Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
290/07.8IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA PENA
CONDIÇÃO
Nº do Documento: RP20150429290/07.8IDPRT.P1
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em obediência ao artº 14º1 RGIT não pode a pena de prisão em que o arguido foi condenado pela prática de crimes tributários ser suspensa sem que se estabeleça como condição dessa suspensão o pagamento das quantias de que se apropriou.
II - Tal norma não viola os princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, pois o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão, sempre pode haver melhor fortuna e a revogação da suspensão depende de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição.
III - A doutrina do AFJ nº 8/2012 só é aplicável quando o crime tributário é punível com pena de prisão ou outra pena não privativa da liberdade.
IV - Estando em causa o crime de fraude fiscal tributária punível apenas com pena de prisão não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 290/07.8IDPRT.P1
Instância Local de Felgueiras – Secção Criminal – J1 – Comarca do Porto Este

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
Na Instância Local de Felgueiras – Secção Criminal – J1 – Comarca do Porto Este, no processo comum singular nº 290/07.8IDPRT, foram submetidos a julgamento, entre outros, os arguidos B… e C…, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo o despacho de pronúncia procedente e em consequência:
1) condeno o arguido C…, como autor material, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos arts. 103, nº1 als. a) e c), 104º, nº 1, al. a) e g), nº 2 e nº3 da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (R.G.I.T.), na pena de pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).
2) condeno o arguido D…, como autor material, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos arts. 103, nº1 als. a) e c), 104º, nº 1, al. a) e g), nº 2 e nº3 da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (R.G.I.T.), na pena de pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).
3) condeno o arguido B…, como autor material, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos arts. 103, nº1 als. a) e c), 104º, nº 1, al. a) e g), nº 2 e nº3 da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (R.G.I.T.), na pena de pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).
4) Julgo extinto o procedimento criminal relativamente à sociedade “E…, Lda.”.
5) condeno os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P..
Após trânsito, boletins à D.S.I.C..
Notifique e deposite (art. 373.º, n.º 2, do C.P.P.).
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Inconformados com a decisão, os arguidos B… e C… vieram interpor recurso (independentes).
O arguido B… terminou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1- A condição de suspensão da execução da pena de dois anos e seis meses de prisão imposta ao arguido de, no período de 5 anos, pagar a quantia de € 89.987,82 à Administração Fiscal (Estado Português), não pode manter-se porquanto o Tribunal omitiu um juízo de prognose relativamente à possibilidade ou não, por parte do mesmo, do cumprimento da indicada condição.
2- Escolhida pelo Tribunal a pena de prisão e optando-se depois pela substitutiva suspensão da execução de tal pena, há que ponderar ou não a razoabilidade da condição imposta, considerando-se a concreta e real situação de vida do arguido, maxime, a sua situação económica, em termos de ser de exigir o seu cumprimento.
3- Assim se decidiu no acórdão do STJ n.º 8/2012, D.R. n.º 206, Série I de 2012-10-24 que fixou jurisprudência no sentido de que «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. 110 artigo 105.°, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.°, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.°, n.º 1, do RGTT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia».
4- Em idêntico sentido, refira-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/02,12014 (in dgsi), segundo o qual "O artigo 14.°, n.º 1, do RGIT deve ser interpretado conjugadamente com o artigo 51.°, n.º 2, do Código Penal, do que resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão quando do juízo de prognose realizado resultar que existem condições para que essa obrigação possa ser cumprida. "
5- Isto é, necessário se torna um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura.
6- Constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379º, n.ºs 1, al. c), e 2, do Cód. Proc, Penal.
7- No presente caso, quanto ao arguido B…, conforme resulta da matéria considerada provada no ponto 30, e supra transcrita, resulta que o arguido se encontra inserido, auferindo como rendimento a sua reforma no valor de 417,00€, tendo a seu cargo as despesas do quotidiano, com eletricidade, água, gás, alimentação e vestuário, que lhe diminuem esse rendimento disponível.
8- Resulta também, como se disse, que o arguido tem idade avançada - 72 anos (nascido a 07/10/1942) -, e a 4.a classe como escolaridade, não sendo portanto de prever que o seu rendimento possa no futuro aumentar ou a sua situação socioeconómica ver-se alterada ...
9- Na sentença recorrida, foi condição da suspensão o arguido pagar a quantia de 89.897,82€ no prazo de cinco anos, a que corresponde, por mera operação aritmética, o montante de 1.498,30€ mensais!...
10- Atendendo à situação económica do arguido - devidamente provada nos autos e também à situação económica atual que vivemos na nossa sociedade, forçoso será dizer que é uma condição praticamente impossível de cumprir!
11- E o Tribunal a quo bem sabe disso, mais sabendo que não será seriamente expectável que o arguido tenha no futuro condições económicas que lhe permitam amealhar a quantia de 89.897,82€ no prazo de cinco anos, atendendo até ao facto de estar reformado (e nessa medida afastado da vida ativa) e à sua idade ...
12- Pelo que, a imposição da indicada condição é manifestamente desproporcional face à dicotomia funções da pena/direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, violando assim o disposto nos arts. 13.°, 18.°, nº 2, 27.° da CRP e art.ºs 40.°, 50.°, n.° 1, 51.º, n.º 2, 70.º e 71.º, do Código Penal.
13- Ora, da formulação de um tal juízo de prognose pode resultar a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto, por não ter, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam
14- Nessa situação, a imposição de um tal dever representaria para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal.
15- Pelo que, deve-se interpretar conjugadamente o mencionado artigo 14.º, n.° 1, do RGIT e o artigo 51.°, n.º 2, do Código Penal, do que resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida.
16- No caso em apreço, tendo em conta o montante da dívida e as circunstâncias e condições de vida do arguido, não se pode exigir que o recorrente pague no prazo para o efeito estabelecido a quantia de 89.897,82€, ou mesmo uma parte dela.
17- Neste caso, a suspensão da execução da pena não deve ficar condicionada ao pagamento dos montantes em dívida à Fazenda Nacional.
18- Acresce que, o arguido B… não é sujeito passivo, direto ou indireto, do tributo cujo pagamento de parte do valor lhe foi condicionada no âmbito da suspensão da execução pena de prisão.
19- A Lei Geral Tributária identifica taxativamente os responsáveis tributários, in casu, as pessoas que exercem funções de administração ou gerência, de facto ou de direito, durante o período temporal mencionado no art.° 24.°, n.º 1, als a) e b).
20- Ora, esta vinculação tributária dos sujeitos passivos indiretos (normas de incidência subjectiva) encontra assento constitucional no art.° 13.º e 103.º da CRP, enquanto corolários dos princípios da igualdade e legalidade tributária.
21- O nº. 2 do arto.103.º da CRP vem consagrar a proibição de criação de tributos que não pelo legislador ordinário, explicitando assim um princípio que decorre do vetor da proteção da confiança ínsito ao princípio do Estado de Direito.
22- No caso em análise, os sujeitos passivos (indiretos) do tributo seriam os sócios gerentes da empresa E…, Lda, C… e D…, por força da já mencionada responsabilidade tributária, e desde que cumpridos os requisitos legalmente impostos à sua demanda, mormente, a insuficiência de património do sujeito passivo direto (ou devedor principal) E…,
23- Nunca o arguido B… responderia tributariamente pelo tributo em dívida pela mencionada sociedade, sob pena de violação daqueles imperativos constitucionais.
24- Responsabilizar criminalmente o arguido - ainda que em termos de condição para a suspensão da execução da pena de prisão - ao pagamento do IRC da sociedade E…, não sendo o mesmo o sujeito passivo, direto ou indireto, desse tributo, implica a criação duma incidência subjetiva de imposto que a Lei fundamental quis proibir e que o legislador ordinário, em obediência à mesma, não contemplou ...
25- Dito de outro modo, está o Tribunal a criar, por via judicial, um imposto, proibido pelo art.° 103.º n.º 2 da CRP e art.º 8.º da LGT, assim violados na sentença recorrida, além dos art.°s 18.º, n.º 3 e 4, 23.º e 24 da Lei Geral Tributária.
26- Assim, em face do supra exposto, violou a sentença recorrida as disposições dos arts. 40.º, 50.°, n.º 1, 51.º, n.º 2, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, art.° 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1 al. a) e c) e n.º 2 do Código de Processo Penal, e arts. 13.°, 18.°, n.º 2, 27.°, 103.º, n.º 2 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art.° 8.°, 18.°, n.º 3 e 4, 23.° e 24 da Lei Geral Tributária.
Nestes termos e nos demais de Direito, e que V.as Ex.» doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, e consequentemente ser a sentença recorrida revogada, mantendo-se a pena de prisão suspensa na sua execução, mas decidindo-se deixar a mesma de estar condicionada ao cumprimento do dever de pagamento da quantia de 89.897,82€ à Fazenda Nacional.
Assim fazendo, V.ªs Ex.ªs farão a costumada JUSTIÇA!
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O arguido C… terminou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1ª Sobe a V. Exas. o presente recurso interposto da sentença proferida a 16 de Outubro de 2014 pela Comarca do Porto Este, Felgueiras, Instância Local - Secção Criminal - Jl, que julgou o despacho de pronúncia procedente e, em consequência, condenou o agora recorrente C…, como autor material, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.o 1, alíneas a) e c), 104.º, n.o 1, al. a) e g), n.º 2 e n.º 3 da Lei n.o 15/01, de 5 de Junho (RGIT), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 5 anos, na condição daquele pagar em tal período a quantia de €89.897,82 à administração Fiscal (Estado Português), tudo nos termos do disposto no artigo 14.º do RGIT.
2ª Instituída e discutida a causa, resultou provado que "O arguido C… é solteiro e tem um filho maior de idade que estuda, encontra-se agora desempregado, mas faz umas horas e uns trabalhos de construção civil, auferindo, um rendimento mensal de cerca de €300 a €500, vive com o filho e uma companheira em casa arrendada e paga da renda a quantia mensal de €330,00, a companheira do arguido trabalha numa loja de roupa e aufere o salário mensal de €800,00, o arguido tem as despesas correntes com electricidade, água, gás, alimentação, vestuário e com os estudos do filho, tem a 4a classe como habilitações literárias, do seu CRC não constam antecedentes criminais."
3ª No que respeita à situação social e económico-financeira do recorrente, compulsados os presentes autos, nenhum outro facto - além dos referidos em 2a - resultou demonstrado.
4ª A priori é perfeitamente inviável, em face das reais e concretas condições económicas e financeiras do arguido ora recorrente, consideradas à data da respectiva condenação, o cumprimento da condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.
5ª A sentença de que ora se recorre encontra-se ferida de nulidade por falta de pronúncia da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
6ª O juízo de prognose da razoabilidade, no âmbito da condição a Que fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão é absolutamente essencial, sob pena de esta ser absolutamente desprovida de sentido ou alcance, Quando a priori resultar perfeitamente inviável, em face das reais e concretas condições económicas e financeiras do arguido, consideradas à data da respectiva condenação.
7ª Atento o facto de a suspensão da aplicação da pena de prisão estar no caso concreto condicionada ao pagamento dos benefícios indevidamente obtidos, a respectiva aplicação tem de obedecer a requisitos de adequação e proporcionalidade, sob pena de violação do disposto no artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal.
8ª A própria natureza jurídica do instituto de suspensão da pena impõe a realização de um juízo de prognose favorável ao recorrente, consubstanciado na esperança, fundada em factos concretos, de que este sentirá a sua condenação como uma advertência e de que não cometerá no futuro nenhum crime.
9ª Não se vislumbra fundamento precisamente para afastar a obrigatoriedade, quando está em causa a suspensão da execução da pena nos termos previstos no artigo 14.° do RGIT, que, muito pelo contrário, se impõe, sob pena de nulidade da correspondente decisão.
10ª O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Setembro de 2012 uniformizou jurisprudência no sentido preconizado pelo recorrente:
«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art. 105.°, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50.°, n.º 1, do CP, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o art. 14.°, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronuncie.»
11° É materialmente inconstitucional, por violação do artigo 205.º, n.o 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação das normas constantes nos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.o 2, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal e 14.º, n.º 1, do RGIT, no sentido de que não padece da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP a sentença condenatória que não especifica os fundamentos que presidiram à aplicação no caso concreto da suspensão da execução de pena de prisão condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos, omitindo um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal, por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
12a Além de entrar em conflito directo com jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.º 8/2012, de 12 de Setembro considerando que a sentença recorrida omitiu um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal, da suspensão da execução da pena, por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica -, violou a sentença proferida o disposto no artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, artigo 374.º, n.o 2, 375.º, n.o 1 e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser dado total provimento ao presente recurso e proferido acórdão, julgando nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.°, n.º 1, al. c) do CPP, assim se fazendo JUSTIÇA!
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Os recursos foram admitidos (cfr. despacho de fls. 1743).
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Em resposta aos recursos o Ministério Público concluiu que deve ser negado provimento aos mesmos.
Quanto ao recurso do arguido B…, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1. Ao contrário do que alega o arguido/recorrente, entende, porém, o Ministério Público, salvo o devido respeito que é muito, por opinião contrária, que inexiste qualquer condição desproporcionada e/ ou qualquer violação dos seus direitos liberdades e garantias constitucionais, na douta sentença proferida nos autos.
2. E isto porque o arguido/recorrente foi condenado numa pena efectiva de prisão (e não numa mera pena de multa), situação que implica necessariamente, atenta a gravidade dos factos e do crime pelo qual foi condenado e para que seja possível suspender a execução de tal pena de prisão (situação que sem dúvida é mais benéfica para o arguido) - na medida em que estamos perante crimes de natureza fiscal graves - a fixação da obrigatoriedade de o agente do crime, pelo menos, repor a situação fiscal de que beneficiou e/ ou em que o Estado ficou prejudicado, como forma de satisfazer as exigências de prevenção geral que a prática de tal crime pôs em causa e que no caso em análise são muito elevadas.
3. Por outro lado, e ao contrário do que é alegado, o M.º Juiz do Tribunal a quo indagou as condições socioeconómicas do arguido/recorrente e conjugou-as com o facto de resultar da prova produzida que o mesmo beneficiou dos proventos obtidos com a referida actividade económica, pelo que, pelos motivos já aduzidos, no mínimo, a prevenção geral obriga, no caso vertente, pelo menos, a que o agente do crime reponha a situação fiscal em causa.
4. Não olvidando, por último, que o citado acórdão de fixação de jurisprudência apenas se aplique ao crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido no artigo 105°, n.º 1, do RGIT, pelo que, assim sendo, a douta doutrina ali explanada não tem aplicação ao caso dos autos, na medida em que estamos na presença de um crime de fraude fiscal qualificada.
5. Ou seja, atendendo à gravidade do crime pelo qual foi condenado o arguido/recorrente (fraude fiscal qualificada, pelo uso de facturas falsas), às elevadas exigências ao nível da prevenção geral que o caso requerer, aos benefícios que o mesmo obteve com a sua conduta criminosa e ao facto de no caso em análise não se aplicar a doutrina vertida no douto acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º 8/2012, D.R. n.º 206, Série I, de 24/10/2012 (motivo pelo qual nem sequer foi ponderado no douro aresto recorrido), outra alternativa não tinha o M.º Juiz do Tribunal a quo para poder suspender a pena de prisão em que condenado ou o arguido, senão o sujeitar ao pagamento das quantias de natureza fiscal que o arguido/recorrente se tinha indevidamente locupletado. Até porque a única alternativa a tal situação. Isto é, no caso de se entender não ser de suspender a referida pena de prisão, mediante o pagamento da quantia fiscal em causa, seria a de condenar a prisão efectiva o arguido, situação - essa sim - talvez excessiva e violadora dos direitos e liberdades e garantias do visado.
6. Pelo exposto, a citada condição monetária, em que foi condenado o arguido/recorrente, nos presentes autos, nomeadamente a de pagar à Administração Fiscal, a quantia de 89.987,82 euros, no período de cinco anos, não é desproporcionada, nem ilegal, nem violadora dos seus direitos legais e constitucionais, nem tal condição está abrangida pelo estatuído no douto acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º 8/2012, D.R. n.º 206, Série I, de 24/10/2012, pelo que a douta sentença proferida nos autos não merece qualquer censura ou reparo, devendo a mesma se manter nos seus precisos termos.
7. Sobre o alegado pelo arguido/recorrente, nomeadamente que não pode responder por uma responsabilidade tributária que não lhe pertence, pois a mesma pertence aos sócios gerentes da empresa arguida "E…, Lda", no caso pertence aos arguidos C… e D…, pois caso assim se não entenda a lei estaria a criar, por via judicial, um imposto, o que não é legalmente admissível.
8. Sobre este fundamento do recurso cumpre apenas dizer que basta ler com atenção os pontos 7); 8), 12), 13) 14), 15), 16), e seguintes, da matéria de facto dada como provada na douta sentença proferida nos autos (e que não foi posta em crise pelo arguido/recorrente) para se concluir que o mesmo emitiu facturas falsas a favor da empresa "E…, Lda", as quais foram depois usadas pelos arguidos C… e D… na contabilidade daquela empresa, facturas emitidas e usadas em tal contabilidade com o conhecimento e a conivência do aqui arguido / recorrente.
9. Na verdade, após uma análise critica e criteriosa de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a qual mereceu toda a credibilidade, atento o princípio da imediação e da oralidade, o que conjugado com os restantes meios de prova e sinais colhidos no mesmo sentido, e ainda com base nas regras de experiência comum, aplicáveis ao caso e que estiveram na origem da matéria dada como provada na douta sentença proferida nos autos, outra alternativa não tinha o M.º Juiz, senão, concluir, como concluiu, que o arguido/recorrente incorreu na prática do crime pelo qual foi condenado, e por maioria de razão, o mesmo era, e é, também co-responsável pelo prejuízo causado ao Estado Português, com o citado esquema criminoso, e daí, obrigatoriamente, o mesmo ser co-responsável pela reposição das quantias de imposto em causa.
10. Motivos, pelos quais, foi o arguido/recorrente condenado na pena de prisão de dois anos e seis meses, suspensa na sua execução mediante a condição de pagar a referida quantia de 89.987,82 euros, não se tratando, portanto tal condição, um imposto encapotado ou ilegal, ao contrário do que alega no seu recurso.
11. Pelo exposto, e por maioria de razão, inexiste a invocada inconstitucionalidade da condição em que foi condenado o arguido/recorrente e muito menos a mesma é um imposto ilegal criado através de uma decisão judicial, pelo que, que a douta sentença proferida nos autos não merece qualquer censura ou reparo, devendo a mesma se manter nos seus precisos termos.

Quanto ao recurso do arguido C…, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1. Ao contrário do que alega o arguido/recorrente, entende, porém, o Ministério Público, salvo o devido respeito, por opinião contrária, que é muito, que inexiste qualquer condição desproporcionada e/ ou qualquer violação dos seus direitos liberdades e garantias constitucionais, na douta sentença proferida nos autos e muito menos, tal douta decisão, violou o estatuído no citado acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, de 12/09/2012.
2. E isto porque o arguido/recorrente foi condenado numa pena efectiva de prisão (e não numa mera pena de multa), situação que implica necessariamente, atenta a gravidade dos factos e do crime pelo qual foi condenado e para que seja possível suspender a execução de tal pena de prisão (situação que sem dúvida é mais benéfica para o arguido) - na medida em que estamos perante crimes de natureza fiscal graves - a fixação da obrigatoriedade de o agente do crime, pelo menos, repor a situação fiscal de que beneficiou, e/ ou em que o Estado ficou prejudicado, como forma de satisfazer as exigências de prevenção geral que a prática de tal crime pôs em causa e que no caso em análise são muito elevadas.
3. Por outro lado, e ao contrário do que é alegado, o M.º Juiz do Tribunal a quo indagou as condições socioeconómicas do arguido/recorrente e conjugou-as com o facto de resultar da prova produzida que o mesmo beneficiou dos proventos obtidos com a referida actividade económica, pelo que, pelos motivos já aduzidos, no mínimo, a prevenção geral obriga, no caso vertente, pelo menos, a que o agente do crime reponha a situação fiscal em causa.
4. Não olvidando, por último, que o citado acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, de 12/09/2012, apenas se aplique ao crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido no artigo 105°, n.º 1, do RGIT, pelo que, assim sendo, a douta doutrina ali explanada não tem aplicação ao caso dos autos, na medida em que estamos na presença de um crime de fraude fiscal qualificada.
5. Ou seja, atendendo à gravidade do crime pelo qual foi condenado o arguido/recorrente (fraude fiscal qualificada, pelo uso de facturas falsas), às elevadas exigências ao nível da prevenção geral que o caso requerer, aos benefícios que o mesmo obteve com a sua conduta criminosa e ao facto de no caso em análise não se aplicar a doutrina vertida no douto acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º 8/2012, D.R. n.º 206, Série I, de 24/10/2012 (motivo pelo qual nem sequer foi ponderado no douto aresto recorrido), outra alternativa não tinha, o M.º Juiz do Tribunal a quo, para poder suspender a pena de prisão em que condenou o arguido, senão o sujeitar ao pagamento das quantias de natureza fiscal que o arguido/recorrente se tinha indevidamente locupletado.
6. Até porque a única alternativa a tal situação. Isto é, no caso de se entender não ser de suspender a referida pena de prisão, mediante o pagamento da quantia fiscal em causa, seria a de condenar a prisão efectiva o arguido, situação - essa sim - talvez excessiva e violadora dos direitos e liberdades e garantias do visado.
7. Pelo exposto, a citada condição monetária, em que foi condenado o arguido/recorrente, nos presentes autos, nomeadamente a de pagar à Administração Fiscal, a quantia de 89.987,82 euros, no período de cinco anos, não é desproporcionada, nem ilegal, nem violadora dos seus direitos legais e constitucionais, nem tal condição está abrangida pelo estatuído no douto acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º 8/2012, D.R. n.º 206, Série I, de 24/10/2012, pelo que a douta sentença proferida nos autos não merece qualquer censura ou reparo, nem violou o disposto no artigo 51°, n.º 2, do CPO, artigo 374°, n.º 2, 375°, n.º 1 e 379°, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, devendo portanto a mesma se manter nos seus precisos termos.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal singular.
Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da sentença recorrida.
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados, respectiva motivação, bem como a fundamentação de direito, constantes da sentença recorrida (transcrição):
III – FUNDAMENTAÇÃO:
1) Instruída e discutida a causa, encontram-se já provados os seguintes factos:
1) A sociedade arguida “E…, Lda.” é uma sociedade por quotas, com o N.I.F. ………, com sede no …, …, Felgueiras, com o C.A.E. ….., tributada em sede de I.R.C. pelo exercício da actividade de “Construção de edifícios”, desde 23/10/1998, encontrando-se a mesma inscrita na Repartição de Finanças de Felgueiras em sede de I.V.A., no regime normal de periodicidade trimestral.
2) Desde o início da sua actividade, em 23/10/1998, a empresa arguida “E…, Lda.” foi gerida de facto e de direito pelo arguido C… e D….
3) Tendo tal exercício de funções de gerência, quer de direito, quer de facto da sociedade arguida “E…, Lda.”, por parte daqueles arguidos, se mantido de forma efectiva e activa, desde a sua fundação até ao dia em que a mesma foi declarada insolvente, por decisão de 10/03/2009, embora, apenas formalmente, na fase inicial da sua actividade, na matrícula comercial da Conservatória do Registo Predial e Comercial de Felgueiras tenha constado como seu sócio-gerente de direito o arguido D…, funções que assumiu e desempenhou até, pelo menos, ao dia 30 de Dezembro de 2005, data em que foi substituído, também apenas de forma meramente formal, em tal tarefa, por F….
4) Porém, e apesar dos dois arguidos gerirem de facto e de direito a empresa arguida “E…, Lda.”, porquanto ambos tinham conhecimento da sua gestão diária e participavam na sua gestão corrente, era o arguido C… quem tinha sempre a última palavra e tomava as decisões mais importantes, quer as relacionadas com tal sociedade, quer as relacionadas com as relações comerciais que a mesma tinha com as restantes sociedades arguidas e seus gerentes, no caso os arguidos melhores identificados nos autos, como era o caso, entre outras a sociedade extinta “G…, Lda.”.
5) Por sua vez, a sociedade extinta denominada “G…, Lda.”, é uma sociedade por quotas, pessoas colectiva com o N.I.F. ………, com sede no …, …, Felgueiras, com o C.A.E. ….., tributado em I.R.C. pelo exercício da actividade de construção de edifícios, sujeito passivo de I.V.A. enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, sendo os seus sócios os arguidos C… e D….
6) Por outro lado, o arguido C… é, respectivamente, pai e irmão dos sócios da sociedade arguida “E…, Lda.”, H… e F….
7) A sociedade denominada “I…, Lda.” foi uma sociedade por quotas, pessoa colectiva com o N.I.F. ………, com sede na Rua …, n.º .., Apartado n.º ., Esposende, com o CAE ….., tributada em I.R.C. pelo exercício da actividade de indústria de construção civil e empreitadas, reparação e construção de edifícios, sujeito passivo de I.V.A. enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, sendo o seu sócio-gerente o arguido B….
8) Esta sociedade “I…, Lda.” exerceu a sua actividade comercial e industrial desde o dia 1 de Setembro de 2004 até ao dia 6 de Dezembro de 2006, data em que foi registada a dissolução e encerramento da liquidação e cancelamento da matrícula.
9) Por sua vez, o arguido J… é um sujeito passivo, com o N.I.F. ……… e domicílio fiscal no …, …, Felgueiras, com o C.A.E. ….., tributado pelo exercício da actividade de “outras actividades e serviços”, que prestava a entidades terceiras, tendo, o mesmo exercido tal actividade desde o dia 05 de Dezembro de 2005 até ao dia 31 de Dezembro de 2006.
10) Por outro lado, o arguido K… é um sujeito passivo, com o N.I.F. ………, com domicílio fiscal na Rua …, …, …, Felgueiras, com o C.A.E. ….., tributado pelo exercício da actividade de “outras actividades e serviços”, que prestava a entidades terceiras tendo, o mesmo, exercido tal actividade desde o dia 28 de Novembro de 2005 até ao dia 3 de Agosto de 2007.
11) Igualmente, o denunciado e falecido L…, foi sujeito passivo, com o N.I.F. ………., com domicílio fiscal no … (…), Vizela, com o C.A.E. ….., tributado pelo exercício da actividade de “estucagem”, serviço que prestava a entidades terceiras e exerceu desde o dia 15 de Novembro de 2005 até ao dia 18 de Julho de 2007.
12) Por outro lado, o arguido M… é um sujeito passivo, com o N.I.F. ………, com domicílio fiscal no …, …, Felgueiras, com o C.A.E. ….., tributado pelo exercício da actividade de “revestimento de pavimentos”, que prestava a entidades terceiras e exerceu desde o dia 9 de Setembro de 2005 até ao dia 3 de Agosto de 2007.
13) Aproveitando os contactos que tinham entre si, provenientes das suas actividades comerciais na área da construção civil e outras actividades complementares, em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o início do ano de 2002, o arguido C…, em conjugação de esforços e de intenções com o arguido D…, ambos como representantes legais da sociedade arguida “E…, Lda.” e, com o arguido B…, à data como legal representante da sociedade “I…, Lda.”, bem como com a colaboração do falecido L…, combinaram, entre todos, um estratagema para inflacionarem artificialmente os custos do exercício da contabilidade daquela primeira sociedade arguida, de modo a que a mesma fosse tributada em sede de I.R.C. (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), em valor inferior ao devido, assim se locupletando de verbas a que não tinha direito.
14) Tal estratagema, consistia em incorporar na escrita comercial regular da sociedade arguida “E…, Lda.”, de forma sistemática e reiterada, facturas fictícias, pertencentes à empresa denominada “I…, Lda.”, à data gerida pelo arguido B… e aos arguidos J…, K… e M…, enquanto empresários em nome individual e ainda, da empresa do falecido L…, que documentassem transacções comerciais/fictícias e/ou prestações de serviços que não correspondiam efectivamente a trabalhos e/ou serviços prestados. 15) Para o efeito, a empresa “I…, Lda.”, através do arguido B…, no período compreendido entre os dias 30 de Novembro de 2004 a 31 de Dezembro de 2005, emitiu, forneceu e entregou a favor da sociedade “E…, Lda.”, as seguintes facturas: - facturas n.ºs 8 a 31 e 33 a 44, datadas de 10/01/2005 a 31/03/2005, no valor total de € 212.032,42, sendo assim o valor total do I.V.A. facturado no 1.º trimestre do ano de 2005 de € 33.853, com a designação genérica de prestação de serviços; - facturas n.ºs 32 (datada de 28/02/2005), 48 a 62 e 65 a 95, datadas de 30/04/2005 a 30/06/2005, no valor de € 311.418,14, sendo assim o valor total do I.V.A. facturado no 2.º Trimestre do ano de 2005 de € 46.220,44, com a designação genérica de prestação de serviços; - facturas n.ºs 99 a 111 e 114 a 123, 126 a 128, 130 a 134, 139 a 152, datadas de 31/07/2005 a 30/09/2005, no valor de € 334.643,91, sendo assim o valor total do I.V.A. facturado no 3.º trimestre do ano de 2005 de € 54.101,38 com a designação genérica de prestação de serviços; - facturas n.ºs 45, 154, 159 a 165, 167 a 174, 184 a 189, 195 a 199 e A1 a B1 (estas três facturas) datadas de 31/10/2005 a 31/12/2005, no valor total de € 301.774,04, sendo assim o valor total do I.V.A. facturado no 4.º trimestre do ano de 2005 de € 52.198,71, com a designação genérica de prestação de serviços.
16) Facturas essas que foram incorporadas na contabilidade daquela empresa arguida, para assim lograrem os arguidos alcançar os objectivos supra referidos.
17) Igualmente, com tal objectivo foi emitida em nome do arguido J… em 31/12/2005 e entregue a favor da sociedade arguida “E…, Lda.”, a factura com o n.º B1, pelo valor de € 3.90,00, mais I.V.A. no valor de € 648,90.
18) Também, com o mesmo objectivo, foi emitida em nome do arguido K… em 31/12/2005 e entregue a favor da sociedade arguida “E…, Lda.”, a factura com o n.º B1, pelo valor de € 2.320,00, mais I.V.A. no valor de € 487,20.
19) E, ainda, com o mesmo objectivo, o falecido L… emitiu, em 31/12/2005, forneceu e entregou a favor da sociedade arguida “E…, Lda.”, a factura com o n.º B1, pelo valor de € 2.320,00, mais I.V.A. no valor de € 487,20.
20) Para além, com o mesmo objectivo foi emitida em nome do arguido M… em 31/12/2005 e entregue a favor da sociedade arguida “E…, Lda.”, a factura com o n.º B1, pelo valor de € 20.280,00, mais I.V.A. no valor de € 4.258,80.
21) Finalmente, e visando também tal desiderato criminoso, também a empresa arguida “G…, Lda.”, através dos arguidos C… e D…, no período compreendido durante os meses de Março, Maio, Junho e Julho de 2002 emitiu, forneceu e entregou a favor da sociedade arguida “E…, Lda.”, as seguintes facturas: - facturas n.ºs 128, 148, 156 e 166, datadas de 31/03/2002, 29/06/2002 e 27/07/2002, no valor total de € 137.528,00, mais I.V.A. facturado no valor de € 24.657,72, com a designação genérica de obra realizada em …, Felgueiras.
22) Uma vez na posse das referidas facturas, a sociedade arguida “E…, Lda.”, através dos arguidos, seus representantes legais, C… e D… apesar de bem saberem que as mesmas não eram verdadeiras, incluíram-nas na sua contabilidade, registando-as e discriminando-as, para efeitos de declaração de I.R.C., que entregaram mais tarde na Repartição de Finanças de Felgueiras, assim incrementando artificialmente os custos do exercício anual dos anos de 2002, 2004 e 2005, nos montantes globais das facturas em causa e, consequentemente, diminuiu, na mesma proporção, o valor da sua matéria colectável.
23) Desta forma, a Administração Fiscal convenceu-se de que as facturas em causa eram verdadeiras e correspondiam a transacções comerciais e/ou prestação de serviços reais e consequentemente aceitou os montantes globais titulados pelas mesmas, como se tratasse de custos efectivamente suportados por tal sociedade nos referidos exercícios fiscais.
24) Para além, de com a declaração e apresentação de tais facturas à Administração Fiscal, nas suas declarações de I.V.A. relativas ao 4.º trimestre de 2004 e aos quatro trimestres dos anos de 2005, a empresa arguida “E…, Lda.”, através dos arguidos C… e D…, fez constar o imposto suportado em tais facturas, embora os mesmos soubessem que aqueles não correspondiam a serviços efectivamente prestados, assim alterando os valores de I.V.A. dedutível que devia constar correctamente das declarações fiscais apresentadas, aumentando-o.
25) Desta forma, a Administração Fiscal convenceu-se que as facturas em causa eram verdadeiras e correspondiam a transacções comerciais e/ou prestações de serviços reais e consequentemente aceitou o montante global titulado pelas mesmas, como se tratassem se custos de exercício efectivamente suportados por tal sociedade no referido exercício fiscal.
26) Os arguidos D…, C… e B… sabiam que os serviços discriminados nas facturas acima referidas não correspondiam a quaisquer transacções levadas a cabo, ou a prestações de serviços, e que as mesmas se destinavam apenas a serem incorporadas na contabilidade da sociedade arguida “E…, Lda.”, para assim aumentar os custos para efeitos de diminuição de tributação em sede de I.R.C., da referida sociedade.
27) Os arguidos D…, C… e B… agiram de forma voluntária e consciente, em conjugação de esforços, com a intenção de conseguirem uma vantagem patrimonial indevida para si próprios, como efectivamente conseguiram, bem sabendo que simultaneamente diminuíam as receitas do Estado Português, para além de terem, os identificados arguidos, plena consciência que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
28) Com recurso a tais facturas, e constantes dos factos dados como provados, a sociedade arguida “E…, Lda.” conseguiu diminuir o lucro tributável de I.R.C., no ano de 2002, uma vez que o lucro tributável nesse ano era no montante de € 17.720,98 e o IRC a pagar seria de € 3.008,93, mas o lucro tributável após as correcções correspondia ao montante de € 164.158,27 (acréscimo ao LT declarado de € 182.185,72 de custos documentados pelas facturas falsas, a que acrescem proveitos e custos não contabilizados), o que daria a quantia de € 51.333,24 de IRC a pagar após tais correcções, e a que corresponde uma vantagem patrimonial efectiva para a referida sociedade, neste ano, no montante de € 48.324,31 e; no ano de 2005, uma vez que o lucro tributável nesse ano era no montante de € 48.427,77 e o IRC a pagar seria de € 14.252,32, mas o lucro tributável após as correcções correspondia ao montante de € 1.014.443,35 (acréscimo ao LT declarado de € 966.015,58 de custos documentados pelas facturas falsas, a que acrescem proveitos e custos não contabilizados), o que daria a quantia de € 283.945,80 de IRC a pagar após tais correcções, e a que corresponde uma vantagem patrimonial efectiva para a referida sociedade, neste ano, no montante de € 269.693,48.
29) O IRC referente ao ano de 2002 foi pago na totalidade, bem como os respectivos juros e custas.
30) O arguido B…:
a) encontra-se judicialmente separado e tem dois filhos maiores de idade;
b) reside sozinho em casa própria;
c) encontra-se reformado e aufere a título de reforma a quantia mensal de € 417,00;
d) o arguido tem as despesas correntes com electricidade, água, gás, alimentação e vestuário e;
e) tem a 4.ª classe como habilitações literárias.
f) do seu CRC não constam antecedentes criminais.
31) O arguido D…:
a) é casado e tem dois filhos maiores de idade, sendo apenas um dos filhos sustentado por si que estuda;
b) encontra-se agora reformado, auferindo uma reforma no montante mensal de cerca de € 600,00;
c) vive com o seu agregado familiar em casa própria;
d) a mulher do arguido agora também se encontra reformada, auferindo uma reforma mensal de cerca de € 555,00;
e) tem as despesas correntes com electricidade, água, gás, alimentação e vestuário;
f) tem a 4.ª classe como habilitações literárias;
g) do seu CRC não constam antecedentes criminais.
32) O arguido C…:
a) é solteiro e tem um filho maior de idade que estuda;
b) encontra-se agora desempregado, mas faz umas horas e uns trabalhos de construção civil, auferindo, um rendimento mensal de cerca de € 300 a € 500;
c) vive com o filho e uma companheira em casa arrendada e paga de renda a quantia mensal de € 330,00;
d) a companheira do arguido trabalha numa loja de roupa e aufere o salário mensal de € 800,00;
e) o arguido tem as despesas correntes com electricidade, água, gás, alimentação, vestuário e com os estudos do filho;
f) tem a 4.ª classe como habilitações literárias.
g) do seu CRC não constam antecedentes criminais.
33) A Sociedade arguida “E…, Lda.”, conforme consta da certidão permanente do Registo Comercial junta aos autos, por apresentação datada de 30.04.2013 tem a sua matrícula cancelada.
Factos considerados como Não Provados:
Não se provou que:
1) Os arguidos I…, K… e M… em conjugação de esforços com os restantes arguidos combinaram um estratagema para inflacionarem artificialmente os custos do exercício da contabilidade da sociedade E…, Lda., de modo a que a mesma fosse tributada em sede de I.R.C. em valor inferior ao devido, assim se locupletando de verbas a que não tinha direito.
2) O arguido J… emitiu e entregou em 31/12/2005 à sociedade arguida E…, Lda. a factura com o n.º B1, pelo valor de € 3.090,00, mais I.V.A. no valor de € 648,90.
3) O arguido K… emitiu e entregou em 31/12/2005 à sociedade arguida E…, Lda. a factura com o n.º B1, pelo valor de € 2.320,00, mais I.V.A. no valor de € 487,20.
4) O arguido M… emitiu e entregou em 31/12/2005 à sociedade E…, Lda. a factura com o n.º B1, pelo valor de € 20.280,00, mais I.V.A.
5) Com as facturas descritas nos factos provados, a sociedade arguida E…, Lda. conseguiu diminuir o I.V.A. que entregou nos cofres do Estado Português, o qual se traduziu durante o ano de 2005, nos seguintes montantes: 1.º Trimestre - € 33.853,92; 2.º Trimestre - € 46.220,44; - 3.º Trimestre - € 54.101,38; - 4.º Trimestre - € 52.198,71.
6) Sendo o valor total de I.V.A. em falta de € 186,374,45 e, assim, obter à custa do Estado Português uma vantagem patrimonial indevida, correspondente à não tributação e consequente não pagamento dos impostos devidos referentes a tais exercícios económicos
7) Os arguidos I…, K… e M… sabiam que os serviços discriminados nas facturas acima referidas não correspondiam a quaisquer transacções levadas a cabo, ou a prestações de serviços, e que as mesmas se destinavam apenas a serem incorporadas na contabilidade da sociedade arguida “E…, Lda.”, para assim gerar os correspondentes créditos de I.V.A. e aumentar os custos de diminuição de tributação em sede de I.R.C., da referida firma.
8) Os arguidos J…, K… e M… agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, com a intenção de conseguirem uma vantagem patrimonial indevida para si próprios, como efectivamente conseguiram, bem sabendo que simultaneamente diminuíam as receitas do Estado Português, para além de terem todos, os arguidos, plena consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
9) quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, contestação ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.

3) Convicção do Tribunal:
Os factos considerados como provados, bem como a motivação para dar os mesmos como provados, resultaram da decisão constante do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, o qual confirmou os mesmos, limitando-se a reenviar o processo parcialmente para o apuramento das questões melhor referidas no mesmo.
Ou seja, os factos considerados como provados e não provados são os mesmos e são os que já constavam da sentença proferida, os quais não foram alterados pelo citado Acórdão, tendo sido confirmados pelo mesmo, e como tal transitaram em julgado.
Com efeito, o Tribunal, e na senda do decidido em tal Acórdão, apenas acrescentou aos factos provados o facto constante dos itens 28) e 29), os quais resultaram da prova carreada para os autos, nomeadamente da informação solicitada ao Serviço de Finanças de Felgueiras, constante de fls. 1273 a 1285, bem como na reinquirição da testemunha N…, inspector Tributário a prestar serviço na DF do Porto, o qual explicou, de uma forma clara e inequívoca, a referida informação prestada, e como chegaram aos valores constante de tal informação.
Foram ainda tidas em constas as declarações prestadas pelos arguidos quanto à sua actual situação sócio-económica e familiar.
Também foram relevantes os CRC’s dos arguidos bem como a certidão permanente do Registo Comercial da sociedade arguida junta a fls. 1664 a 1668.

IV- ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
A) Enquadramento jurídico-penal dos factos
Os arguidos B…, D…, C… vêm acusados da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 104.º, n.º 1, alíneas alínea e) e g), n.º 2 e n.º 3, todos da Lei n.º 105/2001, de 05/06 (RGIT), enquanto a sociedade arguida “E…, Lda.” é criminalmente responsável pela prática do referido crime, face ao disposto nos art. 7º e 8º do R.G.I.T., aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06.
Questão Prévia:
Foi junta aos autos a certidão do registo de matrícula da sociedade arguida “E…, Lda.” e constante de fls. 1664 a 1668, da qual consta o registo em 30.04.2013 da dissolução e encerramento da liquidação desta sociedade arguida e inscrição do cancelamento da matrícula.
Trata-se de uma questão prévia a apreciar e a decidir que impede a apreciação do mérito da causa quanto a esta sociedade arguida, cujo momento próprio para apreciar é este.
Esta questão reverte-se de inigualável simplicidade pois consubstancia jurisprudência unânime dos nossos Tribunais Superiores que o registo de dissolução e encerramento da liquidação de uma pessoa colectiva e o consequente cancelamento da sua matrícula, determina a sua extinção e, consequente, extinção da responsabilidade criminal, ver por todos, Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 09/02/2009, com o n.º de processo 2701/08-1, relator: CRUZ BUCHO, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jtrg.
Nesta medida e, sem mais considerações, julgo extinto o procedimento criminal relativamente à sociedade arguida “E…, Lda.”.
1. A qualificação jurídica dos factos:
Estatui o actual art. 103º do R.G.I.T, sob a epígrafe “Fraude” o seguinte, (já com as sucessivas redacções que lhe foram conferidas pelas Lei nº 60-A/2005, de 30.12 e Lei nº 53-A/2006, de 29.12 e Lei nº 64-A/2008):
“1 – Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais, susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 – Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000,00.
3 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”
Por sua vez, o artigo 104º do R.G.I.T., sob a epígrafe “Fraude Qualificada”, estatui o seguinte:
“1 – Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a € 50.000,00.
3) Se a vantagem patrimonial for de valor superior a € 200.000,00, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas.
4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.”
Diz a Constituição da República Portuguesa, no seu art. 103º, nº 1, que o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
Ou seja, os impostos visam, em primeira análise, a cobrança de receitas para o Estado. Mas estas receitas não são um fim em si mesmo. Com elas o Estado propõem-se fazer uma distribuição equitativa dos rendimentos. De forma que a todos possa ser assegurado um mínimo de condições materiais para poder desenvolver livremente a sua personalidade. Tarefa senão impossível, no mínimo muito difícil para aqueles que de parcos recursos financeiros dispõem. Assim, os impostos têm como objectivo primordial a realização de um ideal de solidariedade social.
É verdade que a todo o tempo é questionado se os impostos não são utilizados antes para o engordamento da própria máquina estadual, ao invés de o serem para a distribuição da riqueza. Mas se nalgum momento semelhante ideia pode espelhar mais fielmente a realidade, então caberá a todos exigir as correcções que se imponham. Pois não é uma distorção conjuntural que renega a legitimidade dos fins procurados com a intervenção fiscal.
Serve isto para dizer que a todos incumbe o dever de cumprir com as imposições fiscais. Trata-se de uma obrigação com sentido ético por procurar satisfazer, como se referiu, um dever de solidariedade social. Daí a legitimidade da intervenção penal perante situações de lesões de maior gravidade dos deveres fiscais. Repete-se, em causa não está tão simplesmente deixar de dar algum dinheiro, ou tirá-lo, a uma entidade que possui milhões. Mas eximir-se ao dever de solidariedade social que a todos, ou pelo àqueles que dela usufruem e que são a esmagadora maioria, incumbe.
Esta tarefa de cobrança dos impostos, tal como se encontra organizada, exige uma colaboração dos contribuintes com a administração fiscal sob diversos planos. O mais evidente é o do próprio pagamento dos impostos. Mas há também momentos anteriores em que tal se verifica. Relevo aqui para as obrigações declarativas dos contribuintes. A partir das quais a administração fiscal pode determinar qual o volume de receitas que pode arrecadar a cada contribuinte por cada tributo. Exige-se neste ponto, ao contribuinte, que colabore com lealdade declarando com verdade os factos com repercussão fiscal. Temos, pois, deveres de colaboração e de verdade declarativa essenciais para assegurar a arrecadação dos impostos.
Ora, é nesta violação dos deveres de colaboração e de verdade que assenta o crime de fraude fiscal previsto na norma acima transcrita, reunidos que estejam os demais requisitos legais. Daí que não se exija para o preenchimento do tipo legal que a conduta do agente provoque qualquer dano patrimonial. Isto é, que diminua as receitas dos impostos. Este resultado não está englobado na previsão típica. Basta a mera omissão de colaboração ou falta à verdade. Não é um crime material, antes um formal ou de perigo concreto.
O bem jurídico aqui tutelado relaciona-se com a defesa da verdade e transparência fiscal e, reflexamente, a tutela do património fiscal ou do Estado.
Assim, tem o sujeito passivo ou contribuinte um dever de verdade nas suas declarações fiscais, pois serão estas que servirão de base ao controle pela administração fiscal dos rendimentos tributáveis -como decorre do disposto nos art. 57.º e 66.º do CIRS, 16.º, 70, 96.º, 97.º do CIRC, 28. n.º 1, al. c), 40.º, n.º 1 e 82.º do CIVA.
São elementos deste crime:
a) objectivos: ocultação de factos ou valores fiscalmente relevantes ou celebração de negócio jurídico simulado.
A ocultação compreende aqui o encobrir, esconder ou não revelar pelo contribuinte de informações ou dados com vista a dificultar ou impedir a sua determinação ou controle pela administração fiscal, nas correspondentes declarações de impostos.
Cabe então referir que a referida ocultação ou alteração de factos ou valores através da falsificação ou viciação de livros e outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei fiscal é frequentemente realizada com recurso ao mecanismo das já vulgarmente chamadas "facturas falsas".
A este propósito, refere o Prof. Nuno Sá Gomes (in “os crimes essencialmente fiscais como crimes sui generis privilegiados, Ciência e Técnica Fiscal., n.° 376, pag. 49) que "os agentes das infracções utilizam, frequentemente, facturas falsas dolosamente emitidas, quer com o fim de majorarem os custos das respectivas actividades económicas com a consequente diminuição fictícia dos lucros empresariais (comerciais, industriais e agrícolas ou dos rendimentos de profissionais independentes sujeitos a tributação), quer ainda dirigidos à obtenção fraudulenta de reembolsos tributários indevidos”.
Assim, serão falsas as facturas, se surgirem como dizendo respeito a uma operação económica, total ou parcialmente inexistente.
Em suma, o documento é falso quando não corresponde à realidade, o que tanto pode ocorrer através de uma falsificação material, quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando exista alteração de elementos de documentos verdadeiros, bem como, através de falsificação intelectual ou ideológica quando o documento não reproduz com verdade o que se destina a comprovar, ou seja, trata-se de uma falsificação do conteúdo do documento (neste sentido, Maia Gonçalves, Cód. Penal Português, 8.ª ed., 1995, p. 820).
Deste modo e no caso de se tratar de uma factura, se esta surgir como que dizendo respeito a uma operação económica, total ou parcialmente inexistente, a mesma deverá ser considerada como um documento falso. E, no caso de se tratar de uma falsidade material poderá surgir a viciação das respectivas datas, texto ou assinaturas, enquanto a falsidade intelectual advirá da adulteração do conteúdo substancial desse mesmo documento, declarando factos ou operações inverídicas.
b) quanto ao elemento subjectivo, exige-se que o agente actue com intenção de obter vantagem patrimonial indevida, através de duas acções típicas descritas na norma legal em análise (ocultação ou alteração de factos ou valores ou celebração do negócio simulado), dirigidas a diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um benefício fiscal injustificado (neste sentido, Alfredo de Sousa, in "Infracções Fiscais não Aduaneiras, 3.ª ed., p. 87).
O dolo, ainda que eventual, é elemento essencial deste crime e há-de consistir na intenção de praticar “a ocultação ou alteração de factos ou valores” ou de celebrar negócio simulado”, com intenção de obtenção de vantagem patrimonial ilegítima –não pagamento de imposto, pagamento de menos imposto do que o devido realmente ou reembolso do imposto-, com a consequente diminuição das receitas tributárias.
No entanto, e segundo o mesmo autor (p. 88), não é necessário que o dolo tenha de abarcar o montante certo do imposto defraudado.
A intenção específica é sempre uma intenção de enriquecimento, que no caso será indevida uma vez que o agente sabe que não tem direito à mesma e esta é realizada à custa do património fiscal.
Além disso, torna-se necessária a existência de uma conexão entre o referido enriquecimento e esta diminuição económica.
Ora, da expressão referida no n.º 1, do art. 103º do R.G.I.T. ("susceptíveis de causarem ..."), poder-se-ia deduzir que estamos perante um crime de perigo concreto em que para a sua consumação não é necessário a verificação efectiva daquelas vantagens patrimoniais e a diminuição das receitas fiscais, bastando antes o reconhecimento de que aquelas condutas comportam uma possibilidade séria de verificação de tais consequências, surgindo, por isso, o património fiscal do Estado numa situação de insegurança (neste sentido, Alfredo de Sousa, ob. cit., p. 92; Nuno Sá Gomes, ob. cit., p. 234).
A vantagem patrimonial indevida ou ilegítima corresponde ao montante do imposto que o sujeito passivo pretendeu deixar de pagar ou então o valor com que se locupletou, em consequência da declaração defraudada ou da omissão da respectiva declaração tributária.
Por outro lado, o crime consuma-se - consoante o processo de tributação que é próprio de cada imposto-, no momento da realização da correspondente liquidação quer seja a operada pela administração fiscal, quer nos casos de auto-liquidação, como sucede com o IVA, o IRS e o IRC, mas aqui quando o contribuinte entrega a sua declaração na Repartição de Finanças ou para aí a envia.
Ora, no caso dos autos, resultou provado, e como resulta dos itens 1) a 25, e 28) que os arguidos, com a sua conduta, preencheram os elementos objectivos do ilícito imputado, e na sua forma qualificada – nº3 do art. 104º do R.G.I.T.-, já que todos agiram em conjugação e comunhão de esforços com o intuito de ludibriarem o Estado Português, causando um prejuízo ao mesmo, no montante de, pelo menos, € 269.693,48.
Face aos factos provados nos itens 26) e 27) dos factos dados como provados, resulta, igualmente preenchidos os elementos subjectivos deste tipo de ilícito.
A sociedade arguida é responsável, nos termos dos arts. 7º e 8º nº1 do R.G.I.T., uma vez que as referidas infracções foram cometidas pelos arguidos, seus legais representantes, em nome da mesma e no seu interesse colectivo.
Mais se entende que, não resultou provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
B) Consequências jurídicas do Crime:
1. Qualificados os factos, segue-se a determinação medida da pena:
De acordo com o actual do art. 104.º, da Lei 15/2001, de 05/06, “os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de 1 a 5 anos para a pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (…)”.
Acrescenta o nº3 da citada norma, que se a vantagem patrimonial for de valor superior a € 200.000,00, a pena é de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas.
E, de acordo com o art. 15º, da mesma Lei, “a cada dia de multa corresponde uma quantia entre € 1 e € 500, tratando-se de pessoas singulares, e entre € 5 e € 5 000, tratando-se de pessoas colectivas ou entidades equiparadas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.”
a) Cabe então referir que a determinação da medida da pena faz-se de acordo com os critérios do art. 71.º do Cód. Penal, considerando-se, sempre que possível, o prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional (art. 13º do Dec.-Lei acima referido).
b) Ora, nos termos do no 1 do art. 71º do Cód. Penal “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção”.
A culpa e a prevenção são assim, os critérios gerais reguladores da medida da pena. A culpa entendida como um juízo de censura dirigido ao agente, em virtude de uma atitude desvaliosa manifestada no facto, constitui o limite máximo que a pena em caso algum poderá ultrapassar.
O limite mínimo será fixado em função de considerações de prevenção geral positiva ou de integração, que se traduzem na necessidade de protecção dos bens jurídico-penais e de reafirmação das normas violadas.
Por outro lado, devem ter-se aqui em conta considerações de prevenção especial e de socialização, que visam evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. São estas considerações de prevenção especial de ressocialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
c) Cabe, pois, proceder à valoração dos concretos factores de medida da pena, tendo em conta os critérios da culpa e da prevenção acima referidos.
Arguido C…:
Assim, deve ter-se em conta que o arguido C… agiu com dolo directo, e ao actuar da forma descrita nos factos dados como provados, conseguiu obter, enquanto sócio e gerente da sociedade arguida “E…, Lda.” (desde o seu inicio), e através das facturas e da actuação melhor descritas nos factos dados como provados, e para a referida sociedade arguida, uma vantagem patrimonial, e relativa ao ano de 2005, no montante de € 269.693,48, e que consistiu na redução do IRC em tal quantia, a qual deveria ter sido pago ao Estado, e não o foi, fruto do estratagema delineado por este arguido, em conluio com os outros dois e as restantes pessoas referidas nos factos dados como provados. Ou seja, a sociedade arguida, e através deste arguido, obteve uma vantagem patrimonial, no ano de 2005 de € 269.693,68, correspondente ao IRS que deixou de pagar nesse mesmo ano; sabendo que ao actuar da forma descrita, iria prejudicar o Estado Português em tal montante, ao utilizar indevidamente na sua contabilidade as citadas facturas fictícias, e auferiu indevidamente, à custa do Estado Português, da quantia de IRS no valor global de € 269.693,18.
Por outro lado, a ilicitude da sua conduta é de intensidade elevada, tendo em atenção o desrespeito pelo prejuízo patrimonial que da sua conduta derivou para o Estado e o valor de que o mesmo integrou no património da sociedade da qual era sócio e gerente.
A favor do arguido depõe o facto de se encontrar minimamente inserido socialmente, e de não ter antecedentes criminais.
As exigências de prevenção geral revelam-se, assim, elevadas, atento o valor do imposto em causa nos autos – mais de 200 mil euros.
Conforme resulta do acima exposto, este tipo de ilícito, para as pessoas singulares é apenas punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, já que estamos perante a forma qualificada do mesmo, prevista no nº3 do art. 104º do RGIT.
Assim sendo, tudo ponderado e atentos os critérios dos arts. 70º, 71º e 79º, do Cód. Penal, bem como, a moldura abstracta referida do nº1 do art.104º, do R.G.I.T., entende-se condenar o arguido numa pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão.
Arguido D…:
Assim, deve ter-se em conta que o arguido D… agiu com dolo directo, e ao actuar da forma descrita nos factos dados como provados, conseguiu obter, enquanto sócio e gerente da sociedade arguida “E…, Lda.” (desde o seu inicio e até 30.12.2005), e através das facturas e da actuação melhor descritas nos factos dados como provados, e para a referida sociedade arguida, uma vantagem patrimonial, e relativa ao ano de 2005, no montante de € 269.693,48, e que consistiu na redução do IRC em tal quantia, a qual deveria ter sido pago ao Estado, e não o foi, fruto do estratagema delineado por este arguido, em conluio com os outros dois e as restantes pessoas referidas nos factos dados como provados. Ou seja, a sociedade arguida, e através deste arguido, obteve uma vantagem patrimonial, no ano de 2005 de € 269.693,68, correspondente ao IRS que deixou de pagar nesse mesmo ano; sabendo que ao actuar da forma descrita, iria prejudicar o Estado Português em tal montante, ao utilizar indevidamente na sua contabilidade as citadas facturas fictícias, e auferiu indevidamente, à custa do Estado Português, da quantia de IRS no valor global de € 269.693,18.
Por outro lado, a ilicitude da sua conduta é de intensidade elevada, tendo em atenção o desrespeito pelo prejuízo patrimonial que da sua conduta derivou para o Estado e o valor de que o mesmo integrou no património da sociedade da qual era sócio e gerente.
A favor do arguido depõe o facto de se encontrar minimamente inserido socialmente, e de não ter antecedentes criminais.
As exigências de prevenção geral revelam-se, assim, elevadas, atento o valor do imposto em causa nos autos – mais de 200 mil euros.
Conforme resulta do acima exposto, este tipo de ilícito, para as pessoas singulares é apenas punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, já que estamos perante a forma qualificada do mesmo, prevista no nº3 do art. 104º do RGIT.
Assim sendo, tudo ponderado e atentos os critérios dos arts. 70º, 71º e 79º, do Cód. Penal, bem como, a moldura abstracta referida do nº1 do art.104º, do R.G.I.T., entende-se condenar o arguido numa pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão.
Arguido B…:
Assim, deve ter-se em conta que o arguido B… agiu com dolo directo, e ao actuar da forma descrita nos factos dados como provados, emitiu, através da sociedade de que era o legal representante a sociedade “I…, Lda.”, facturas falsas e fictícias, as quais, eram incorporadas pelos outros dois aqui arguidos na contabilidade da sociedade arguida “E…, Lda.”, de modo à mesma e a todos, assim obterem, e da actuação melhor descritas nos factos dados como provados, e para a referida sociedade arguida, uma vantagem patrimonial, e relativa ao ano de 2005, no montante de € 269.693,48, e que consistiu na redução do IRC em tal quantia, a qual deveria ter sido pago ao Estado, e não o foi, fruto do estratagema delineado por este arguido, em conluio com os outros dois e as restantes pessoas referidas nos factos dados como provados. Ou seja, a sociedade arguida, com a actuação deste arguido, obteve uma vantagem patrimonial, no ano de 2005 de € 269.693,68, correspondente ao IRS que deixou de pagar nesse mesmo ano; sabendo que ao actuar da forma descrita, iria prejudicar o Estado Português em tal montante, e ao emitir as referidas facturas, sabendo que as mesmas iriam ser utilizadas indevidamente na contabilidade da sociedade arguida, auferiu indevidamente, à custa do Estado Português, da quantia de IRS no valor global de € 269.693,18.
Por outro lado, a ilicitude da sua conduta é de intensidade também elevada, tendo em atenção o desrespeito pelo prejuízo patrimonial que da sua conduta derivou para o Estado e o valor de que o mesmo, através da sua actuação conseguiu integrar no património da sociedade arguida “E…, Lda.”.
A favor do arguido depõe o facto de se encontrar minimamente inserido socialmente, e de não ter antecedentes criminais.
As exigências de prevenção geral revelam-se, assim, elevadas, atento o valor do imposto em causa nos autos – mais de 200 mil euros.
Conforme resulta do acima exposto, este tipo de ilícito, para as pessoas singulares é apenas punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, já que estamos perante a forma qualificada do mesmo, prevista no nº3 do art. 104º do RGIT.
Assim sendo, tudo ponderado e atentos os critérios dos arts. 70º, 71º e 79º, do Cód. Penal, bem como, a moldura abstracta referida do nº1 do art.104º, do R.G.I.T., entende-se condenar o arguido numa pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão.
Estabelece o art. 14º do R.G.I.T., o seguinte, e sob a epígrafe “suspensão da execução da pena de prisão”: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.”
Assim sendo e atento ainda o disposto nos arts. 50º, 51º e 52º do Cód. Penal e art. 14º do R.G.I.T., decide-se suspender as referidas penas de prisão, pelo período de 5 anos, na condição dos arguidos pagarem em tal período a quantia de € 269.693,48, correspondente à vantagem patrimonial pelos mesmos auferida, enquanto legais representantes da sociedade arguida.
Ora, como aqui a responsabilidade pelo pagamento não é solidária, mas antes individual, determina-se que tal pagamento seja efectuado em partes iguais por cada um dos arguidos, ou seja, cada um fica responsável pelo pagamento da quantia de € 89.897,82.
***
Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ [cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95].
Assim, face às conclusões apresentadas, ambos os recorrentes suscitam a questão atinente à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, cfr. art. 379º, nºs 1, alínea c) e 2, do Código de Processo Penal.
Os recorrentes impugnam, também, a condição a que a suspensão da execução da pena foi condicionada. Os arguidos insurgem-se contra a condição imposta à suspensão da execução da pena pelas seguintes razões:
- a suspensão da execução da pena não deve ficar condicionada ao pagamento dos montantes em dívida à Fazenda Nacional;
- a condição estabelecida é desproporcionada e desadequada, por violação do disposto nos arts. 13º, 18º, nº 2, 27º, da CRP e 40º, 50º, nº 1, 51º, nº 2, 70º e 71º, do Código Penal;
- dadas as suas condições de vida é inviável o estabelecimento de tal condição;
- a sentença recorrida, ao impor a condição da suspensão da execução da pena, não formulou o juízo de razoabilidade determinado pelo acórdão de fixação de jurisprudência 8/2012.
O arguido B… veio ainda invocar o facto de não ser sujeito passivo, directo ou indirecto, do tributo cujo pagamento de parte do valor lhe foi condicionado no âmbito da suspensão da execução pena de prisão, para concluir que a sua responsabilização criminal, implica a criação duma incidência subjectiva de imposto proibida (cfr. arts. 103º, nº 2 da CRP, 8º, 18º, nºs 3 e 4, 23º e 24º da LGT).
***
Aqui chegados, atentemos na primeira questão supra elencada, atinente à nulidade da sentença, suscitada por ambos os recorrentes.
Entendem os recorrentes que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
Alega o recorrente B… que “Escolhida pelo Tribunal a pena de prisão e optando-se depois pela substitutiva suspensão da execução de tal pena, há que ponderar ou não a razoabilidade da condição imposta, considerando-se a concreta e real situação de vida do arguido, maxime, a sua situação económica, em termos de ser de exigir o seu cumprimento. Isto é, necessário se torna um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura. Constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379º, n.ºs 1, al. c), e 2, do Cód. Proc, Penal.”
O recorrente C… alega que “a sentença recorrida omitiu um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal, da suspensão da execução da pena, por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica – violou a sentença proferida o disposto no artigo 51º, nº 2, do Código Penal, artigo 374º, nº 2, 375º, nº 1 e 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal”.
E prossegue, concluindo que “A sentença de que ora se recorre encontra-se ferida de nulidade por falta de pronúncia da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP. O juízo de prognose da razoabilidade, no âmbito da condição a que fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão é absolutamente essencial, sob pena de esta ser absolutamente desprovida de sentido ou alcance, quando a priori resultar perfeitamente inviável, em face das reais e concretas condições económicas e financeiras do arguido, consideradas à data da respectiva condenação”.
Vejamos se lhes assiste razão.
Sobre os requisitos da sentença dispõe o artigo 374.º do Código de Processo Penal e as nulidades da mesma estão enunciadas no artigo 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Nos termos do art.379.º, n.º1, al. c), do Código de Processo Penal, é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
É fundamental aqui realçar que a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” – Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 143.
É pacífico, também na jurisprudência, que esta nulidade não resulta da omissão de conhecimento de razões, mas sim de questões – cfr. entre outros, os acórdãos do STJ, de 9-3-2006, proc. n.º 06P461, (in www.stj.pt) e de 11-1-2000 ( BMJ n.º 493, pág. 385).
Revertendo para a sentença em crise verifica-se que os recorrentes e arguidos C… e B… foram condenados, como autores materiais, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, previsto e punível pelos arts. 103, nº1 als. a) e c), 104º, nº 1, al. a) e g), nº 2 e nº3 da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (R.G.I.T.), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão – medida da pena que não foi impugnada pelos mesmos -, suspensa na sua execução, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição de cada um deles pagar em tal período a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).
Assim, determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, a mesma pode ser objecto de substituição.
Dentro das penas de substituição em sentido próprio, temos a pena de multa (artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal) e as penas de suspensão de execução da prisão (art. 50.º do Código Penal) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58.º do Código Penal).
Há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art. 44.º do Código Penal), a prisão por dias livres (art. 45.º do Código Penal) e a prisão em regime de semidetenção (art. 46.º do Código Penal), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
Tendo em conta a natureza e os pressupostos de cada uma das diferentes penas substitutivas, damos a nossa concordância à seguinte ordem de ponderação:
Substituição da pena de prisão por:
1º - multa (artigo 43º);
2º - suspensão da execução da pena (artigo 50º);
3º - prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º);
4º- regime de permanência na habitação (artigo 44º);
5º - prisão por dias livres (artigo 45º);
6º - regime de semidetenção (artigo 46º).
Vejamos o caso concreto.
Considerando que aos arguidos/recorrentes foi aplicada uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que não foi por eles contestada, a única pena de substituição aplicável é a da suspensão da execução da pena (já que a medida da pena fixada pela sentença recorrida é superior a dois anos), que também não foi por eles contestada.
E assim decidiu o tribunal a quo, fazendo apelo ao disposto nos arts. 50º, 51º e 52º do Código Penal e, optando pela substituição da pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela pena de suspensão da execução da mesma.
Por outro lado, o artigo 14º, nº 1 do RGIT impõe obrigatoriamente a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão relativa a crimes tributários, ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, bem como de montantes indevidamente obtidos.
Foi o que se verificou no caso em apreço, assim, decidindo o tribunal a quo, fazendo apelo ao disposto no artigo 14º do RGIT.
E podemos dizer que a necessidade do juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado a que se reporta o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade.
O que não é o caso dos autos.
Pelo que, atento o exposto e analisada a sentença recorrida, não padece a mesma da invocada nulidade aludida no artigo 379, nº 1, alínea c), do mesmo Código.
Improcede, pois, este fundamento dos recursos.
Aqui chegados, cumpre analisar as questões restantes questões.
Sobre a desnecessidade/ilegalidade do estabelecimento de condição à suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do nº 1 do art. 14º do RGIT «a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa».
Conforme já referimos, o artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T. impõe obrigatoriamente a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão relativa a crimes tributários, ao pagamento das quantias acima referidas. Para além de ser esta norma que estabelece o limite máximo aplicável ao período de suspensão.
No caso sub judice, os arguidos recorrentes foram condenados a pagar a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).
Quer dizer que, a sujeição da suspensão da pena de prisão em que os arguidos foram condenados à condição do pagamento da quantia em causa, decorre obrigatoriamente do citado artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T..
Portanto, em obediência à lei não pode a pena de prisão fixada pela prática de crimes tributários ser suspensa sem que se estabeleça, como condição dessa suspensão, o pagamento das quantias de que o agente se apropriou.
De realçar que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado pela não inconstitucionalidade do art.14.º do RGIT, enquanto condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida – v., entre outros, Acórdão n.º 335/03, 376/03, 500/05, 543/06, 29/07, 61/07, 1005/08, 556/09, 587/09 e 237/11, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt.
Poder-se-á dizer que, face à precária situação económica dos arguidos, a sujeição dessa suspensão à condição de pagamento prevista no art. 14º do RGIT é irrealista, irrazoável e desproporcional, porque claramente incompatível com as suas capacidades financeiras; que, atentas as suas condições de vida apuradas, essa sujeição é desadequada e desproporcionada, podendo até pensar-se que pode conduzir a uma prisão por dívidas (o que é inconstitucional).
A questão da eventual desconformidade deste regime (que supõe a obrigatoriedade da sujeição da suspensão da pena de prisão ao pagamento das quantias em causa, independentemente da situação económica do condenado) com os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena foi já objecto de múltiplas decisões do Tribunal Constitucional no sentido da conformidade.
O Tribunal Constitucional tem salientado, em apoio desta posição, o facto de ser sempre possível a alteração para melhor da situação económica do condenado e, sobretudo, o facto de a possível revogação da suspensão da pena pelo não pagamento nunca ser automática, mas depender sempre de uma avaliação judicial da culpa do condenado, não podendo um incumprimento não culposo ser fundamento de revogação dessa suspensão. Neste sentido podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 309/06, 543/06, 29/07, 61/07, 360/07, 377/07, 327/08, 427/08, 563/08, 244/09, 556/09, 587/09 e 237/11, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Com efeito, o Tribunal Constitucional em diversas ocasiões, nomeadamente nos citados acórdãos, pronunciou-se “sobre a norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, na parte em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento, pelo arguido, do imposto em dívida e respectivos acréscimos legais”, sempre tendo concluído (antes e depois da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4.9) que aquela norma (art. 14º do RGIT) não é inconstitucional, em conjugação com os artigos 50.º e 51.º do Código Penal, interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar, de prestação tributária e acréscimos legais, não havendo qualquer violação dos princípios da proporcionalidade ou da culpa.
Dos referidos acórdãos, remetemos para as seguintes considerações que constam do Acórdão do TC nº 556/2009, v.g. quando repete a fundamentação do Ac. do mesmo tribunal nº 327/08 (onde já se tiveram em atenção as alterações introduzidas pela citada Lei nº 59/2007): “Sobre esta questão, à luz da nova redacção do artigo 50.º do CP, pronunciou-se a 3.ª Secção deste Tribunal Constitucional, em Acórdão n.º 327/08, que julgou não inconstitucional a norma do artigo 14.º do RGIT, quando interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de duração da pena de prisão concretamente determinada, a contar do trânsito em julgado da decisão, da prestação tributária e acréscimos legais, com fundamento, em síntese, no seguinte: «Suposto que corresponda à exacta interpretação da lei e apesar deste efeito perverso, esta nova configuração do regime de suspensão da execução da pena de prisão por crimes fiscais não é de molde a justificar a revisão do entendimento consolidado do Tribunal na matéria. Continuam a ser válidas as três razões pelas quais nesta jurisprudência se afasta a objecção de que se está a impor ao arguido um dever que se sabe de cumprimento impossível e, com isso, a violar os princípios da proporcionalidade e da culpa: (i) o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; (ii) sempre pode haver regresso de melhor fortuna; (iii) e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição.
No limite, admitindo que a força convincente das outras razões tenha diminuído na medida da perda do poder modelador do prazo por parte do tribunal, continua a verificar-se a razão que essa jurisprudência enuncia como decisiva para não julgar violados os princípios da culpa e da proporcionalidade e que se retira do artigo 55.º do Código Penal: “o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA, bem como do n.º 2 do artigo 14.º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado”».
Partindo do mesmo pressuposto de que partiu este acórdão do Tribunal Constitucional, ou seja, o de que a interpretação feita pelo tribunal recorrido corresponde à exacta interpretação da lei, é de reiterar, no caso em apreço, a jurisprudência nele fixada, fundamentalmente, pela última razão apontada. De facto, a revogação da suspensão da pena de prisão não é automática, mas antes está dependente de avaliação judicial, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 2, alínea c), do RGIT, e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.”
E, quanto a nós, concordamos com essa fundamentação e jurisprudência do Tribunal Constitucional (que aqui se dá por reproduzida) pelo que improcede a argumentação em sentido contrário dos recorrentes (v.g. quando argumentam com a sua situação económico-financeira apurada nos autos, com a violação das disposições legais por si invocadas, bem como com a violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade).
Assim, e quanto ao caso ora em apreço, se é certo que, face à actual situação económica dos arguidos recorrentes, se afigura muito difícil o pagamento das quantias por ele devidas, as repercussões futuras de uma eventual falta de pagamento sobre a suspensão da execução da pena sempre dependerão de um juízo futuro a respeito do carácter culposo, ou não, dessa falta de pagamento.
De salientar que a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º8/2012, publicado no Diário da República nº 206, Iª série, de 24/10/2012, no sentido de que «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º, nº 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º, nº 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado de prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade por omissão de pronúncia.» não é aplicável no caso vertente, uma vez que a necessidade do juízo de prognose a que se refere o AFJ só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade (neste sentido, vd. Ac.R.Porto de 08.10.2014).
Quer dizer, a doutrina deste acórdão não permite ultrapassar a obrigatoriedade da sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.. Tal decorre, clara e inequivocamente, do próprio texto da parte dispositiva do acórdão e da sua fundamentação.
Seguiremos, neste aspecto, muito de perto o Acórdão desta Relação do Porto de 20/2/2013, proc. n.º131/08.9IDPRT.P1, relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato, por concordarmos inteiramente com o raciocínio no mesmo explanado. «O que resulta do acórdão [referindo-se ao AFJ n.º8/2012] é, antes, que, a prévia opção por pena de prisão suspensa na sua execução (com o que isso implica de obrigatória sujeição dessa suspensão ao pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) em face da opção por outra pena (deve subentender-se, pena não privativa da liberdade), designadamente a pena de multa, está dependente de um juízo de prognose sobre a capacidade de o condenado pagar tais quantias, tendo em conta a sua situação económica presente e futura. Esta jurisprudência, diretamente aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do R.G.I.T. – crime punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa –, poderá ser aplicável a outros crimes tributários também puníveis com pena de prisão (também eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa. No caso em apreço, em que está em causa um crime de fraude fiscal tributária, punível apenas com pena de prisão, não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa. É certo que se o arguido tivesse sido condenado em pena de prisão inferior a dois anos, poderia esta (em vez de ser suspensa na sua execução com a necessárias sujeição à condição de pagamento em causa) ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos gerais do artigo 58º do Código Penal. Mas a medida da pena fixada pela douta sentença recorrida é superior a dois anos. A pena fixada, de três anos, não permitiria a opção por outra pena não privativa de liberdade que não a pena de prisão suspensa na sua execução com a condição referida. Assim sendo, o doutrina do acórdão em questão não tem aplicação ao caso vertente, não sendo exigível que a douta sentença recorrida formulasse um juízo de prognose sobre a capacidade de o arguido recorrente pagar as quantias em que é condenado, tendo em conta a sua situação económica, presente e futura.»
Em conclusão, reiteramos que a necessidade do juízo de prognose a que se reporta o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade.
O que não é o caso dos autos.
Aqui chegados, e no que se reporta ao argumento invocado pelo recorrente B… no sentido de que não é sujeito passivo, directo ou indirecto, do tributo cujo pagamento de parte do valor lhe foi condicionada no âmbito da suspensão da execução pena de prisão, pelo que responsabilizá-lo criminalmente, implica a criação duma incidência subjectiva de imposto que a Lei fundamental quis proibir e que o legislador ordinário, em obediência à mesma, não contemplou cumpre dizer o seguinte: o arguido recorrente foi condenado a pagar a quantia correspondente aos benefícios indevidamente obtidos não na qualidade de sujeito passivo da relação jurídica de imposto, mas como responsável pelo crime de fraude fiscal qualificada por ele praticado, de onde decorre também a responsabilidade civil pelos danos emergentes da prática desse crime. Por isso, diga-se que, sem necessidade de tecer outras considerações, essa condenação não é merecedora de reparo.
Aqui chegados, cumpre apenas dizer que improcede na totalidade a argumentação dos recorrentes (v.g. quando argumentam com a sua situação económico-financeira apurada nos autos, com a violação das disposições legais por si invocadas, bem como com a violação dos princípios da igualdade, legalidade, adequação e da proporcionalidade), pelo que bem andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, o que fez sem violar qualquer princípio constitucional ou norma legal, mormente as invocadas, nem adoptar qualquer interpretação contrária à Constituição da República Portuguesa.
Improcedem, pois, na totalidade, ambos os recursos.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos B… e C…, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se em 4 UC’s a taxa de justiça a suportar por cada um deles.
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Porto, 29 de Abril de 2015
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva