Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14823/21.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP2023042014823/21.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano.
II - Assim, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, torna-se necessário que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto provada no caso concreto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº14823/21.3T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA, Contribuinte Fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ..., ... Gondomar., intentou a presente acção com processo comum contra, Banco 1... S.A. Contribuinte Fiscal n.º ..., Agência de Gondomar, Rua ..., ..., ..., ... Gondomar e sede na Avenida ..., ..., ... Lisboa, formulando os seguintes pedidos:
a) Que se declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de uma obrigação ..., ao Réu, Banco 2... (ACTUAL Banco 1... S.A.), – Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ..., ... Lisboa, adquirida na Agência de Gondomar foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia dada pelo Banco 2.../Banco 1..., de reembolso do capital a 100% (cem por cento), reembolso este que era garantido pelo próprio Banco Réu.
b) Que se declare que é da Responsabilidade do Banco 1... S.A, Contribuinte Fiscal n.º ..., Agência de Gondomar, o reembolso do capital reportado à aquisição por parte da Autora de uma obrigação ..., no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco 2..., para a esfera jurídica do Réu Banco 1... S.A, Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ..., ... Lisboa, transmitiram- se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o Banco 2..., independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu Banco 1... S.A, Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ..., ... Lisboa, tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa, sendo tal acordo marginal ao aqui Autor.
c) Que se condene o ao Réu, Banco 1... S.A., Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ..., ... Lisboa, na Agência de Gondomar, a proceder ao imediato reembolso do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde Outubro de 2014 sobre as obrigações ... à taxa legal, até integral reembolso do capital, condenando ainda o Réu Banco 1... S.A., a pagar ao Autor quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 10.000,00 (dez mil euros), por danos morais sofridos pelo Autor, com o comportamento imputável ao Réu Banco 1... S.A., traduzido na informação falsa prestada pelo funcionário/gerente/gestor de conta da na Agência de Gondomar, que conduziu á presente situação.
E
No entendimento de que o contrato é nulo;
d) Que se julgue nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre Autor e Réu que deu origem à ordem de subscrição de Fevereiro de 2008 de uma obrigação ... no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
E,
e) Que em consequência, se condene o Réu Banco 1..., SA., a restituir à Autora o valor de € 50 000,00 (cinquenta mil euros) acrescido de juros, à taxa legal, desde Outubro de 2014 e até efectivo e integral pagamento
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Devidamente citado para o efeito veio o Réu Banco 1... contestar invocando, desde logo, a prescrição da sua responsabilidade como intermediário financeiro do negócio celebrado com o Autor.
Defendeu-se por impugnação invocando, nomeadamente, o cumprimento de todos os deveres de informação na subscrição do produto financeiro em apreço nos autos.
Concluiu requerendo a procedência da excepção invocada ou caso assim não se entenda, pedindo a improcedência da acção com todas as legais consequências.
Os autos prosseguiram os seus termos com a prolação de despacho onde se saneou o processo, se identificou o objecto do litigio e e definiram os temas de prova.
Posteriormente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida na qual se julgou a acção parcialmente procedente por provada e se condenou o Banco Réu a pagar ao Autor a quantia a fixar em execução de sentença e que corresponde ao investimento de € 50.000,00 correspondente ao capital investido, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa de 4%, vencidos desde Outubro de 2014, até integral reembolso, aplicando-se qualquer alteração à data de juro de mora civil que venha a verificar-se, enquanto tal reembolso não ocorrer.
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O Réu Banco 1... veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
O Autor respondeu.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo réu/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente acção parcialmente procedente, não julgou correctamente.
2. Com tal decisão, a Mma. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. Certo é que o Banco R., tal qual estava obrigado, prestou ao A. informações completas, verdadeiras, atuais, claras, objectivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do art.7º do Código de Valores Mobiliários), quanto às obrigações por estes subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.
4. Da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas, que o Autor sabia perfeitamente o que estava a subscrever, bem sabendo também das semelhanças e diferenças entre o instrumento financeiro subscrito e a figura do depósito a prazo (note-se que o próprio tratamento fiscal de um e de outro instrumento é inclusive diverso).
5. O Apelante entende que os factos dados como provados nos números “9. e 10.” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redacção adiante proposta.
6. O produto – Obrigações ... – terá sido vendido pelo funcionário BB como uma forma de rentabilizar os fundos que o A. tinha, uma vez que o mesmo não os queria ter à ordem. O A. gostava de ter o dinheiro em poupanças, nomeadamente depósitos a prazo ou aplicações que lhe permitiam ter algum rendimento dos seus valores, e que tinham de ser seguras e não correr risco.
7. Referiu, ainda, que o A. sabia que o produto que estava a ser vendido não consubstanciava qualquer depósito a prazo, que eram Obrigações ..., isto porque as obrigações não têm liquidez imediata, a única forma de o detentor da mesma conseguir a liquidez é ceder a sua posição a outro cliente. Neste caso, a Obrigação ... teria aparecido na rede e foi apresentada ao A. como sendo semelhante ao investimento que ele tinha, seguro, com rendimento e prazo definido e que ia receber os juros até ao fim do prazo e no fim seria reembolsado.
8. Explicou, ainda, que a referência de que o risco do produto era indexado ao Banco tinha que ver com o facto de o mesmo ser da dona do Banco e, por isso, ainda mais seguro – isto porque a A..., além do Banco, era ainda detentora de várias outras empresas, como a B..., a C...; estava na área da saúde; uma marina no Algarve. Ou seja, a solvabilidade e robustez da mesma seria ainda superior à do próprio Banco e, com base nisso, seria feito o argumentário.
9. Assim, diríamos que resulta à saciedade que os factos dados como provados: “9. e 10.” deveriam ter a seguinte redacção:
“9. O Autor sabe hoje que a aplicação em causa se trata de uma obrigação subordinada, sendo a entidade emitente a A... e que se lhe tivesse sido explicado que corria risco, não o teria subscrito.
10. O aqui Autor, adquiriu como se disse tal obrigação no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), convencido que se tratava de um produto seguro.”
10. Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objecto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado directamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objecto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
11. Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art.º 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
12. Já os art.s 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.
13. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art.º 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
14. O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL! O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
15. Versando como versa aquele art.º 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
16. Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art.º 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
17. Entendemos que nada ficou por dizer ou explicar quanto à natureza dos instrumentos financeiros. Da remissão feita para o art.º 312º-E nº 1 resulta que o legislador manda também o intermediário financeiro informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
18. O investimento efectuado foi feito em obrigações da ... que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!
19. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
20. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra (subjacente naturalmente ao cumprimento da opção potestativa de venda) é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!
21. As Obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como os Recorridos. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações ..., porque pertencendo todas as empresas ao mesmo Grupo, o risco da A... estava indexado ao risco do próprio Banco. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
22. O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
23. Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar!
24. Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo Autor nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art.º 566º nº 2 do CC.
25. Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida ao Autor, que deu o seu acordo na aquisição da Obrigação ... – numa primeira e segunda fase, respectivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
26. Não podendo, por fim, o Venerando Tribunal da Relação do Porto olvidar que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro.
27. O A. foi recebendo, periodicamente, as quantias relativas aos cupões, que sempre lhe foram pagos até à insolvência da emitente e recebia mensalmente os extractos bancários com indicação expressa de carteira de obrigações e nada reclamou durante o referido período. Não se verificando, assim, o nexo de causalidade adequada entre a actuação do Recorrente enquanto intermediário financeiro e, o não reembolso, na maturidade, do capital investido.
28. Assim, ou o A. alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teriam realizado o investimento, ou então, têm que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
29. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que nenhum dos funcionários envolvidos do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
30. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do A. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte dos funcionários do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.
31. Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art.º 324º do CdVM.
32. Parece-nos evidente e manifesto que o Autor conheceu os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da recepção dos extractos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a acção apenas foi proposta em Setembro de 2021! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
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Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) O incumprimento por parte do Banco Réu dos deveres de informação a que está vinculado enquanto intermediário financeiro no âmbito da operação comercialização do produto financeiro denominado “...”;
3ª) A existência de nexo de causalidade entre a informação omitida ou deficiente e o dano de não reembolso do capital sofrido pela Autor;
4ª) A prescrição do direito do Autor.
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Estando em causa, pelo menos em parte, a decisão da matéria de facto antes proferida, impõe-se recordar aqui qual o conteúdo da mesma decisão.
Assim:
Fundamentação de facto:
Factos Provados:
1. O Autor, em Fevereiro do ano de 2008, efectuou um depósito de valores, na conta que detinha no Banco 2..., balcão de Gondomar no montante de € 450.000,00 (quatrocentos e Cinquenta Mil Euros).
2. O funcionário/gerente/gestor de conta do Banco 2..., BB propôs-lhe, que adquirisse um produto financeiro do banco, Obrigações Banco 2..., que lhe daria um melhor rendimento.
3. Para tal efeito, o referido funcionário apresentou o produto como sendo obrigações do banco, pois eram obrigações do Banco 2... e que de momento iria ser subscrito o valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), e assim obteria o referido produto, que lhe traria um melhor rendimento, e que tinha os juros remuneratórios e o reembolso do capital 100% (cem por cento) garantido pelo Banco 2....
4. Em Fevereiro de 2008, o Autor, adquiriu o produto designado como Obrigações Banco 2..., aquisição essa subordinada às garantias que lhe estavam a ser dadas pelo identificado funcionário/gerente/gestor de conta do Banco 2..., (ACTUAL Banco 1... S.A.).
5. Em 28.02.2008 o Autor subscreveu Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 no valor de 50.000,00€
6. O Autor fez várias aplicações financeiras no Banco 2..., entre 2005 a 2012 em produtos que o BB ia seleccionando, dado a confiança que entre funcionário e cliente existia, de longos anos, mesmo antes do Banco 2..., pois o Autor chegou a ter conta no Banco 3..., banco onde trabalhou o BB, antes de se mudar para o Banco 2....
7. O Autor subscreveu diversos produtos após o depósito dos 450.000,00€, a saber:
a. Em 15.02.2008 subscreveu Obrigações de Caixa Banco 2... no valor de 250.000,00€;
b. Em 28.02.2008 subscreveu Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 no valor de 50.000,00€;
c. Em 03.03.2008 subscreveu Papel Comercial D... no valor de 150.000,00€;
d. Em 13.03.2008 constitui um depósito a prazo no valor de 250.000,00€;
e. Em 14.03.2008 constitui outro depósito a prazo no valor de 30.000,00€;
f. Em 31.03.2008, através da mobilização do depósito referido em d) adquiriu Obrigações Perpétuas Banco 2... 2008 no valor de 250.000,00€
7. O referido funcionário do Banco 2..., sabia que o Autor não queria produtos de risco, dado conhecer a aversão que o mesmo tinha por esse tipo de aplicações financeiras, e conhecer o seu carácter conservador e mesmo aforrador, pois apostava sempre em depósitos a prazo ou em produtos com essa mesma segurança e garantia.
8. Nunca em momento algum fazia aplicações financeiras onde poderia correr o risco de não reaver a totalidade do capital investido.
9. O Autor sabe hoje que a aplicação em causa se trata de uma obrigação subordinada, sendo a entidade emitente a A... e que se lhe tivesse sido explicado do risco inerente ao facto de ser uma obrigação subordinada de outra entidade que não o banco, e que poderia não lhe ser pago o capital caso as coisas corressem mal, jamais daria ordem de aplicação do seu dinheiro neste produto, continuando a investir em depósitos a prazo, mesmo com um rendimento mais baixo.
10. O aqui Autor, adquiriu como se disse tal obrigação no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), convencido que se tratava de um produto do Banco 2....
11 Até Outubro de 2014, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aplicação financeira.
12. Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo Banco 2... até Outubro de 2012, e pelo Réu Banco 1..., S.A., a partir dessa data e, como já se disse até Outubro de 2014.
13. Verificado que se mostra vencido o prazo, contratualmente estabelecido, é o aqui Autor informado de que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações subordinadas da A..., S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no processo de Insolvência.
14. O autor recebeu vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.
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Não se provaram mais factos alegados com relevo para a boa decisão da causa.
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Suporte da convicção do Tribunal:
Os factos que relativos aos movimentos da conta titulada pelo autor e aplicações financeiras não foram objecto de impugnação.
A convicção do tribunal relativamente os demais factos provados e não provados assentou na análise crítica e conjugada da globalidade da prova produzida nos autos, designadamente na análise dos documentos juntos ao processo, em conjugação com o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, devidamente conjugados entre si, nomeadamente:
A testemunha BB, (funcionário bancário no Banco Réu, que entre 2005 a 2012 trabalhou na agência de Gondomar, e que foi gestor de conta do Autor) afirmou de forma inequívoca que o autor (seu cliente no Balcão e no Banco 3... há vários anos) tinha um perfil conservador, e que lhe apresentou o produto financeiro “Obrigações SLN 2004”, como algo semelhante a um depósito à ordem. Tratava-se de um produto adequado a um cliente de perfil conservador, que, aliás aconselhou ao seu pai.
Enfatizou o facto de ter o reembolso garantido, sem explicitar quem prestava essa garantia. Aliás, a própria testemunha, em 2004, acreditava que aquela aplicação financeira tinha uma garantia acrescida porque era emitida pelo “dono” do Banco. A testemunha admitiu que não prestou explicações detalhadas sobre o produto financeiro em causa. Na verdade, a testemunha não demonstrou ter conhecimento aprofundado do produto em causa, admitindo que a hierarquia terá dado a indicação de que era um produto seguro como um depósito a prazo. A imagem transmitida era de uma aplicação do Banco com garantia de capital e juros. A A... era a casa mãe.
A testemunha referiu que as obrigações do grupo A... foram comercializadas como um produto financeiro semelhante aos depósitos a prazo, sem esclarecer a relação entre o Banco 2... e a A..., nomeadamente quanto aos garantes do reembolso. Também não explicou que se tratava de obrigações, embora no boletim de subscritor se referisse ao anterior proprietário.
Perante o depoimento prestado pelo gestor da conta do Autor, e atendendo à relação de confiança e ao seu perfil conservado, pode extrair-se que o autor, se não tivesse formada a convicção que se tratava de uma aplicação com capital garantido pelo banco (e não por entidade desconhecida) não faria o investimento em discussão.
Relativamente aos factos dados como não provados não foi feita qualquer prova adicional em julgamento, nomeadamente quanto aos danos não patrimoniais alegados pelo Autor.
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Ficou já visto que neste seu recurso da decisão de facto, o réu/apelante pretende que seja alterado o conteúdo dos pontos 9 e 10 dos factos provados, nos termos melhor referidos na conclusão 9ª das suas alegações.
E fundamenta esta sua pretensão, apenas e só, no depoimento prestado em julgamento pela testemunha BB.
Em face de tal alegação e como nos era imposto, procedeu-se à audição da gravação onde ficou registado o depoimento prestado pela identificada testemunha.
E desta audição, o que se pode retirar de mais relevante é o seguinte:
Identificou-se como funcionário bancário actualmente a exercer funções na agência do Banco 1... na rotunda ..., Porto.
Referiu ter trabalhado na agência de Gondomar de 2005 a 2012.
Disse conhecer o Autor, o Sr. AA desde essa altura pelo facto do mesmo ser já seu cliente ainda quando era funcionário do Banco 3... e pela circunstância dele com outros clientes ter vindo consigo quando mudou de banco.
Fez notar que o Autor era um cliente conservador, quanto mais não seja pela sua idade e que em regra não queria riscos.
Salientou que em regra o Sr. AA aplicava o seu dinheiro em depósitos a prazo.
Disse saber que ele tinha um negócio de padaria com um irmão e que depois estava ligado à construção civil.
Declarou saber que para ele um produto sem risco era uma aplicação que não pusesse em causa o capital investido.
Referiu ser ele, testemunha, quem acompanhava as aplicações do Sr. AA, declarando saber que a dada altura ele aplicou 250 mil euros em obrigações Banco 2... e que nessa altura lhe foi dito que o investimento era seguro por ser uma aplicação do Banco.
Quanto a essas obrigações fez notar que a sua rentabilidade estava assegurada e que as mesmas não tinham prazo (eram perpétuas).
Disse saber que o que está em causa no processo é outro investimento posterior de 50 mil euros noutro produto.
Referiu que essa aplicação surgiu como surgiram outras e que a mesma foi apresentada ao Autor como sendo uma aplicação segura e com semelhanças com as anteriores.
Disse que esta já tinha prazo definido e a garantia que no final do prazo seria reembolsada.
Referiu recordar-se que o Autor concordou em fazer esta aplicação porque além da segurança a mesma tinha uma rentabilidade superior aos depósitos a prazo.
Recorda-se que na altura lhe foi dito que as segurança resultava do facto de ser uma obrigação da “casa mãe” (A...) e que por isso o Sr. AA ficou convencido que era uma aplicação do Banco.
Fez notar que na altura não foi explicado ao cliente o que era uma obrigação subordinada, só lhe sendo referido que se tratava de uma aplicação segura apesar de não ser um depósito a prazo.
Salientou que a informação que circulou internamente no banco e que veio de cima foi que esta aplicação era segura (que tinha a segurança de um depósito a prazo).
Disse recordar-se do facto do Autor ter assinado um documento a subscrever esta aplicação.
Reiterou que quando a aplicação terminou (em 2014) já não estava na agência de Gondomar mas que soube que o Sr. AA se deslocou ao balcão para saber se no fim do prazo ia receber o dinheiro aplicado.
Afirmou estar convencido que se o Autor tivesse a percepção de que havia algum risco não subscreveria as obrigações em causa.
Reiterou a ideia de que o cliente estava convencido que no fim do prazo iria receber o capital.
Mais referiu ter aconselhado o seu pai a subscrever estas obrigações por estar convencido que as mesmas eram seguras, salientando a ideia de que nunca colocaria em causa o dinheiro dos seus pais.
Perante o acabado de expor e conjugando como se impõe estas declarações com a restante prova produzida, temos que concluir pela improcedência, nesta parte, da pretensão recursiva do réu/apelante.
Isto porque o que resultou provado foi o de facto o que tinha sido alegado pelo Autor nos artigos 13º e 14º da petição inicial.
Dito de outra forma, não existem razões fundadas para alterar nos termos agora propostos, o que foi feito constar nos pontos 9 e 10 dos factos provados.
Se não vejamos.
Segundo o nº1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Como sublinha Abrantes Geraldes, o actual artigo 662.º do Código de Processo Civil (através dos seus nºs 1 e 2, alíneas a) e b)) representa uma clara evolução no sentido de que a Relação dispõe de autonomia decisória, “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos em discórdia.” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição actualizada, Coimbra, Almedina, 2020, p. 332). Segundo o mesmo autor “está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação na decisão da matéria de facto apenas deve operar em casos de «erros manifestos» de reapreciação (…).” (António Santos Abrantes Geraldes, obra citada pág.349).
No caso dos autos, a decisão impugnada, para responder como respondeu à matéria inscrita nos pontos 9 e 10, procedeu a uma apreciação cuidada da prova produzida, designadamente ao que resultou do depoimento prestado pela testemunha BB, examinando, de forma crítica, todos os meios de prova que teve ao seu dispor, explicitando a sua razão de ciência e outras e formando uma convicção própria que não merece censura.
Sendo assim, a conclusão que se retira, necessariamente, é a de que quanto a esta matéria não estão verificados os pressupostos para a modificação da decisão de facto previstos no nº1 do art.º 662º do CPC.
Por isso e sem mais, se julga improcedente nesta parte o recurso interposto e se confirma a decisão proferida.
É agora o momento de apreciar e decidir a questões antes melhor identificadas e que são as seguintes:
- O incumprimento por parte do Banco Réu dos deveres de informação a que está vinculado enquanto intermediário financeiro no âmbito da operação comercialização do produto financeiro denominado “SLN Rendimento Mais 2004”;
- A existência de nexo de causalidade entre a informação omitida ou deficiente e o dano de não reembolso do capital sofrido pela Autor.
Para resolver tais questões, importa desde logo chamar à colação o entendimento que sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2023, proferido no processo 12422/16.0T8LSB.L1-A.S1, relatado pelo Conselheiro Luís Espirito Santo, publicado em www.dgsi., onde no respectivo sumário ficou consignado o seguinte:
“I - A obrigação de indemnizar, no plano contratual, integra um conjunto de pressupostos cumulativos, a saber: a prática do facto imputável ao demandado; o seu carácter ilícito e culposo (culpa que se presume nos termos gerais do art.º 799.º, n.º 1, do CC); o nexo de causalidade entre o cometimento do ilícito e a produção do correspondente dano para a esfera jurídica do demandante.
II - A presunção prevista no art.º 304.º-A, n.º 2, do CVM, na versão anterior à vigência do DL n.º 357-A/2007, de 31-10, constitui apenas uma presunção de culpa e de ilicitude, não abrangendo igualmente a presunção do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
III - Não havendo, na situação sub judice, ficado provado que os autores, na sua qualidade de investidores, e uma vez cientes da informação que lhe deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomariam então a decisão de não investir, tal como efectivamente fizeram (no desconhecimento dessa mesma informação omitida), tal corresponde à ausência de demonstração da existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito cometido pela intermediária financeira e o dano sofrido pelos seus clientes.
III - O que é por si só suficiente para concluir que não se encontram reunidos todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnização em que os autores estribavam a sua pretensão, a qual terá forçosamente de fracassar.
IV - Trata-se, aliás, da aplicação a este caso da doutrina firmada no acórdão uniformizador n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no DR, 1.ª Série, de 3-11-2022, rectificado conforme Declaração de Rectificação n.º 31/2022, publicada no DR, 1.ª Série, de 21-11-2022, onde se decidiu “para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”
No mesmo sentido, cf. entre outros, os Acórdãos do STJ de 27.10.2022, no processo 2002/17.9T8LRA.C2. S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Capelo e de 10.01.2023, no processo 2685/18.2T8LRA.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Sousa Pinto, ambos em www.dgsi.pt.
Diversamente do que se verificou na primeira das decisões citadas, nos presentes autos e atento o que resultou dos pontos 9 e 10 dos factos provados, no caso concreto, o Autor logrou provar que a prestação da informação devida por parte do banco Réu o levaria a não tomar a decisão de investir na aquisição das obrigações melhor identificadas no ponto 7. b) (dos factos provados).
E a ser assim, bem andou o Tribunal “a quo” quando considerou estabelecido o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, concluindo pela obrigação de indemnizar por parte do réu Banco 1....
Nestes termos nenhuma censura nos merece pois a decisão proferida.
E o mesmo ocorre relativamente ao segmento da mesma decisão onde se apreciou a questão da prescrição do direito de accionar suscitada pelo Réu na sua contestação e que agora se passa a transcrever para melhor entendimento:
“Resta apreciar a questão da prescrição suscitada pelo Banco /Réu, nos termos do disposto do disposto no art.º 324º do Código de Valores Mobiliários (dois anos a partir do momento em que o cliente teve conhecimento da conclusão do negócio e respectivos termos).
Como o prazo de prescrição tem por fundamento a segurança jurídica do devedor e a penalização da negligência do credor, é inquestionável que deve ser convocado o prazo curto de prescrição, desde que esteja em jogo uma situação de responsabilidade contratual derivada da intermediação financeira. Todavia, na responsabilidade civil do intermediário financeiro, é também de vinte anos o prazo de prescrição quando estão em jogo situações de dolo ou culpa grave, a significar que o prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, e de vinte anos nos casos de dolo ou de culpa grave (artigo 324º/2 do CdVM) - cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 256). Quando se se verifica uma situação de dolo ou de culpa grave fica afastada a possibilidade de beneficiar do prazo curto de prescrição, sendo aplicável o prazo de prescrição de 20 anos.
Exige-se para afastar a aplicabilidade do prazo previsto no artº 324º, do CdVM que a culpa traduza uma sugestão ou artifício com intenção de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo) ou quando ocorra a dissimulação do erro do declarante (dolo negativo) - cf. Almeno de Sá, Direito Bancário, Coimbra Editora, 2008, págs. 65 e 68 e pág. 99 - ou um elevado grau de inobservância do dever de cuidado do declaratário, em comportamentos temerários, indesculpáveis, reprovados pelo mais elementar sentido de prudência, correspondentes àquelas condutas que não são assumidas pela generalidade das pessoas - cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina, 3.ª ed., pág. 467, nota 3.
No caso em apreço, tendo em consideração a factualidade atrás enunciada e atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o apelante é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação com a prestação de informação falsa exprime culpa grave e dolo.
Sendo a sua culpa grave, não se aplica o prazo do art.º 342º, nº 2, do CVM, mas o prazo geral do art.º 309º Código Civil, pelo que se entende que o direito da Autora não se encontra prescrito.”
Concluindo:
Improcedem totalmente os argumentos que sustentam o recurso aqui interposto pelo réu/apelante Banco 1....
E a ser assim só resta confirmar a decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a sentença proferida.
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Custas a cargo do réu/apelante Banco 1... (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 20 de Abril de 2023
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço