Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
701/17.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: RECURSO AUTÓNOMO
SEGUNDA PERÍCIA
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RP20191104701/17.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 11/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O indeferimento da realização de uma 2.ª perícia não constitui a rejeição de um meio de prova, no sentido em que o artigo 644, n.º 2, alínea d) do CPC admite apelação.
II – Assim, o despacho que não admite a 2.ª perícia não é passível de recurso autónomo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator):
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PROCESSO 701/17.4T8MAI-A.P1

Recorrente – B…
Recorrida – C…, SA

Reclamação

Relator: José Eusébio Almeida;
Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1 - A apelante B… veio recorrer do despacho que não admitiu a realização da segunda perícia, invocando, além do mais, o disposto no artigo 644, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC).

2 – Nesta Relação, o relator entendeu – e citamos -, “que, que não pode conhecer-se do objeto do recurso ou, dito de outro modo, que a decisão proferida não admite recurso autónomo. Com efeito, o preceito citado pela Recorrente – único que poderia ter préstimo para a admissibilidade do recurso – admite, como apelação autónoma, a impugnação da decisão que admita ou rejeite algum articulado ou meio de prova”.

3 – Acrescentando: “Ora, a não admissão de segunda perícia não se confunde com a não admissão da prova pericial, pois no caso dos autos aquela prova foi admitida e realizada. A segunda perícia não é um novo meio de prova, mas apenas um incidente da produção de prova, como sucede, por exemplo, com a contradita ou a acareação de testemunhas (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, 2016, pág. 173, nota 266)”.

4 – Considerando que “em suma, entende-se que o despacho sob censura não admite ou rejeita um “meio de prova” e, por isso, não admite recurso autónomo”, determinou-se a notificação das partes, nos termos e para os efeitos do artigo 655, n.º 1 do CPC.

5 – Notificada, a apelante pronunciou-se no sentido de “o presente recurso ser admitido e conhecido, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final”.

6 – Em abono desse entendimento veio aduzir o que ora se sintetiza:
“(...) não pode subscrever de todo o entendimento vertido no despacho; é de opinião que o despacho que não admite a realização de segunda períciapassível de recurso autónomo. Para tanto, louva-se nos seguintes entendimentos jurisprudenciais que aqui se consideram reproduzidos para todos os efeitos legais, a saber: (i) Acórdão da Relação do Porto de 4.3.2013, proferido no âmbito do Proc. 6880/11.7TBMAI.P1, disponível no site www.dgsi.pt, quando no seu sumário refere: Do despacho que admite (ou não admite) um meio de prova, cabe recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (art. 691/2i) CPC; (ii) Acórdão da Relação do Porto de 10.7.2013, proferido no âmbito do Proc. 1029/10.6TVPRT.P1, disponível no site www.dgsi.pt, quando no seu sumário refere: Nos termos do art. 691, n.º 2, al. i), do CPC, o despacho de admissão ou de rejeição de meios de prova (v. g., o despacho que admite ou manda desentranhar determinados documentos) é imediatamente recorrível; (iii)Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 1.10.2015, proferido no Proc. 12445/15, CA disponível no site www.dgsi.pt, que, no seu sumário refere: “No tocante ao despacho de recusa de realização da segunda perícia impõe-se o recurso intercalar de subida imediata no regime do art. 644 n.º 2 d) CPC por remissão expressa do art. 142 n.º 5 in fine CPTA.”
Ou seja, sufraga o entendimento mediante o qual, pese embora o artigo 644, n.º 2, alínea d), do CPC, se refira ao despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, se atentarmos na razão que levou à introdução da admissibilidade do recurso autónomo deste despacho – o risco da anulação do processado posterior –, só podemos concluir que esta admissibilidade excecional de recurso imediato se aplica igualmente aqueles casos em que o tribunal venha a rejeitar a realização de uma segunda perícia (...).

7 – Proferiu-se, então o despacho/decisão singular de que ora se reclama, com o seguinte teor:
1. Oportunamente, proferiu-se despacho (do relator) onde se antecipava que o despacho da 1.ª instância, aqui sob censura, não admitia recurso autónomo.
2. As razões antecipadas enformam o aludido despacho do relator, e aqui se renovam: “o preceito citado pela Recorrente – único que poderia ter préstimo para a admissibilidade do recurso – admite, como apelação autónoma, a impugnação da decisão que admita ou rejeite algum articulado ou meio de prova. Ora, a não admissão de segunda perícia não se confunde com a não admissão da prova pericial, pois no caso dos autos aquela prova foi admitida e realizada. A segunda perícia não é um novo meio de prova, mas apenas um incidente da produção de prova, como sucede, por exemplo, com a contradita ou a acareação de testemunhas (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, 2016, pág. 173, nota 266)”.
3. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 655, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
4. Notificada nos termos do preceito acabado de citar, apenas a recorrente se pronunciou.
5. Sustentando a admissibilidade do recurso, a recorrente veio dizer, ora em síntese:
“(...) é de opinião que o despacho que não admite a realização de segunda períciapassível de recurso autónomo. Para tanto, louva-se nos seguintes entendimentos jurisprudenciais que aqui se consideram reproduzidos para todos os efeitos legais, a saber:
(i) Acórdão da Relação do Porto de 4.3.2013, proferido no âmbito do Proc. 6880/11.7TBMAI.P1, disponível no site www.dgsi.pt, quando no seu sumário refere: Do despacho que admite (ou não admite) um meio de prova, cabe recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (art. 691.º/2i) CPC;
(ii) Acórdão da Relação do Porto de 10.7.2013, proferido no âmbito do Proc. 1029/10.6TVPRT.P1, disponível no site www.dgsi.pt, quando no seu sumário refere: Nos termos do art. 691.º, n.º 2, al. i), do CPC, o despacho de admissão ou de rejeição de meios de prova (v. g., o despacho que admite ou manda desentranhar determinados documentos) é imediatamente recorrível;
(iii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 1.10.2015, proferido no Proc. 12445/15, CA 2.º Juízo disponível no site www.dgsi.pt, que, no seu sumário refere: “No tocante ao despacho de recusa de realização da segunda perícia impõe-se o recurso intercalar de subida imediata no regime do art. 644.º n.º 2 d) CPC por remissão expressa do art. 142.º no 5 in fine CPTA.”
Ou seja, a Recorrente sufraga o entendimento mediante o qual, pese embora o artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, se refira ao despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, se atentarmos na razão que levou à introdução da admissibilidade do recurso autónomo deste despacho – o risco da anulação do processado posterior –, só podemos concluir que esta admissibilidade excepcional de recurso imediato se aplica igualmente aqueles casos em que o tribunal venha a rejeitar a realização de uma segunda perícia (artigo 487.º), ou não venha a autorizar a comparência dos peritos na audiência final (artigo 486.º), ou ainda quando não aceite as reclamações fundamentadas ao relatório pericial.” Apreciando.
6. Antes de mais importa dizer que não está em causa – e por tal razão não transcrevemos na totalidade a pronúncia da recorrente – a bondade substantiva da pretensão a uma segunda perícia, mas apenas a recorribilidade autónoma do despacho que a não admitiu.
7. Salvo o devido respeito, o primeiro dos acórdãos citados pela recorrente (onde se escreveu, além do mais, que “O despacho proferido que admitiu a depor como testemunha o sócio da ré, com poderes para representar a ré, era passível de recurso autónomo, por se tratar de um despacho de admissão de um meio de prova”) não tem préstimo ao caso presente: não está aqui em causa a admissão da prova pericial, mas a recorribilidade autónoma do despacho que indeferiu a pretensão a uma segunda perícia.
8. O mesmo sucede que o segundo dos acórdãos citados, também desta Relação do Porto (e onde se escreveu, além do mais, que “a Mm.ª Juíza a quo não admitiu a junção de quatro documentos e ordenou a sua devolução à apresentante/Ré, “após trânsito”. Esta uma das decisões interlocutórias agora impugnadas. Nos termos do art.º 691º, n.º s 2, alínea i) e 5, o despacho de admissão ou de rejeição de meios de prova (v. g., o despacho que admite ou manda desentranhar determinados documentos ou defere ou indefere a requisição de documentos) é imediatamente recorrível”.
9. Admitimos que a mesma conclusão não podemos retirar do Ac. proferido no Tribunal Central Administrativo do Sul (onde se deixou escrito, além do mais, que “requerido o segundo arbitramento por qualquer das partes sem que ocorra o indeferimento judicial com fundamento em que se trata de diligência impertinente ou dilatória, e tendo em conta que ambas as perícias têm o mesmo objecto quanto às questões de facto indicadas pelas partes ou oficiosamente pelo tribunal, e ainda que o juiz da causa tem liberdade opcional para decidir com fundamento em qualquer delas, a conclusão que se impõe, de evidência cristalina, é que do processo deverão constar ambas as perícias, sendo esta a razão fundamental da previsão de subida imediata do recurso da decisão que tenha indeferido (ou admitido) o pedido de realização do segundo arbitramento. A solução legal vai expressamente no sentido da recorribilidade imediata do despacho de admissão ou rejeição de meio de prova nos termos do artº 644º nº 2 d) CPC decorrente da Reforma de 2013, regime que já vinha do artº 691º nº 2 i) do anterior CPC. A ser assim, no tocante ao despacho de recusa de realização da segunda perícia impõe-se o recurso intercalar de subida imediata no regime do artº 644º nº 2 d) CPC por remissão expressa do artº 142º nº 5 in fine CPTA”).
10. Com todo o respeito, no entanto, não pode concordar-se com a conclusão (embora não seja claro, acrescente-se, se a mesma pressupõe o não indeferimento em razão da impertinência ou do caráter dilatório da segunda perícia).
11. Efetivamente, entendemos que a segunda perícia não é um meio de prova no sentido da previsão do preceito que admite a recorribilidade imediata e autónoma. A razão de ser desta recorribilidade não se estende a todas as vicissitudes da prova (como entendemos ser a segunda perícia ou a contradita, por exemplo), nem a clareza da lei – referindo-se, apenas mas significativamente, à admissão e rejeição -, aceitará essa interpretação alargada.
11. O que está em causa é sempre a admissão ou rejeição de um meio de prova. No caso, do meio de prova, prova pericial. A prova pericial constitui o Capítulo IV do Título V (Da Instrução do Processo) do Código de Processo Civil e o Capítulo seguinte é outro meio de prova, A Inspeção Judicial. As diversas secções daquele Capítulo IV (Designação de peritos, Proposição e objeto da prova pericial, Realização da perícia e Segunda perícia) não são autónomos ou diferentes meios de prova: esta é e sempre continua a ser a Prova Pericial.
12. Por tudo, entendemos que o despacho que indeferiu a realização de uma segunda perícia não tem recurso autónomo, não se enquadrando no disposto no artigo 644, n.º 2, alínea d) do CPC. Em conformidade,
Decisão:
Pelas razões ditas, decide-se, nos termos do artigo 655, n.º 1 do CPC, e porque o despacho impugnado não pode ser objeto de recurso autónomo, não conhecer o objeto da apelação.

II - Da Reclamação
8 - Inconformada com a decisão, a recorrente veio “ao abrigo do disposto no artigo 652 n.º 3 do CPC, deduzir reclamação para a conferência, pretendendo, com a sua procedência, se determine “a revogação da decisão singular reclamada, sendo a mesma substituída por outra que determine o conhecimento da apelação apresentada”.

9 – Em abono da sua pretensão veio dizer o que, em síntese, se transcreve:
- Com todo o respeito pela posição adotada pelo Exmo. Sr. Relator, é nosso modesto entendimento que não se verificam as circunstâncias apontadas na decisão recorrida, devendo ser determinado o conhecimento do objecto da apelação oferecida pela reclamante.
- Com efeito, e ao contrário do decidido, a redação da al. d) do n.º 2 do artigo 644 do CPC abrange, forçosamente, tanto a admissão como a rejeição de meios de prova, ou seja, a pronúncia relativa a requerimentos de prova. E a decisão de rejeição de uma segunda perícia corresponde, sem sombra de dúvida, à pronúncia relativa a um meio probatório. Trata-se de um novo meio probatório, cujo resultado sobrevive no processo de forma autónoma e independente da 1.ª perícia.
- Ainda que a 2.ª perícia tenha sempre por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e se destine a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta, o artigo 489 do CPC determina que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.
- Donde, não pode ter sucesso a tese de que está ao nível dos incidentes de acareação ou a contradita de testemunhas, na medida em que estes se destinem exclusivamente a controlar o valor probatório da prova testemunhal, não assumindo qualquer autonomia para além daquela.
- Acresce que, se refletirmos nos objetivos da construção normativa da recorribilidade imediata e autónoma dos despachos de rejeição ou de admissão de meios de prova, verificamos que “a opção pela admissão do recurso imediato visou atenuar os efeitos negativos que poderiam produzir-se ao nível da tramitação processual ou da estabilidade das decisões que põem termo ao processo. Com efeito, a sujeição de tais decisões a impugnação diferida para o recurso da decisão final potenciaria o risco de anulação do processado, para ponderação ou não ponderação dos meios de prova rejeitado” (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, Coimbra 2007:177/178).
Em concreto, e tendo em mente a admissão da realização de uma segunda perícia – cujo resultado influenciará sobremaneira a decisão a tomar no presente processo -, é por demais ostensiva a conveniência da recorribilidade autónoma e imediata da decisão de não admissão de tal meio probatório, sob pena da futura inutilização do processado”.

III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
10 - O relatório que antecede permite a apreciação da reclamação, não havendo outra factualidade que, nesta sede, cumpra acrescentar.

III.II – Fundamentação de Direito
11 – A questão que a presente reclamação suscita revela-se clara, atenta a pronúncia da recorrente e os despachos anteriormente proferidos: consiste em saber se o despacho que não admitiu a realização da 2.ª perícia admite recurso autónomo (imediato), nos termos do artigo 644, n.º 2, alínea d) do CPC.

12 - Com todo o respeito pelo entendimento da apelante, nada vemos que deva alterar-se à decisão reclamada.

13 – Note-se que que o (único) autor citado pela reclamante é o mesmo que nós citámos e não pensamos que haja qualquer incompatibilidade nas posições concretas que defende: por um lado a razão de ser do recurso autónomo, enquanto mecanismo que evite o risco de anulação do processado, mas por outro lado, a inadmissibilidade de recurso autónomo quando está em causa a 2.ª perícia.

14 – Importa fazer notar que a razão de ser do recurso autónomo não esclarece que decisões devam ser objeto do mesmo: são coisas distintas. Aliás, se o fundamento do recurso autónomo definisse a extensão da sua admissibilidade, não vemos que decisões – com a finalidade de se afastar o risco de anulação do processo – poderiam deixar de o admitir.

15 - No mais, mantemos as razões que foram avançadas na decisão singular, ou seja “entendemos que a segunda perícia não é um meio de prova no sentido da previsão do preceito que admite a recorribilidade imediata e autónoma. A razão de ser desta recorribilidade não se estende a todas as vicissitudes da prova (como entendemos ser a segunda perícia ou a contradita, por exemplo), nem a clareza da lei – referindo-se, apenas mas significativamente, à admissão e rejeição -, aceitará essa interpretação alargada. O que está em causa é sempre a admissão ou rejeição de um meio de prova. No caso, do meio de prova, prova pericial. A prova pericial constitui o Capítulo IV do Título V (Da Instrução do Processo) do Código de Processo Civil e o Capítulo seguinte é outro meio de prova, A Inspeção Judicial. As diversas secções daquele Capítulo IV (Designação de peritos, Proposição e objeto da prova pericial, Realização da perícia e Segunda perícia) não são autónomos ou diferentes meios de prova: esta é e sempre continua a ser a Prova Pericial.

IV - Dispositivo
Pelo que se deixa dito, e desatendendo a reclamação apresentada, acorda-se em conferência na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto manter a decisão singular proferida, ou seja, porque o despacho impugnado não pode ser impugnado autonomamente, não conhecer o objeto da apelação.

Custas do recurso pela apelante.

Porto, 4.11.2019
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido