignou conforme fls. 47 que nada existe a alterar ao nosso despacho por esgotado o poder jurisdicional do Tribunal.
Deste despacho é que a senhora Administradora da Insolvência vem interpor recurso, tendo para o efeito constituído mandatária, relembrando-se que o que se mostra em discussão é um montante de custas de € 16,63.
Aliás para o recurso teve de constituir mandatária, que certamente cobrará acima de tal valor, devendo em fase de apreciação de contas nos autos de insolvência ser apreciada tal gestão das verbas da massa insolvente.
Todos estes requerimentos e recurso são e não podem de outro modo ser considerados, com todo o respeito por opinião contrária, que não resultantes de falta de prudência e diligência da parte da senhora AI e são manifestamente improcedentes.
Desta forma e ao abrigo do disposto no art. 447º- B al. a) do CPC condena-se a senhora Administradora de Insolvência, na taxa sancionatória excepcional de 4UC».
Tal decisão foi antecedida por um requerimento da senhora AI em que dando conta de ter sido notificada dum despacho que impunha à massa insolvente a obrigação de proceder ao pagamento das custas judiciais que lhe são imputadas, requeria a sua reforma, com fundamento em que, a satisfação do crédito de custas apenas poderá ser realizada na sequência da sua reclamação a operar nos termos do art. 146º nº 2 alª b) do CIRE e por parte do Ministério Público em representação do Estado.
Foi a este requerimento que o Tribunal respondeu considerando esgotado o poder jurisdicional.

Inconformada com tal despacho veio a senhora Administradora da Insolvente, recorrer apresentando as seguintes conclusões de recurso:
1) Não compete ao Tribunal sindicar a utilização da mandatária por parte da massa insolvente;
2) A aqui recorrente, na qualidade em que interveio, ou seja, na qualidade de Administradora da Insolvência, teve de recorrer a mandatária porquanto se lhe encontra estatutariamente vedada a capacidade de agir simultaneamente enquanto advogada e administradora da insolvência;
3) A recorrente recorreu aos serviços forenses de uma sua irmã e colega de escritório para que não tivesse de suportar os custos de pagamento de honorários a outro advogado;
4) No círculo do recurso propriamente dito a aqui recorrente, na qualidade de Administradora da Insolvência da massa insolvente que administra, requereu ao Tribunal a reforma de um despacho que considerou violador das regras processuais;
5) Foi a este requerimento da reforma de uma decisão que a massa entendia não poder/dever cumprir, que o Tribunal respondeu a fls. 47, alegando esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, despacho da qual a aqui recorrente, ali na qualidade de administradora da insolvência, recorreu, recurso que o Tribunal não aceitou por considerar violada a regra da sucumbência;
6) O entendimento da recorrente, na qualidade de administradora da insolvência, foi no sentido de que o que releva para efeitos do recurso interposto e alegado não é o valor das custas que o tribunal pretende ver pagas sem a adequada reclamação no processo de insolvência, antes se aferindo a sucumbência relativamente à utilidade económica pretendida com o recurso, quando o não pagamento dessas custas contende com a legislação que o regula, razão, pela qual a sucumbência se traduz indirectamente na perda do direito a reclamar o pagamento das custas sem que as mesmas sejam reclamadas no processo de insolvência pelo que o que se encontra verdadeiramente em causa não é apenas o pagamento de qualquer valor mas saber se os actos judiciais que lhe deram causa ocorreram ou não dentro do perímetro legal;
7) Foi contra este entendimento que o Tribunal se rebelou ao ponto de condenar a aqui recorrente….e ao abrigo do disposto no art. 447º- B al. a) do CPC…, na taxa sancionatória excepcional de 4 UC.
8) Entende a recorrente que a taxa sancionatória excepcional prevista no artº 447º- B, alª a) do CPC não pode ser imputada à Administradora da insolvência mas sim à parte recorrente, ou requerente, in casu, a massa insolvente do C…;
9) A aqui recorrente é parte ilegítima para poder ser destinatária de tal taxa excepcional;
10) Se o Tribunal pretendeu imputar a cominação pecuniária nos termos em que o fez, não sobrevém, nos factores apontados pelo Mmº julgador, qualquer censurabilidade a título de dolo ou negligência grave que possa satisfazer o elemento intelectual necessário à condenação, já que a massa insolvente se limitou à defesa dos interesses que entende assistirem-lhe, tal como supra explanou;
11) A massa insolvente, através da administração da aqui recorrente, ali funcionando enquanto administradora a insolvência, limitou-se a fazer ver ao tribunal que as custas processuais ou são a cargo integral do autor, nos termos do disposto no art. 446, nº 1 do CPC, já que apenas causa imputável aos Réus – que não pode ser substanciada na declaração de insolvência – implicaria a responsabilidade do C… no suporte da tributação judicial final e na medida em que esta responsabilidade por custas é independente da natureza do facto que determinou a inutilidade da lide;
12) Mais pretendeu demonstrar que, quando muito, as custas serão repartidas a ½ entre Autor e Ré por força da disposição especial e concreta encontrada no art. 450.º nº 2 alª e) do CPC – alterado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro, logo aplicável aos autos presentes – que determina expressamente que – “1- Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas serão repartidas entre aqueles em partes iguais”, definindo enquanto “….alteração das circunstâncias não imputável às partes…” a “e) Quando se trate de acção tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do Réu ou executado, desde que, à data da propositura da acção, não fosse previsível para o autor a referida insolvência”;
13) Em segunda tese, ainda que o Tribunal entendesse corrigir a decisão reformável no sentido da imputação das custas em partes iguais entre autor e Ré, sempre a condenação deveria incidir, no caso concreto dos réus, no C… e não na massa insolvente do C…
14) Apenas a imputação das custas processuais à Ré/parte processual e não à massa insolvente permitirá a sua reclamação e pagamento por parte da massa insolvente porquanto as custas contadas nos autos não podem ser consideradas dívidas da massa por se encontrarem claramente exoneradas da elencação contida no artº 51 nº 1 e alíneas do CIRE e apenas se podem constituir enquanto crédito sobre a insolvência;
15) A satisfação do crédito de custas apenas poderá ser realizada na sequência da sua reclamação a operar nos termos do disposto no art. 146º nº 2 alª b), 2ª parte do diploma em citação e parte do Digno Magistrado do Ministério Público em representação do Estado;
16) A massa não pode sobrestar-se ao espírito da lei no sentido do pagamento das custas processuais devidas no âmbito dos autos especiais supra referidos, já que apenas podem ser objecto de pagamento os créditos que se encontrarem reconhecidos por sentença de verificação e graduação de créditos – cfr. artº 173 do CIRE;
17) Em terceira sede e se o Tribunal, por lapso, pretendeu condenar a Administradora da Insolvência na sua própria pessoa ao abrigo do que dispõe o artº 456, nºs 1 e 2, alªs a) e b) do CPC- normativos concretos pelos quais a responsabilidade da recorrente pode ser dirimida «in casu» - cautelarmente se defende que a condenação enquanto litigante de má fé emergirá de dolo ou negligência grave e o que releva da actuação da Autora não é a intenção ou grave negligência na prática judicial, não pode extrair-se de tal actividade a intencionalidade na utilização dos requerimentos e recurso que fez anexar ao processado;
18) A litigância de má fé não pode ou deve traduzir-se numa limitação do legítimo direito de a recorrente discutir e interpretar a factualidade e o regime jurídico aplicável, razão pela qual o preceito condenatório enquanto litigante de má fé exige uma conduta dolosa ou gravemente negligente da aqui recorrente na sua actividade processual, sendo certo e tendo-se presente que a incerteza da lei, a dificuldade da prova, do apuramento e da interpretação dos factos e da sua qualificação jurídica poderão, por vezes, conduzir a um desfecho da acção em sentido contrário aquele que a parte, convicta e seriamente, defendia e desejava;
19) Impõe-se, assim, que a conduta da parte seja passível de um juízo de grave censura, o que ocorrerá, não quando se esteja perante uma mera leviandade ou imprudência, mas sim perante uma conduta intencionalmente dolosa ou que traduza uma grave ou grosseira «falta de precaução pela mais elementar prudência que deve ser observada nos usos correntes da vida;
20) A condenação enquanto litigante de má fé só deverá ocorrer quando os autos fornecem elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente, condenação que deve, ainda, ser sopesada em função do facto de a verdade judicial se constituir enquanto relativa, não só “…porque resultante de um juízo passível de erro (…) mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-psicológico”…
21) Para a litigância de má-fé não basta que a aqui recorrente não tenha visto acolhida a sua pretensão; para que tal litigância ocorra é, assim, necessário que se esteja perante situação que não deixe margem para dúvidas quanto à conduta dolosa ou gravemente negligente da parte violadora dos deveres de lealdade e correcção processuais;
22) A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 447- B alªs a) ou, quando muito e cautelarmente, 456º nºs 1 e 2 alªs a) e b) do CPC.
23) Pugnando-se por que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que, dando provimento à argumentação da recorrente, declare a ilegitimidade da condenação processual desta nos termos do artº 447º- B alª a) do CPC ou, cautelarmente, a absolva de tal condenação ou da eventual condenação enquanto litigante de má fé, assim se realizando Justiça

Os factos a considerar resultam do relatório supra.
Questão a decidir: se estão reunidas todas as condições para a aplicação da taxa sancionatória excepcional, a que se refere o artigo 447º-B, alínea b), do Código de Processo Civil à recorrente
Vejamos.
O Regulamento das Custas Processuais, criado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro veio introduzir no Código Processual Civil a possibilidade de condenação das partes no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional, a fixar pelo juiz entre 2 UC e 15 UC.
Este novo regime, consagrando uma espécie menor de litigância de má-fé, direccionado para actos dilatórios, teve, assim, o objectivo de evitar a prática de actos processuais que, sendo manifestamente improcedentes embaracem o regular andamento do processo.
Com efeito prescreve o artigo 447-B do CPC que:
«Por decisão fundamentada do juiz, e em casos excepcionais, pode ser aplicada uma taxa sancionatória aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou de esclarecimento quando estes, sendo considerados manifestamente improcedentes:
a) Sejam resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o mérito da causa e se revelem meramente dilatórios; ou
b) Visando discutir também o mérito da causa, sejam manifestamente improcedentes por força da existência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de diligência e prudência da parte».
Ora, os pressupostos de aplicação de tal preceito são de tal forma genéricos que cabe ao julgador a preocupação de limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual e, apenas sancionar o que está para lá dessa defesa.
Assim, as questões processuais têm de ser manifestamente improcedentes ou dilatórias, ou seja, despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto.
E, as questões de mérito hão-de ser manifestamente improcedentes, não apenas por inexistir qualquer jurisprudência que as suporte, pois que, quantas vezes, novas posições se tomam nos tribunais com base na sua defesa pelas partes, apoiadas em outra sustentação que não apenas a jurisprudência, mas porque não há leitura possível para as mesmas, e quando ainda, resultarem exclusivamente da falta de prudência e diligência da parte.
Ora, no caso, tendo a senhora Administradora interposto recurso do despacho em que se declarou extinto o poder jurisdicional do Tribunal, admitindo o Mmº Juiz poderem haver entendimentos que tal despacho não seja de mero expediente, contra a sua opinião, mas ainda assim, não admitindo o recurso com fundamento em que o valor da sucumbência o não permite, mas defendendo a recorrente que a sucumbência não reside no valor das custas a pagar (€16, 93) mas antes na utilidade económica pretendida com o recurso, a qual se traduz “na perda do direito de reclamar o pagamento das custas sem que as mesmas sejam reclamadas no processo de insolvência”, ou seja, num interesse imaterial, cremos que, não pode ser atribuída à recorrente falta de prudência ou diligência nessa defesa, concordemos ou não com ela, menos ainda um procedimento meramente dilatório.
Assim, impõe-se a revogação de tal despacho.
II
Termos em que, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão de condenação da recorrente ao abrigo do disposto no artigo 447º- B do CPC.
Custas do recurso a fixar a final.

Porto, 6 de Fevereiro de 2012
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Rui António Correia Moura
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate