Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2906/20.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE ABSOLUTA E DEFINITIVA DE O TRABALHADOR PRESTAR O SEU TRABALHO
Nº do Documento: RP202206082906/20.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: ,
Sumário: I – Para que se dê a caducidade do contrato de trabalho, nos termos do art. 343º al. b) do CT, “por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o trabalho,...”, é necessária a verificação cumulativa daqueles três requisitos, ou seja, a impossibilidade ser “superveniente”, “absoluta”, e “definitiva”.
II – Para que se dê aquela não basta que ocorra uma situação de agravamento ou a excessiva onerosidade da prestação ou a impossibilidade temporária da trabalhadora, já que estas, apenas, suspendem o vínculo não o extinguem.
III - No caso, pese embora, terem-se provado longos períodos de baixa, por parte da trabalhadora, tal não permite concluir que a Autora, por força dessas baixas, se encontra incapacitada, permanentemente, para o exercício das suas funções.
IV - Pois, para que se verifique a impossibilidade absoluta para prestar trabalho, é necessário conhecer as concretas funções executadas pela Autora antes de ter ficado de baixa médica, e confrontadas com as suas limitações, podermos concluir que as suas “incapacidades” atingem a globalidade das tarefas que executava.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº2906/20.1T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de V. N. Gaia - Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrida: C... S.A.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
A A., AA, com a categoria profissional de Técnico de Negócio e Gestão, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ... Vila Nova de Gaia, intentou a presente acção, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a R., C... S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, pedindo que deve julgar-se, esta, provada e procedente e, em consequência,
“1. Ser declarada a inexistência da causa de caducidade do contrato de trabalho celebrado entre A. e R.;
2. Ser o despedimento da A. reconhecido como ilícito;
3. Ser a R. condenada a admitir a A. e reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
4. Ser a R. igualmente condenada ao pagamento à A. das retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença.
5. Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitida ao serviço da R. em 01-06-1995 para sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de TPG (Técnico Postal e de Gestão), a qual, actualmente, tem a designação de Técnico de Negócio e Gestão, e que exercia funções de chefia da área comercial, estando no atendimento ao público e que, desde 06-01-2008, tem estado impossibilitada temporariamente de prestar trabalho e, por isso, em situação de incapacidade temporária para o trabalho em virtude de doença, tendo apresentado junto da R. e para os devidos efeitos, os respectivos documentos comprovativos de doença, tendo-lhe sido concedido subsídio de doença e subsídio de doença profissional no período de 06-01-2008 a 25-07-2018, data, a partir da qual deixou de auferir subsídio de doença.
Mais, alega que, através de ofício datado de 12 de Julho de 2019, a R. informou-a da intenção de comunicação de caducidade de contrato de trabalho, o que contestou, tendo-lhe, neste seguimento, através de ofício datado de 22 de Agosto de 2019, a R. comunicado a caducidade do contrato individual de trabalho nos termos e para os fins decorrentes do art.º 343.º do Código do Trabalho alegando a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a A. prestar o seu trabalho e que, não pode concordar com a invocada caducidade que se trata, na verdade, de um despedimento ilícito, porquanto se, efectivamente, durante o período de ausência ao trabalho a A. debateu-se com sucessivos problemas de saúde, tendo sido acompanhada pelos respectivos médicos e realizado os tratamentos adequados, porque sofre de Osteoartrose/rizartroze bilateral, e consequentemente, padece de fortes dores na mão esquerda e direita e tendo sido submetida a diversos tratamentos, mas que não resultaram em melhorias significativas, nesse seguimento, foi submetida a cirurgia à mão direita em 12-06-2019, tendo-lhe sido implantada uma prótese, encontra-se ainda a aguardar a cirurgia à mão esquerda, e por isso, passível ainda de recuperação ou melhoria, encontrando-se ainda e no momento presente em recuperação, de melhoria do seu estado de saúde, inexistindo uma consolidação do mesmo.
E, alega que, em 2019, a R. requereu por 2 vezes, a submissão da A. à comissão de verificação de incapacidade temporária, tendo sido notificada para comparecer para realização dos respectivos exames médicos, foi considerada “não apta para desempenhar a actividade”, no âmbito das correspondentes verificações de incapacidade temporária, sendo a última verificação em sede de reavaliação, e sendo as decisões resultantes daquelas verificações, realizadas ao abrigo da Lei n.º 105/09 de 14 de Setembro, avaliam única e exclusivamente a incapacidade temporária, e não incapacidades permanentes e não são aptas a sustentar a decisão por parte da R. de operar a caducidade do contrato de trabalho da A.
Por fim, alega que dado a sua situação económica se ter ido deteriorando e com a cessação da atribuição do subsídio de doença, viu-se obrigada a solicitar a intervenção da comissão de verificação de incapacidades permanentes para efeitos de atribuição de pensão de invalidez relativa, que entendeu que a A. não reunia as condições de incapacidade permanente (não obstante a referida decisão ter sido sujeita a pedido de reavaliação no âmbito de comissão de recurso).
Conclui, alegando que sendo, a doença que tem essencialmente estado na base da sua ausência ao trabalho ao longo do tempo prende-se com a doença de que padece em ambas as mãos e sendo que, foi sujeita a tratamentos conservadores que não resultaram em melhorias, teve lugar uma intervenção cirúrgica à mão direita em 2019, aguardando nova cirurgia, pelo que, existe um processo de recuperação que ainda não terminou e a comissão de verificação de incapacidades permanentes da Segurança Social não confirmou a existência de uma incapacidade permanente, não estando verificados os pressupostos da caducidade do contrato de trabalho da A., nos termos da alínea b) do art.º 343.º do Código do Trabalho e, estamos por isso, perante um despedimento ilícito.
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Realizada audiência de partes, como decorre da acta lavrada em 07.09.2020, não se logrando a sua conciliação, foi a R. notificada para contestar, o que fez, nos termos que constam do articulado junto, em 17.09.2020, onde alega que, a A. se encontra desde o ano de 2000 - e desde o ano de 2008 interruptamente - impossibilidade de prestar para os C... o trabalho a que estava obrigada em função da respetiva categoria profissional, impossibilidade que se verificou após a entrada em vigor do contrato de trabalho, verificando-se a impossibilidade da A. realizar as atividades contratualmente devidas pois que, também como resulta dos factos acima descritos, a sua incapacidade verifica-se, desde o ano de 2000 de forma quase contínua e, sem qualquer interrupção, desde 03.01.2008, ou seja, há 20 anos à data à cessação e pelo motivo e duração da ausência da A. os C... deixaram de ter interesse na manutenção do vínculo laboral.
Mais, alega que, perante a duração da situação da A. de incapacidade para o trabalho não era de esperar, à data da cessação do contrato de trabalho que, num futuro próximo a situação se viesse a inverter, permitindo à A. retomar a tempo inteiro o exercício das suas funções, nem era exigível aos C... aguardar por tempo desconhecido uma eventual e porventura longínqua cura, acrescendo que em face desta ausência prolongada da A. os C... foram obrigados a reorganizar as suas operações e, designadamente, a redistribuir as funções da A. a outros trabalhadores.
Por fim, impugna a alegação da A., invoca que pretende a A. sugerir que a doença que determinou a incapacidade temporária para o trabalho, ao longo de 20 anos, se prende com uma qualquer situação de saúde relacionada exclusivamente com as suas mãos e que se encontra em recuperação, deixando no ar a sugestão, mas nunca a confirmando, de que seria expectável que pudesse retomar o exercício das funções - ainda que tal não resulte de qualquer documento e alega que, sempre cabia à A. alegar e demonstrar que ao longo de 20 anos esta foi a causa da incapacidade para o trabalho, o que não fez, sendo seu o ónus da prova.
Conclui que, “deverá a presente ação ser julgada totalmente improcedente por não provada, e a R. totalmente absolvida dos pedidos formulados pela A., com todas as demais consequências.”.
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Oportunamente, foi fixado o valor da acção em € 5.001,00, proferido saneador tabelar e despacho em que o Mº Juiz “a quo” se absteve de convocar uma audiência prévia e de proceder à fixação dos temas de prova, tendo os autos seguido para julgamento.
Realizada a audiência, conforme documentado na acta datada de 22.10.2021, conclusos os autos, foi proferida sentença, que terminou com a seguinte:
Decisão
Nestes termos, considerando que estão preenchidos os pressupostos para que a Ré pudesse fazer caducar, validamente, o contrato de trabalho, não se verificando uma situação de despedimento ilícito como pretende a autora, julgo a acção totalmente improcedente e não provada, absolvendo a ré dos pedidos contra ela formulados.
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Custas pela autora, sem prejuízo da legal isenção de que beneficia.
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Registe e notifique.”.
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Inconformada com a sentença, a A. apresentou recurso, nos termos das alegações juntas que finalizou, “- EM CONCLUSÃO:
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Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, alterando a douta sentença de que se recorre e condenando-se a Recorrida no pedido, com o que se fará JUSTIÇA!”.
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A Ré veio responder, apresentando contra-alegações que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
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Nestes termos e nos mais de Direito que doutamente serão supridos deve o presente recurso da Recorrida ser julgado improcedente com as demais consequências legais assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido, pela Mª Juíza “a quo”, como apelação com efeito meramente devolutivo e foi ordenada a subida dos autos a este Tribunal da Relação.
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O Ministério Público emitiu parecer nos termos do art. 87º nº 3, pronunciando-se no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, no essencial, por considerar que “a impossibilidade de a Recorrente prestar o trabalho não é ainda definitiva, pois a Recorrente melhorou com a cirurgia, continua em recuperação, e aguarda a cirurgia à mão esquerda.
Como não é, também, absoluta, no sentido de que não pode corresponder a uma situação de mera dificuldade na prestação da actividade laboral, e a Recorrente vem recuperando capacidades.
Aliás, foi-lhe recusada a incapacidade permanente, o que significa que tem a Recorrente capacidade para o exercício de actividade laboral, ajustada à sua incapacidade.
Termos em que, salvo sempre diferente e melhor opinião, cremos que assiste razão à Recorrente.
Tal como em relação à matéria de facto. Na verdade, é a doença de que padece em ambas as mãos a razão pela qual a Recorrente vem faltando ao trabalho.”.
Notificadas as partes não responderam a este parecer.
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Cumpridos que foram os vistos legais, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber, se o Tribunal “a quo” errou:
- quanto à decisão de facto impugnada;
- quanto à decisão de direito, por não estarem preenchidos os pressupostos para que a Ré pudesse fazer caducar, validamente, o contrato de trabalho, verificando-se um despedimento ilícito, como defende a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal “a quo” considerou, nos termos que se transcrevem, os seguintes:
«- Factos Provados:
1. A A. foi admitida ao serviço da R. em 01-06-1995 para sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de TPG (Técnico Postal e de Gestão, sendo que actualmente aquela categoria profissional tem a designação de Técnico de Negócio e Gestão.
2. A A. exercia funções no .../..., na Av. ..., estando no atendimento ao público.
3. Desde 03.01.2000, a A. encontrou-se em situação de incapacidade temporária para o trabalho por motivo de doença em virtude do que esteve ausente do trabalho nos seguintes períodos: Ano de 2000: 222 dias de ausência; Ano de 2001: 125 dias de ausência; Ano de 2003: 55 dias de ausência; Ano de 2004: 306 dias de ausência; Ano de 2005: 110 dias de ausência; Ano de 2006: 107 dias de ausência; Ano de 2007: 110 dias de ausência; Ano de 2008: De 03.01.2008 a 31.12.2008 - 364 dias de ausência; Ano de 2009: De 01.01.2009 a 31.12.2009 - 365 dias de ausência; Ano de 2010: De 01.01.2010 a 31.12.2010 - 365 dias de ausência; Ano de 2011: De 01.01.2011 a 31.12.2011 - 365 dias de ausência; Ano de 2012: De 01.01.2012 a 31.12.2012 366 dias de ausência; Ano de 2013: De 01.01.2013 a 31.12.2013 - 365 dias de ausência; Ano de 2014: - De 01.01.2014 a 31.12.2014 - 365 dias de ausência; Ano de 2015: De 01.01.2015 a 31.12.2015 - 365 dias de ausência; Ano de 2016: De 01.01.2016 a 31.12.2016 - 366 dias de ausência; Ano de 2017: De 01.01.2017 a 31.12.2017 365 dias de ausência; Ano de 2018: De 01.01.2018 a 31.12.2018 - 365 dias de ausência; Ano de 2019: De 01.01.2019 a 26.08.2019 238 dias de ausência.
4. Tendo apresentou junto da R. e para os devidos efeitos, os respectivos documentos comprovativos de doença - certificados de incapacidade para o trabalho.
5. Tendo sido concedido à A. o subsídio de doença de 06-01-2008 a 27-07-2012 e 11-01-2017 a 25-07-2018 e subsídio de doença profissional desde 17-01-2003 a 05-07-2015.
6. Através de ofício datado de 12 de Julho de 2019, a R. informou a A. da intenção de comunicação de caducidade de contrato de trabalho, dando-lhe um prazo de 30 dias para que a autora se pronunciasse e que caso os fundamentos descritos pela ré para base de tal intenção não fossem sustentadamente contrariados, os C... exercerão o direito de fazer cessar “com efeitos imediatos, e por via da caducidade, o contrato que vincula V. Exa. ao C....”
7. A autora contestou tal intenção entendendo não se verificarem os pressupostos e requisitos de caducidade do contrato, sendo que a sua impossibilidade de trabalhar é meramente temporária e não é absoluta.
8. Através de ofício datado de 22 de Agosto de 2019, a R. comunicou à A. a caducidade do contrato individual de trabalho nos termos e para os fins decorrentes do art.º 343.º do Código do Trabalho alegando a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a A. prestar o seu trabalho.
9. A R., entregou à A. o formulário de declaração de situação de desemprego, tendo assinalado a cessação do contrato de trabalho por caducidade por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber e o certificado de trabalho.
10. Durante os períodos de ausência ao trabalho a A. debateu-se com sucessivos problemas de saúde.
11. Tendo sido acompanhada pelos respectivos médicos e realizado os tratamentos adequados.
12. A autora sofre de Osteoartrose/rizartroze bilateral, e consequentemente, padece de fortes dores na mão esquerda e direita, tendo sido submetida a diversos tratamentos, mas que não resultaram em melhorias significativas.
13. A autora foi submetida a cirurgia à mão direita em 12-06-2019, tendo-lhe sido implantada uma prótese, sendo que tal cirurgia promoveu uma melhoria e diminuição das dores de que padecia a autora estando ainda em recuperação.
14. A autora encontra-se ainda a aguardar a cirurgia à mão esquerda.
15. Em 2019, a R. requereu por 2 vezes, a submissão da A. à comissão de verificação de incapacidade temporária.
16. Tendo a A. sido notificada para comparecer para realização dos respectivos exames médicos, foi considerada “não apta para desempenhar a actividade”, no âmbito das correspondentes verificações de incapacidade temporária.
17. A autora solicitou a intervenção da comissão de verificação de incapacidades permanentes para efeitos de atribuição de pensão de invalidez relativa, sendo que tal comissão de verificação entendeu que a A. não reunia as condições de incapacidade permanente (não obstante a referida decisão ter sido sujeita a pedido de reavaliação no âmbito de comissão de recurso).
18. Depois do despedimento a autora deixou de ter possibilidade de continuar os tratamentos e consultas médicas no âmbito do IOS, situação que lhe causou inquietação e nervosismo.
19. Os C..., S.A. (“C...”) têm como objeto assegurar, em todo o território nacional, o estabelecimento, gestão e exploração das infraestruturas e do serviço público de correios, o exercício de quaisquer atividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas na alínea anterior, bem como de comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede pública de correios, designadamente a prestação de serviços da sociedade de informação, redes e serviços de comunicações eletrónicas, incluindo recursos e serviços conexos, a prestação de serviços financeiros, os quais incluirão a transferência de fundos através de contas correntes e que podem também vir a ser exploradas por um operador financeiro ou entidade parabancária a constituir na dependência desta sociedade.
20. Em virtude da ausência prolongada da A. os C... foram obrigados a reorganizar as suas operações e, designadamente, a redistribuir as funções da A. a outros trabalhadores.
21. Durante a sua ausência a autora continuou a adquirir direitos laborais como sejam os fundados na antiguidade, como as diuturnidades que se continuaram a vencer e foram sendo pagas pela R. e o recurso ao sistema de saúde IOS, suportado integralmente pela última, sem que esta recebesse a contrapartida do trabalho prestado pela autora.
22. Em 13.09.2018, a A. remeteu aos C... uma carta para efeitos de esclarecimento de faltas injustificadas desde 31.07.2018.
23. Tal carta foi acompanhada de uma declaração da Sra. Dra. BB, datada de 03-08-2018, da mesma constando que:
… a utente foi avaliada em junta médica em 30-07-2018, não tendo subsistido a incapacidade. No entanto, da nossa avaliação mantém incapacidade para actividade laboral, pelo que o certificado de incapacidade temporária para o trabalho emitido em julho mantém-se válido até ao dia 12 de agosto, altura em que será novamente reavaliada na nossa consulta.
Por ser verdade e por me ter sido pedido, passo a presente declaração que dato e assino.” (Alterada, oficiosamente, a data sublinhada)
24. Com a dita carta enviou ainda a autora aos C... um relatório médico emitido pela Sra. Dra. CC, da Unidade de Saúde ..., datado de 29-08-2018, no mesmo constando:
Para efeitos de entrega na entidade patronal, se declara que do processo da utente AA, portadora do CC/BI n.º ..., constam os seguintes elementos:
- apresenta patologia do joelho direito, tendo sido operada a rotura meniscal em Dezembro de 2016. Foi seguida em Ortopedia, por manter queixas álgicas e incapacidade funcional efetuou RMN, que revelou gonartrose tricompartimental. Fez tratamento com viscossuplementação, no sentido de protelar tratamento cirúrgico até onde seja possível, dada a idade da utente. Após viscossuplementação, manteve grau variável de incapacidade funcional, consoante as actividades a realizar: não tolera períodos prolongados de marcha ou ortostatismo, não se encontra capacitada para efectuar transportes de objectos pesados e se permanecer muito tempo seguido na mesma posição desenvolve queixas álgicas a nível dos joelhos. Por este motivo, não se considera a utente capacitada para o desempenho das suas funções laborais;
- apresenta quadro de Fibromialgia (seguida em consultas de Reumatologia), com períodos de exacerbação de periodicidade não definida ou previsível;
- apresenta síndrome depressivo, actualmente em período de recrudescimento;
- hipostesias em ambas as mãos (em estudo, seguida em Neurologia Hospital ...; ainda sem diagnostico etiológico definido);
- síndrome de Meniére (seguida em ORL).

Pelos motivos acima expostos, não se considera a utente apta para o desempenho das suas funções laborais, pelo que se mantém a beneficiar de CIT até ao presente, independentemente das decisões CVIT de 26-07-2018 e de 31-07-2018”.
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Factos Não Provados
Com relevo para a decisão da causa, excluindo-se as meras generalidades, conclusões, repetições e matéria de Direito não logrou provado:
1. A autora exercia funções de chefia.
2. A partir de 25-07-2018 a A. deixou de auferir subsídio de doença.
3. O despedimento provocou imenso sofrimento e angústia à A.
4. A doença que tem essencialmente estado na base da ausência da A. ao trabalho ao longo do tempo prende-se com a doença de que padece em ambas as mãos.
5. A situação económica da A. foi-se deteriorando e com a cessação da atribuição do subsídio de doença, a A. viu-se numa situação dramática em que não auferia quaisquer rendimentos.
6. Com a realização da cirurgia à mão esquerda é previsível uma nova melhoria significativa do estado de saúde da autora.”.
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Previamente, a qualquer decisão, importa que, oficiosamente, se proceda à correcção, no ponto 23 dos factos provados, do lapso que, se verifica, ocorre, na data indicada, como a que a utente foi avaliada em junta médica, já que da declaração da Sra. Dra. BB, datada de 03-08-2018, consta e diz-se que a Junta Médica realizou-se a 30.07.2018 e não em 30-08-2018, como ali se fez constar.
Assim, altera-se o facto 23 nesta parte, nos precisos termos que assinalámos naquele.
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O DIREITO
- Da impugnação da decisão da matéria de facto:
A este propósito, depois de fazer uma incursão pela decisão recorrida a nível dos aspectos de facto e de direito que lhe parecem essenciais, vem a recorrente dizer ser seu entendimento que “ocorreu erro na apreciação da matéria de facto quer quanto à matéria dada como não provada quer quanto à matéria dada como provada, pois vários aspectos deveriam ter sido dados como provados, além de erro na valoração da prova e depoimentos prestados e por fim erro na apreciação do direito”.
E, no que à impugnação da matéria de facto respeita, diz impugnar os pontos 4 e 6 matéria dada como não provada.
Alega que, “Em relação ao ponto 4 foi dito pela testemunha da A. que trabalhou com a A. há cerca de 12 – 13 anos, que desde essa altura se recordava da A. se queixar das mãos e das dificuldades no dia a dia para executar as funções”, prossegue com a transcrição dos minutos do depoimento daquela testemunha que considera relevantes e continua a sua alegação dizendo que, “deste depoimento resulta claramente, que a queixa da A. relativamente às mãos e dores de que padecia, vinham de longe, e antecederam o momento em que a A. passou a estar de “baixa médica”.
Mais, alega que este depoimento evidencia ainda, que a A. foi fazendo vários tratamentos ao longo dos anos, o que culminou com uma cirurgia à mão direita em 2019 e que a testemunha deu ainda nota de melhorias significativas ocorridas na mão direita após a cirurgia e refere, também, “foi junto aos autos relatório médico/informação clínica (requerimento probatório com ref.ª 40098449) emitido em 8-10-2021 pelo médico especialista e nos termos do qual é referido que a A. “foi operada tendo realizado artroplastia total trapézio matacarpica dta. Hoje actualmente tem mobilidade completa da mão direita. Tem um scoor de 10 na mobilidade completa da mão direita. Na minha opinião tem mais capacidade para o desempenho do seu trabalho do que antes de ser operada.”.
Prossegue, defendendo que o facto de a médica de família da A. e assistente terem mais presente a situação de saúde dos joelhos, “isso não invalida que o problema das mãos por ser o mais antigo e do qual a A. manifestava queixas há mais tempo fosse o mais persistente ao longo dos anos em causa e em relação ao qual ocorreram mais tratamentos como foi referido pela testemunha, cujas declarações aqui se transcreveram”.
Considera, assim, que, “de acordo com a douta sentença, foi dada claramente, de forma errada e sem base factual, com o devido respeito e salvo melhor opinião, maior preponderância ao problema de saúde no joelho de que padecia a A. e em relação ao qual foi também sujeita a intervenção cirúrgica”, argumentando que “a médica de família, Dra. CC apenas acompanhou a A. a partir de 2017 e a Dra. BB apenas num curto período entre 2017 e 2018 assistida pela Dra. CC, sendo que, ambas fizeram questão de referir que sem consultar o processo médico não podiam estar 100% certas de quando surgiram ou se surgiram queixas da A. em relação às mãos”, continuando com a transcrição dos trechos dos depoimentos desta última testemunha.
E, após, alega que, “verificamos assim que a douta não deu como provado que o problema de saúde das mãos foi essencialmente o que esteve na base da ausência da trabalhadora ao longo do período em questão, tendo inclusivamente na fundamentação de facto e aplicação do direito dado maior relevância ao problema de saúde dos joelhos com base nas declarações das médicas de saúde aqui transcritas.
Sucede que, a nosso ver a prova não foi devidamente valorada, isto porque as testemunhas da R. médicas de família apenas acompanharam a A. a partir de 2017/2018, fazendo questão de ressalvar nas suas declarações que não se recordavam e não tinham certezas relativamente aos factos sobre os quais versou a sua inquirição, nomeadamente, quanto ao historial da A. e data do aparecimento dos problemas e queixas das mãos.
Efectivamente, não se recordavam com clareza de tais factos, e não tinham a certeza do que afirmaram, o que foi assumido pelas próprias.
No entanto, a testemunha da A. prestou declarações já aqui transcritas no sentido de que as queixas e problemas das mãos eram antigos (desde há 12/12 anos que a A. se queixava dos mesmos) e que tais problemas a impedia de exercer as suas funções.
Neste sentido, parece-nos que se apresenta razoável que o ponto 4 –“ A doença que tem essencialmente estado na base da ausência da A. ao trabalho ao longo do tempo prende-se com a doença de que padece em ambas as mãos” constante da matéria dada como não provada na douta sentença passe a constituir matéria provada, face aos testemunhos aqui transcritos, inexistindo razão plausível para não considerado o depoimento da testemunha da A.”.
Continua, defendendo e alegando que se verifica que, “os outros problemas de saúde de que padecia a A. não a impediam de forma ininterrupta e durante o período de tempo em questão de prestar trabalho, pois foram doenças que foram sendo tratadas ao logo do tempo” e, ainda que, “a intervenção cirúrgica ao joelho terá ocorrido em 2017, sendo passível de recuperação e uma maior funcionalidade, e a cirurgia à mão direita ocorreu em 2019, pelo que, este foi um tratamento posterior e que terá justificado em todo o caso, mesmo após a recuperação funcional do problema do joelho, a baixa médica num período posterior”, todas estas considerações alicerçadas na transcrição dos trechos do depoimento da testemunha CC que efectua, finalizando e concluindo, com a alegação de que, “Ou seja, pretendemos com isto dizer que se a intervenção cirúrgica ao joelho se apresenta adequada ao tratamento, não poderá ser o factos fundamental a ter em conta para o impedimento da A. e se as outras doenças de que padecia eram tratáveis e não justificavam uma ausência ininterrupta, e se o problema das mãos, como se poderá compreender, dificultava o exercício das funções por parte da A. e só foi resolvido com cirurgia à mão direita (aguardando cirurgia à mão esquerda), pensamos poder concluir com segurança que o problema de saúde das mãos foi efectivamente o que esteve na base das ausência da A. ao trabalho de forma ininterrupta ao logo dos anos.
Certo é que, as queixas da A. sobre as mãos e dificuldades em exercer funções tiveram lugar há cerca de 12 a 13 anos atrás, como declarado pela testemunha da A. ao contrário do problema do joelho que apenas passou a ser referido muito mais tardiamente com cirurgia em 2016.
Face ao que, em nosso entender e de acordo com as regras da experiência comum é plausível afirmar que o problema das mãos era mais antigo que o problema dos joelhos e esteve na origem das faltas ao trabalho de forma ininterrupta a partir de 2008. Pelo que deveria ser dado como provada a matéria do ponto 4 aqui identificado.”:
Quanto ao ponto 6 da matéria dada como não provada, para fundamentar as razões porque considera estranho que não tenha sido dado como provado, alega que, “A testemunha da A. que a tem acompanhado ao longo dos anos e com ela conversava ia sabendo do seu estado de saúde e testemunhou como já anteriormente transcrito, que a A. melhorou muito da mão direita, pois já tem mobilidade.
Foi junto aos autos Informação médica do médico especialista que operou a A. e nos termos do qual atesta que após cirurgia a A. “…tem uma mobilidade scoor 10 e mobilidade completa da mão, mais capacidade para o desempenho dos eu trabalho”.
Ora, o referido relatório refere ainda “… que os resultados cirúrgicos desta patologia são normalmente bons e com melhoria da capacidade motora”.
Acresce que, de acordo com depoimento da testemunha Dra. CC foi referido que todas as doenças de que padecia a A. eram tratáveis ou passíveis de tratamento:”, o que faz seguido a nova transcrição do depoimento daquela.
Alegando de imediato que “Face ao exposto, parece-nos que deveria ter sido dado como provado o ponto 6 da matéria não provada, ou seja: “Com a realização da cirurgia à mão esquerda é previsível uma nova melhoria significativa do estado de saúde da A.”.
Pois que, a cirurgia a que foi sujeita na mão direita permitiu uma total mobilidade e maior desempenho para a actividade como atestado pelo médico especialista, além da referência de que estas cirurgias têm normalmente bons resultados.
Por outro lado, foi declarado pela médica de Família Dra. CC que as doenças de que padece a A. são tratáveis num maior ou menor período de tempo e com diferentes graus de funcionalidade, mas que nenhuma delas é impossível de melhoria.
Assim, parece-nos ter existido erro na apreciação da prova quer documental, quer testemunhal no que a este ponto diz respeito, devendo passar a ser dado como matéria provada.”.
Quanto aos pontos, cujo aditamento pretende, os constantes dos art.º s 25.º e 27.º da PI, onde se lê: “25.º Passível ainda de recuperação ou melhoria. (com a cirurgia à mão esquerda);
27.º A A. encontra-se ainda e no momento presente em recuperação, de melhoria do seu estado de saúde, inexistindo uma consolidação do mesmo”, com o argumento de que, estes factos são relevantes, “pois permitem-nos aferir da existência ou inexistência do critério da definitividade da impossibilidade de prestar trabalho”, alega pensar que, houve erro na apreciação da prova e, como tal, entende que “deveria ter sido dado como provada a seguinte matéria:
A – Com a cirurgia à mão esquerda, esta é passível ainda de recuperação ou melhoria
B - A A. encontra-se ainda e no momento presente em recuperação, de melhoria do seu estado de saúde, inexistindo uma consolidação do mesmo.”.
Para o efeito, alega que podemos “concluir com relativa segurança ou pelo menos fundamentada, que era expectável que a cirurgia à mão esquerda a realizar, viesse também promover uma recuperação ou melhoria, isto com base na informação clínica do médico especialista junto aos autos posteriormente e já aqui referido e nos termos do qual é indicado a melhoria da mão direita em resultado da cirurgia e o sucesso deste tipo de cirurgias.
De acordo com o mesmo raciocínio e com base na referida informação clínica, parece-nos não existirem dúvidas sobre a matéria vertida no art.º 27 da PI, ou seja, face a estes elementos, resulta evidente que teve lugar uma melhoria significativa dos problemas de saúde na mão direita fruto da cirurgia, sendo expectável que com a cirurgia à mão esquerda, também tivesse lugar uma recuperação significativa, pelo que não existe uma consolidação do estado de saúde.”. Alicerça esta sua alegação, dizendo que, “estes factos se encontram corroborados pelo documento em análise, mas também pelo depoimento da testemunha Dra. CC que assumiu que as doenças de que padecia a A. eram tratáveis no sentido de serem passíveis de alguma recuperação e nível de funcionalidade que permitissem desempenhar funções laborais” e, continua com a transcrição do depoimento daquela.
Reafirmando a seguir, com a transcrição dos trechos do depoimento daquela que considera que: “Daqui resultando que haveria possibilidade de recuperação e um nível de funcionalidade mínimo para o desempenho de funções” e com a alegação de que, “Verificamos assim, a médica de família da A. nunca disse em momento algum que as doenças não eram tratáveis e que não permitiam uma melhoria, isto em relação a todas as doenças e que constava aliás de um relatório de 2018 junto aos autos e que serviu para fundamentar a incapacidade para o trabalho nessa altura em Agosto de 2018.
A Testemunha, médica de família nunca em momento algum referiu que a incapacidade da A. era definitiva ou que nunca poderia voltar a trabalhar, ou que o seu estado de saúde se apresentava consolidado sem possibilidade de recuperação, isto considerando ainda um relatório médico por si emitido em Agosto de 2018, anterior à cirurgia à mão direita, da qual a A. recuperou totalmente a mobilidade” e continua, dizendo, “Assim, parece-nos que a matéria de facto alegada e relativa às melhorias ocorridas na mão direita e expectáveis para a mão esquerda, após cirurgia, deveria ser dada como provada de acordo com prova testemunhal aqui transcrita e prova documental (informação clínica junta), pelo que é inevitável concluir pela inexistência de consolidação do estado de saúde da A. aqui recorrente”.
Fundamenta a sua alegação na afirmação de que “o documento junto (Informação clínica) emitido pelo médico especialista que operou a A. não foi devidamente valorado, pois não teve em consideração as melhorias ocorridas na mão direita, a total mobilidade recuperada e neste sentido, a adequação para o exercício de funções utilizando a mão direita, sendo certo, que esta recuperação é posterior à cessação do contrato da A.
Efectivamente, o relatório médico/informação clínica (requerimento probatório com ref.ª 40098449) emitido em 8-10-2021 pelo médico especialista e nos termos do qual é referido que a A. “foi operada tendo realizado artroplastia total trapézio matacarpica dta. Hoje actualmente tem mobilidade completa da mão direita. Tem um scoor de 10 na mobilidade completa da mão direita. Na minha opinião tem mais capacidade para o desempenho dos seu trabalho do que antes de ser operada.” Deveria em nosso entender e salvo melhor opinião ter sido considerado para afastamento de uma situação de definitividade da impossibilidade.
Sendo certo, que este relatório contraria até, de forma evidente salvo melhor opinião as considerações tecidas na douta sentença relativas à impossibilidade de a A. exercer as suas funções no atendimento ao público, pois mesmo que ficasse afectada a sua rapidez, a verdade é que não estava absolutamente e definitivamente impossibilitada de as exercer.
Refira-se aliás, que as considerações e conclusões do Tribunal “a quo” relativas à impossibilidade de A. vir a exercer as funções inerentes à sua categoria profissional, não se encontram sequer factualmente sustentadas, pois que, não foram as testemunhas directamente inquiridas sobre essa questão, ou seja, se as funções ou algumas das funções da A. não poderiam vir a ser exercidas, face ao estado de saúde actual.”.
Que dizer?
Previamente, à análise de saber se assiste razão à recorrente, quando defende que deveriam ser levados à factualidade provada os pontos não provados e os artigos da PI que refere, importa que se diga o seguinte.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto, por este Tribunal “ad quem” pressupõe que o recorrente cumpra determinados ónus, conforme dispõe o art. 640º do CPC (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra indicação de origem) “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho.
Sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto dispõe o art. 640º o seguinte:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. (…)”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo do recorrente, impondo-lhe que deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, considera, impõem decisão diversa da recorrida.
Nas palavras de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objecto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Transpondo o exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto dados como não provados, que considera incorrectamente julgados e, os que constam da PI que pede sejam aditados, prova a reapreciar e decisão que sugere e pretende seja dada àqueles.
Ou seja, em nosso entender, resulta das alegações e das respectivas conclusões que, a A., recorrente, de modo satisfatório, impugna a decisão da matéria de facto dando cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 al.s. a), b) e c), não havendo motivo para a sua rejeição, nem total nem parcial. Faz referência aos concretos pontos, da matéria de facto não provada, que considera incorrectamente julgados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida, indicando os elementos probatórios que, considera, devem conduzir à alteração e aditamento dos pontos impugnados e ainda as passagens da gravação, que transcreve, em que se funda o recurso, cfr. nº 2 al. a) daquele art. 640º, não se vislumbrando, por isso, motivos que determinem a rejeição da apreciação desta questão.
Vejamos, então.
Comecemos, por transcrever os factos considerados não provados em 4 e 6 que a recorrente considera terem sido incorrectamente julgados e devem ser considerados como provados dada a prova testemunhal e documental produzida que, entende, contraria frontalmente a conclusão inferida pelo Tribunal “a quo”.
Têm, aqueles, o seguinte teor:
“4 – A doença que tem essencialmente estado na base da ausência da A. ao trabalho ao longo do tempo prende-se com a doença de que padece em ambas as mãos.
6 – Com a realização da cirurgia à mão esquerda é previsível uma nova melhoria significativa do estado de saúde da A.”
E os factos constantes dos art.º s 25.º e 27.º da PI, cujo aditamento peticiona e considera deveriam constar da matéria de facto dada como provada, onde se lê:
“25.º Passível ainda de recuperação ou melhoria. (com a cirurgia à mão esquerda);
27.º A A. encontra-se ainda e no momento presente em recuperação, de melhoria do seu estado de saúde, inexistindo uma consolidação do mesmo”.
A Mª Juíza “a quo” fundamentou a sua convicção, quanto a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de não provados aos factos, (onde obviamente, se integram aqueles, agora, impugnados), nos seguintes termos, que transcrevemos, já que subscrevemos integralmente a apreciação e as considerações, aqui expostas:
“Na formação da sua convicção o Tribunal teve em conta as diligências de prova realizadas em sede de audiência de julgamento e, bem assim, os documentos juntos aos autos, os quais analisou conjugada e criticamente, lançando mão, sempre que tal se justifique e seja admissível, a regras de experiência comum.
1. Mais concretamente, parte da factualidade vertida em 5. e a constante de 6. e 14.º a 17.º da P.I., correspondendo à factualidade vertida em III. 1., 2., 6. a 9. foram expressamente admitidas pela ré.
Por outro lado, tal como consta da acta de julgamento, a autora, nessa altura confessou a factualidade vertida em III. 3.
2. A testemunha arrolada pela autora, DD, apresentou um depoimento vacilante, pouco sólido e muito pouco convincente, tendo referido encontrar-se reformada há cerca de oito anos a esta parte, desde logo desconhecendo, por essa mesma razão, a actual situação laboral da autora. Referiu ter sido colega da autora nos C..., no atendimento ao público, durante 3/4 anos notando que a mesma se queixava de dores insuportáveis nas mãos (sobretudo no polegar direito), tendo feito fisioterapia e “infiltracções” que a levavam a faltar ao trabalho.
Disse não conseguir precisar cronologicamente esse período de tempo, situando-o por volta de 1995, referindo que já nessa altura a autora se queixava das mãos e tinha dificuldade em realizar tarefas mais minuciosas com as mesmas, queixando-se ainda da fibromialgia e dos joelhos, acrescentando, de forma no mínimo paradoxal, que “de resto fazia o trabalho normalmente”.
No mais, relatou que autora lhe contou que tinha sido operada à mão direita, sofrendo nítidas melhoras, e estava à espera de ser operada à mão esquerda, pretendendo e sendo sua vontade voltar a trabalhar.
- EE, Responsável Saúde e Segurança no Trabalho nos C..., tendo esclarecido que no departamento em que trabalhava com C... lidava frequentemente com situações de absentismo dos funcionários, quer por motivo de doença, quer devido a acidentes de trabalho, sendo que o nome da autora aparecia frequentemente ligado a esta situação de ausência no trabalho por doença. Referiu que a autora durante cerca de 20 anos deu faltas, justificando-as com certificados de incapacidade temporária para o trabalho por doença.
Esclareceu também a decisão dos C... de “rescindirem” o contrato com a autora, tendo feito um aviso prévio na tentativa de obter uma “saída negociada” da autora, o que não veio a lograr-se. Disse ainda não recordar-se de qualquer comunicação por parte da autora no sentido de estar a melhorar ou recuperar, no sentido de poder voltar a trabalhar.
- CC, médica de família da autora desde o início de 2017, tendo confirmado ter sido redigido por si o documento constante de fls. 62 dos autos e esclarecido o quadro patológico da autora: lesão no escalpe de um dos joelhos, pensa que com cirurgia realizada em 2017; em 2019 foi colocada uma prótese num dos polegares; artroses pelo menos num dos pés; fibromialgia; depressão.
Referiu ainda que em 2018 as principais queixas da autora se prendiam com as dores nos joelhos e, do que pensa recordar-se, as queixas nas mãos surgiram posteriormente a esta data. Esclareceu ainda o Tribunal sobre os tratamentos e medicação administrados à autora.
- FF, gerente de loja dos C... na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, tendo referido que em 2019 a autora foi à dita loja e disse-lhe que tinha ido a uma Junta Médica que não lhe concedeu pensão por invalidez, mas que ela, autora, não iria trabalhar porque “a médica de família não a deixava trabalhar” e que “isto está tudo feito”; a testemunha reiterou que a autora lhe disse que não iria voltar a trabalhar e que “ia pedir uma Junta Médica por conta dela porque não confiava na que a considerou apta para o trabalho”; mais referiu que a maior parte dos colegas trabalha na loja há mais de 12 anos e nunca chegou a conhecer a autora porque ela nunca foi trabalhar nesse período de tempo.
- GG, gestor de loja dos C... até há cerca de 3 anos atrás, tendo referido que durante 1 a 2 anos recebeu declarações da autora no sentido de estar incapacitada para o trabalho por doença, sendo que tal ocorreu em 2017/2018, sabendo a testemunha que a autora estava numa situação de “baixa” prolongada;
- BB, médica, tendo confirmado ser a autora do documento constante de fls. 61 dos autos esclarecendo que é médica de família e na altura em que redigiu o dito documento estava sob orientação da Dr.ª CC. Mais referiu que esteve no Centro de Saúde a que está afecta a autora em 2017/2018, sendo que as queixas da autora, nessa altura, se prendiam com problemas nos joelhos e que a impediam de trabalhar, tendo sido operada a um dos joelhos, sem resultados consistentes.
- HH, director de loja dos C... há cerca de 3 ou 4 anos.
Referiu que antes disso estava colocado na loja de Vila Nova de Gaia onde trabalhava a autora, sendo que o director dessa loja lhe disse que a autora, desde 2008/2009 ia mensalmente à loja entregar certificados de incapacidade, por doença, para o trabalho, mais referindo que nunca viu a autora a trabalhar na dita loja;
- II, tendo referido ser coordenador de recursos humanos da área Norte dos C... e, nessa qualidade ser responsável pelos registos de assiduidade, ter ouvido falar da autora em virtude de a mesma estar ausente do trabalho desde 2008;
depoimentos que, com a ressalva já efetuada, se apresentaram credíveis, consistentes e, por isso mesmo, perfeitamente convincentes, formando um todo harmonioso e coerente.
3. Nos documentos de fls. 3, atestando a altura em que a autora começou a trabalhar para os C...; nos boletins de vencimento de fls. 14 a 15; na declaração da Segurança Social constante de fls. 15 vs a 18 atinente ao subsídio por doença atribuído à autora, sendo que, todavia, por si só, tal documento não atesta o momento em que a autora deixou de receber o dito subsídio e se é que o deixou de receber; na declaração de comunicação de caducidade do contrato de trabalho enviado pela ré à autora, constante de fls. 18 vs a 21 vs; na resposta enviada pela autora à referida comunicação, constante de fls. 22 a 23 vs; na declaração de caducidade do contrato de trabalho efectuada pela ré, junta a fls. 24/24 vs; pedidos de confirmação da doença por parte da ré à autora, de fls. 27/27vs e comunicados do resultado das verificações, de fls. 29 vs e 30, da Segurança Social, considerando que a autora estava inapta para desempenhar a actividade; comunicação à autora por parte da Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes, constante de fls. 30 vs, decidindo que a mesma não reúne as condições para atribuição de pensão de invalidez; comunicação da autora à ré atinente a faltas injustificadas, constante de fls. 60 vs, a qual foi acompanhada das declarações médicas da autoria das Drs. BB e CC, já acima referenciadas.
*
Relativamente à matéria dada como não provada, para além do já referido, fundou-se o Tribunal na inexistência de prova suficientemente firme, consistente, coerente e sólida que, atenta as regras de distribuição do ónus de prova cumpria fazer, de forma a poder o Tribunal, formar um juízo positivo e isento de dúvida sobre a mesma, isto mesmo no confronto da documentação junta e a restante prova produzida.” (sublinhado e negrito nossos).
Como já referimos supra e decorre das suas alegações, a apelante discorda desta fundamentação, no essencial, por considerar que das provas produzidas, com particular destaque para as que indica e transcreve, deveria ter-se dado como não provada aquela factualidade, que a mesma considera, consta daqueles referidos pontos dados como provados. Pugnando assim, pela alteração da decisão recorrida e da factualidade, dada como provada.
Assistir-lhe-á razão?
Que não, considera e defende a recorrida, firmando o seu entendimento, também, na transcrição de trechos de depoimentos das testemunhas DD e CC, em que a recorrente fundamentou o seu entendimento, além de argumentar desde logo que “mesmo que estes factos tivessem sido dados como provados como pretende a Recorrente, não se vislumbra como poderiam conduzir ao resultado pretendido pois, em qualquer caso, não permitem a prova de que foi por causa da doença que padece nas mãos que a Recorrente esteve dezoito anos sem trabalhar e nem permitem a prova de que, uma vez recuperada das mãos, voltaria a trabalhar plenamente.”.
Ora, após a análise que fizemos, quer dos pontos, quer dos artigos que a apelante pretende sejam levados à factualidade provada, quer das provas produzidas nos autos e referindo-nos, apenas, à questão da impugnação da decisão de facto, sem considerações sobre o mérito que, tanto a recorrente como a recorrida, não deixam de trazer, no âmbito da discussão daquela, sempre com o devido respeito, o que podemos adiantar, desde já, é que, assiste razão a esta última. A recorrente não tem razão quando defende que aqueles factos e artigos que impugna resultaram provados.
Desde logo e, sem necessidade de qualquer referência, ao que foi a nossa convicção, após a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova, (todos sujeitos ao princípio da livre apreciação), testemunhais e documentais, os considerados pela Mª Juíza “a quo” e os indicados pela recorrente, importa que se diga o seguinte.
Como se constata, a recorrente está a pôr em causa a convicção do Tribunal “a quo” fazendo apelo mas, apenas, a parte dos mesmos meios de prova que são referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto quanto àqueles pontos. No entanto, descura que o Tribunal “a quo”, além de referir os elementos de prova que foram relevantes para cada um dos grupos de facto que efectua ou para prova de cada facto, isoladamente, refere expressamente outra prova para além das duas testemunhas e dos documentos que a apelante refere, mas, ainda assim, deixando claro que, apenas, da conjugação dos depoimentos das três testemunhas e prova documental que indica, impunha-se que os factos que impugna “fossem dados por provados” -, querendo significar, com isso, que a prova foi suficiente para se dar como provada, a matéria constante daqueles pontos e artigos que indica. Sendo que, a Mª Juíza “a quo” tendo em conta a análise que fez de todas as provas “realizadas em sede de audiência de julgamento e, bem assim, os documentos juntos aos autos, os quais analisou conjugada e criticamente, lançando mão, sempre que tal se justifique e seja admissível, a regras de experiência comum”, não as julgou suficientes para dar aqueles como provados.
Ora, lembrando as palavras de, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
Já, (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 191), dava como definição de “Meio de Prova (instrumento ou fonte de prova”. É todo o elemento (quid) sensível, através do qual, mediante actividade perceptiva ou simplesmente indutiva, o juiz pode, segundo a lei, formar a sua convicção acerca dos factos (afirmações de facto) da causa.”.
Ora, como resulta claramente da fundamentação, o Tribunal “a quo” entendeu que a prova produzida, em concreto, aquelas que refere, a recorrente, não permitiu dar como provados aqueles pontos, ou seja, aquela foi insuficiente para criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
Logo, sendo desse modo e atento o que se deixou dito, só nos resta dizer que não é, pois, a invocação de parte dos mesmos meios de prova que constituem fundamento bastante para sustentar a pretendida alteração. Ou seja, a prova de todos os factos constantes daqueles pontos 4 e 6 e dos artigos 25 e 27 da p.i..
Acrescendo que, ainda, que não fosse desse modo, não aponta a Ré qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limita-se a dizer que foram “incorrectamente julgados” todos aqueles factos que impugna, como dissemos, com base, apenas, em parte das provas produzidas e que, apenas, parcialmente considera, o que desde logo revela que o que a recorrente discorda é da convicção que a Mª Juíza “a quo” firmou, fundamentada na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas nos autos e que a recorrente considera não é a correcta, indicando como fundamento da sua alegada convicção, como se verifica, apenas, algumas das mesmas provas que fundamentaram a convicção expressa na decisão recorrida, indicando especificamente alguns trechos dos depoimentos daquelas três testemunhas que identifica e transcreve.
Mas, da análise que fizemos de todas as provas produzidas nos autos, consideradas pela Mª Juíza “a quo” quanto aos factos impugnados que, conjugadamente analisámos, só podemos dizer que a prova produzida não sustenta a alegada convicção da A., o que é, claramente, evidente da simples leitura dos trechos dos depoimentos que transcreve.
Ao contrário do que defende a apelante, em nosso entender, só podemos adiantar que o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto quanto aos factos que considerou provados e aos não provados que se mostram impugnados, todos, no sentido em que foram decididos e nenhuma prova em contrário foi produzida nos autos, susceptível de impor a sua alteração nos termos sugeridos, ou seja, os últimos, dados como provados, nem o demonstra a transcrita ou invocada pela apelante. Não bastando, para convencer e firmar o que se mostra não provado, o que disseram. Nem os seus depoimentos, quanto àqueles concretos factos se apresentaram do modo que a recorrente os qualifica e considera, convincentes, quanto àqueles factos. Assim, sempre com o devido respeito, apenas, na convicção da recorrente, são considerados daquele modo.
Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que a A. sustenta, da interpretação integrada e conjugada das provas produzidas, quanto àqueles factos, nomeadamente, dos depoimentos das testemunhas DD, CC e BB, não resulta que esteja incorrecta a decisão proferida. Estas provas, não têm a virtualidade, por si só, de convencer do modo que a A./recorrente pretende, ou seja, nos termos em que considera aqueles resultaram provados.
Sem dúvida, o que este Tribunal ouviu e leu, em particular, nos trechos dos depoimentos transcritos, em conjugação com o que decorre da documentação (informação clínica indicada pela recorrente), não tem a virtualidade de firmar em nós a alegada convicção da recorrente ou firmar convicção diversa da recorrida. Coincidindo, a nossa, com o que a Mª Juíza “a quo” transcreveu na motivação da decisão de facto e não com a apreciação que consta do recurso, razão porque não ocorrem motivos para que se alterem aqueles pontos 4 e 6 dos factos impugnados, mantendo-se a decisão recorrida quanto aos mesmos.
Pois, é nossa convicção segura, em relação ao ponto 4, pese embora, a alegada convicção da recorrente de que resultou ele provado dos depoimentos, de DD (02:02 a 5:05 e 05:59); Depoimento da Dra. CC, 00:07:30 a 10:18 e ainda Dra. BB, 00:02:08 a 00:05:05, que, tal não passa de outra coisa que não seja, tão só, a convicção da própria recorrente. Dos depoimentos daquelas não é possível retirar-se a convicção de que a doença que tem, “essencialmente”, estado na base da sua ausência ao trabalho seja a doença que padece em ambas as mãos. A convencer-nos, desse modo, não o foram o que disseram, nos seus depoimentos, as médicas assistentes da A., bem pelo contrário, referem várias patologias de que a mesma sofre que no entender das mesmas a incapacita para o desempenho das suas funções laborais. E, porque só a contactaram após 2017, nada revelaram saber sobre as razões que determinaram que estivesse, ela, estado de baixa e incapacitada para o trabalho, antes daquela altura, como consta do relatório pela primeira emitido, dado por reproduzido no ponto 24 dos factos provados.
Assim, ao contrário do que conclui a recorrente, de tais depoimentos não resulta que aqueles factos deveriam ter sido dados como provados, nem resultou do depoimento da testemunha da A., DD, o qual não foi claro e credível de modo a convencer de que tenha sido o problema de saúde das mãos que esteve na base da ausência daquela, sendo que se do mesmo se pode retirar que a mesma acompanhou as queixas da A. quanto às mãos desde o tempo que trabalharam juntas, o certo é que a mesma não conseguiu dizer com segurança quanto tal tinha ocorrido, assim, como não conseguiu precisar quando a A. lhe terá dito que tinha várias queixas - nas mãos, joelhos e fibromialgia – como acabou por referir.
E se, assim, é quanto ao ponto 4, o mesmo se passa em relação ao ponto 6 da matéria dada como não provada, não tendo os autos, ao contrário do que a recorrente considera, prova documental (informação clínica do médico especialista) de onde decorra que aquele ponto 6 deveria ter sido dado como provado, nem o facto da testemunha, Dra. CC 00:24:15 a 00:24:59; 00:25:59 a 00:27:04, ter afirmado que nenhum dos problemas de saúde era impossível de melhoria, é susceptível de dar como provado o teor daquele ponto. O qual, além da afirmação primeira que corresponde à eventual realização, da cirurgia já mencionada no ponto 14 dos factos provados, não contém em si, qualquer outra factualidade que não seja a expectativa de que corra bem e, consequentemente, acarrete melhorias ao estado de saúde da A., como ali se conclui. E sendo desse modo, se outras razões não houvesse, sempre aquele ponto não poderia ser dado como provado. Sem dúvida, usando palavras da própria requerente, usadas pela mesma na resposta, a que se refere o ponto 7 dos factos provados (junta como doc. 9, com a petição inicial) aquilo que é facto e pode constar do elenco da factualidade provada “não se compadece com espectativas mas apenas com certezas” e, aquele ponto 6, não contém nada diferente do que não seja a expectativa de um resultado feliz, com melhorias para a saúde da Autora.
O acabado de dizer, tem inteira aplicação quanto aos pontos que a recorrente defende devem ser aditados à factualidade provada.
O ponto A., onde se lê: “Mão esquerda passível ainda de recuperação ou melhoria (com a cirurgia)”, corresponde ao alegado no artº 25 da p.i. e, reiterando o necessário respeito, não configura outra coisa que não seja uma mera conclusão, da expectativa da recorrente, face ao alegado no art. 24 e que corresponde ao facto dado como provado no ponto 14, ou seja, logo que realizada a cirurgia que se encontra a aguardar.
Por sua vez, o referido no ponto B – “A A. encontra-se ainda e no momento presente em recuperação, de melhoria do seu estado de saúde, inexistindo uma consolidação do mesmo”, corresponde ao alegado no art. 27 da p.i. e o teor do mesmo, não passa também, de uma conclusão, eventualmente, a formular a jusante na sentença, também ela baseada numa espectativa, “de melhoria do seu estado de saúde”, a retirar de outros factos, como seja, no caso, do facto 14, no que toca à expressão “inexistindo uma consolidação do mesmo”, sendo que a factualidade que consta da primeira parte, é a repetição do que, já consta do facto 13 dado como provado.
Assim, em nosso entender, não só aquela matéria não deveria ser dada como provada, como não ocorreu erro na apreciação da prova gravada e na valoração da prova documental que não foi devidamente tida em consideração e, conjuntamente, valorada e apreciada.
Cremos, assim, que também, por esta via, a pretensão da recorrente não teria acolhimento, já que é nossa convicção que não tinha ela outro fundamento que não fosse a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção da Mª Juíza julgadora e, é a nossa.
Improcedem, assim, as conclusões 1 a 15 da apelação.
*
Fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, (para além do lapso que se corrigiu, quanto ao facto 23) passemos, então, à análise da questão colocada pela recorrente, no que toca à decisão de direito.
Ou seja, saber se não estão preenchidos os pressupostos para que a Ré pudesse fazer caducar o contrato de trabalho, com fundamento na impossibilidade definitiva e absoluta da Autora prestar trabalho, verificando-se um despedimento ilícito, como defende a recorrente.
Questão que decorre da discordância da mesma, no essencial, com o segmento da sentença recorrida em que, em síntese, se decidiu o seguinte: «... a autora solicitou a intervenção da comissão de verificação de incapacidades permanentes para efeitos de atribuição de pensão de invalidez relativa, sendo que tal comissão de verificação entendeu que a A. não reunia as condições de incapacidade permanente (não obstante a referida decisão ter sido sujeita a pedido de reavaliação no âmbito de comissão de recurso). Desde logo, neste ponto concreto não podemos deixar de dar razão à ré quando afirma que a própria A. ao solicitar a pensão de invalidez à Segurança Social, reconheceu que não tinha capacidade de prestar trabalho, sendo que o indeferimento desta pretensão de atribuição de uma pensão de invalidez não tem como efeito necessário o da negação da natureza definitiva da impossibilidade de prestar trabalho. Por outro lado, temos que em 2019, a R. requereu por 2 vezes, a submissão da A. à comissão de verificação de incapacidade temporária e, tendo esta sido notificada para comparecer para realização dos respectivos exames médicos, foi considerada “não apta para desempenhar a atividade”, no âmbito das correspondentes verificações de incapacidade temporária. Na verdade, há que ter em conta a demais factualidade provada, designadamente que depois da intervenção da comissão de verificação de incapacidades permanentes, que entendeu que a A. não reunia as condições de incapacidade permanente a médica que a acompanhava declarou que, segundo a sua avaliação, “a autora mantém incapacidade para atividade laboral, pelo que o certificado de incapacidade temporária para o trabalho emitido em julho mantém-se válido até ao dia 12 de agosto, altura em que será novamente reavaliada na nossa consulta…” Por outro lado, a autora “apresenta patologia do joelho direito, tendo sido operada a rotura meniscal em Dezembro de 2016. Foi seguida em Ortopedia, por manter queixas álgicas e incapacidade funcional efetuou RMN, que revelou gonartrose tricompartimental. Fez tratamento com viscossuplementação, no sentido de protelar tratamento cirúrgico até onde seja possível, dada a idade da utente. Após viscossuplementação, manteve grau variável de incapacidade funcional, consoante as actividades a realizar: não tolera períodos prolongados de marcha ou ortostatismo, não se encontra capacitada para efectuar transportes de objectos pesados e se permanecer muito tempo seguido na mesma posição desenvolve queixas álgicas a nível dos joelhos. Por este motivo, não se considera a utente capacitada para o desempenho das suas funções laborais; - apresenta quadro de Fibromialgia (seguida em consultas de Reumatologia), com períodos de exacerbação de periodicidade não definida ou previsível; - apresenta síndrome depressivo, actualmente em período de recrudescimento; - hipostesias em ambas as mãos (em estudo, seguida em Neurologia Hospital ...; ainda sem diagnostico etiológico definido); - síndrome de Meniére (seguida em ORL). …” Por esses motivos a médica que acompanha a autora não a considera-a apta “para o desempenho das suas funções laborais, pelo que se mantém a beneficiar de CIT até ao presente, independentemente das decisões CVIT de 26-07-2018 e de 31-07-2018”.
Ou seja, pelo menos no que toca ao joelho direito, mesmo após operação, a autora manteve grau variável de incapacidade funcional, consoante as actividades a realizar: não tolera períodos prolongados de marcha ou ortostatismo, não se encontra capacitada para efectuar transportes de objectos pesados e se permanecer muito tempo seguido na mesma posição desenvolve queixas álgicas a nível dos joelhos, não se considerando, assim, a autora capacitada para o desempenho das suas funções laborais. Cremos que mesmo após a dita intervenção, que corresponderá ao tratamento mais adequado e eficaz para a patologia em causa (porque se tal não acontecesse o mesmo não teria sido adoptado) no estado actual do conhecimento científico da mesma, face à sua evolução normal e previsível, não se afigura que a autora possa vir a melhorar da dita patologia, pelo que deve ter-se por definitiva a impossibilidade de prestar o trabalho contratado com a ré. Ainda a este propósito ficou demonstrado que a autora, desde 2000, faltou ao trabalho 5260 dias, dos quais 4229 consecutivos – de 03-01-2008 a 26-08-2019. E faltou por doença, tendo apresentando junto da R. e para os devidos efeitos, os respectivos documentos comprovativos de doença - certificados de incapacidade para o trabalho. Cremos que as mais elementares regras de experiência comum não nos permitem, no caso concreto, concluir que após mais de 19 anos períodos mais ou menos extensos de doenças incapacitantes para o trabalho e ininterruptamente mais de 10, a situação se venha a reverter, passando a autora a reunir as condições de saúde que até ao momento não teve para prestar o trabalho contratado com a ré. Aliás, parece-nos perfeitamente corroborador desta situação a circunstância de a autora, na oposição que deduziu à intenção manifestada pela ré de fazer operar a caducidade, não ter feito qualquer referência à cirurgia que já tinha efectuado à mão direita e das melhorias daí advindas, permitindo-lhe retomar o serviço (interrompido há mais de dez anos, repita-se. Finalmente cumpre indagar do segundo requisito de operatividade da caducidade, ou seja, do carácter absoluto da impossibilidade da autora prestar trabalho para ré. Ora, o contrato de trabalho é, quanto ao trabalhador, intuitu personæ, pelo que a impossibilidade absoluta dele prestar trabalho significa que não pode efetuar a prestação a que está obrigado (não bastando para isso uma mera dificultas praestandi)” (...) Baixando agora ao caso concreto, vimos que a autora, foi contratada para a categoria profissional de TPG (Técnico Postal e de Gestão, sendo que actualmente aquela categoria profissional tem a designação de Técnico de Negócio e Gestão. Segundo o Anexo 2 do AE/C... (Acordo de Empresa em vigor na Empresa C...), com texto consolidado, publicado no BTE n.º 27 de 22-07-2018 o conteúdo da categoria de TNG - Técnico/Técnica de negócio e gestão consiste Nas áreas operacionais: Promover e comercializar o portefólio C..., de acordo com os objetivos estabelecidos e as campanhas em curso. Organizar e executar tarefas ligadas ao ciclo operacional dos correios, que requeiram conhecimento aprofundado deste ciclo e do portefólio C..., visando melhorias de eficiência. Executar os procedimentos necessários ao atendimento a clientes e à finalização dos serviços, cobrança e assistência pós-venda, nos níveis de eficiência contratualizados. Monitorizar a satisfação dos clientes e promover a sua fidelização. Nas áreas de apoio ao negócio: Organizar e executar as tarefas decorrentes do expediente geral da empresa, que requeiram conhecimentos específicos (normas e regulamentos, processos de trabalho, tecnologia, etc.), utilizando o equipamento adequado. Analisar a informação pertinente e efetuar propostas no sentido da melhoria dos procedimentos. Colaborar nas ações e trabalhos de instalação e montagem, manutenção preventiva e corretiva, execução e controlo da operacionalidade dos sistemas de informação, equipamentos postais e outros recursos da área onde exercem a atividade. Para a realização destas tarefas, a autora tem, naturalmente, que ao atender o publico, permanecer várias horas na mesma posição (“recordando-se que, como se escreveu acima a autora “não tolera períodos prolongados de marcha ou ortostatismo, não se encontra capacitada para efectuar transportes de objectos pesados e se permanecer muito tempo seguido na mesma posição desenvolve queixas álgicas a nível dos joelhos”), deslocar-se para recolher material (mais ou menos pesado) e correspondência a enviar e receber pelos clientes, manusear maquinaria e tecnologia destinada à realização das diferentes fases do ciclo operacional dos correios, executar tarefas de maior minúcia como receber e contar dinheiro dos clientes, escrever, “teclar” no computador, fazer balanço (diário ou não) – recordando-se que a autora padece de “hipostesias em ambas as mãos, ou seja sensação de formigueiro, perda de sensibilidade, sensação de dormência (embora tenha sofrido melhorias na mão direita após a operação).
Assim sendo, se atendermos às capacidades profissionais da autora, tal como resultam da factualidade dada como provada, não se vê como possa realizar apenas algumas das funções inerentes à categoria para a qual foi contratada, e não estando a Ré obrigada a reclassificá-la (pretensão também nunca manifestada pela autora), uma vez que tal implica a alteração do objecto contratual, que só pode ter lugar por acordo das partes, há que concluir que a impossibilidade da Autora prestar o seu trabalho é também absoluta.».
Desta conclusão discorda a recorrente, defendendo e alegando que, “O tribunal “a quo” considerou que a impossibilidade da A. se apresentava definitiva recorrendo a um relatório de Agosto de 2018 que dava nota de diversas doenças e de um problema de joelho relativamente ao qual tinha ocorrido cirurgia e outros tratamentos. Acresce que, não podemos concordar com o tribunal “a quo” quanto à existência de uma impossibilidade absoluta, na medida em que conclui que a trabalhadora nunca vai poder exercer as mesmas funções para as quais foi contratada, o que eventualmente só poderia a acontecer com alteração do objecto negocial, facto a que a R. aqui recorrida não estaria obrigada. Enquadramento com o qual não podemos concordar porquanto, no momento em que a A. possa regressar ao trabalho, mesmo que tenha um capacidade de trabalho residual, isso não se converte em impossibilidade absoluta, dado que, as normas gerais de direito nacionais e internacionais impõem precisamente uma adequação do posto de trabalho face a uma incapacidade/impossibilidade relativa e com a qual não se compadece o regime da caducidade. Neste sentido, verificamos uma protecção do trabalhador com doença crónica ou capacidade de trabalho reduzida a que é preciso dar cumprimento de acordo com o previsto no art.º 84.º e 85.º do CT, estando a entidade empregadora obrigada arranjar posto de trabalho adequado e funções compatíveis. Trata-se na verdade de uma questão que tem vindo a ser discutida na jurisprudência europeia, onde se constata uma aproximação do tratamento das pessoas/trabalhadores com deficiência aos trabalhadores com doença prolongada ou doença crónica, precisamente porque ambas as situações implicam limitações ao exercício de funções e, por essa razão, a definição de pessoa com deficiência de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das Pessoas com deficiência tem vindo a ser acolhida na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, em que se equipara a doença, quando crónica ou prolongada, à deficiência. Veja-se o proc. C-13/15, de 11 de Julho de 2006, Chacón Navas; proc. C-335/11 e C- 337/11 Jette Ring que enquadram as situações de trabalhadores com doença e as consequências que daí advêm num quadro de discriminação no âmbito de deficiência. Tais aspectos têm implicações práticas na medida em que a sua não consideração poderá levar-nos à discriminação de trabalhadores com doença crónica/deficiência. Assim, não podemos aceitar (por 2 ordens de razões) as considerações e conclusões expressas na douta sentença nos termos das quais estando a A. sem capacidade total para exercer as mesmas funções nos termos em que foi contratada, não está a R. obrigada a promover a sua reintegração, devendo ser considerada absoluta a sua incapacidade e portanto impossibilidade. Em nosso entendimento ela apenas é absoluta no momento passado, enquanto temporária, podendo eventualmente ser relativa quando a A. voltar ao trabalho, sendo que nunca aí poderia ser considerada absoluta, porque residual. Face ao que não podemos concordar com a aplicação de direito e enquadramento jurídico da impossibilidade absoluta e relativa, constituindo tal enquadramento uma violação das normas do CT já referidas, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Carta dos Direitos Fundamentais, além da jurisprudência europeia aqui referida. O tribunal “a quo” sustentou a definitividade da impossibilidade recorrendo a um relatório médico de Agosto de 2018 que serviu para atestar naquele período a incapacidade da A. e referindo o problema de saúde do joelho que impedia a A. de tolerar longos períodos de marcha ou ortostatismo. A verdade é que a A. foi sujeita a cirurgia no âmbito do problema do joelho e fez já tratamentos há alguns anos, pelo que não resultaram da audiência de discussão e julgamento elementos que permitissem concluir pela impossibilidade definitiva, no que a essa questão diz respeito. Assim, parece-nos ter existido erro na interpretação do direito e mais concretamente no que ao regime da incapacidade por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva diz respeito, regime este que deve ser visto com cautela e rigor, até pela ausência da sua procedimentalização. Neste sentido, o conceito de irreversibilidade apresenta-se essencial, sendo que tal não resultou dos autos, e por isso deveria ter sido outra a decisão no sentido da procedência da acção. Não existem nos autos elementos que nos permitam concluir com segurança pela incapacidade definitiva e pela irreversibilidade clínica da incapacidade, não é possível concluir pela impossibilidade absoluta e definitiva de prestar trabalho. Na verdade com a recuperação total da mão direita a A. já pode no momento presente exercer algumas das funções que exercia no atendimento ao público, trabalho administrativo (ainda que com maior lentidão). Dado que a A. se encontra sujeita a tratamentos médicos que decorrem, bem como, a recuperação em virtude da primeira intervenção cirúrgica já realizada, não podemos concluir pela irreversibilidade da sua situação. O facto de se tratar de doença prolongada e de difícil recuperação não afasta a característica de reversibilidade da doença e, não pode assim determinar só por si a definitividade da impossibilidade e, consequentemente a caducidade do contrato de trabalho. Pois em função dos tratamentos e intervenções cirúrgicas realizadas e a realizar, a evolução normal e previsível será porventura de melhoria, pelo que, não se pode concluir por uma situação de incapacidade irreversível. Existe por isso, a possibilidade de uma melhoria significativa do estado de saúde da A. e, consequentemente, poder vir a ocupar um posto de trabalho e exercer funções. Pelo que, em nosso entender e salvo melhor opinião, determinar a definitividade da impossibilidade nos termos já expendidos constitui até uma conduta discriminatória por parte da R. sobre a A., pelo facto de esta se encontrar em situação de doença, o que não é de todo admissível face ao nosso ordenamento Jurídico e instrumentos e jurisprudência internacional e europeia. A R. aqui recorrida comunicou a caducidade sem quaisquer elementos que permitissem concluir pela irreversibilidade da situação de doença, e por isso não se verificando os pressupostos da caducidade. Por tal facto, estamos perante um despedimento ilícito. Neste seguimento, também o tribunal “a quo” com o devido respeito e salvo melhor opinião, decidiu pela existência de uma impossibilidade absoluta sem elementos factuais que o sustentem.”.
Que dizer?
A questão principal a analisar, consiste em saber se se verifica a causa de caducidade do contrato comunicada pela Ré à Autora.
Sobre esta, dispõe o art. 343º do CT, sob a epígrafe. “Causas de caducidade de contrato de trabalho” que, “O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.”.
Importa que comecemos por aqui lembrar que a matéria de facto a ter em conta é, apenas, aquela que consta da decisão recorrida, não sendo relevante a alteração que foi determinada nesta sede.
E desse modo, a questão primeira que cumpre colocar e analisar é saber se, essa factualidade permitia ao Tribunal “a quo” concluir pela impossibilidade definitiva e absoluta da Autora prestar as funções para que foi contratada.
E, desde já, podemos dizer que, consideramos que não.
Pois, sempre com o devido respeito, não podemos acompanhar afirmações constantes da sentença recorrida, nomeadamente, quando se refere e diz que, a Autora ao ter solicitado a pensão de invalidez à Segurança Social reconheceu que não tinha capacidade de prestar trabalho.
Com efeito o dito “reconhecimento” encontra-se desacompanhado de qualquer declaração médica no sentido de que a Autora já não pode, definitivamente, exercer as funções que exercia ao serviço da Ré, o que era de todo relevante para assim se poder concluir.
Acrescendo que, se a Autora requereu a dita pensão não podia ignorar que ela lhe poderia ser negada (apesar de se desconhecer os fundamentos do seu indeferimento).
Em suma, aquela afirmação não tem qualquer suporte fáctico, já que, a dita solicitação da Autora à Segurança Social é, só por si, insuficiente, para que se possa concluir que a sua incapacidade para o trabalho era definitiva.
Mas, existirão nos autos outra factualidade que assim nos habilite a concluir?
Verifica-se que, a Mmª. Juíza “a quo” considerou e concluiu que a matéria de facto provada permite concluir que “não se afigura que a Autora possa vir a melhorar da dita patologia pelo que deve ter-se por definitiva a impossibilidade de prestar trabalho”.
No entanto, analisando a matéria de facto, nomeadamente, a constante dos factos 13 e 14, não consideramos que desse modo se possa considerar. Pois, destes resulta que a patologia das mãos, no que toca à mão direita melhorou, aguardando a Autora ser operada à mão esquerda, donde só se pode concluir e a significar, isso, que essa patologia não é definitiva.
Já, no que se refere à patologia que a Autora apresenta no joelho, o facto 24 não nos habilita a concluir que a mesma é, igualmente, definitiva.
Consta daquele que, “Para efeitos de entrega na entidade patronal, se declara que do processo da utente AA, portadora do CC/BI n.º ..., constam os seguintes elementos: - apresenta patologia do joelho direito, tendo sido operada a rotura meniscal em Dezembro de 2016. Foi seguida em Ortopedia, por manter queixas álgicas e incapacidade funcional efetuou RMN, que revelou gonartrose tricompartimental. Fez tratamento com viscossuplementação, no sentido de protelar tratamento cirúrgico até onde seja possível, dada a idade da utente. Após viscossuplementação, manteve grau variável de incapacidade funcional, consoante as actividades a realizar: não tolera períodos prolongados de marcha ou ortostatismo, não se encontra capacitada para efectuar transportes de objectos pesados e se permanecer muito tempo seguido na mesma posição desenvolve queixas álgicas a nível dos joelhos. Por este motivo, não se considera a utente capacitada para o desempenho das suas funções laborais;
- apresenta quadro de Fibromialgia (seguida em consultas de Reumatologia), com períodos de exacerbação de periodicidade não definida ou previsível;
- apresenta síndrome depressivo, actualmente em período de recrudescimento;
- hipostesias em ambas as mãos (em estudo, seguida em Neurologia Hospital ...; ainda sem diagnostico etiológico definido);
- síndrome de Meniére (seguida em ORL).

Pelos motivos acima expostos, não se considera a utente apta para o desempenho das suas funções laborais, pelo que se mantém a beneficiar de CIT até ao presente, independentemente das decisões CVIT de 26-07-2018 e de 31-07-2018”.
Para nós, tal matéria de facto, em especial a consideração supra sublinhada, dá a entender que a limitação da Autora é maior ou menor, em função das “actividades a realizar”, as quais não se mostram concretizadas (questão a que voltaremos mais adiante).
Igualmente, os longos períodos de baixa a que se faz alusão na sentença recorrida, novamente com o devido respeito, não permitem concluir que a Autora, por força dessas baixas, se encontrava incapacitada, permanentemente, para o exercício das suas funções.
Pois, pese embora, ser certo que os vários períodos de incapacidade temporária se prolongaram no tempo, por anos, também, é certo, que isso não significa que a impossibilidade da Autora fosse definitiva.
Mas, mesmo que assim não se entenda, então, há que passar à análise do seguinte requisito: saber se a impossibilidade é absoluta.
Como se verifica da transcrição supra efectuada, a Mª Juíza “a quo” partindo da definição da categoria profissional da Autora, concluiu que este requisito se verificava.
No entanto, mais uma vez, não acompanhamos esta conclusão.
A propósito deste requisito, consideramos e acompanhamos, o que refere, (Pedro Furtado Martins in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, pág. 78), quando diz que, “Com a referência ao carácter absoluto da impossibilidade pretende-se afastar o simples agravamento da prestação, ou a excessiva onerosidade do cumprimento, como causa de caducidade do contrato e não exigir a demonstração da inviabilidade de execução de toda e qualquer função ou atividade”
(…)
“É necessário que a impossibilidade atinja a globalidade da prestação devida (mas apenas desta prestação), pelo que a caducidade não ocorre quando a diminuição das qualidades do trabalhador permita que ainda lhe sejam distribuídas outras tarefas ou funções «dentro do género de trabalho para que foi contratado» e que de algum modo realizem a prestação «in obligatio» e satisfaçam o interesse do credor”.
Ora, a definição da categoria da Autora, no âmbito da convenção colectiva, a que a Mª Juíza apelou, é uma definição abstracta que importa concretizar. Ou seja, só conhecendo as concretas funções executadas pela Autora antes de ter ficado de baixa médica, e confrontados com as suas limitações, poderíamos concluir que a sua impossibilidade é absoluta.
No entanto, o que se verifica é que, inexiste matéria de facto que permita concluir que as suas “incapacidades” atingem a globalidade das tarefas que executava.
Por último, não acompanhamos, também, a afirmação constante da decisão recorrida, quando refere que, “se atendermos às capacidades profissionais da autora, tal como resultam da factualidade dada como provada, não se vê como possa realizar apenas algumas das funções inerentes à categoria para a qual foi contratada”. Pois, como já referimos, não consta da matéria de facto provada que todas as tarefas que a Autora executava (dentro da sua categoria profissional) não as pode, agora, exercer.
Em suma, em nosso entender, não se verifica, deste modo, a impossibilidade absoluta para prestar trabalho.
Assim sendo, assiste razão à recorrente.
A sentença recorrida não pode manter-se.
Inexiste a causa de caducidade do contrato de trabalho, comunicada pela Ré à Autora.
E, tendo em conta esta conclusão a que se chegou, a declaração da Ré – de caducidade do contrato de trabalho – configura, sem dúvida, um despedimento ilícito, nos termos do art. 381º al. c) do CT, com as consequências daí decorrentes.
E, as consequências da ilicitude do despedimento encontram-se previstas no art. 389º, ou seja, o empregador é condenado:
“a) a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391º e 392º;”.
Além disso, nos termos do art. 390º, nº 1, “…o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.”, com as deduções previstas no nº 2 do mesmo art. 390º.
No caso, em apreço, a trabalhadora, logo na petição, veio peticionar a condenação da ré a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até à sua efectiva reintegração, sem qualquer prejuízo, nomeadamente, quanto à sua categoria e antiguidade.
Sendo desse modo, concluindo nós pela ilicitude do despedimento, conforme decorre do que se deixou exposto e do regime legal vigente, supra referido, não se suscitam dúvidas que, a A. tem direito a ser reintegrada na Ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, (deduzida da eventual retribuição mencionada no nº 2, al. c), do art. 390º) que, considerando desconhecer-se se a mesma recebeu, ou não, subsídio de desemprego, relega-se o cálculo do montante devido para a fase de liquidação de sentença.
*
Resta, assim, apreciar o pedido formulado a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A este respeito a A. pediu que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Que dizer?
Dispõe o art. 483° do Cód. Civil que "1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação" e, o art. 496° do mesmo diploma que "1- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito ".
São quatro os requisitos da tutela dos danos não patrimoniais: (a) comportamento ilícito e culposo do agente; (b) existência de danos; (c) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; (d) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.
No caso, se não existem dúvidas quanto à ilicitude do despedimento, já o mesmo não acontece quanto aos danos, alegadamente, resultantes daquele.
O que se apurou nos autos, nomeadamente, o que consta do facto 18, não se mostra suficiente, para que possamos concluir pela existência de danos daquela natureza.
Assim, porque, não se provou que a Autora haja sofrido danos não patrimoniais em, consequência, da ilicitude do despedimento, nesta parte, improcede o pedido.
Face ao exposto, importa, apenas, nos termos apontados, concluir pela procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
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III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se nesta Secção em julgar a apelação, parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão, no qual se decide:
1 – Declarar a inexistência da comunicada causa de caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré;
2 – Declarar a ilicitude do despedimento comunicado pela Ré à Autora;
3 - Condenar a Ré:
- a reintegrar a Autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- a pagar-lhe as retribuições que a mesma deixou de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, cujo cômputo deverá ser feito em incidente de liquidação de sentença;
4 – Absolver a Ré do demais pedido.
*
As custas da acção e da apelação, são a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento, que se fixa, respectivamente, em 1/5 e 4/5, sem prejuízo do apoio de que a primeira beneficia.
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Porto, 8 de Junho de 2022
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão