Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1036/17.8T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DE RESPONSDABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RP201910181036/17.8T8VCD.P1
Data do Acordão: 11/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais não pode ser alterada oficiosamente.
II - A prática das partes na interpretação, execução e complementação de um qualquer acordo tem também força vinculativa, rectius autovinculativa, sob pena de, a não se entender assim, se poderem legitimar condutas das partes dissonantes com as exigências da boa-fé.
III - Se há casos que por si só têm aptidão a preencher a superveniência legitimadora de uma alteração ou pelo menos de uma ponderação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, outros há em que essa alteração ou ponderação implica uma comparação dos dados de facto existentes ou conhecidos na data da regulação alteranda, com os existentes no momento da pretendida modificação.
IV - Para que legalmente se reúnam as condições legais para uma alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais não basta a vontade de um dos progenitores, ainda que confortada pela invocação do interesse da criança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1036/17.8T8VCD.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1036/17.8T8VCD.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
............................................................
............................................................
............................................................
***
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório[1]
Em 11 de setembro de 2017, por apenso ao processo nº 4300/16.0T8MTS, pendente no Juízo de Família e Menores de Vila do Conde, J1, Comarca do Porto, B… instaurou contra C… ação para alteração das responsabilidades parentais relativas a D…, nascida em 01 de novembro de 2011, pretendendo, em síntese, que seja instituído um regime de guarda partilhada.
Suprida a falta de junção de procuração forense por parte do autor e citada a requerida, veio esta informar e comprovar ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que determinou a prolação de decisão a declarar interrompido o prazo para apresentação de contestação.
Recebida informação da Segurança Social a informar do indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado pela ré, determinou-se o prosseguimento dos autos com realização de conferência de pais.
Na conferência de pais não foi possível obter acordo entre os progenitores, tendo ambos manifestado oposição a eventual mediação familiar, determinando-se a suspensão da conferência com remessa das partes para audição técnica especializada, por um período de dois meses.
Foi junta aos autos informação sobre a audição técnica especializada, concluindo-se que as posições antagónicas assumidas pelos progenitores nalguns pontos impunham a necessidade de decisão judicial sobre essas matérias.
O autor requereu que o técnico autor da informação prestasse esclarecimentos, pretensão que foi indeferida, sendo os progenitores notificados para, querendo, em quinze dias apresentarem alegações ou arrolarem testemunhas e juntarem documentos.
Apenas o autor ofereceu alegações e arrolou testemunhas.
Realizou-se audiência final em duas sessões, sendo ouvida a menor.
Em 11 de abril de 2019, fixou-se o valor da causa no montante de €30.0000,01 e foi proferida sentença[2] que julgou totalmente improcedente a ação para alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Em 07 de maio de 2019, inconformado com a sentença, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
…………………………………………………………
…………………………………………………………
…………………………………………………………
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Do incumprimento do regime da regulação das responsabilidades parentais fixado na Conservatória do Registo Civil e da verificação de circunstâncias supervenientes determinantes da necessidade de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a D…;
2.2 Do interesse da menor D… no estabelecimento de um regime de guarda alternada.
3. Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e que não foram impugnados pelo recorrente, não se divisando fundamento legal para a sua oficiosa alteração[3]
3.1 Factos provados
3.1.1
D… nasceu a 01 de novembro de 2011 e é filha de B… e de C….
3.1.2
Por decisão datada de 14/04/2016, transitada em julgado, no processo de divórcio que correu termos na Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Varzim sob o nº 1906 de 2016, foi homologado o acordo de exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
“1ª As responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores;
2ª As funções de encarregado de educação serão exercidas alternadamente, em cada ano letivo, por cada um dos progenitores;
3ª Relativamente aos atos da vida corrente caberá esse exercício à mãe uma vez que a menor fica a residir com a mãe, passando fins de semana alternadamente com o pai e com a mãe;
4ª O pai entregará à mãe a mensalidade a título de pensão de alimentos a quantia de €100,00, pagos por transferência bancária até ao dia 8 do mês a que respeita, valor esse atualizado no dia 1 de janeiro de cada ano indexado à taxa anual de inflação;
5ª Ficam a cargo de ambos os progenitores em partes iguais as despesas de saúde e de educação;
6ª A cada um dos progenitores fica assegurado o direito e o regime de visita livre à filha nos dias em que esta permanece com o outro progenitor, desde que essas visitas sejam exercidas em observância das suas horas de repouso e obrigações, de natureza escolar, extra-escolar, formativa, bem como, com antecedência avise o outro progenitor desse seu desejo;
7ª Os progenitores não ficam confinados a número de visitas, sempre que queiram poderão estar com a filha, sem prejuízo dos interesses da menor;
8ª No dia do seu aniversário a menor almoça e janta alternadamente com cada um dos progenitores. A menor passa com o pai o dia de aniversário deste e o dia do pai e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe;
9ª O jantar de dia 24, véspera de Natal e o almoço de dia 25 ou seja do dia de Natal serão passados alternadamente com a mãe e o pai sendo certo que se inicia no ano de 2016 com o pai a 24 e com a mãe dia 25. A véspera de ano novo será passada integralmente com o pai ou com a mãe, começando a 2016 com a mãe e o dia 1 de Janeiro com o pai e nos anos subsequentes alternar-se-á o supra estipulado.
10ª A menor passará a 3ª feira de Carnaval e o domingo de Páscoa alternadamente com o pai e com a mãe começando em 2017 a passar a 3ª feira de Carnaval com o pai.
11ª A filha menor passará, nas férias de verão, mês de Agosto, os primeiros 15 dias seguidos com a mãe e os 15 dias posteriores com o pai.
12ª Os pais comprometem-se a resolver por consenso todas as questões pontuais e outras não previstas. Sempre que a menor se ausentar do país ou faça viagens dentro do país mesmo no período de férias de verão, tem de haver comunicação verbal entre ambos.”
3.1.3
Correram termos na 3ª secção de família e menores, J4, da Instância Central de Matosinhos, os autos nº 4300/16.0T8MTS, intentados em 8/09/2016, no âmbito dos quais, em sede de conferência de pais realizada em 28/11/2016, foi fixado regime provisório de alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
O pai poderá estar com a menor de sexta-feira desde o final das atividades escolares até segunda-feira, altura em que entregará a menor no colégio em semanas alternadas. Quando não for o fim de semana do pai este estará com a menor desde 3ª feira no fim das atividades escolares até 5ª feira altura em que entregará a menor no colégio;
Quanto aos feriados a menor passará de forma alternada entre os progenitores sendo que o próximo fim de semana será com a mãe;
Nos feriados que não forem do progenitor que está com a criança o progenitor irá buscar a menor pelas 10 horas e 30 minutos e entregará pelas 20 horas e 30 minutos;
A menor passará a véspera de Natal nos anos pares com o pai e o dia de Natal dos anos pares com a mãe alternadamente. A menor passará a véspera de ano novo e o dia de ano novo dos anos pares para os ímpares com o pai, alternadamente.
Quando a menor entrar para a escola primária as suas férias escolares serão repartidas em partes iguais pelos progenitores. Neste ano de 2016 a menor ficará a 1ª semana antes do Natal com a mãe e a semana após o Natal com o pai de forma alternada;
O domingo de Páscoa será passado alternadamente com cada um dos progenitores sendo que nos anos ímpares será com a mãe que terá a menor na 1ª semana de férias e o pai terá a menor de segunda-feira de Páscoa a 2ª semana de férias;
Se os progenitores ficarem por aqui ou pelos arredores a menor jantará e ficará com o progenitor que não tiver a menor às 4ªas feiras. A progenitora vai buscar a menor às 18 horas e a entregará ao pai pelas 11 horas. No mês de julho o pai terá a menor na sua companhia durante uma semana.
3.1.4
Por decisão datada de 15 de fevereiro de 2017 foi extinto o processo mencionado em 3) [3.1.3] por inutilidade superveniente da lide motivada pela reconciliação dos progenitores, decisão essa transitada em julgado.
3.1.5
No âmbito da conferência datada de 22 de março de 2018, que correu termos no incidente de incumprimento – proc. nº 1036/17.8T8VCD-A – requerido e requerente reconheceram estar em dívida a quantia de €302,04 relativa a prestações vencidas entre agosto de 2016 e julho e agosto de 2017.
3.1.6
Após o divórcio, requerente e requerida viveram na casa que foi a morada de família de todo o agregado familiar – e atualmente a residência do requerente – até dia 29 de julho de 2016, data em que a requerida saiu definitivamente de casa.
3.1.7
Em agosto de 2016, a menor residiu, em dias alternados, com cada um dos progenitores e, ainda, na maior parte do tempo, na companhia dos seus irmãos mais velhos, igualmente filhos do extinto casal, já de maioridade.
3.1.8
No dia 31 de agosto de 2016, a requerida foi buscar a filha a casa do requerente às 9h e por volta das 11h o requerente recebeu um “email” da requerida a anunciar o fim de férias e a estabelecer regras rígidas para as visitas do requerente à sua filha: “No sentido de cumprir o mais escrupulosamente possível o que ficou escrito no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, agradecia que me avisasses com a devida antecedência as visitas que desejas fazer à nossa filha nos dias em que esta permanece comigo... Relativamente aos outros assuntos referentes à nossa filha, serão tratados com a Dra E…, uma vez que recorreste aos serviços desta”.
3.1.9
Tal conduta levou à instauração da Ação de Alteração das Responsabilidades Parentais, que deu origem ao Processo nº 4300/16.0T8MTS - Juízo de Família e Menores de Vila do Conde, Juiz 1[4], referido em 3) [3.1.3].
3.1.10
Notificado da respectiva ata e verificando o requerente que, por lapso, a mesma não continha todo o decidido na conferência de pais, requereu a sua retificação, por requerimento que deu entrada em 12/12/2016, com a referência 13198652, de forma a que do item “Convívios” ficasse a constar que, “para as semanas em que o pai tem a menor ao fim-de-semana, o progenitor estará com a menor de 2ª feira no fim das actividades escolares até 3ª feira, altura em que a entregará no colégio.
Pretendeu-se, desta forma, evitar que, nos fins de semana do pai, a menor estivesse muitos dias sem conviver com o pai, o que sucederia caso não fosse fixada a 2ºfeira para convívio com a menor, com pernoita até 3ª feira.”
3.1.11
E que igualmente ficasse a constar da ata o seguinte: “Quanto aos feriados deverá acrescentar-se tal como ficou fixado, que, caso o feriado seja em dia imediatamente anterior ao início do fim de semana com o pai, este não entregará a menor às 20:30 horas, mas apenas na 2ª feira seguinte no colégio.”
3.1.12
Nas circunstâncias mencionadas em 6) [3.1.6] requerente e requerida viveram em comunhão de mesa e leito, com os filhos gémeos e a menor, na residência da progenitora mãe, durante cerca de seis meses, até que a requerida fez saber ao requerente que pretendia pôr fim à reconciliação, o que veio a suceder, regressando o requerente, no dia 8 de julho de 2017, à residência onde atualmente se encontra – e que sempre foi a casa de morada de família de todo o agregado familiar e do requerente após o divórcio, com exceção deste curto período de reconciliação.
3.1.13
Desde julho de 2017 o regime seguido pelos progenitores tem sido o seguinte:
a) fins de semana alternados, desde sexta-feira, no final das atividades letivas da menor, até segunda-feira de manhã, no início das atividades letivas.
b) todas as quartas-feiras o pai vai buscar a menor ao colégio, no final das atividades letivas, e deixa-a na quinta-feira no colégio, ao início das atividades letivas.
c) todas as segundas-feiras, a seguir ao fim de semana da mãe, o pai vai buscar a menor ao colégio, no final das atividades letivas, e deixa-a no colégio na terça-feira de manhã, ao início das atividades letivas.
d) no mês de julho foi seguido idêntico regime, se bem que o local para receber ou entregar a menor, fosse nas respetivas residências dos progenitores.
e) no mês de agosto a menor esteve a primeira quinzena com a mãe e a segunda com o pai.
f) as interrupções letivas do Natal e da Páscoa foram repartidas por ambos os progenitores, nos anos de 2017 e de 2018, em regime alternado.
3.1.14
O requerente sempre foi um pai presente, desde o nascimento da D… até hoje, cuidando da sua saúde e bem-estar, prestando-lhe toda a atenção e carinho, convivendo assídua e diariamente com ela.
3.1.15
Requerente e requerida lecionam na Escola Secundária F…, sita na cidade da Póvoa de Varzim.
3.1.16
Entre a escola e as casas do requerente e da requerida demora cerca de 9 minutos a pé e cerca de 18 minutos a pé para o local de trabalho dos progenitores.
3.1.17
É o requerente quem leva a menor às aulas de natação ao sábado e às aulas de ballet à quarta-feira.
3.1.18
No ano letivo de 2017/2018 o cargo de encarregado de educação foi exercido pelo requerente, que sempre foi às reuniões de pais a fim de se informar sobre a evolução da filha e inteirar-se da sua integração na escola, com a professora e demais colegas.
3.1.19
A D… frequenta desde os 3 anos de idade, primeiro a pré-primária e atualmente o 2º ano do 1º ciclo no G…, sito na Rua …, nº …, Póvoa de Varzim, estabelecimento de ensino este que lhe é, pois, familiar, no qual sempre se sentiu integrada e feliz, com excelente interação com professores e colegas.
3.1.20
O requerente gosta que a D… ande bem arranjada.
3.1.21
A D… diz frequentemente ao pai: "Quero colinho do meu papá", "O meu papá é o melhor do mundo" e "Adoro o meu papá".
3.1.22
E, “papá não vendas esta casa (a casa do progenitor) pois é a minha casa desde bebé e tenho recordações” ou “aprendi a andar de bicicleta com o melhor (referindo-se ao progenitor)” e, ainda, “não és só o meu papá, és o meu melhor amigo”.
3.1.23
A D… é autónoma para fazer as refeições e é uma criança saudável.
3.1.24
Quanto aos filhos gémeos do requerente e da requerida, atualmente com 21 anos de idade, que a D… adora e com quem gosta de estar e conviver, o H… vive com o requerente e o I… com a requerida, mas mantendo contacto frequente com o pai e a irmã.
3.1.25
A casa de habitação do progenitor é uma moradia de três pisos, com área exterior e piscina, construída há cerca de uma década, confortável, totalmente equipada e mobilada.
4. Fundamentos de direito
Do incumprimento do regime da regulação das responsabilidades parentais fixado na Conservatória do Registo Civil e da verificação de circunstâncias supervenientes determinantes da necessidade de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a D….
O Ministério Público censura a decisão recorrida por ter julgado improcedente a pretensão de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a D… em virtude de não se verificarem circunstâncias supervenientes que determinem essa alteração.
Para tanto, em síntese, afirma que ocorre incumprimento por parte de ambos os progenitores do acordo firmado na Conservatória do Registo Civil por si só justificador da alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais e que, além disso, ocorreram circunstâncias supervenientes que também justificam tal alteração, como é evidenciado pela instauração da Ação de Alteração das Responsabilidades Parentais, que deu origem ao Processo nº 4300/16.0T8MTS e pela implementação no âmbito desses autos de um regime provisório tendente a permitir um maior convício da criança com o progenitor, sendo que a alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais pode ser determinada oficiosamente. Finalmente, refere que o tribunal a quo não julgou o pedido de alteração infundado e, pelo contrário, ordenou o seu prosseguimento, deixando pressupor que procedendo desse modo estava o tribunal recorrido vinculado a proferir uma decisão de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Na sentença recorrida, concluiu-se pela inverificação de circunstâncias supervenientes que imponham a alteração do decidido, referindo-se para tanto, em síntese, o seguinte:
Está assim afastada a simples reapreciação do caso, sob pena de se transformar a nova acção num intolerável meio de invalidar o que havia sido regularmente acordado ou decidido – cfr., neste sentido, o Ac. da R.L. de 24/6/ 2010, disponível in www.dgsi.pt.
Ao requerente impõe-se, assim, indicar quais as condições pessoais, financeiras, sociais e pessoais que se alteraram (cfr., entre outros, o Ac. R.L. de 19/10/1999, in C.J., Tomo IV, pág.129) e que, por isso, justificariam a alteração do anteriormente decidido.
[…]
Posto isto, ressalta à evidência que actualmente não se verifica qualquer alteração às circunstâncias existentes à data da propositura da presente acção e muito menos desde a fixação do regime ocorrido a Abril de 2016 ou sequer do regime provisório datado de 28/11/2016, entretanto judicialmente extinto, pois que também aí manteve-se a guarda a favor
da mãe estabelecendo-se tão só um alargamento de visitas a favor do pai.
Ora, a alteração substancial das circunstâncias justificativas da modificação do acordado e definido em sede de regulação das responsabilidades parentais só pode ser motivada pela ocorrência de factos novos, como pelo conhecimento de factos anteriores de significativa transcendência ignorados na sua adopção. Feitas estas considerações, e no caso
concreto nada resultou provado!
[…]
Assim, neste tipo de processos o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos, e recolher as informações convenientes, conforme o disposto no citado art. 986º. Além disso, nos termos do art. 987º do Código de Processo Civil, nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna. Porém, o recurso à equidade para fundar a decisão só deve ser utilizado se e quando as circunstâncias particulares do caso o justificarem, tendo em vista a solução mais oportuna e conveniente, e, mais justa, para esse caso. – vide Acórdão da Relação de Évora, de 30 de Abril de 2015, in www.dgsi.pt.
Por isso é que, apesar de a acção de alteração do regime da regulação das responsabilidade parentais ter a natureza de processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente, o tribunal deve adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, mas sem abstrair em absoluto do direito positivo vigente, devendo nortear-se, em face da matéria em causa, pelo Superior Interesse da Criança. Ora, na situação em apreço, entendemos nenhuma fragilidade pode ser apontada ao agregado da progenitora, ao relacionamento do menor com a mesma, ao relacionamento do menor com o companheiro da mão [sic] (ao contrário do que foi alegado), nenhuma fragilidade pode ser apontada aos cuidados e acompanhamento prestados pela progenitora que justifiquem a alteração do regime que foi livremente estabelecido quanto à guarda da D…, quer à data da regulação das responsabilidades parentais quer em momento subsequente aquando da alteração estabelecida em 2016 e que mereceu a concordância de ambos os progenitores.
Ora, desde a última regulação e da alteração provisória das responsabilidades parentais 2016 não foi alegado e sequer provada qualquer factualidade que justifique a alteração do decidido. É certo que as regras da experiência nos dizem que, à medida que se cresce, intensificam-se os vínculos afectivos entre os progenitores. E a D… tinha quatro anos à data da separação dos progenitores, tem actualmente 7 anos, está na casa do pai e fins de semana alterados, é feliz na casa do pai onde interage e usufrui de espaços verdes, o pai é um pai diligente, cuidador, leva a filha às actividades, reside a poucos minutos da escola e da casa da progenitora. Porém, tal realidade não é suficiente para por si só justificar a alteração da guarda da D… no sentido pretendido pelo progenitor, até porque não resultou provado que tal realidade não existisse à data da regulação do exercício das responsabilidades parentais e não exista agora. Bem pelo contrário a realidade é a mesma!
Como se referiu recentemente no Acórdão do STJ de 12/02/2019, proferido a propósito do Proc. nº 200/14.6T8MTS-C.P1.S1 da 6ª secção, e que confirmou na íntegra decisão da signatária em situação em tudo idêntica à dos presentes autos (quer face à idade, maturidade da criança e proximidade geográfica entre as residências dos progenitores, e que aqui transcrevemos um enxerto: “I- Não se verificando, em sede de exercício das responsabilidades parentais, qualquer incumprimento de ambos os progenitores do menor neutralizador do funcionamento do regime instituído e a obrigar à instituição de novo regime, nem tendo ocorrido supervenientemente circunstâncias de facto que tornem necessário a alteração do regime instituído não pode este ser objecto de modificação. II- O facto de o tribunal ter estabelecido um regime provisório (visitas mais alargadas) com o qual se conformou a mãe do menor não equivale em si mesmo a qualquer alteração das circunstâncias de facto anteriores com impacto no destino (residência) do menor, apenas valendo como um ajuste às visitas. III- o exercício das responsabilidades parentais só deve ser imposto pelo tribunal quando esteja minimamente assegurado que os progenitores ou o filho (se, pela sua idade e maturidade, a respectiva vontade deve ser levada em conta) nisso condescendem (…)”.
Assim, sem necessidade de mais delongas, não logrou o requerente fazer prova nos autos de circunstâncias supervenientes após as decisões que regularam as responsabilidades parentais.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, “[q]uando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um deles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Deste normativo resulta claro, ao invés do sustentado pelo recorrente Ministério Público, que a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais não pode ser alterada oficiosamente.
Nem a circunstância destes autos terem a natureza de processo de jurisdição voluntária (artigo 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) confere ao tribunal o poder de oficiosamente determinar a alteração de uma Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, nomeadamente com base no disposto no artigo 987º do Código de Processo Civil.
De facto, o que se prevê no normativo que se acaba de citar é a não vinculação do tribunal a critérios de legalidade estrita, nas providências a tomar, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, ou seja, pressuposto de aplicação deste normativo é que haja de tomar uma providência e, previamente, que tenha sido instaurado um processo para alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais. O artigo 987º do Código de Processo Civil não constitui assim qualquer desvio ao disposto no nº 1, do artigo 3º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ex vi artigo 33º, nº 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e concretizado nesta sede, em geral, no nº 1 do artigo 17º do Processo Tutelar Cível.
No caso em apreço, existe uma questão prévia a dilucidar e que é a de saber se estão reunidos os pressupostos legais para que possa ser determinada uma nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, tal como previsto no nº 1, do artigo 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
A circunstância do tribunal a quo não ter considerado o pedido do progenitor infundado ao abrigo do disposto no nº 4, do artigo 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, não significa que o pedido seja fundado ou que seja necessária a alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, formando-se caso julgado formal quanto ao preenchimento dos pressupostos legais necessários à pretendida alteração.
Não houve na fase intercalar do processo qualquer juízo no sentido de que a requerida alteração era fundada ou de que era necessária, pelo que o prosseguimento do processo não envolve qualquer vinculação do tribunal recorrido.
No caso dos autos, o Ministério Público recorrente invoca as razões antes enunciadas para sustentar o erro da decisão recorrida quando afirma inexistirem circunstâncias supervenientes que imponham a necessidade de alterar o regime do exercício das responsabilidades parentais relativas a D….
Assim, a primeira questão que importa dilucidar é a de saber se, como afirma este recorrente, se verifica um incumprimento de ambos os progenitores que por si só justifica a necessidade de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Na perspetiva do Ministério Público, esse incumprimento bilateral resulta da implementação na prática de um regime diverso do que consta do regime acordado na Conservatória do Registo Civil.
Porém, como já se referiu quando se conheceu o recurso interposto pelo progenitor, a adoção, na prática, pelos progenitores de uma regulação do exercício das responsabilidades parentais com conteúdo diverso do que foi homologado em sede de divórcio por mútuo consentimento –, não revela qualquer necessidade de alterar o regime estabelecido, mas antes a grande utilidade da cláusula 12ª do acordo inicial e que legitima esta conduta dos progenitores concretizadora e até complementadora do aludido acordo.
A prática das partes na interpretação, execução e complementação de um qualquer acordo tem também força vinculativa, melhor dizendo autovinculativa, sob pena de, a não se entender assim, se poderem legitimar condutas das partes dissonantes com as exigências da boa-fé.
No caso em apreço esta conduta complementadora das partes no que respeita ao conteúdo do acordo homologado em sede de divórcio por mútuo consentimento, como já se referiu, tem cobertura expressa na cláusula 12ª do referido acordo.
Por isso, não existe qualquer incumprimento bilateral da regulação do exercício das responsabilidades parentais que determine a necessidade de alteração desse regime.
Vejamos agora se a factualidade provada e as razões invocadas pelo recorrente Ministério Público no seu recurso de apelação permitem concluir pela verificação de circunstâncias supervenientes que imponham a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes a D….
Ora, como já referiu no recurso do progenitor de D… anteriormente conhecido, se há casos que por si só têm aptidão para preencher a superveniência legitimadora de uma alteração ou pelo menos de uma ponderação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, outros há em que essa alteração ou ponderação implica uma comparação dos dados de facto existentes ou conhecidos na data da regulação alteranda, com os existentes no momento da pretendida modificação.
Assim, se se percebe que uma doença ou incapacidade graves do progenitor ou da terceira pessoa que têm a guarda do menor subsequentes à fixação do regime do exercício das responsabilidades parentais podem bastar, sem mais, para fundamentar uma pretensão de alteração desse regime, nesse segmento, já no caso de uma pretendida redução ou aumento da prestação alimentar importa confrontar as condições existentes na data da fixação da regulação do exercício das responsabilidades parentais com as que se verificam no momento da pretendida alteração, a fim de verificar se ocorreu uma alteração relevante da “base negocial” ou dos pressupostos fácticos subjacentes ao regime que se pretende modificar[5].
O que parece inquestionável é que não basta a vontade de um dos progenitores, ainda que confortada pela invocação do interesse da criança, para permitir a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo o legislador dado primazia ao valor da estabilidade de uma regulação do exercício das responsabilidades parentais que “funciona” em detrimento da vontade de qualquer um dos progenitores no sentido de alteração do que se acha estabelecido e a ser cumprido.
A circunstância superveniente invocada pelo recorrente Ministério Público resulta, em seu entender, de no âmbito do processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais n.º 4300/16.0T8MTS, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 28º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, se ter considerado necessário alterar o regime de exercício das responsabilidades parentais e se ter fixado, em 26 de novembro de 2016, um regime provisório, que possibilitou precisamente um maior convívio entre o progenitor e a criança.
Ora, salvo melhor opinião, esta circunstância não releva para justificar a necessidade de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais já que em 15 de fevereiro de 2017, foi extinta a instância no referido processo por inutilidade superveniente da lide motivada pela reconciliação dos progenitores, decisão essa transitada em julgado.
Assim, porque os progenitores de D… se reconciliaram, tendo vivido um com o outro durante cerca de seis meses (veja-se o ponto 3.1.6 dos factos provados) e ainda porque a partir da sua nova separação implementaram um regime complementar do que havia sido homologado em sede de divórcio por mútuo consentimento (veja-se o ponto 3.1.13 dos factos provados), a aludida circunstância superveniente destacada pela Digna Magistrada do Ministério Público perdeu atualidade, não sendo relevante para justificar a necessidade de alteração da regulação do exercício do poder paternal.
Deste modo, por tudo quanto precede, conclui-se que bem andou a decisão recorrida quando concluiu pela inverificação de circunstâncias supervenientes que determinem a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes a D…, ficando prejudicado o conhecimento da questão enunciada para ser conhecida de seguida e colocada pelo recorrente no seu recurso de apelação e relativa à matéria da conformidade da guarda alternada com o interesse de D….
Não obstante sempre se dirá que a decisão recorrida não violou os artigos 1906º, nº 5, do Código Civil, bem como o artigo 36º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa porque decidiu com base em razões de ordem processual, não chegando a aplicar estas normas substantivas.
Quanto à invocada violação do artigo 42º, nº 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, pelo que antecede, conclui-se que a interpretação deste normativo feita pelo tribunal recorrido é, a nosso ver, correta e imerecedora de qualquer censura.
O recurso é sem custas dada a isenção de que goza o recorrente Ministério Público.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida em 11 de abril de 2019.
Sem custas, dada a isenção do recorrente.
***
O presente acórdão compõe-se de dezanove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 18 de novembro de 2019
Carlos Gil
Carlos Querido
Joaquim Moura
_____________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Notificada à Sra. Advogada Mandatária do autor mediante expediente eletrónico elaborado em 12 de abril de 2019.
[3] Procede-se no entanto à sua correção, seja por força das novas regras ortográficas, seja adequando a factualidade provada à prova documental com força probatória plena junta aos autos, como sucede, por exemplo, quanto ao conteúdo do acordo mencionado no ponto 3.1.2 dos factos provados.
[4] No ponto 3 da sentença recorrida afirma-se que o tribunal em causa foi a 3ª secção de família e menores, J4, da Instância Central de Matosinhos.
[5] Só assim não será nas situações em que venha alegada uma total incapacidade de continuar a prestar alimentos, por ausência total de rendimentos ou bens de qualquer espécie.