Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
847/05.1TMPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
RECUSA DO MENOR EM SE SUJEITAR ÀS VISITAS DO PROGENITOR
NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RP20160210847/05.1TMPRT-C.P1
Data do Acordão: 02/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 701, FLS.54-64)
Área Temática: .
Sumário: I - O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo.
II - Havendo recusa de menor, já com 16 anos de idade, em se sujeitar às visitas ao seu progenitor, haverá de apurar-se as reais e profundas razões desse comportamento de rejeição da figura paterna e da companheira do progenitor, para o que é adequada prova técnica/pericial/psicológica que capte os aspetos psicológicos/afetivos/emocionais da menor, bem como a sua dinâmica familiar e eventuais constrangimentos aí existentes.
III - Sem o que não encontra fundamento probatório e fáctico a conclusão de direito no sentido de o incumprimento do regime de visitas ser exclusivamente imputável à mãe, desconhecendo-se se esta tem meios para poder persuadir a menor e vencer a sua resistência, pois que esta última, atenta a sua idade, tem a sua personalidade e vontade próprias.
IV - Num tal quadro de incerteza probatória e fáctica, importando garantir o interesse da menor, critério essencial de decisão da causa, tem de anular-se a sentença, nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), e n.º 3, al.ª c), do NCPCiv.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 847/05.1TMPRT-C.P1
1.ª Secção Cível
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
***
I – Relatório
Por apenso a autos de divórcio onde ocorreu regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor B…, melhor identificada nos autos, nascida em 11/08/1999 e filha de C… e de D…, também melhor identificados nos autos, veio aquele progenitor (aqui Requerente) deduzir incidente de incumprimento contra a Requerida (mãe), com referência ao regime de regulação fixado [1], pedindo que, nos termos do disposto no art.º 181 da Organização Tutelar de Menores (doravante, OTM), face à situação de incumprimento da Requerida, fossem ordenadas as diligências necessárias ao cumprimento coercivo do acordo de regulação do poder paternal, bem como que, nos termos do disposto no art.º 182.º da OTM, fosse reconhecida a necessidade de alteração da regulação do poder paternal já fixada, quanto a visitas do pai à menor, nos moldes por aquele pretendidos.
Alegou, para tanto, no essencial – quanto ao que importa à decisão do recurso interposto –, que ocorre incumprimento do fixado regime de visitas, estando o Requerente impossibilitado de ver a menor sua filha, situação totalmente imputável à Requerida, que, culposamente, impede o contacto entre pai e filha, com o que o Requerente se não conforma.
Ordenado o cumprimento do disposto no art.º 181.º, n.º 2, da OTM, veio a Requerida apresentar alegações, impugnando o alegado pelo Requerente e invocando que foi este quem deixou de contactar a menor e a sua mãe.
Em conferência de progenitores (realizada em 27/12/2013), pela Requerida foi dito que o Requerente não convivia com a menor desde há seis meses, bem como estar a progenitora de acordo em que as visitas fossem efetuadas nas instalações do Tribunal e na presença de psicóloga.
Pelo Requerente foi então declarado encontrar-se desempregado, mas com previsão de ir trabalhar para o estrangeiro a curto prazo, com contrato de trabalho temporário, bem como também estar de acordo em visitas nas instalações do Tribunal e na presença de psicóloga, comprometendo-se ainda a informar nos autos do seu regresso a Portugal.
Em despacho imediatamente proferido, foi mencionado que o progenitor reconhecia “dificuldades de comunicação e convívio com a filha”, determinando-se a realização das visitas nas instalações do Tribunal, na presença de psicóloga, com envio por esta de relatório ao fim do segundo mês para conhecimento pelo Tribunal, mais se ordenando que os autos aguardassem “… o envio do relatório/avaliação dos convívios efectuados neste Tribunal pela Psicóloga do Tribunal, a Dr.ª E…” (cfr. ata de fls. 33-34).
Em 13/01/2014, a psicóloga Dr.ª E… requereu que a audição da menor ocorresse em 27/01/2014, pelas 10,00 horas, para fixação do regime de sessões de mediação familiar e definição de objetivos de trabalho.
Em 14/07/2014, veio o Requerente dizer que não mais viu a menor desde agosto de 2013, não tendo sido contactado para visitas conjuntas, nem para ser ouvido pela psicóloga, assim requerendo a efetivação do acompanhamento psicológico, as visitas na presença da psicóloga e informação quanto ao estado emocional/psíquico da filha.
Na sequência, por despacho de 10/04/2015, foi designada nova conferência de pais, bem como determinado se solicitasse relatório psicológico referente ao acompanhamento da menor, relatório esse nunca adquirido para os autos, nem qualquer informação da aludida psicóloga.
Na conferência de pais, pela Requerida foi declarado que a menor manifesta oposição a estar com o pai e que as entrevistas com a psicóloga terminaram mais de um ano antes, sem designação de qualquer outra data, tendo pelo Requerente sido dito que o último contacto com a filha ocorreu em 03/08/2013, não tendo durado mais de 3 minutos, mais reafirmando que, “… na sua ótica, tal acontece por responsabilidade da progenitora” (cfr. ata de fls. 54 e seg.).
Ouvida depois a menor, manifestou esta ao Tribunal “… alguma resistência aos contactos com o pai afirmando não se sentir bem com aquele, mas gostar de estar com a irmã do lado do pai”, altura em que foi fixado, nos termos do art.º 157.º, n.º 1, da OTM, regime provisório quanto a visitas, estabelecendo contactos quinzenais entre o Requerente e a menor – fora das instalações do Tribunal e sem a presença de psicóloga –, devendo aquele “… ir apenas acompanhado da sua filha menor que consigo reside” (cfr. ata de fls. 56 e seg.).
Posteriormente, ouvida novamente a menor, referiu ela ter gostado dos contactos com o pai e com a sua irmã mais nova, mas não pretender aumentar os contactos com o progenitor, enquanto a Requerida tomou posição no sentido de concordar com a decisão da sua filha em matéria de aumento dos contactos com o pai.
Porém, reclamando o Requerente um regime de visitas mais alargado, foi logo proferido despacho de alteração do regime provisório, determinando visitas semanais, bem como jantar da filha com o pai, este acompanhado da sua outra filha menor e da sua atual mulher, novamente sem previsão de quaisquer visitas nas instalações do Tribunal e/ou presença de psicóloga (cfr. ata de fls. 63 e seg.).
Ulteriormente, voltou a ser ouvida a menor, a qual referiu que «… o regime provisório foi correndo bem até ao dia em que esteve com a “madrasta”. Não se sentiu bem razão pela qual, no sábado seguinte, telefonou ao pai a dizer que não poderia estar com este», reconhecendo “que a “madrasta” se esforçou para que se sinta bem”.
Tentado então o acordo entre os pais da menor, não foi o mesmo conseguido, “… uma vez que os progenitores não estão de acordo em converter o regime provisório em definitivo”, entendendo a Requerida que “… a filha deve estar com o pai nos termos em que se sinta bem” (cfr. ata de fls. 69 e seg.).
Com vista à prolação de decisão do incidente, emitiu o M.º P.º parecer, ponderando que a menor, com 16 anos de idade, não pretende, como declarou, os convívios com o progenitor – justificando a recusa com o facto de a madrasta ter estado presente nas visitas –, assim considerando que, embora ocorra incumprimento do regime de visitas estabelecido judicialmente, vista a posição tomada pela menor e a sua idade, e na falta de acordo para alteração do regime estipulado, não é viável executar o regime estabelecido, e promovendo o arquivamento dos autos.
Foi depois proferida sentença – datada de 14/10/2015 –, com o seguinte dispositivo:
“Em consequência, e nos termos do artigo 181º, n.º 1 da OTM julgo procedente o incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais relacionado com a menor B… (…), no que se refere ao regime de visitas provisório.
Mais condeno a requerida na multa de 3 Ucs.
Nos termos dos artigos 28º, n.º 1 e 41º, n.º 1 do RGPTC, e por forma a permitir o cumprimento coercivo dos contactos entre pai e filha, e como forma de coerção em relação à progenitora, condeno a requerida no pagamento de sanção pecuniária compulsória de cem euros (100,00 €) (…), por cada incumprimento do regime fixado por acordo [d]os progenitores.” (negrito subtraído).
Desta sentença veio a Requerida, inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes
Conclusões
«1. Todos os elementos constantes do processo, mormente, as actas de todas as conferências havidas, impunham decisão diversa da recorrida;
2. O tribunal não promoveu oficiosamente quaisquer diligências probatórias que o habilitassem a decidir-se sobre o mérito do incidente, como lhe competia, uma vez tratar-se de um processo de jurisdição voluntária;
3. O incumprimento do regime de visitas não é imputável à recorrente;
4. Perante a recusa da menor em estar com o progenitor, a recorrente sempre aderiu e promoveu todas as medidas necessárias à reaproximação daqueles, designadamente, através da intervenção da psicóloga nomeada pelo tribunal;
5. A recorrente fez inclusivamente um esforço financeiro enorme para que a menor estivesse presente nas várias sessões com a psicóloga, mesmo sem ter rendimentos para o efeito, nem contar com o cumprimento, pelo progenitor, da pensão de alimentos à menor;
6. A postura da recorrente ao longo do processo sempre foi de colaboração, não aderindo apenas à transposição do regime provisório em definitivo, por não acautelar a vontade, que deve ser relevante, da menor, podendo inclusivamente mostrar-se contraproducente;
7. A sentença recorrida deverá ser revogada por os autos não conterem elementos que permitam proferir um juízo de culpa relativamente ao comportamento da recorrente.
8. De qualquer modo, o montante da multa e da sanção pecuniária compulsória não atendem minimamente às concretas condições económicas da recorrente, pelo que apenas irão penalizar a menor.
Nestes termos, (…) deverá ser alterada a douta sentença recorrida, e consequentemente, improceder o incidente de incumprimento,
Ou, subsidiariamente, deverá ser reduzido o montante da multa e da sanção pecuniária compulsória, em virtude das concretas condições financeiras da recorrente (…)».
Contra-alegou o Requerente, pugnando pelo bem fundado da sentença recorrida, a dever ser confirmada.
Respondeu ainda o M.º P.º, concluindo pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
***
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos incidentais e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito assim fixados.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do Recurso
Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aplicável na fase recursória (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 [2] –, o thema decidendum consiste em saber [3]:
1. - Se ocorreu omissão de diligências probatórias essenciais à boa decisão da causa;
2. - Se os autos não contêm elementos fácticos que permitam o juízo condenatório proferido;
3. - Se o incumprimento do regime de visitas não é imputável à Recorrente;
4. - Subsidiariamente, se os montantes de multa e sanção pecuniária compulsória são excessivos, não atendendo às concretas condições económicas da Recorrente.
***
III – Fundamentação
A) Matéria de facto
Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:
«1. No dia 11 de Agosto de 1999 nasceu a B…, a qual tem a paternidade [e maternidade] registadas em nome dos aqui requeridos; (fls. 20 dos autos principais)
2. Por acordo homologado por sentença de 8 de Julho de 2005, no âmbito dos autos de divórcio em apenso, foi fixado o seguinte regime:
- Destino: A menor B…, fica entregue à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal;
- Visitas: O pai terá o direito de visitar a menor livremente sem prejuízo do descanso e dos deveres escolares desta, avisando a mãe com antecedência de 24 horas;
- A menor passará com o pai o período entre as 10:00 horas até às 21:00 horas de sábado, alternado com igual horário no Domingo seguinte.
- Alimentos: Dada a situação de carência económica do progenitor, dado que este se encontra desempregado, e não lhe permite prestar alimentos à filha, o pai não contribuirá com qualquer pensão de alimentos a favor da menor; (fls. 39 e 40)
3. Já no âmbito da acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais em apenso, e em 7 de Agosto de 2012, foi homologado acordo no que se refere à prestação de alimentos, o qual teve o seguinte teor:
- Alimentos – O progenitor contribuirá com € 100,00 mensais a título de pensão de alimentos para a menor. Tal quantia terá que ser enviada à mãe por qualquer forma documentada e até ao final de cada mês.
4. O último contacto do progenitor com a menor, antes do regime provisório fixado nos autos, ocorrera em 3 de Agosto de 2013; (declarações do progenitor, fls. 64)
5. A ausência de contactos ocorreram pelo facto da menor verbalizar resistência em estar com o pai; (declarações da progenitora em 28 de Abril de 2015, e da menor, em 4 de Maio de 2015; (fls. 56)
6. A menor esteve com o pai no dia de 9 de Maio, e 15 depois, desde as 17h00 e as 20h00, tendo-se o pai feito acompanhar pela sua filha mais nova, o que foi do agrado da menor; (fls. 56 e 57 e declarações da menor em 8 de Junho – fls. 63);
7. O que aconteceu na sequência do regime provisório fixado em 4 de Maio, segundo o qual:
a)
8. A progenitora manifestou a posição segundo a qual os contactos da filha com o pai ocorreriam nos termos que a filha decidisse; (declarações da progenitora em 8 de Junho e 8 de Julho de 2015)
9. Nesse dia 8 e Junho foi fixado o seguinte regime provisório:
a)
10. A menor esteve com o pai nos termos do regime fixado, datando o último encontro de 27 de Junho uma vez que a menor mantém resistência a contactos com a companheira do progenitor, apesar daquela se esforçar por a acolher no seio da família; (fls. 69)».
E foi julgado não provado apenas que “o progenitor não procurasse estar com a filha”.

B) Substância do recurso
1. - Da omissão de diligências probatórias essenciais à decisão da causa
Pretende a mãe da menor, a ora Recorrente, que ocorreu manifesta omissão de diligências probatórias essenciais à boa decisão da causa, já que o Tribunal recorrido não promoveu oficiosamente quaisquer diligências probatórias que o habilitassem a bem decidir do mérito do incidente, razão pela qual os elementos constantes dos autos (as atas das conferências havidas) impunham decisão diversa da que foi proferida.
O Recorrido e o M.º P.º defendem o contrário, isto é, que foram realizadas as diligências probatórias que se impunham para a boa decisão do pleito, no caso a condenação da aqui Recorrente como incumpridora do regime de visitas no âmbito da regulação fixada de responsabilidades parentais, com as vistas consequências pecuniárias.
Que dizer?
Dir-se-á que, como enunciado em sede de relatório antecedente, as posições de Requerente/Recorrido e Requerida/Recorrente são opostas em sede de peças processuais por si apresentadas nos autos.
Assim, enquanto o progenitor (Requerente/Recorrido) sistematicamente atribui à progenitora (Requerida/Recorrente) a responsabilidade (culposa/censurável) pela inobservância do regime de visitas fixado a favor do pai, esta última recusa tal responsabilidade, afirmando que tem de ser respeitada a vontade da menor, uma adolescente com 16 anos de idade, como tal dotada de identidade e vontade próprias, não podendo ser violentada nessa sua vontade, no caso de não estar com o seu pai.
Não obstante, tais posições opostas nos autos, nenhuma dessas partes apresentou qualquer requerimento de provas (cfr. requerimento inicial do Requerente, a fls. 2 e segs., e alegações da Requerida, a fls. 12 e segs.), certamente à espera que o Tribunal, oficiosamente – ou a requerimento do M.º P.º –, atenta a natureza dos autos e visto o superior interesse da menor tornado critério essencial de decisão a observar, diligenciasse por se munir de todas as provas exigíveis, designadamente de caráter técnico/psicológico, a uma decisão adequada, que primasse, fundadamente, pela justiça material (a justiça substancial, não meramente formal, do caso), identificando claramente e salvaguardando aquele interesse desta concreta menor.
Ora, é certo que foi intentado, inicialmente, um esboço de prova técnica/pericial/psicológica: como aludido no relatório antecedente, na sequência de acordo, entre Requerente e Requerida, para visitas nas instalações do Tribunal e na presença de psicóloga, foi decidido, ante as reconhecidas “dificuldades de comunicação e convívio” entre pai e filha, que as futuras visitas fossem realizadas nas instalações do Tribunal, na presença de psicóloga, cabendo a esta remeter aos autos, para aquisição probatória, relatório/avaliação técnico/psicológico dos convívios respetivos.
Ora, se a psicóloga nomeada pelo Tribunal, a Dr.ª E… (cfr. ata de fls. 33-34), ainda diligenciou pela audição da menor, para fixação do regime de sessões de mediação familiar e pela definição de objetivos de trabalho, certo é que nenhum conhecimento jamais deu ao processo das concretas diligencias efetivamente realizadas, dos respetivos resultados, e menos ainda do necessário “relatório/avaliação dos convívios”.
Nem depois de o Requerente vir pedir a intervenção da psicóloga e, ao menos, informação desta quanto ao “estado emocional/psíquico da sua Filha” (cfr. fls. 41), se conseguiu que essa técnica enviasse qualquer informação, e menos ainda o pretendido “relatório relativo ao acompanhamento da presente situação” (cfr. despacho de fls. 44).
Perante a falta de acompanhamento psicológico e a total ausência de prova pericial/psicológica, aliás não justificada pela psicóloga nomeada, o que fez o Tribunal a quo?
Passou a proceder a sessões de conferência de pais, algumas delas com a presença da menor, tomando declarações aos progenitores e à filha, sempre de forma muito sintética, em termos tais que não transparecem das atas as reais e profundas motivações da menor, o nível de resistência desta em aceder aos ditos convívios, o seu estado psicológico e as consequências para ela da imposição do cumprimento das visitas, designadamente com a presença da “madrasta”, como passou a ocorrer a partir de certa altura.
Mas transparece, de forma suficientemente elucidativa, que a menor não pretende tais convívios – recusando a presença da “madrasta” (companheira do progenitor), de nada parecendo servir a boa vontade desta –, sendo que é uma pessoa já com 16 anos de idade, com inevitável vontade e personalidade própria, o que levou mesmo o M.º P.º, em parecer anterior à sentença recorrida, a tomar posição no sentido de, perante a recusa perentório da filha quanto à reaproximação ao pai, não ser viável a execução do regime de visitas fixado, considerando apenas restar o arquivamento dos autos.
A questão que perpassa ao longo dos autos é, pois, a seguinte: poderá impor-se, à força, a uma menor com 16 anos de idade, que recusa os contactos com o progenitor, a sua comparência às visitas/convívios com o seu pai? E poderá obrigar-se a mãe da menor a obrigá-la a observar o regime de visitas que a menor recusa?
É claro que o Tribunal recorrido imputa o incumprimento à mãe e não à filha, que é menor, não devendo esquecer-se, todavia, que aos 16 anos de idade já se tem maturidade para efeitos de responsabilidade penal (art.º 19.º do CPen.) e, em certas condições, para contrair casamento (cfr. art.ºs 1601.º, al.ª a), e 1604.º, al.ª a), ambos do CCiv.).
Para tanto, reconhecendo a recusa da menor, conclui-se na sentença que tal recusa foi ultrapassada através de estratégias para aproximação de pai e filha, para logo depois se voltar a reconhecer que tal só perdurou até ao primeiro contacto da menor com a companheira do progenitor.
Ora – note-se –, daqui parte aquele Tribunal para a seguinte inferência: se o problema é o contacto da menor com a companheira do progenitor, então “a progenitora tem aqui a sua interferência”, que “é tanto mais clara quanto a posição da requerida nunca foi de, activamente, promover o relacionamento entre pai e filha, mas sim o de se limitar a dizer que aceitava as decisões da B…” (cfr. fls. 79).
Daí a conclusão no sentido de, nunca tendo a mãe promovido os contactos da filha com o pai, dever o incidente proceder, responsabilizando-se a mãe, e só ela, pelo incumprimento – assim considerado culposo/censurável –, isto é, pela recusa da filha, de 16 anos de idade, em estar com o seu pai.
Mas será que está demonstrado, ante a base fáctica que a 1.ª instância apurou, que é a mãe a responsável pela recusa da filha e consequente incumprimento?
Ou será a filha que, independentemente da mãe, não quer, por vontade ponderada própria, conviver com o pai e a companheira deste?
É bem sabido que os divórcios dos progenitores deixam muitas vezes marcas psicológicas/afetivas/emocionais profundas nos filhos.
Será o caso desta menor e será por isso que recusa as visitas ao progenitor com quem não reside, o qual constituiu outra família?
Vejamos o que mostram os factos dados como provados, os únicos de que a 1.ª instância se poderia socorrer para aplicação do direito.
Mostram, desde logo, que a regulação de responsabilidades parentais, na sequência de divórcio, ocorreu quando a menor era muito jovem, tendo apenas 5 anos de idade, ficando confiada à guarda e cuidados de sua mãe, e não de seu pai.
Mostram ainda ocorrer ausência de contactos com o pai, bem como que tal resultou do facto de a menor apresentar resistência em estar com aquele.
É certo que a menor mantém laços afetivos gratificantes com a filha mais nova do seu pai, sendo do seu agrado o contacto com esta; mas mantém resistência a contactos com a companheira do progenitor, o que parece compreensível para quem vivenciou, em criança, a experiência normalmente traumática do divórcio de seus pais.
Relativamente à Requerida/Recorrente, o que logra dar-se como apurado é que a mesma manifestou que os contactos da filha com o pai ocorreriam nos termos que a filha decidisse, o que também, salvo o devido respeito, não parece incompreensível, atendendo à idade (e consequente maturidade) da menor e à forte oposição desta em relação às visitas.
Perante isto, salvo o devido respeito, não se vê como concluir, sem sombra de erro, que a responsabilidade pelo incumprimento é exclusiva da mãe, com consequente juízo de censura, ao ponto de a sancionar pecuniariamente com multa e sanção pecuniária compulsória, parecendo que esta teria de obrigar a menor para se eximir a tal sanção compulsória.
Assim, não parece de subscrever a conclusão da 1.ª instância, no atual estado dos autos, quanto à responsabilidade pelo inadimplemento.
É que tem razão a Apelante quando diz que faltam manifestamente diligências probatórias habilitantes de uma decisão com cabal conhecimento de causa.
Nota-se até, de algum modo, atuação contraditória do Tribunal: primeiro considerou necessário – e bem – acompanhamento psicológico e decorrente relatório de avaliação psicológica; para depois se contentar com a total omissão de elementos informativos/avaliativos da psicóloga nomeada, avançando-se para a sentença sem qualquer informação ou relatório de avaliação psicológica da menor.
Ao decidir assim, prescindindo dos aspetos psicológicos/afetivos/emocionais da menor (e de sua mãe), abriu mão o Tribunal de prova técnica/pericial de relevante valor para a decisão dos autos, colocando-se em situação de impossibilidade de valorização rigorosa das motivações profundas do comportamento de rejeição da menor face à figura paterna.
Pelo que, sem esses elementos de prova, não se vê como pudesse, sem o salto lógico dado na sentença – que não encontra suporte bastante no factualismo dado como provado –, atribuir-se à Requerida mãe a responsabilidade exclusiva pelo incumprimento, quanto é a filha que, a menos de dois anos de atingir a maioridade, recusa a figura paterna e a companheira do seu pai.
Do exposto já resulta que bem andou inicialmente o Tribunal a quo, ao ter a preocupação de obter prova técnica/psicológica nos moldes aludidos, sendo menos compreensível, todavia, que depois – de forma algo contraditória – tenha proferido sentença sem qualquer prova dessa natureza, sem a qual não se logra penetrar nas motivações profundas da conduta da menor e da sua mãe.
Donde que seja imprescindível tal prova nos autos, havendo de concordar-se com a Apelante quando defende que não foram promovidas eficazmente as diligências probatórias necessárias à boa decisão da causa.
Urge, pois, que tal prova pericial ainda seja feita, já que imprescindível para a decisão, procedendo nesta parte as conclusões da Recorrente, o que obriga à anulação da decisão recorrida – cfr. art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv. [4].

2. - Da falta de matéria fáctica de suporte da condenação
Defende ainda a Apelante que os autos não contêm elementos fácticos que permitam o juízo condenatório proferido.
E, realmente, como visto, assim é, faltando factos provados que permitam suportar o juízo de censura proferido quanto à mãe da menor, razão pela qual foi dado o salto lógico sentencial já identificado, o qual não pode ser acolhido.
A falta desse quadro fáctico, de si essencial para a decisão da causa, decorre, desde logo, do esquecimento da prova psicológica/pericial inicialmente perspetivada nos autos, mas que para estes nunca foi adquirida, deixando na sombra as motivações profundas que subjazem ao comportamento da menor (razões da sua rejeição da figura paterna e formas/estratégias, a existirem, para superar a postura de recusa, de molde a apurar ainda qual a contribuição da mãe para a recusa ou se a mesma não é imputável à progenitora).
Não desvendadas, ao nível pericial, tais motivações profundas do comportamento de rejeição da menor, as razões que subjazem à sua manifestada conduta, falta base de sustentação que permita o proferido juízo de censura sobre a Requerida, mãe da menor, e o seu sancionamento em sede pecuniária.
Urge, pois, que, efetuando-se a aludida prova técnica/pericial, de si imprescindível para a decisão, seja realizada, outrossim, a indispensável ampliação da matéria de facto, com captação para os autos, não só do quadro psicológico/afetivo/emocional da menor, matéria fáctica do foro interior da mesma, mas objetivável e valorável para a boa decisão da causa, mas também da sua dinâmica familiar e eventuais constrangimentos aí existentes.
Donde a procedência, também nesta parte, das conclusões da Recorrente, o que obriga à anulação da decisão recorrida, para indispensável ampliação da matéria de facto (cfr. art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), parte final, e n.º 3, al.ª c), do mesmo NCPCiv.), nos moldes mencionados.

3. - Da prejudicialidade quanto às demais questões suscitadas
Ante o exposto, claro resulta que fica prejudicada a apreciação da substância das demais questões suscitadas.
Para cuja decisão, aliás, releva a referida ampliação da base fáctica da causa.
***
IV – Sumariando (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo.
2. - Havendo recusa de menor, já com 16 anos de idade, em se sujeitar às visitas ao seu progenitor, haverá de apurar-se as reais e profundas razões desse comportamento de rejeição da figura paterna e da companheira do progenitor, para o que é adequada prova técnica/pericial/psicológica que capte os aspetos psicológicos/afetivos/emocionais da menor, bem como a sua dinâmica familiar e eventuais constrangimentos aí existentes.
3. - Sem o que não encontra fundamento probatório e fáctico a conclusão de direito no sentido de o incumprimento do regime de visitas ser exclusivamente imputável à mãe, desconhecendo-se se esta tem meios para poder persuadir a menor e vencer a sua resistência, pois que esta última, atenta a sua idade, tem a sua personalidade e vontade próprias.
4. - Num tal quadro de incerteza probatória e fáctica, importando garantir o interesse da menor, critério essencial de decisão da causa, tem de anular-se a sentença, nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), e n.º 3, al.ª c), do NCPCiv..
***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em anular, oficiosamente, a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição (parcial) do julgamento, tendente ao apuramento, através de adequada prova técnica/pericial a produzir, do quadro factual psicológico/afetivo/emocional da menor, matéria do seu foro interior, mas objetivável e valorável para a boa decisão da causa, e da sua dinâmica familiar e eventuais constrangimentos aí existentes, nos termos do disposto no art.º 662.º, n.ºs 2, al.ª c), e 3, al.ª c), do NCPCiv..
Custas da apelação pela parte vencida a final.
Escrito e revisto pelo relator.
Elaborado em computador.

Porto, 10/02/2016
Vítor Amaral
Luís Cravo
Fernando Samões
____
[1] Simultaneamente, requereu a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais quanto a visitas do pai.
[2] Processo base – aquele de que decorrem os presentes autos incidentais – instaurado antes de 01/01/2008 e decisão recorrida posterior a 01/09/2013 (cfr. sentença de fls. 74 a 86 dos autos em suporte de papel, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 15, referindo este Autor que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente a 01/01/2008, se segue, em matéria recursória, o regime do NCPCiv., com exceção apenas da norma do art.º 671.º, n.º 3, que restringe a revista em situações de dupla conforme). De notar, neste âmbito, que a jurisprudência vem distinguindo entre o processo incidental de incumprimento (antes previsto no art.º 181.º da OTM) e processo de alteração de regime da responsabilidade parental (anteriormente previsto no art.º 182.º da OTM), por este último, ao contrário daqueloutro, traduzir um processo autónomo (novo) – assim o Ac. Rel. Coimbra, de 23-04-2013, Proc. 1211/08.6TBAND-A.C1 (Rel. Teles Pereira), disponível em www.dgsi.pt. É certo que, entretanto, entrou em vigor o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei 141/2015, de 08-09, com o art.º 5.º desta Lei (sob a epígrafe “Aplicação no tempo”) a dispor que o RGPTC se aplica aos processos em curso à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior, donde a sua aplicação aos presentes autos, sendo, porém, que tal novo regime jurídico não comporta alteração àquela perspetiva da presente instância de incumprimento como incidental (cfr. art.ºs 41.º e 42.º do RGPTC). E o art.º 32.º do dito RGPTC dispõe, no seu n.º 3, que os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias.
[3] Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
[4] Dispõe este preceito legal que pode a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão da 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão de pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.