Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9226/05.0YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: EXAME PERICIAL
DECLARAÇÕES DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RP202109209226/05.0YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As declarações de parte não constituem um meio de prova a considerar quando a restante prova não permite confirmar os factos complementares ou instrumentais decorrentes das declarações e por isso, não pode constituir um meio de criar a dúvida sobre o valor da prova pericial.
II - No exame pericial em que estava em causa aferir da genuinidade da assinatura aposta no documento o tribunal não pode afastar-se do parecer dos peritos, quando os peritos tenham analisado os mesmos factos que cumpre ao juiz apreciar e porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos não invalidam o laudo dos peritos.
III - Não admitindo o embargante a sua intervenção na relação imediata e situando-se a sua obrigação no estrito domínio da relação cambiária entre avalista e portador do título apenas poderia defender-se invocando o pagamento ou um qualquer vício de natureza formal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: EmbExec-Livrança-Aval-Assinatura-9226/05.0YYPRT-A.P1
*
*
SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
---
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa deduzida por Banco B…, SA, com sede na Rua …, Nº …, 2º - … Porto, ….-… PORTO contra C…, D… e E…, residente E…, rua …, Nº …, Gondomar, ….-… GONDOMAR veio este ultimo deduzir embargos à execução, pedindo a sua extinção e arquivamento.
Alegou para o efeito que desconhece completamente os executados C… e D… e nenhuma relação, seja de que tipo for, tem ou teve com estes Executados.
Mais alegou que sempre residiu no concelho de Gondomar e já muito antes do ano de 2002 era e continua casado, estranhando que no requerimento executivo o embargante seja identificado como solteiro. A morada que consta do requerimento executivo como sendo a do embargante corresponde à sede de uma empresa que foi deste, mas nunca foi a morada da sua residência.
Alegou ser estranho que a exequente tenha requerido a penhora do recheio da habitação do imóvel sito na Rua …, em Gondomar, quando nesta morada o que existe é um estabelecimento fabril.
Alegou, ainda, que nunca assinou ou apôs a sua assinatura na livrança dada à presente execução, pelo que a assinatura que da mesma consta como sendo sua, foi falsificada, não sendo responsável pelo pagamento da quantia exequenda.
Referiu, ainda, que embora não saiba, presume que a livrança dada à execução foi assinada em branco, sendo que o valor e os demais requisitos que da mesma constam foram preenchidos posteriormente. Não assinou qualquer pacto de preenchimento, pelo que não existindo o mesmo a livrança não vale como título cambiário.
-
Proferiu-se despacho que admitiu liminarmente os embargos e determinou a notificação da exequente para contestar.
-
A exequente notificada, veio contestar impugnando os factos alegados pelo embargante.
Alegou, em síntese, que constitui um ónus do embargante provar os factos que alega quanto ao estado civil e respetiva morada, bem como, quanto à inexistência de pacto de preenchimento, sendo certo que tal pacto existiu associado ao contrato de concessão de crédito para aquisição de um veículo automóvel celebrado entre os demais coexecutados e a embargada.
A respeito do caráter genuíno da assinatura aposta na livrança alegou que o embargante não juntou nos seus embargos qualquer documento que possa ser usado como comparativo da sua assinatura com o título executivo ou a livrança, mas foi junta procuração forense que por sua vez está assinada pelo embargante, e que na ausência de qualquer outro, servirá para a necessária prova.
Comparando as assinaturas apostas quer no contrato de financiamento quer na livrança da embargante, quer ainda no documento junto com os embargos – procuração forense - não subsiste qualquer dúvida de que ambas foram pelo mesmo punho subscritas.
Aquando a assinatura do contrato de crédito, os mutuários e os avalistas subscrevem, igualmente, uma livrança, em branco para preenchimento futuro, no advento do incumprimento, como garantia ao bom cumprimento do contrato de crédito.
Ao impugnar a legitimidade da assinatura aposta na livrança, procura o embargante, ora opoente, afastar as reais responsabilidades, inerentes ao incumprimento do contrato de crédito.
As assinaturas não se mantêm inalteráveis ao longo do tempo, podendo alterar por diversos motivos, nomeadamente devido à idade ou a doença. No entanto, nesta situação é evidente a semelhança das assinaturas apostas nos documentos no contrato de crédito e na livrança e aquela que consta da procuração forense.
Não obstante a procuração forense assinada pelo embargante nos seus embargos não ser contemporânea à assinatura da livrança e do contrato de financiamento, a verdade é que as assinaturas se mantêm semelhantes, tendo sido feitas pelo mesmo punho.
Em confronto com a assinatura no contrato de crédito (Doc. 1 já junto), resulta claro que o contrato foi subscrito pelo Embargante, na qualidade de avalista. O embargante subscreveu e aceitou as condições do contrato de crédito, e assinou a livrança como garantia, na qualidade de avalista. Em virtude de não terem sido cumpridas as obrigações dos mutuários, sendo pagas as respetivas mensalidades, foi o dito contrato resolvido e preenchida a respetiva livrança.
Juntou cópia do contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouro.
-
Dispensou-se a audiência prévia e foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova, que se resumem apenas a um:
“- saber se a assinatura aposta na livrança que constitui o título executivo é do punho do executado”.
-
Procedeu-se à realização de prova pericial cujo relatório se encontra junto aos autos a fls. 137 e ss.
-
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.
-
Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, julgo procedente os presentes embargos com todas as legais consequências, extinguindo-se a execução contra o executado E….
Custas pela Exequente (art. 446.º do C. Processo Civil)”.
-
O embargado veio interpor recurso da sentença.
-
Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………
Termina por pedir que se julgue procedente o recurso e revogada a decisão que julgou procedente os embargos.
-
Não foi apresentada resposta ao recurso.
-
O recurso foi admitido como recurso de apelação.
-
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
-
II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto;
- responsabilidade do avalista.
-
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1.A exequente é portadora da livrança junta a fls. 32 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
2. A livrança em causa contém as seguintes inscrições: no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança a B…, SA, a quantia de oito mil, quinhentos e oitenta e um euros e vinte e sete cêntimos; local e data de emissão: Porto, 03.03.30; com vencimento a “03.04.19”; contendo duas assinaturas no local destinado à aposição da assinatura do(s) subscritor(es) uma delas com o nome C… e D… e uma assinatura no local onde esta inscrito “Avalistas” com o nome de E…” cfr. documentos que se encontra junta a estes autos principais a fls. 32 e cujo teor no demais se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Tal livrança ainda contém, no local destinado à identificação do beneficiário, a identificação da exequente.
-
Factos não provados:
A) A assinatura que consta no local de avalista e atribuída ao executado E… foi aposta pelo punho do embargante.
-
3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso insurge-se contra a decisão de facto que julgou não provado o único tema de prova, por considerar que face ao resultado do exame pericial ficou demonstrado ser muito provável a verificação da hipótese da escrita da assinatura contestada ter sido produzida pelo embargante. Considera que a decisão não devia ser diversa da conclusão do relatório pericial.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na despectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
O apelante impugnou a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto a reapreciar (único facto julgado não provado), prova e ainda, a decisão alternativa que deve ser proferida.
Consideram-se, assim, preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
-
Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[3].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[4].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[5].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[6].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[7].
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – pericial, documental, testemunhal -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre o seguinte facto julgando não provado:
A) A assinatura que consta no local de avalista e atribuída ao executado E… foi aposta pelo punho do embargante.
Na fundamentação da decisão, ponderaram-se os seguintes meios de prova:
“O Tribunal formou a sua convicção das respostas negativas à matéria alegada da petição inicial, através da ponderação crítica dos elementos constantes dos autos e do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo ainda em consideração as regras da experiência e do normal acontecer quanto à realidade dos factos.
Assim, foram relevantes para a formação da convicção do Tribunal os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, ponderados de acordo com o principio da apreciação livre, nos termos do artigo 396.º do Código Civil e artigo 655.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Cumpre salientar que foram considerados os critérios legais a observar em termos de repartição do ónus da prova e em caso de dúvida sobre a realidade dos factos (cfr. artigo 342.º, do Código Civil e artigo 516.º do Código do Processo Civil).
Concretizando.
O Tribunal fundou a sua convicção com base no teor da livrança que se encontra juntas aos autos principais a fls. 32, em conjugação com o resultado do exame à escrita de fls. 137 e ss e das declarações de parte prestadas em audiência e demais prova.
A questão controvertida que os presentes autos reclamam cinge-se em apurar se o executado assinou a livrança dada à execução.
Como se sabe, é inequívoco que incumbe ao exequente a prova de que as assinaturas constantes nos documentos são do punho do executado – artº 374º, nº 2, do Código Civil.
Junto aos autos a fls. 137 e ss. encontra-se o exame de escrita à letra da livrança atribuída ao aqui Executado, efetuado pelo NCForense, livrança esta que constitui título executivo aos autos principais, e cuja subscrição é contestada pelo Executado Embargante, designadamente a letra descrita em 1) da matéria assente.
O referido relatório foi elaborado tendo por base a assinatura alegadamente feita pelo punho do executado inscrita na dita livrança em causa nos autos por comparação às assinaturas manuscritas pelo punho do próprio recolhida nas reproduções dos pedidos de bilhete de identidade e do cartão de cidadão e da procuração junta aos autos e das assinaturas recolhidas presencialmente.
Concluiu-se no relatório “como muito provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada, aposta em DC1, ter sido produzida por E…”.
Como se sabe no nosso ordenamento legislativo a perícia é um meio de prova por excelência quando em causa está a aferição de factualidade técnica como a de apurar se uma determinada escrita foi executada pelo punho da pessoa a quem se atribui.
A finalidade da perícia é a perceção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na perceção ou apreciação dos factos a que há de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.
Ora, o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, sabendo-se que o julgador está amarrado ao juízo pericial.
Nos diversos arestos que escrevem sobre este tema consigna-se que sempre que o juiz entenda divergir do juízo pericial – pois que evidentemente pode fazê-lo - deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
Na verdade, embora “o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito” – Veja-se entre outros o Acórdão da Relação do Lisboa de 11.3.2010, que aqui seguimos de perto e de onde retiramos alguns trechos acima transcritos.
Escreve-se ainda nesse aresto que em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, do ponto de vista da juriscidade. Verdade é também que o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
Contudo, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas, pois que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artº 389º do Código Civil.
Vejamos então.
No caso concreto não há dúvidas que a conclusão dos senhores peritos traduz um juízo positivo sobre a autoria da assinatura contestada.
Ora, sendo certo que o exequente estava onerado com a prova e que a prova pericial oferece o juízo positivo o certo é que entendemos que o juízo formado pela prova pericial não se mostra convincente porque existiu contraprova que infirmou esse juízo de probabilidade ou que pelo menos colocou sérias dúvidas ao julgador – que se mostraram inultrapassáveis - sobre a prova de que o executado houvesse assinado a livrança objeto dos autos.
Na verdade, em sede de julgamento começou por prestar declarações de parte o executado E…, o qual se mostrou totalmente sincero, claro, franco e honesto nas declarações prestadas.
Ora, como se sabe e perante o que dispõe o art.º 466.º do C.P.C. vigente, é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, segundo a sua livre convicção.
E foi nessa análise crítica - que se impõe ao julgador efetuar - que se credibilizaram as declarações de parte do Executado.
É certo que o juiz não está munido de um detetor de mentiras que possa aferir se uma parte/testemunha fala a verdade ou mente. Contudo consegue-se – através do principio da imediação que só a audiência consente, e das regras da experiencia - atestar se existe nos depoimentos algum pormenor que possa pôr em causa a credibilidade da versão do autor/executado que no caso concreto não houve, antes pelo contrário. Os sentimentos manifestados pelo executado a depor, a emoção e espontaneidade com que respondeu as questões que lhes foram sendo colocadas - as quais foram corroboradas pelos demais pormenores pelo seu filho também inquirido – que também depôs de forma fidedigna - levaram-nos a crer que o executado prestou declarações genuínas quando afirmou de forma totalmente perentória que não assinou o título executivo.
De facto, E… afiançou de forma perentória que desconhecia os subscritores da livrança. Referiu que há cerca de 20 anos tinha sido vítima de um furto da sua carteira documentos e cheques o que lhe causou vários transtornos (designadamente por terem sido emitidos cheques seus sem que houvesse provisão) o que o levou a apresentar queixa na policia e prestado declarações no Ministério Publico em Gondomar.
Instado sobre se possuía documento comprovativo da queixa deduzida o mesmo afiançou que se dirigiu ao Tribunal mas que o informaram que não dispunham de suporte de queixas formuladas há cerca de 20 anos.
Disse ainda o executado que nunca teve ou conheceu qualquer veículo que haja sido financiado com o contrato que fora junto pela Exequente e que á data dos factos era casado e não solteiro (como constava do dito contrato) bem como que a morada indicada não era a sua morada pessoal mas sim a de uma empresa da qual fora gerente.
Contou ainda que á data em que teria sido subscrito o contrato o executado já detinha vários problemas financeiros estando coartado o seu acesso à Banca, pelo que não compreendia como podia ter validado um contrato com um avalista sem acesso a crédito.
Todos estes factos foram corroborados pelo seu filho F… que depôs com isenção e credibilidade.
Foi ainda inquirida por banda da Exequente um seu funcionário G… que descreveu o contrato que esteve na base da livrança referindo que o executado o havia subscrito na qualidade de avalista, que os contratos á data não eram assinados presencialmente perante um funcionário do Banco mas no stand onde era adquirido o veículo automóvel.
Descreveu os trâmites e diligencias que constavam do histórico do sistema que consultou, mas a testemunha não teve qualquer contacto pessoal nem encetou qualquer diligência direta com os executados envolvidos.
Ora, como se disse, era ao Exequente que incumbia fazer prova da subscrição da livrança por banda do Executado.
A prova testemunhal feita em audiência pela Exequente mostrou-se inócua pois que a testemunha não presenciou quaisquer factos.
A Exequente possui “a seu favor” o relatório pericial cuja conclusão apresenta um parecer positivo quanto á subscrição da livrança pelo executado e com um grau significativo. E não se põe em causa a idoneidade do referido relatório.
Contudo, e apesar da conclusão obtida, os próprios peritos assumiram a dificuldade do exame comparativo quando referem que as doze assinaturas genuínas deste tipo apenas uma consta como original pelo que o exame comparativo apresenta à partida dificuldades (..)” – sublinhado nosso - cfr fls. 125
O grau de semelhança entra as assinaturas não descura a possibilidade da mesma ser uma falsificação bem conseguida e que cria dificuldades acrescidas aos peritos que não possuíam quaisquer documentos originais coincidentes com a data da alegada subscrição do contrato e da livrança (1998).
E se na maioria dos casos como os presentes existe uma convicção séria assente no relatório pericial de que as suas conclusões são validas, já no caso em apreço – e como acima se deixou exposto – a julgadora manteve sérias duvidas.
Essas dúvidas terão inevitavelmente sido colocadas por todos os presentes em audiência na audição das declarações de parte e na firmeza com que o executado explicou que não conhecia os coexecutados e que adiantou ter sido alvo de furto à época da alegada subscrição do contrato.
Por outro lado existem alguns elementos apostos no contrato que não são plausíveis de terem sido apostos caso o executado houvesse avalizado a nível pessoal a dita livrança como sendo o facto de constar como “solteiro” quando o mesmo é “casado” e quando a morada constante do contrato não coincide com a sua morada pessoal.
Ademais, o executado nunca beneficiou da viatura adquirida nem tomou qualquer conduta que pudesse levar a crer ter conhecimento do contrato, como seja algum pagamento de alguma prestação.
Acresce não fez a exequente qualquer prova de que haja comunicado ao Executado – ao longo destes quase vinte anos passados desde o incumprimento do contrato (em 2001) – o incumprimento do mesmo, a sua resolução ou a tentativa de qualquer cobrança da divida em causa.
Assim as dúvidas suscitadas foram demasiados sérias para que o Tribunal pudesse julgar provado um facto em causa, pelo que entendemos ser de aplicar o estatuído no artigo 516.º do CPC.
De facto, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto observa-se a regra constante do art.º. 516º., do C.P.Civil – a dúvida razoável resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
E as razões supra expostas – firmeza e assertividade nas declarações do executado, cuja credibilidade foi essencialmente percetíveis com a imediação que o julgamento proporciona - deixa o julgador (objetivo e distanciado do objeto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto. Por todo o exposto, resultou não provado o facto da autoria da assinatura ter sido aposta pelo executado”.
O apelante insurge-se contra o segmento da decisão que desvalorizou o resultado do relatório pericial e na motivação do recurso insurge-se contra a relevância atribuída ao depoimento de parte transcrevendo excertos do depoimento que no seu entender demonstram a falta de sustentação de tais declarações. Considera que a prova pericial justifica a alteração da decisão, sugerindo que se julgue provado que a assinatura que consta no lugar indicado como avalista foi feita pelo punho do embargante.
Na matéria de facto a reapreciar está em causa apurar da genuinidade da assinatura aposta no rosto da livrança e junto da designação “avalista”, que a apelante atribui ao embargante e lavrada pelo seu punho, mas que o embargante considera que foi objeto de falsificação.
Os factos em análise reportam-se a 07 de julho de 1998, data em que supostamente o embargante apôs a assinatura no verso da livrança e foi celebrado o contrato de financiamento, com entrega da livrança em branco.
Na apreciação da prova o juiz do tribunal “a quo”, na dúvida e com fundamento no art. 414º CPC[8], julgou não provada a matéria alegada pelo apelante.
Estando em causa apurar da genuinidade da assinatura aposta no lugar indicado como “avalista” e recaindo sobre o apelante-exequente o ónus da prova de tal matéria, por ser quem apresentou o documento (art. 374º/2 CC), o único facto a apurar consiste em saber se o embargante pelo seu punho apôs a referida assinatura na livrança.
Dispõe o artigo 374.º, n.º 2, CC., que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
Como referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA[9], “[a]o contrário do que sucede com os documentos autênticos, os documentos particulares não provam, por si sós, a genuinidade da sua (aparente) proveniência. A letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram, neste caso, como verdadeiras, se forem expressa ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais. Havendo impugnação, é ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada; e terá de fazê-lo, mesmo que o impugnante tenha arguido a falsidade do texto e assinatura, ou só da assinatura”.
Segundo estes AUTORES[10] “[o] significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar como deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto”.
Trata-se, pois, de saber quem suportará as consequências negativas da falta de prova de determinando facto.
Assim, se o executado impugnar a autoria da assinatura que lhe é imputada, constante do título executivo, cabe ao exequente provar que aquela é efetivamente da sua autoria.
Neste sentido, entre outros, podem consultar-se Ac. Rel. Porto 15 de novembro de 2011, Proc. 6322/08.5YYPRT-A.P1 (www.dgsi.pt.), Ac. STJ 09 de fevereiro de 2011, Proc. 2971/07.7TBAGD, Ac. STJ 16 de junho de 2005, Proc. 04B660, (ambos em www.dgsi.pt.) e Ac. Rel. Porto 28 de setembro de 2006, Proc. 0634730 e Ac. Rel. Lisboa, de 29 de junho de 2004, Proc. 2205/2003 (ambos em www.dgsi.pt).
Cumpre então considerar se a prova pericial requerida pelo apelante se mostra idónea, só por si, para julgar provada a matéria de facto impugnada.
Quanto à relevância da prova pericial referiu-se na sentença: “[a] Exequente possui “a seu favor” o relatório pericial cuja conclusão apresenta um parecer positivo quanto á subscrição da livrança pelo executado e com um grau significativo. E não se põe em causa a idoneidade do referido relatório.
Contudo, e apesar da conclusão obtida, os próprios peritos assumiram a dificuldade do exame comparativo quando referem que as doze assinaturas genuínas deste tipo apenas uma consta como original pelo que o exame comparativo apresenta à partida dificuldades (..)” – sublinhado nosso - cfr fls. 125.
O grau de semelhança entra as assinaturas não descura a possibilidade da mesma ser uma falsificação bem conseguida e que cria dificuldades acrescidas aos peritos que não possuíam quaisquer documento originais coincidentes com a data da alegada subscrição do contrato e da livrança (1998).
E se na maioria dos casos como os presentes existe uma convicção séria assente no relatório pericial de que as suas conclusões são validas, já no caso em apreço – e como acima se deixou exposto – a julgadora manteve sérias dúvidas”.
Nos termos do art. 388º CC a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
Como refere o Professor ANTUNES VARELA: “[…] a nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspetiva de factos, mas pode trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta.
[…] Essencial, em princípio, para que haja perícia, é que a perceção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, seja qual for a natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desses conhecimentos”[11].
O art. 389º CC estatui que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos.
Como referem os Professores PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA:”[o] tribunal pode afastar-se livremente do parecer dos peritos, sem necessidade de justificar o seu ponto de vista, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde das conclusões dele ou dos raciocínios em que elas se apoiam, quer porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos invalidem, a seu ver, o laudo dos peritos”[12].
Atenta a matéria a apreciar que se prendia com a genuinidade de uma assinatura, a prova pericial merece no caso concreto uma particular relevância, dada a natureza técnica da questão a analisar em que estava em causa comparar duas assinaturas e se as mesmas seriam da autoria da mesma pessoa. A perceção desses factos assenta em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem dada a natureza científica e técnica dos conhecimentos em causa.
O facto do juiz do tribunal “a quo” não atribuir particular relevo a este meio de prova não merece censura, porque o mesmo é apreciado livremente pelo tribunal. Contudo, os motivos que indica para não dar relevância a este meio de prova não têm apoio na prova produzida, porque a mesma não pode ser valorada com o sentido que foi atribuído.
O exame pericial foi elaborado por NCForenses-Ciências Forenses, no Porto e por dois peritos - “Mestres” - que declararam realizar o exame sob compromisso de honra.
No referido relatório e em sede de “exame comparativo entre as assinaturas genuínas de E… e a assinatura contestada” observa-se:”[c]onforme exposto no ponto anterior, a assinatura contestada é principalmente comparável com as assinaturas genuínas do tipo completo e legível, que envolvem a escrita em estilo cursivo de “E…”. Como tal, o exame comparativo apresenta à partida dificuldades, uma vez que das doze assinaturas genuínas deste tipo apenas uma consta como original (DG13), sendo as restantes reproduções (DG2 a DG12).
Assim, o exame comparativo prosseguiu com as dificuldades inerentes e incidiu sobre elementos de ordem geral e de pormenor”.
Contudo, tal limitação não constituiu obstáculo à realização do exame.
Para esse efeito, os peritos tiveram acesso ao documento contestado e a documentos apresentados como genuínos para comparação: procuração que consta dos autos, recolha de autógrafos efetuada em 26 de junho de 2020 realizadas no laboratório pericial e fotocópias dos pedidos de cartão de cidadão e bilhete de identidade do embargante que se reportam a 1977, 1981, 1987, 1993, 1996 e 2001 e reproduções de duas assinaturas dos pedidos de cartão de cidadão dos quais consta a escrita de assinatura do embargante reproduzida em fotocópia. Contudo, mostrou-se relevante, por ser original, a assinatura constante da procuração junta aos autos, com data de 2018.
Para realizar o exame os peritos procederam à análise do documento contestado com equipamento vídeo comparador espectral VSC400, nomeadamente no local da assinatura contestada, o qual não revelou a presença de marcas relevantes de escrita nem qualquer indícios de alterações, rasuras, obliterações ou indícios de decalque indireto através de sulcos, linhas guia ou papel químico.
No exame comparativo entre a escrita da assinatura contestada e das genuínas, partindo dos elementos gerais para os de pormenor anotaram-se as seguintes semelhanças nos elementos gerais: no grau de evolução, na fluência e velocidade de escrita, inclinação, graus de angulosidade e curvatura e dimensão relativa.
Na análise de pormenor anotaram-se as seguintes semelhanças:
- forma e génese da letra F em E1;
- forma e génese da conexão das letras em Fi, em E1…;
- forma e génese da conexão da letra n, em E1…;
- forma e génese da letra o, em E1…;
- dimensão relativa das letras FC em E2…;
- forma e génese do acento, em E3…;
- forma e génese da letra a, em E3…;
- forma e génese da letra r, em E3…;
- forma e génese da letra F, em E4…;
- forma e génese da letra r, em E4…;
- dimensão relativa das letras FC em E5…;
- forma e génese da letra C, em E6…;
- posição relativa do topo das letras CZ, em E6….
Juntaram-se vários quadros com a demonstração e anotação de todas as semelhanças apontadas.
Conclui o relatório pericial:
“Face aos princípios do Método Comparativo de Análise de Escrita, apesar das dificuldades inerentes aos presente exame, a interpretação dos resultados obtidos permite afirmar que os hábitos gráficos de E… estão presentes na escrita da assinatura contestada, aposta em DC1”.
Em sede de “ Conclusão” refere:
“Assim, considera-se como muito provável a verificação da hipótese da escrita da assinatura contestada, aposta em DC1, ter sido produzida por E…”.
Na tabela de significância a expressão ”muito provável” corresponde ao segundo item da tabela a contar do topo da escala de probabilidade, logo a seguir a “probabilidade próxima da certeza cientifica ser”, seguindo-se por ordem decrescente “provável ser”, “pode ser”, “não é possível formular conclusão”, “pode não ser”, “provável não ser”, “muito provável não ser”, “probabilidade próxima da certeza cientifica não ser”.
No exame pericial analisou-se a livrança que consta dos autos e estão em causa os mesmos factos que ao juiz cumpre apreciar. A conclusão que considerou “muito provável a verificação da hipótese da escrita da assinatura contestada ter sido produzida por E…” assenta em elementos objetivos de semelhança que estão devidamente comprovados, sendo certo que no equipamento vídeo comparador espetral não foram detetadas a presença de marcas relevantes de escrita nem qualquer indícios de alterações, rasuras, obliterações ou indícios de decalque indireto através de sulcos, linhas guia ou papel químico.
Na tabela de significância a consideração de “muito provável” situa-se mais próximo da “probabilidade próxima da certeza científica ser” do que “Probabilidade próxima da certeza científica não ser” ou de qualquer outro item que se revelasse inconclusivo.
Fazendo uma análise comparativa com as assinaturas recolhidas anotam-se na análise de pormenor semelhanças em várias letras, a mesma dimensão relativa e posição relativa do topo das letras que compõem a assinatura do embargante, para além de se verificarem nos elementos gerais semelhanças no grau de evolução, na fluência e velocidade de escrita, inclinação, graus de angulosidade e curvatura e dimensão relativa.
Entendemos, assim, que o facto dos peritos apenas disporem de duas assinaturas de comparação totalmente comparáveis não retira valor probatório à perícia, face á análise realizada e conclusões que se extraíram.
Nenhum outro elemento de prova foi produzido que invalide o resultado da perícia.
A restante prova produzida, com declarações de parte do embargante e depoimento da testemunha indicada pelo embargante, não merecem qualquer relevo probatório.
Considerou-se na sentença recorrida a propósito das declarações de parte e depoimento da testemunha:”
Na verdade, em sede de julgamento começou por prestar declarações de parte o executado E…, o qual se mostrou totalmente sincero, claro, franco e honesto nas declarações prestadas.
Ora, como se sabe e perante o que dispõe o art.º 466.º do C.P.C. vigente, é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, segundo a sua livre convicção.
E foi nessa análise crítica - que se impõe ao julgador efetuar - que se credibilizaram as declarações de parte do Executado.
É certo que o juiz não está munido de um detetor de mentiras que possa aferir se uma parte/testemunha fala a verdade ou mente. Contudo consegue-se – através do principio da imediação que só a audiência consente, e das regras da experiencia - atestar se existe nos depoimentos algum pormenor que possa pôr em causa a credibilidade da versão do autor/executado que no caso concreto não houve, antes pelo contrário. Os sentimentos manifestados pelo executado a depor, a emoção e espontaneidade com que respondeu as questões que lhes foram sendo colocadas - as quais foram corroboradas pelos demais pormenores pelo seu filho também inquirido – que também depôs de forma fidedigna - levaram-nos a crer que o executado prestou declarações genuínas quando afirmou de forma totalmente perentória que não assinou o título executivo.
De facto, E… afiançou de forma perentória que desconhecia os subscritores da livrança. Referiu que há cerca de 20 anos tinha sido vítima de um furto da sua carteira documentos e cheques o que lhe causou vários transtornos (designadamente por terem sido emitidos cheques seus sem que houvesse provisão) o que o levou a apresentar queixa na policia e prestado declarações no Ministério Publico em Gondomar.
Instado sobre se possuía documento comprovativo da queixa deduzida o mesmo afiançou que se dirigiu ao Tribunal mas que o informaram que não dispunham de suporte de queixas formuladas há cerca de 20 anos.
Disse ainda o executado que nunca teve ou conheceu qualquer veiculo que haja sido financiado com o contrato que fora junto pela Exequente e que á data dos factos era casado e não solteiro (como constava do dito contrato) bem como que a morada indicada não era a sua morada pessoal mas sim a de uma empresa da qual fora gerente.
Contou ainda que á data em que teria sido subscrito o contrato o executado já detinha vários problemas financeiros estando coartado o seu acesso à Banca, pelo que não compreendia como podia ter validado um contrato com um avalista sem acesso a crédito.
Todos estes factos foram corroborados pelo seu filho F… que depôs com isenção e credibilidade.
[…]
E se na maioria dos casos como os presentes existe uma convicção séria assente no relatório pericial de que as suas conclusões são validas, já no caso em apreço – e como acima se deixou exposto – a julgadora manteve sérias duvidas.
Essas dúvidas terão inevitavelmente sido colocadas por todos os presentes em audiência na audição das declarações de parte e na firmeza com que o executado explicou que não conhecia os coexecutados e que adiantou ter sido alvo de furto à época da alegada subscrição do contrato.
Por outro lado existem alguns elementos apostos no contrato que não são plausíveis de terem sido apostos caso o executado houvesse avalizado a nível pessoal a dita livrança como sendo o facto de constar como “solteiro” quando o mesmo é “casado” e quando a morada constante do contrato não coincide com a sua morada pessoal.
Ademais, o executado nunca beneficiou da viatura adquirida nem tomou qualquer conduta que pudesse levar a crer ter conhecimento do contrato, como seja algum pagamento de alguma prestação.
Acresce não fez a exequente qualquer prova de que haja comunicado ao Executado – ao longo destes quase vinte anos passados desde o incumprimento do contrato (em 2001) – o incumprimento do mesmo, a sua resolução ou a tentativa de qualquer cobrança da divida em causa.
Assim as dúvidas suscitadas foram demasiados sérias para que o Tribunal pudesse julgar provado um facto em causa, pelo que entendemos ser de aplicar o estatuído no artigo 516.º do CPC.
De facto, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto observa-se a regra constante do art.º. 516º., do C.P.Civil – a dúvida razoável resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
E as razões supra expostas – firmeza e assertividade nas declarações do executado, cuja credibilidade foi essencialmente percetíveis com a imediação que o julgamento proporciona - deixa o julgador (objetivo e distanciado do objeto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto. Por todo o exposto, resultou não provado o facto da autoria da assinatura ter sido aposta pelo executado”.
Em relação ao valor probatório das declarações de parte cumpre ter presente nos termos do art. 466º/1 CPC que as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados.
As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º/3 CPC.
Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que assentem em relato de terceira pessoa e ainda, aquela em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado.
Como refere FERNANDO PEREIRA RODRIGUES: “[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentais ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”[13].
LEBRE DE FREITAS a propósito do valor probatório das declarações de parte observa:” [a] apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[14].
O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova.
No caso presente em declarações o embargante para além de reproduzir o alegado no respetivo articulado trouxe para o tribunal um conjunto de factos complementares e instrumentais, mas que não têm suporte na restante prova produzida.
Em súmula referiu que não exerce qualquer profissão; está declarado insolvente; a empresa está declarada insolvente. Anteriormente estava ligado às artes gráficas.
Disse conhecer a embargada/exequente, porque “foi cliente tempos antes, mas sempre foi cumpridor”. Em relação aos coexecutados disse não saber quem são, nem nunca os ter conhecido. “Mudaram sempre de morada nas pesquisas que fez”.
Referiu que não assinou a livrança. Foi assaltado em Coimbra e levaram a mala com documentos de identificação e cheques. Os cheques foram utilizados em Coimbra. Levantaram em Coimbra e Aveiro, na compra de eletrodomésticos. Os cheques extraviados eram do Banco H….
Referiu, ainda, que a exequente telefonou a solicitar o pagamento da livrança, mas nunca pagou nada. Esclareceu que a exequente telefonou para entrar em negociações.
Referiu que tinha muitos problemas com o Banco e não tem conta bancária para mais de dez anos.
Depois referiu relacionado com o furto de documentos, que também teve problemas em Lousada, por causa de uma mota. Foi à Judiciária.
Repetiu o que constava do articulado, referindo que sempre viveu em Gondomar em morada diferente da indicada no requerimento executivo e encontra-se casado há 38 anos, apesar de o identificarem como solteiro no contrato. A morada indicada não está correta por ser a morada da empresa e nunca foi da habitação.
Referiu que nunca esteve na posse do veículo automóvel que está na base do contrato de financiamento; nunca assinou uma livrança e nunca teve boa saúde financeira. Disse, ainda, não conhecer a morada dos executados.
Confrontado com o resultado pericial, disse que a “assinatura difere um bocado”.
Voltou a repetir que “fez vários contratos com a B… e cumpriu sempre” e soube que era um veículo, porque lhe disseram que era um veículo. Não assinou o pacto.
Depois foi sucessivamente questionado pela senhora juiz sobre as circunstâncias em que ocorreu o furto e quando questionado sobre a data em que “foi assaltado”, disse “foi há algum tempo, mas não se lembra”. Depois referiu que foi ao Ministério Público depor. Apresentou queixa na Polícia, “quando tomou conhecimento através dos cheques devolvidos pelo Continente”.
Referiu que só tomou conhecimento do processo há um ano ou dois.
Questionado sobre os documentos que confirmam a queixa apresentada e natureza dos processos instaurados, disse, não conseguir os elementos junto do Ministério Público, porque já não tinham os elementos. Foram instaurados dois processos: um em Coimbra e outro em Felgueiras. Informaram-no que já não tinham os processos. Esclareceu que promoveu tais diligências por sugestão do seu advogado.
Questionado sobre a data em que ocorreram os furtos e confrontado com o facto do contrato ter sido celebrado em 1998, respondeu “talvez seja isso”.
Referiu, ainda, que foi ao Ministério Público em Gondomar com o número dos processos relativo às queixas e disseram-lhe que já não tinham em arquivo.
A testemunha F…, filho do declarante, identificou-se e declarou ter 36 anos.
A testemunha referiu que o pai não trabalha e anteriormente esteve ligado a artes gráficas. Está declarado insolvente e encontra-se casado há mais de 20 anos.
Referiu não conhecer os coexecutados e “pensa que o pai também não conhece”. Disse que trabalhava com o pai e por isso, estava ao corrente das relações comerciais e por isso, tem conhecimento que apenas mantinha relações comerciais com pessoas da área de Gondomar e não se deslocava para Aveiro.
Referiu que a morada indicada corresponde à morada de uma empresa do pai, “mas anterior a essa data” (não esclareceu se a data da livrança ou do contrato).
Esclareceu que o pai teve vários automóveis: Opel …, Alfa Romeu, VWagen …, carrinhas Ford …, Mercedes …. O pai gostava de automóveis grandes. Teve um Fiat numa empresa entre 2008-2009 que comprou usado e em Valongo.
Quanto ao veículo a que se faz alusão no contrato de financiamento – Vwagen … -, a testemunha disse que o pai nunca teve tal veículo.
Referiu, ainda, que os problemas financeiros do pai não lhe permitiam contrair a obrigação de avalista. Em 2000-2001 o pai não tinha capacidade de endividamento. Em 2001 quando foi para a Universidade pretendia comprar um automóvel, mas o pai não conseguiu arranjar financiamento e os problemas a partir daí pioraram sempre. A mãe funcionária pública suportou as despesas e já tinha uma penhora no vencimento nessa altura.
Referiu que nunca habitaram na rua ….
Sobre a concreta questão do furto, a testemunha disse que em …, Coimbra furtaram a carteira do interior do automóvel. Referiu que tentaram fazer compras em Coimbra e não aceitavam, porque era uma pessoa não grata, porque havia informação de cheques sem provisão. Tais factos ocorreram entre 1998-2001, quando ainda estava no secundário.
A respeito das diligências promovidas pelo pai, disse que “acho que apresentou queixa à polícia; sabe que existiu, mas não sabe exatamente o quê, o tipo de processo”.
Referiu, também, que o “pai tentou consultar, mas não teve acesso e não sabe porquê”. Disse não saber se foi o advogado do pai que lhe pediu para consultar os processos.
Questionado diretamente sobre se tinha conhecimento se o pai em 1998 concedeu uma garantia, respondeu não e que o pai não conhece os coexecutados.
A respeito do resultado da perícia disse que se trata de uma falsificação.
Por fim, referiu desconhecer se o pai tentou procurar os coexecutados.
Resulta das declarações de parte que o embargante não conhece os coexecutados. De igual modo referiu que em ocasião que não ficou bem definida ocorreu um furto de documento que estavam no interior do seu veículo, o que aconteceu em Coimbra, o que motivou a participação junto da polícia e a promoção de vários processos com intervenção do Ministério Público.
O declarante não juntou qualquer documento que comprovasse tais ocorrências, nem forneceu elementos que permitissem ao tribunal promover qualquer diligência. Também não resulta das declarações prestadas que os coexecutados estivessem associados a tais processos. A explicação que apresentou para não conseguir obter os elementos revela-se incompreensível, para além de não estar comprovada.
Por outro lado, decorre das declarações prestadas, que o embargante foi cliente da exequente e de acordo com o que afirmou em data próxima ou coincidente com a da celebração do contrato em apreço. De igual forma resulta das suas declarações que foi contactado pela exequente, por telefone, para resolver amigavelmente a questão objeto dos presentes autos, o que significa que o embargante tinha conhecimento da existência da livrança. Acresce que apesar de referir não conhecer os coexecutados, afirmou que promoveu diligências no sentido de apurar o seu paradeiro e que estes mudavam sucessivamente de residência, o que também não se mostra de todo consentâneo com a ideia que pretendeu transmitir de desconhecimento do negócio em causa, ficando por esclarecer o motivo que o levou a contactar os coexecutados.
A testemunha F…, filho do embargante, pouco ou nada revelou saber, sendo certo que em relação a certos factos que afirmou suscita-se sérias dúvidas sobre o real conhecimento dos mesmos.
Cumpre ter presente que a testemunha afirmou ter 36 anos (no mês de novembro do ano de 2020). Na data em que foi celebrado o contrato de financiamento – julho de 1998 – a testemunha teria 14 anos – e na data aposta como data de vencimento da livrança – 2003 – a idade de 19 anos.
Não será de todo normal que aos 14 anos a testemunha acompanhasse o pai nos seus negócios. Aliás, é a própria testemunha a afirmar que entre 1998-2001 estava no secundário e que entre 2000-2001 foi para a Universidade.
A testemunha apesar de se reportar a um furto que terá ocorrido em … (Coimbra) também não estabeleceu qualquer ligação entre tal furto e os coexecutados nestes autos. Acresce que revelou desconhecer as diligências promovidas pelo embargante para comprovar os alegados processos que foram instaurados ou participação policial.
Refira-se, ainda, que a testemunha apresenta uma versão algo contraditória sobre a situação económica do embargante, pois se, por um lado, refere que não gozava de boa situação económica a partir de 2001, por outro, dá conhecimento da natureza dos veículos automóveis que o embargante adquiriu ao longo do tempo, fazendo questão de sublinhar que o seu progenitor só gostava de automóveis grandes e indica: Alfa Romeu, VWagen … e Mercedes …, entre outros.
Verifica-se que as declarações prestadas pelo embargante não têm sustentação no depoimento prestado pela testemunha F… e prova documental junta aos autos e por isso, não podem constituir um meio de criar a dúvida sobre o valor da prova pericial.
O depoimento da testemunha G…, funcionário da exequente, apenas permite apurar as circunstâncias em que a livrança foi preenchida e apresentada a pagamento, por ser esse o conhecimento pessoal que a testemunha revelou ter dos factos.
Neste contexto e ponderando os vários meios de prova é de concluir que resulta demonstrado perante o resultado da prova pericial que o embargante assinou pelo seu punho a sua assinatura na qualidade de avalista, o que importa a alteração da decisão de facto no sentido de julgar provado o facto julgado não provado.
Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso.
-
Na análise das restantes questões cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados, constando em itálico a alteração introduzida por efeito da reapreciação da decisão de facto:
1. A exequente é portadora da livrança junta a fls. 32 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
2. A livrança em causa contem as seguintes inscrições: no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança a B…, SA, a quantia de oito mil, quinhentos e oitenta e um euros e vinte e sete cêntimos; local e data de emissão: Porto, 03.03.30; com vencimento a “03.04.19”; contendo duas assinaturas no local destinado à aposição da assinatura do(s) subscritor(es) uma delas com o nome C… e D… e uma assinatura no local onde esta inscrito “Avalistas” com o nome de E…” cfr. documentos que se encontra junta a estes autos principais a fls. 32 e cujo teor no demais se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Tal livrança ainda contém, no local destinado à identificação do beneficiário, a identificação da exequente.
4. A assinatura que consta no local de avalista e atribuída ao executado E… foi aposta pelo punho do embargante.
-
- Responsabilidade do avalista -
Tendo presente, a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º CPC, por efeito da alteração da decisão de facto cumpre apreciar as questões suscitadas pelo embargante na oposição e cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão proferida em 1ª instância e que consistem na apreciação da inexistência de pacto de preenchimento.
Com efeito, alegou o embargante que presume que a livrança dada à execução foi assinada em branco, sendo que o valor e os demais requisitos que da mesma constam foram preenchidos posteriormente. Alegou, ainda, que não assinou qualquer pacto de preenchimento, pelo que não existindo o mesmo a livrança não vale como título cambiário (art. 2º da LULL).
Cumpre assim apurar da responsabilidade do executado.
Tratando-se de uma execução baseada num título extra-judicial, os embargos podem ter como fundamento, além da “inexequibilidade do título” e das outras causas previstas no artigo 729º do Código de Processo Civil para a execução fundada em sentença, qualquer fundamento “que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração” (artigo 731º CPC).
Apurou-se que a exequente apresentou à execução em causa o documento junto aos autos de execução de que estes autos constituem um apenso, denominado “livrança”.
A livrança em causa contém as seguintes inscrições: no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança a B…, SA, a quantia de oito mil, quinhentos e oitenta e um euros e vinte e sete cêntimos; local e data de emissão: Porto, 03.03.30; com vencimento a “03.04.19”; contendo duas assinaturas no local destinado à aposição da assinatura do(s) subscritor(es) uma delas com o nome C… e D… e uma assinatura no local onde esta inscrito “Avalistas” com o nome de E…” cfr. documentos que se encontra junta a estes autos principais a fls. 32 e cujo teor no demais se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Tal livrança ainda contém, no local destinado à identificação do beneficiário, a identificação da exequente.
A assinatura que consta no local de avalista e atribuída ao executado E… foi aposta pelo punho do embargante.
Da conjugação destes factos resulta que o executado-embargante tem intervenção na emissão da livrança na qualidade de avalista.
O embargante não alicerçou a sua defesa na relação causal ou imediata e que está na origem da emissão do título, pelo que, a sua responsabilidade apenas pode ser apurada em sede de relação cambiária.
Com efeito, dispõe o art. 10.º da LULL, aplicável às livranças face ao estatuído no art. 77.º da mesma lei:
“Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
O preceito reporta-se à figura jurídica da “livrança em branco”, cujos requisitos indispensáveis são:
a) que no título se contenha já assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários;
b) que haja um acordo de preenchimento dos elementos restantes.
A livrança em branco deve ser preenchida em conformidade com o acordo de preenchimento, sem prejuízo dos direitos do portador estranho a esse mesmo acordo e de boa fé.
O pacto de preenchimento constitui o ato pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros[15].
Como expressivamente se refere no Ac. STJ 14 de dezembro 2006[16]: “[e]ste acordo que pode ser expresso ou induzir-se perante os factos que forem assentes reporta-se à obrigação cartular em si mesma, o que pode ou não coincidir com a obrigação que esta garante e que daquele é causal ou subjacente.
Mas ali valem, tão somente, os critérios da incorporação, literalidade, autonomia e abstração e não a “causa debendi“ bastando-se para a execução a não demonstração, pelo executado, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento, que pode ser invocado no domínio das relações imediatas.
Este princípio é válido para os avalistas, desde que tenham subscrito o pacto de preenchimento”.
Ponderando a particular natureza do aval, salienta-se no Ac. STJ 11.02.2010[17]: “[a]tenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as exceções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento.
Realmente, tendo em conta a natureza da obrigação do avalista, destinada à satisfação do direito do credor, se o avalizado pagar ou satisfizer de outro modo a sua dívida ao portador da letra, este não pode exigir do avalista um segundo pagamento.
O princípio da independência das obrigações cambiárias e da obrigação do avalista da do avalizado (arts. 7° e 32° da LULL) não obsta a que o avalista oponha ao portador a exceção de liberação por extinção da obrigação do avalizado (desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extinguiu a sua obrigação".
Pelo que, em princípio, o acordo de preenchimento apenas diz respeito ao subscritor da livrança e ao seu portador.
Não tendo o avalista, também e ainda em princípio, legitimidade para discutir questões relacionadas com o pacto de preenchimento.
A não ser que tenha também intervindo na sua celebração.
Podendo então opor ao portador, se a livrança não tiver entrado em circulação, ou seja, se não tiver saído do domínio das relações imediatas, não sendo, assim, detida por alguém estranho às relações extra-cartulares, a exceção do preenchimento abusivo“.
Conclui-se, assim, que o avalista enquanto parte no acordo de preenchimento pode opor ao portador da livrança, que não entrou em circulação, a desconformidade com o que tiver sido ajustado acerca do seu preenchimento e desta forma, não tem aplicação o regime do art. 10º LULL, na medida em que a questão coloca-se no âmbito das relações imediatas entre portador/ beneficiário do título e o avalista.
Daqui decorre que recai sobre o avalista o ónus da prova do pacto de preenchimento e o preenchimento abusivo, nos termos do art. 342º/2 CC, por constituir um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do exequente.
Neste sentido, podem consultar-se, ainda, Ac. Rel Porto 03 de abril de 2014, Proc.1033/10.4TBLSD-A.P2; Ac. Rel. Porto de 03 de junho de 2014, Proc.448/11.5TBPRG-A.P1, Ac. Rel. Porto 05 de maio de 2014, Proc.3862/11.2TBVNG-A.P.1; Ac. Rel. Lisboa de 08 de outubro de 2015, Proc. 607/10.8TCFUN-A.L1-6; Ac. STJ 15 de maio de 2014, Proc.1419/11.7TBCBR-A.C1.S1; Ac. STJ 10.09.2009- Proc. 380/09.2YFLSB, Ac. STJ 09.09.2008 - Proc. 08A1999, Ac. STJ 17.04.2008 – Proc. 08A727, Ac. STJ 23.09.2003 – Proc. 03A2211, Ac. STJ 04.03.2008 – Proc. 07A4251, todos disponíveis em www.dgsi.pt
No caso presente, o executado não só não alega que foi interveniente na celebração do contrato que está na origem da emissão da livrança, como também não refere ser interveniente no pacto de preenchimento e que o preenchimento da livrança não obedeceu ao respetivo pacto. Limitou-se a alegar de forma conclusiva não assinou qualquer pacto de preenchimento, pelo que não existindo o mesmo a livrança não vale como título cambiário (art. 2º da LULL), o que se mostra irrelevante.
Neste sentido se pronunciou o Ac. Rel. Porto 09 de abril de 2013, Proc. 199/12.3YYPRT-A.P1 quando observa:
“[…]no caso em apreço, o oponente assume claramente que:
- não outorgou o contrato subjacente à subscrição da livrança;
- não assinou qualquer pacto de preenchimento;
Ora, tais factos colocam-no claramente fora do âmbito de quaisquer relações imediatas que pudessem legitimar a invocação de um preenchimento abusivo: se ele não interveio em tais contratos ou acordos, o avalista não é sujeito de tal relação e, como tal, não se poderá falar na existência de uma relação “imediata” entre si e o credor do avalizado.
Por outro lado, a situação por si alegada também não configura propriamente um preenchimento abusivo.
Este pressupõe o preenchimento “contrariamente aos acordos realizados”, ou seja, a existência de um acordo quanto ao modo como há de efectuar-se o preenchimento do título e um preenchimento em violação de tais acordos.
Ora, o facto alegado pelo oponente – desconhecimento das cláusulas do contrato celebrado entre o avalizado e o banco credor ou desconhecimento sobre se o preenchimento da letra foi ou não autorizado – não configura uma situação de preenchimento abusivo.
E, como é jurisprudência igualmente pacífica, a exceção de preenchimento abusivo, como exceção de direito matéria que é, deve ser alegada e provada pelo executado, nos termos do nº2 do art. 342º, do Código Civil”.
Não admitindo o embargante a sua intervenção na relação imediata e situando-se a sua obrigação no estrito domínio da relação cambiária entre avalista e portador do título apenas poderia defender-se invocando o pagamento ou um qualquer vício de natureza formal.
Desta forma, no domínio da relação cambiária o embargante-executado e aqui apelado responde com os demais coobrigados pelo pagamento da quantia titulada pela livrança.
O avalista surge na relação cambiária porque por ato de vontade assumiu a garantia da relação cartular apondo a sua assinatura no título. Na qualidade de avalista está obrigado a garantir o pagamento do título, solidariamente, com os demais obrigados. O avalista é responsável no lugar do avalizado nos termos e na medida em que este seria responsável, como decorre do disposto nas disposições conjugadas dos art.30º, 32º, 47º, 77º LULL.
Conclui-se, assim, que na qualidade de avalista e garante do cumprimento da relação cartular, o embargante é responsável pelo pagamento da livrança dada à execução.
Procedem as conclusões de recurso e em conformidade revoga-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente os embargos à execução.
-
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelado-embargante.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e nessa conformidade:
- julgar procedente a reapreciação da decisão de facto, com introdução nos factos provados do seguinte facto e consequente eliminação dos não provados:
4. A assinatura que consta no local de avalista e atribuída ao executado E… foi aposta pelo punho do embargante.
- revogar a sentença e julgar improcedentes os embargos de executado, prosseguindo a execução os ulteriores termos.
-
Custas a cargo do apelado-embargante.
*
Porto, 20 de setembro de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
___________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[4] ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[5] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 569.
[6] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[7] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[8] O presente processo de embargos de executado foi instaurado em 09 de abril de 2018. Nos termos do art. 6º /4 da Lei 41/2013 de 26 de junho aplica-se aos embargos o novo regime do processo civil, porque o procedimento foi instaurado depois da entrada em vigor de tal diploma. Desta forma, a referência que na sentença se faz ao art. 516º CPC deve considerar-se como sendo ao art. 414º CPC, cuja redação é idêntica, por ser a norma em vigor.
[9] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora-grupo Wolters Kluwer, Coimbra, 2011, pag. 331;
[10] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, ob. cit., pag. 306
[11] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pag. 576, 578.
[12] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, ob. cit., pag. 340
[13] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES Os meios de prova em Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 72
[14] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 278
[15] Cfr. Ac. STJ 11.02.2010 – Proc. 1213-A/2001.L1.S1 – www.dgsi.pt
[16] Ac. STJ 14 de dezembro de 2006, Proc. 06A2589 – www.dgsi.pt
[17] Ac. STJ 11.02.2010 – Proc. 1213-A/2001.L1.S1 – www.dgsi.pt