Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21/15.9PASJM-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: PRAZOS
PRAZO DE APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RP2018120521/15.9PASJM-A.P1
Data do Acordão: 12/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º779, FLS.161-165)
Área Temática: .
Sumário: Nos termos dos artigos 287.º e 115.º, n,º 4, do Código de Processo Penal, a cada grupo de sujeitos processuais aproveita o prazo para requerer a abertura de instrução que termine em último lugar para o respetivo grupo, pelo que um arguido só pode beneficiar do prazo que termine mais tarde para outro arguido, assim como um assistente só pode beneficiar do prazo que termine mais tarde para outro assistente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º21/15.9PASJM-A.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO:
No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal singular, do qual foi extraída a certidão que integra os presentes autos, o arguido B…, por discordar do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público a 17-04-2018, apresentou o requerimento para abertura de instrução, datado de 30-05-2018.
Por despacho judicial, proferido em 04-07-2018, foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução, por extemporaneidade.
Inconformado com o decidido, o arguido B… interpôs o presente recurso, rematando a motivação nos termos seguintes:
CONCLUSÕES
1. O presente recurso tem por objecto o despacho do tribunal a quo de 04.07.2018 (fls. 317-319) que não admitiu a abertura de instrução do ora recorrente e por si requerida ao abrigo da conjugação dos arts. 287.º, n.º 1, al. a) e 113.º, n.º 14, ambos do CPP.
2. Na decisão recorrida o Tribunal considerou que ao arguido não aproveita, para efeitos de requerer abertura de instrução, o prazo concedido à ofendida/putativa assistente para o mesmo efeito.
3. Pois que, para aquele, cada naipe de intervenientes/sujeitos processuais pode aproveitar o prazo do congénere; já não lhe aproveita o prazo de sujeito processual de naipe diferente.
4. Com o devido respeito, o recorrente considera, pelos argumentos expostos, que a interpretação restritiva feita pelo tribunal a quo do art. 113.º, n.º 14 do CPP não encontra acolhimento no espírito e na letra da lei.
5. Em aproveitamento dos direitos conferidos pelos arts. 68.º, n.º 3, al. b) e 287.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, a ofendida C… tem direito a requerer abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de acusação.
6. Pelo que poderá o recorrente aproveitar o prazo da ofendida C…, para requerer abertura de instrução, nos termos do art. 113.º, nº 14 do CPP.
7. E a ser assim, deveria ter sido considerada tempestiva a apresentação do RAI pelo ora recorrente.

Termos em que e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita a abertura da fase de instrução, sustentado na tempestividade da apresentação do RAI.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, na qual pugnou pelo não provimento.
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Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer, no qual pugnou pela improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
1. Despacho recorrido:
Nos presentes autos foi deduzida Acusação a fls. 214 e segs., na qual é imputada a B… a prática de Um Crime de Dano, p. e p. pelo art. 212º, nº. 1 do Código Penal e de Um Crime de Ofensa à Integridade Física Simples, p. e p. pelo art. 143º, nº. 1 do mesmo diploma legal, bem como ao arguido D… a prática de Um Crime de Ofensa à Integridade Física Simples, p. e p. pelo art. 143º, nº. 1 do Código Penal.
Os arguidos foram notificados do despacho de acusação por cartas com PD depositadas em 20.04.2018 – cfr. fls. 226 e 227 verso -, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior ao do depósito - art. 113º, nº. 3 do CPP.
As Ils. Defensoras nomeadas aos arguidos forma, por seu turno, notificadas da Acusação por via postal registada, expedidas as cartas em 19.04.2018, considerando-se as mesmas notificadas no 3º dia posteiro ao do respectivo envio, pelo que o prazo para apresentação do RAI terminou em 15.05.2018 (podendo o acto ter sido praticado até 18.05.2018, com pagamento de multa, nos termos previstos no art. 107º- A do CPP, o que não sucedeu, porém).
O RAI de fls. 253 e segs., apresentado pelo arguido B… foi apresentado apenas em 30.05.2018.
Pretende o arguido que se considere tempestiva a respectiva apresentação do RAI, alegando que no momento da apresentação estava a decorrer ainda o prazo para a ofendida, querendo, se constituir assistente, bem como requerer a abertura de Instrução, pretendendo valer-se do referido prazo, ao abrigo do disposto no art. 113º, nº. 13, por referência ao preceituado no art. 287º, nº. 6, ambos do Código de Processo Penal.
Ora, não assiste razão ao arguido, porquanto efectua uma incorrecta interpretação do normativo legal citado.
Dispõe o art. 287º do Código Processo Penal:
“1 - a abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação do arquivamento (...).
6 - é aplicável o disposto no nº. 13 do artigo 113º”.
Por seu turno, preceitua este normativo:
“13 - Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começa a correr em último lugar”.
Este preceito veio permitir que os prazos, no caso de pluralidade de arguidos ou de assistentes se alarguem até ao termo daquele que começou a correr em último lugar, sendo que, por força do nº. 6 do art. 287º, igualmente reproduzido pela citada lei é aplicável ao prazo respeitante à abertura da instrução.
Como bem se explana no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.01.20005, consultável in www.dgsi.pt. o correcto entendimento destes normativos é o seguinte:
“Ao arguido notificado do despacho de acusação, havendo outro(s) arguido(s), quando o prazo para requerer a abertura da instrução termine em dias diferentes, assiste-lhe o direito de poder praticar esse acto até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Do mesmo modo, ao assistente notificado do despacho de arquivamento, havendo outro(s) assistente(s), quando o prazo para requerer a abertura da instrução termine em dias diferentes, assiste-lhe o direito de poder praticar esse acto até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Cada naipe de intervenientes/sujeitos processuais pode aproveitar o prazo do congénere; já não lhe aproveita o prazo do sujeito processual de naipe diferente”.
No presente caso, havendo dois arguidos, caso o prazo de um deles tivesse iniciado em data posterior, o arguido notificado em primeiro lugar beneficiava do prazo que terminasse em último lugar do outro arguido (o que também não sucede, pois que ambos os arguidos forma notificados na mesma data).
Nos presentes autos também a ofendida não veio constituir assistente, nem requerer a abertura de Instrução.
Mas, mesmo que o tivesse feito, os arguidos não beneficiariam do prazo da ofendida para requerer a Instrução, se este acabasse em data posterior ao dos arguidos, sendo irrelevante e não aproveitando aos arguidos, a data da notificação à ofendida do referido despacho, uma vez que estão em posições processuais distintas. Como se refere no supra citado Acórdão “Havendo arquivamento do inquérito, ao assistente não aproveita para efeitos de contagem do prazo para requerer a abertura de instrução a data da notificação dos arguidos”.
De idêntica forma, tendo sido deduzida acusação, aos arguidos não aproveita, para efeitos de contagem do prazo para requerer a abertura de instrução, a data da notificação do assistente.
Face ao exposto, por o requerimento ser manifestamente extemporâneo, não admito a abertura da fase de Instrução nestes autos.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs – artigo 8º, nº. 9 do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela III ao mesmo anexa.
Notifique.
Oportunamente, dê baixa e remeta à distribuição.
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2. Apreciação do Recurso:
De acordo com jurisprudência assente, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
No presente recurso a questão que se coloca consiste em saber se o arguido pode beneficiar do prazo para abertura de instrução que se encontre a decorrer para o mesmo efeito relativamente à assistente, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 14[1], do Código Processo Penal.
Importa, desde logo, atentar nas normas convocadas do teor seguinte:
Artigo 287.º do Código Processo Penal
1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
Artigo 113.º do Código Processo Penal
14 - Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Esta última norma é aplicável ao prazo para abertura de instrução por força do disposto no n.º 6 do artigo 287.º Código Processo Penal.
A decisão sobre a questão suscitada no presente recurso depende da interpretação das indicadas normas.
Na tese do recurso aos arguidos e assistentes aproveita indistintamente o prazo para abertura de instrução que termine em último lugar, por isso, um arguido pode beneficiar do prazo que termine mais tarde para um assistente (ou para outro arguido) requerer a abertura de instrução e inversamente um assistente pode aproveitar do prazo que termine mais tarde para um arguido (ou para outro assistente).
Contrariamente o despacho impugnado baseia-se no entendimento de que a cada grupo de sujeitos processuais apenas aproveita o prazo para abertura de instrução que termine em último lugar para o respetivo grupo, pelo que um arguido somente pode beneficiar do prazo que termine mais tarde para outro arguido, assim como um assistente somente pode aproveitar do prazo que termine mais tarde para outro assistente.
Analisadas as normas convocadas considera-se que a decisão recorrida procedeu à correta interpretação das mesmas, não merecendo acolhimento a interpretação propugnada pelo recorrente.
Vejamos.
A norma do n.º 14, do artigo 113.º, do Código Processo Penal regula as situações em que, existindo uma pluralidade de arguidos ou de assistentes, um mesmo prazo termine em datas diferentes (sempre que a lei especifique a aplicabilidade do preceito), previsão em que verdadeiramente não se subsume a situação debatida nos autos.
Na realidade, o prazo para a apresentação pelo assistente do requerimento para abertura de instrução e o prazo para a apresentação pelo arguido do requerimento para abertura de instrução constituem, em rigor, distintos prazos, embora com a mesma duração, o primeiro inicia-se com a notificação do arquivamento do inquérito e o segundo conta-se da notificação da acusação.
Também o ato processual em causa (para cuja prática o prazo está fixado) é distinto consoante se trate de abertura de instrução requerida pelo assistente ou pelo arguido (a diferença de exigências relativas à peça processual subscrita por um ou outro resulta evidente do texto do n.º 2, do artigo 287.º, do Código Processo Penal).
Na mesma linha de raciocínio, a fase processual que decorre na sequência da admissão de qualquer um dos requerimentos é uma só, porém, a finalidade da instrução é diferente conforme se trata de requerimento apresentado pelo assistente ou pelo arguido, no primeiro caso visa o controlo judicial da decisão de arquivar o inquérito e no segundo a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação (cf. artigo 286.º, n.º1 do Código Processo Penal).
Por conseguinte, subscreve-se o entendimento expresso no acórdão desta Relação[2] citado no despacho recorrido, no sentido de que, no caso de pluralidade de arguidos ou de assistentes, ao arguido assiste o direito de poder apresentar o requerimento de abertura de instrução (ou seja praticar o ato processual) até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar para outro arguido mas não lhe é permitido aproveitar do prazo conferido ao assistente para requerer a abertura da instrução.
Ademais, o entendimento sufragado harmoniza-se, segundo cremos, com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2011[3], na medida em que na interpretação das mesmas normas, embora sob perspetiva diferente e com vista a solucionar diversa questão, aponta para a distinção de situações conforme se trate do prazo conferido ao arguido ou assistente para requerer a instrução, mormente nos segmentos seguintes: «O n.º 6 do referido artigo 283.º, ao ser caso expressamente previsto, de harmonia como n.º 12 do citado artigo 113.º, significa que havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar, pressupondo assim, que se encontre a decorrer o prazo de requerimento de abertura de instrução de cada arguido notificado da acusação (ou de cada assistente, no caso de notificação do despacho de arquivamento), de forma que os prazos em curso possam confluir no último prazo a decorrer, iniciado após a (última) notificação da acusação (ou do despacho de arquivamento no caso de vários assistentes), antes de terminar o prazo de 20 dias relativamente a qualquer deles, iniciado após a respectiva notificação da acusação (ou do despacho de arquivamento quanto aos assistentes), isto é, pressupõe uma situação de simultaneidade de prazos a decorrer.
Tendo em conta que a presente fixação de jurisprudência tem por objecto apenas o requerimento de abertura de instrução efectuado por arguidos, conclui-se que:
A partir do momento em que cada arguido é notificado da acusação, mantém-se a estabilidade da instância quanto a ele, sem prejuízo de poder beneficiar, por força do n.º 12 do artigo 113.º do CPP, do termo do prazo que ocorrer em último lugar - advindo da última notificação da acusação efectuada - se o seu prazo se encontrar ainda a decorrer.
(…)
O disposto no aludido artigo 113.º, n.º 12, tem pois subjacente que todos os arguidos tenham sido notificados da acusação, e que os respectivos prazos para, eventualmente, requererem a abertura da instrução se encontrem ainda a decorrer, embora terminem em datas diferentes, pois que se terminarem na mesma data do prazo do interessado em accionar o disposto no artigo 113.º, n.º 12, ou, se já tiverem mesmo terminado, é manifesto que esse interessado não poderá tirar daí qualquer proveito, em termos de prazo.
Compreende-se a solução legal, quer por um lado, porque permite aos arguidos uma defesa conjunta, sem todavia impor essa solução, quer, por outro lado, porque o juiz só declarará aberta a instrução, uma vez esgotado o respectivo prazo, e podendo ser este temporalmente diferenciado em resultado de notificações da acusação havidas em momentos distintos, bem podem os arguidos querer exercer essa defesa conjunta, ou não querendo, só após o decurso do prazo que ocorrer em último lugar, está o juiz em condições legais de delimitar o objecto da instrução, perante as posições processuais apresentadas por cada requerente, e assim, formar um juízo sobre o conjunto de actos de instrução que «entenda dever levar a cabo», como determina o artigo 289.º, n.º 1, do CPP.» (sublinhados nossos).
Assim sendo, não merece censura a decisão tomada pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal que indeferiu, por extemporâneo, o requerimento de abertura de instrução com fundamento no esgotamento do respetivo prazo e no entendimento de que o arguido não beneficia do prazo em que a ofendida, se constituída assistente, poderia requerer a abertura de instrução.
Por conseguinte, improcede a pretensão recursiva.
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III – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Porto, 05-12-2018
Maria dos Prazeres Silva
William Themudo Gilman
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[1] Na redação pela Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro, em vigor na data em que foram efetuadas as notificações da acusação e do arquivamento, devendo-se, certamente, a lapso a menção no despacho ao n.º13, do artigo 113.º, correspondente à redação anterior.
[2] Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2005, proc. 0445526, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Publicado no Diário da República, 1ª série, N.º29, de 10-02-2011, que fixa a seguinte jurisprudência:
I - O despacho do Ministério Público a ordenar o prosseguimento do processo nos termos do artigo 283º, n.º5 do CPP, é um despacho de mero expediente e, por isso, não carece de ser notificado aos sujeitos processuais, nomeadamente aos arguidos já notificados da acusação, podendo estes requerer a abertura da instrução no prazo de 20 dias a contar dessa notificação, nos termos do artigo 287.º, n.º1 do CPP.
II - Havendo vários prazos para esse efeito, a correr em simultâneo, ainda que não integralmente coincidentes, a abertura de instrução pode ser requerida por todos ou por cada um deles, até ao fim do prazo que terminar em último lugar, nos termos dos artigos 287.º, n.º6, e 113º, n.º12, ambos do mesmo diploma.