Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2462/16.5T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: CONVENÇÃO CMR
RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR
Nº do Documento: RP202202222462/16.5T8MTS.P1
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Dispõe no art.º 3.º da Convenção CMR que “O transportador responde, como se fossem cometidos por ele próprio, pelos actos e omissões dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorre para a execução do transporte, quando esse agente ou essas pessoas actuam no exercício das suas funções”.
II - A conduta levada a efeito por parte do motorista da ré foi grosseiramente negligente ou temerária, pois que não “tomou efectivamente todas as medidas que poderia ter tomado para evitar o furto que veio a ocorrer, tendo abandonado o veículo com a sua carga no interior cerca de 17 horas, em parque que não era vedado, era acessível a qualquer pessoa que circulasse na auto-estrada e que não tinha guarda, nem Videovigilância”.
III – Atento o grau de culpabilidade do motorista da ré e tendo por assente que no nosso ordenamento jurídico faz-se, em regra, uma equiparação entre dolo e negligência para efeitos de responsabilidade civil contratual, é dessa forma se deve interpretar e aplicar ao caso em apreço o preceituado no art.º 29.º da CMR, ou seja, não pode a ré prevalecer-se das disposições previstas na CMR que limitam a sua responsabilidade, pelo que deve ser condenada na totalidade dos danos provocados e não só no valor da mercadoria furtada, cfr. n.º4 do art.º 23.º da CMR.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 2462/16.5T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 1

Recorrente – B... Ld.ª
Recorridas – X..., SA
Y..., Companhia de Seguros, SA,

Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues


I – X..., S.A., com sede em c/..., ....., ..., Barcelona, Espanha, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Matosinhos, a presente acção declarativa com processo comum contra B... Ld.ª, com sede na Rua ..., ..., Matosinhos, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €48.092,37 e juros vencidos e vincendos sobre a quantia de €46.660,60, à taxa de 5% desde 12 de Maio de 2016 até integral pagamento.
Alegou, para tanto, e em síntese que no âmbito da sua actividade de seguradora, subscreveu com a sociedade E... S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....., que cobre, entre outros, os riscos da actividade da E... S.A. e dos segurados adicionais aí referidos onde se inclui a A... como transitária (agente ou principal), armazenista (com armazéns próprios e arrendados), operador de transporte.
A sociedade portuguesa Quinta ... vendeu à sociedade G... Ltd, do Reino Unido, garrafas de vinho do Porto no valor de £59.153,50 Libras Esterlinas, sendo que, nos termos acordados, incumbia ao comprador a responsabilidade pelo transporte.
A sociedade G... Ltd, encarregou o transitário C...,SA de organizar e proceder ao transporte da referida mercadoria, sendo que a C... encarregou a A... S. L. de organizar e efectuar esse transporte e esta, por sua vez, encarregou a 1.ª ré, B... Ld.ª, de efectuar o transporte dessa mercadoria.
Durante essa viagem, já no Reino Unido, o camião foi assaltado tendo sido furtada parte da mercadoria transportada, sendo que a dona da mercadoria, reclamou junto do transitário C... o pagamento de £39.225,76, referente indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, conforme factura n.º 2014-.......
A C... pagou esse valor ao dono da mercadoria tendo debitado o montante de €49.660,60 à A... S. L, e esta reclamou junto da ré imputando-lhe a responsabilidade pelos prejuízos causados pelo roubo da mercadoria durante o transporte, sendo que a autora, ao abrigo dessa apólice, pagou ao seu segurado A... S. L a quantia de €49.660,60 tendo sido sub-rogada nos respectivos direitos.
Pelo que, feito o pagamento, a autora reclamou à ré o valor pago ao seu segurado, enviando-lhe a documentação justificativa dessa mesma reclamação, sendo que a ré não devolveu a documentação que lhe foi enviada, nem declinou a responsabilidade pela perda da mercadoria, tendo informado que tinha transferido a sua responsabilidade para a seguradora Y....
A mercadoria não apresentava qualquer avaria quando foi carregada nas instalações da Quinta..., em ..., sendo que o desaparecimento da mercadoria ocorreu durante o transporte pelo facto de a ré não ter cumprido as obrigações que assumiu como transportador, já que o desaparecimento da mercadoria ocorreu por culpa da ré que estacionou o camião, revestido com uma simples lona, carregado de garrafas de vinho do Porto (mercadoria facilmente sonegável) num parque de uma estação de serviço de uma auto-estrada, sem qualquer tipo de vigilância, tendo o motorista abandonado o camião pelo menos entre as 16:30 horas do dia 3.12 e as 09:00 do dia 4.12.2014.
A ré agiu, assim, com falta de diligência e até com dolo eventual, pois bem sabia que deixando um camião carregado com bebidas alcoólicas (vinho do Porto) num parque de uma estação de serviço no Reino Unido era possível o roubo, e mesmo assim não vigiou a carga, sendo que, perto da localidade onde a mercadoria deveria ter sido entregue existia pelo menos um parque de estacionamento para veículos pesados (o Crown Road Vehicle Park ...) aberto 24 horas, cercado e vigiado, onde o motorista poderia ter estacionado o camião.
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Devidamente citada, a ré deduziu contestação, pedindo a improcedência da acção.
Para tanto, alegou que não agiu com falta de diligência ou com dolo na realização do transporte invocado já que adoptou todas as medidas adequadas de protecção da carga que transportava. E mais alegou que o montante peticionado é exagerado já que apenas foram furtadas seis paletes de vinho, num total de 27.
Deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada da Y..., Companhia de Seguros, SA, alegando que transferiu para esta a sua responsabilidade decorrente da actividade de transportador rodoviário.
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Por despacho de 11.07.2016 foi admitida a intervenção da chamada e citada esta, veio a mesma deduziu contestação alegando que procedeu a uma averiguação quanto ao sinistro que lhe foi participado, tendo comunicado à sua segurada, aqui ré, que os prejuízos reclamados não estão cobertos pelo contrato de seguro porque se apurou que o motorista que realizou o transporte abandonou o veículo toda a noite e que o parque de estacionamento onde deixou o veículo se situava numa estação de serviço, não era vedado, tinha acesso público, não tinha guarda, nem vídeo vigilância integral, sendo que, nas imediações, existiam parques seguros, vedados e com vigilância.
Sem prescindir, alegou também que o valor da mercadoria em falta, reclamada como furtada, ascende a €28.945,31, sendo que foram também reclamados portes, custos administrativos e impostos de álcool a pagar em Inglaterra.
Quanto aos portes (transporte), deverá ser considerado apenas na proporção das mercadorias em falta que, com base na factura do frete, ascendem a €890,21.
Os custos administrativos e impostos não são de considerar, os primeiros, porque são prejuízos indirectos, não garantidos, os segundos porque se trata de impostos a considerar apenas no caso de a mercadoria ser recebida. Assim sendo, os prejuízos apurados ascendem a €29.835,52, sendo que, ao valor dos mesmos, há que deduzir a franquia contratual, da responsabilidade da segurada.
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A autora respondeu a essa contestação alegando, em suma, que o valor que reclama foi por si pago à sua segurada e corresponde ao valor da mercadoria furtada (€28.944,81), ao proporcional do frete (€1.064,67), custos administrativos (€3.009.99) e ao imposto sobre o álcool pago pelo comprador (€16.040,82) relativamente à mercadoria furtada, sendo que o transportador não tem o direito de se aproveitar das disposições da Convenção CMR que excluem ou limitam a sua responsabilidade se o dano provier de dolo ou falta que lhe seja imputável equivalente ao dolo.
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A ré pronunciou-se, igualmente, quanto a essa contestação.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.
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Realizou-se audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, de onde consta: “Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a ré, B... Ld.ª, no pagamento à autora da quantia de €46.660,60 (quarenta e seis mil, seiscentos e sessenta euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 5% ao ano, contados desde 27 de Outubro de 2015 e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a chamada, Y..., Companhia de Seguros, SA, do pedido.
Custas por ambas as partes na proporção de, respectivamente, 1% para a autora e 99% para a ré.
Notifique e registe (…)”.

Inconformada com a tal decisão, dela veio a ré B... Ld.ª recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra queque condene a chamada/ré - Y1... Companhia de Seguros, SA (Y..., Companhia de Seguros, SA):
a) No pagamento à autora da quantia de €29.545,12 correspondente ao valor da mercadoria furtada. Se assim não for o entendimento:
b) Seja a chamada/ré Y1... Companhia de Seguros, SA (Y..., Companhia de Seguros, SA) condenada a uma quantia nunca superior a €42.186,10, por aplicação do disposto no art.º 23.º n.º 3 da CMR.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
Da nulidade da decisão por excesso de pronúncia:
A. Com base nos factos considerados provados e não provados, considerou o digno Tribunal a quo:
1) A responsabilidade pela perda parcial da mercadoria é da ré B... Ld.ª segundo o artigo 17.º n.º 1 da CMR, tendo esta agido a título de dolo eventual.
2) A ré B... Ld.ª, não beneficia da transferência do risco para a ré Y1...Companhia de Seguros – S.A., por operar a cláusula de exclusão da responsabilidade prevista no artigo 4.º n.ºs 4 e 5 das condições gerais da apólice.
3) Com base neste raciocínio condenou a ré B... Ld.ª no pagamento de €46.660,60 à autora A... S.A., acrescido de juros de mora à taxa de 5% anuais, contados desde 27 de Outubro de 2015 até efectivo e integral pagamento, argumentação com a qual não podemos de todo concordar, senão vejamos.
B. O presente recurso interposto visa a impugnação da matéria de facto e de direito nos termos e para os efeitos do artigo 640.º do CPC e a consequente arguição de nulidade da sentença por pronúncia sobre questões que não podia tomar conhecimento segundo o artigo 615.º n.º 1 alínea d), do CPC.
C. A douta sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade por excesso de pronúncia na medida em que se pronunciou e condenou a ré sobre e por factos que não podia conhecer, o que se argui expressamente nos termos e para os efeitos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC.
Vejamos,
D. O Tribunal a quo considerou o documento n.º16 junto aos autos pela ré Companhia de Seguros Y1..., S.A., o qual é uma reprodução da factura n.º 2014-...... emitida pela G... Ltd à C... S.A., para depois concluir- e é concretamente o que resulta dos factos provados (ponto 21)- o seguinte “Esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que no câmbio da factura de venda perfazia em Euros 28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £ 2.399,84 (correspondente a €3.009,00) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040,82)”.
E. Factos que deveriam, na óptica da ora recorrente, terem sido considerados como não provados, e ainda nesta senda ter sido dado apenas como provado que o valor que a G... Ltd reclamou perante a C... foi de €49.660,60.
F. E nessa mesma lógica ter considerado provado que o concreto valor da mercadoria furtada foi de €28.944,82.
G. Isto porque, tendo a ré impugnado o alegado pela autora na sua petição inicial, o que também fez relativamente ao documento retro mencionado, não poderia a douta sentença recorrida ter conhecido os factos relativos ao alegado pagamento de imposto sobre o álcool, os custos suportados a nível administrativo e custos com portes porquanto nenhuma outra prova foi produzida que corroborasse o vertido no salientado documento particular e os valores aí indicados, pois em boa verdade esse ónus impendia sobre a ré Y....
H. E mais como se tal não bastasse resultou no depoimento da testemunha AA, trabalhador do transitário C..., que questionado sobre o modo como chegaram ao quantum indemnizatório, de que este sabe que se referiam apenas ao valor da mercadoria, portes e impostos, não sabendo em concreto o cálculo efectuado (minuto 22:36 da gravação).
I. O Tribunal a quo poderia considerar provada a interpelação da compradora ao transitário e o respectivo pagamento deste último naquele valor, no entanto, não existem elementos probatórios que permitissem a conclusão, por parte do Tribunal, de que aqueles valores (custos administrativos, portes e impostos sobre o álcool) foram efectivamente suportados pela compradora.
J. Com efeito, sobre o valor dos alegados custos administrativos, custos com portes e de impostos liquidados, deveria o douto Tribunal considerá-los como não provados, por falta de elementos probatórios careados ao processo, subtraindo-os ao valor da condenação e a condenar uma das rés, deveria tê-lo feito no montante máximo de €29.545,12 (€49.660,60 correspondente ao valor da condenação, subtraídos os pagamento de imposto sobre o álcool, os custos suportados a nível administrativo e custos com portes no valor de €20.115,48).
K. Por esta ordem de razões deve, por isso, ser declarada nula, ainda que parcialmente, a sentença recorrida e ser proferida outra sem o vício de que padece, mormente a que não condene uma das rés no pagamento dos alegados custos administrativos, custos com portes e os custos com impostos sobre o álcool, porquanto neste âmbito nenhuma prova fora produzida, conforme melhor supra mencionado.
E mais, ainda que esse não seja o entendimento,
L. Há a salientar que apenas foi possível apurar que foram furtadas 6 paletes de vinho do porto e duas paletes de forma parcial em quantidades muito baixas - facto que resulta do ponto 19.º dos factos provados-, e não foi determinado o concreto peso bruto da mercadoria furtada, facto que como veremos é igualmente relevante para efeitos de determinação do quantum indemnizatório.
M. Porquanto nesta senda, socorrendo-nos do raciocínio lógico, e uma vez que 27 paletes da mercadoria correspondiam a 19.422,40 Kg, (ponto 6. dos factos provados) o peso bruto das 6 paletes furtadas (ponto 19. dos factos provados) corresponderiam sempre a pelo menos 4.316,08 Kg.
N. Assim devia ter sido considerada provado e acrescentado aos factos provados que foi furtado vinho do porto do camião da ré B... Ld.ª, furto esse da mercadoria com o peso de pelo menos 4.316,08 Kg, uma vez que tal peso releva para o efeito, sempre sem conceder, de se apurar a concreta quantia indemnizatória tendo por base o critério estabelecido no artigo 23.º n.ºs 1 e 3 da CMR que dita o seguinte:
i. “1. Quando for debitada ao transportador uma indemnização por perda total ou parcial da mercadoria, em virtude das disposições da presente Convenção, essa indemnização será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que for aceite o transporte.
ii. (…)
iii. 3. A indemnização não poderá, porém, ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta”.
O. Ora nesta senda a unidade de conta a que o disposto legal do n.º 3 do artigo 23.º da CMR se refere é a DSE (direito de saque especial), o qual deve ser aferido à data da contratação do serviço tal como determina o n.º1 do mesmo preceito legal e é oficiosa a correta aplicação daquele preceito.
P. Assim considerando que o peso bruto das 6 paletes furtadas (ponto 19. dos factos provados) corresponderiam sempre a pelo menos 4.316,08 Kg. (tendo por base o critério lógico supra identificado - 27 paletes de vinho do porto, ascendiam a 19.422,40 Kg, logo as 6 paletes furtadas, corresponderiam ao peso de 4.316,08 Kg) e bem assim multiplicando o peso bruto da mercadoria furtada (4.316,08 Kg) pelo valor da DSE à data de 26 de Novembro de 2014, o artigo 23.º da CMR determina que a responsabilidade pela perda de mercadoria nunca deveria ser superior a €42.186,10.
Q. Assim com todo o respeito, que é muito, a sentença recorrida aplicou mal o disposto legal constante nos artigos 23.º e 29.º da CMR, tendo condenado a ré em quantia superior à legalmente prevista, uma vez que pela aplicação do critério constante do artigo 23.º da CMR determina que a responsabilidade pela perda de mercadoria nunca deveria ser superior a €42.186,10.
E mais,
R. Resulta da sentença recorrida que o Tribunal a quo sustentou que a factualidade provada resultou na análise dos documentos juntos com os articulados conjugados como depoimento do motorista da apelante, BB, e o depoimento da testemunha CC.
S. Ora nesta égide ficou provado nos autos que a apelante celebrou com a ré Companhia de Seguros Y1..., S.A. um contrato de seguro de responsabilidade decorrente da actividade de transportador rodoviário que se rege pela apólice n.º ......... - Ponto 26 dos factos provados.
T. E dúvidas não temos que a responsabilidade imputada à recorrente na douta sentença recorrida deveria tê-lo sido, tão só e apenas, à ré Y... a quem a recorrente tinha transferido a sua responsabilidade.
U. Diz a chamada/ré Y... nos autos, posição sufragada pelo Tribunal a quo, que a sua responsabilidade encontra-se excluída tendo por base o vertido no artigo 4.º e 5. das cláusulas gerais da apólice porquanto “não se nos afigura que o segurado tenha tomado as precauções razoáveis de segurança ao ter estacionado um veículo que tem partes laterais em lona quando sabe que transporta uma carga de valor elevado e o faz num parque não vedado, que não tem vigilância naquele local e o abandona tantas horas.”
V. Portanto de modo a aferir-se ainda se há, ou não, responsabilização da ré Y..., para quem a recorrente tinha transferido o risco da sua actividade, cumpre afastar a aplicação da cláusula de exclusão ínsita no artigo 4.º n.º 4 e 5 das condições gerais da apólice e ainda apurar se se encontra ou não preenchido o conceito indeterminado “condições razoáveis de segurança” que o Tribunal a quo considerou violado pela ora recorrente.
W. Portanto dita o artigo 4.º n.º 4 e 5 das condições gerais da apólice celebrada entre a apelante e a ré Y..., o seguinte:
Ficam também excluídos deste contrato o furto ou roubo do veículo transportador e/ou das mercadorias nele carregadas, quando deixadas sem guarda, a não ser que:
O sinistro ocorra entre as 8 e as 20 horas.
O veículo transportador tenha todas as portas fechadas à chave, a porta de acesso à caixa de carga tenha sido fechada com um selo de aço ou cadeado e o sinistro seja consequência de arrombamento do veículo transportador, com vestígios evidentes de violação.
Seja participado às autoridades competentes da localidade da ocorrência, logo que do mesmo haja conhecimento.
O alarme contra intrusão, caso o veículo transportador o possua, esteja ligado no momento da ocorrência do sinistro.
O Segurado tenha tomado as precauções razoáveis de segurança.
5. Fora do período indicado, o furto ou roubo do veículo transportador e/ou das mercadorias nele carregadas ficam garantidos, desde que:
As viagens sejam programadas para que durante as paragens nocturnas para descanso, o veículo se encontre estacionado em parques iluminados, totalmente vedados, com guarda e vigilância.
No caso de não existirem parques com as características referidas no parágrafo anterior num raio de 50 quilómetros, o veículo transportador seja estacionado em parques iluminados, juntamente com outros veículos transportadores.
O veículo transportador tenha todas as portas fechadas à chaves a porta de acesso à caixa de carga tenha sido fechada com um selo de aço ou cadeado.
O sinistro seja participado às autoridades competentes da localidade da ocorrência, logo que do mesmo haja conhecimento.
O alarme contra a intrusão, caso o veículo transportador possua, esteja ligado no momento da ocorrência do sinistro.
O motorista não abandone o veículo transportador.”.
X. Devemos assim concluir pela não aplicação da retro-elencada cláusula de exclusão.
Y. Primeiro não foi concretamente apurado o momento (hora) em que foi furtada a mercadoria (ónus que impendia sobre a seguradora Y... nos termos do artigo 342.º n.º 2 do Código Civil), pois cabia-lhe provar de que o furto ocorreu fora do período temporal circunscrito entre as 8h00 e as 20h00, pelo que nesta égide não pode ser excluída a possibilidade de a mesma ter sido furtada entre as 16h30 e as 20h00 do dia 3 de Dezembro de 2014.
Z. Segundo, atendendo ao facto do motorista da ré apelante não ter efectuado a descarga no dia 3 de Dezembro por recusa do transitário em que foi acordada a descarga, sem olvidar que se tratava do segundo transporte internacional de mercadorias do motorista da ré, este procurou um parque de estacionamento com boas ou, pelo menos, razoáveis condições de segurança, tendo sido indicado pelo GPS o parque “London ...”. (Ponto 10 e 11 dos factos provados)
AA. Terceiro que o parque de estacionamento em apreço era acessível apenas por quem circulava na auto-estrada, o seu uso era pago, a entrada e saída era controlada por câmaras (sendo este o método através do qual se controlava o pagamento), dispunha de câmaras no recinto, dispunha de boa iluminação e o motorista estacionou o veículo no lugar mais próximo das bombas de combustíveis entre dois camiões que se encontravam também ali aparcados. (Pontos 12 a 15 dos factos provados).
BB. E com base nesta factualidade, afigura-se claro que o motorista estava perante um parque que oferecia “razoáveis condições de segurança” pelo que em conjunto com a restante factualidade mencionada a ora recorrente respeitou claramente este requisito.
CC. Consequentemente, e com relevância para o que aqui se discute e no que à matéria de facto diz respeito, a douta sentença recorrida deveria ainda ter considerado como provados os seguintes factos:
i) Ter sido o segundo transporte internacional de mercadorias do motorista, tal como resultante do depoimento da testemunha BB (minuto 06:01 da gravação);
ii) Que o motorista da apelante estacionou o veículo no lugar livre mais perto das bombas de abastecimento para que as câmaras de vigilância salvaguardassem a captura de imagens do local em que se encontrava o veículo, tal como resultou do depoimento da testemunha BB (minuto 08:38 da gravação e certificado de vistoria da P... junto como documento 4 da contestação da ré Y...);
iii) Que o veículo foi aparcado entre dois camiões, tal como resultou do depoimento da testemunha BB (minuto 09:24 da gravação);
iv) Que a responsabilidade pelo sinistro não fica excluído do Contrato sendo a responsabilidade da chamada/ré Y... por ter sido transferido o risco da actividade da ora apelante para aquela mediante a Apólice de seguro n.º ......
DD. Deveria, por isso, ter sido condenada a ré Y... no pagamento da indemnização peticionada pela autora por ter sido transferido o risco da actividade da ora apelante para aquela mediante a Apólice de seguro n.º ......
E Mais,
EE. No que concerne à responsabilidade da apelante pela perda da mercadoria, concluiu o Tribunal de primeira instância pela aplicação do disposto nos artigos 3.º e 17.º n.º 1 da CMR, considerando não estar verificada nenhuma excepção prevista no artigo 17.º n.º 2 da CMR, tendo considerado a sua actuação a título de negligência grosseira, realidade que contende com os factos provados nos pontos 10.º a 15.º dos factos provados.
FF. Ora relembramos que à apelante não lhe foi permitido proceder à descarga da mercadoria no dia 3 de Dezembro de 2014, por motivos alheios à sua vontade.
GG. Ainda, foram tomadas várias diligências de acautelamento, mormente a procura de um local de parqueamento pago, com movimentação, onde se encontravam outros veículos pesados de mercadorias estacionados, com iluminação, circuito de videovigilância e acesso reservado, uma vez que tanto a entrada e a saída eram efectuadas através da auto-estrada e eram controladas por câmaras que dessa forma controlam quem efectua o pagamento do parque, não sendo culpa da apelante o facto de as câmaras não abrangerem o local onde o veiculo estava estacionado, pois nem que o quisesse comprovar não tinha forma de o fazer.
HH Mesmo assim, a douta sentença considerou que “Não cremos que possamos dizer, sem margem para dúvidas, que o motorista previu esse resultado. Não obstante o mesmo saber que o camião tinha as partes laterais em lona e que a carga era valiosa, o mesmo estacionou num local iluminado e perto de outros veículos pesados, num parque que foi pago, pelo que poderia não ter previsto aquele resultado.”.
II. Em sentido contrário, consideramos que foram tomadas as diligências consideradas razoáveis e exigíveis a um bom pai de família, sendo certo que o motorista, dados os circunstancialismos todos quanto à segurança do veículo, e características do parque, não configurou como possível a ocorrência de um furto naquele local.
JJ. Somos do entendimento que a classificação da actuação do motorista da recorrente deve ser considerada quanto muito como mera negligência leve, já que tudo fez ao seu alcance para acautelar a segurança do veículo e da mercadoria.
KK. Por fim e sumarizando deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os seguintes factos:
i. Que o valor que a G... Ltd reclamou perante a C... foi de €49.660,60;
ii. Que o concreto valor da mercadoria furtada foi de 28.944,82;
iii. Que foi furtado vinho do porto do camião da ré B... Ld.ª, furto esse da mercadoria com o peso de pelo menos 4.316,08 Kg.
iv. Ter sido o segundo transporte internacional de mercadorias do motorista BB;
v. Que o motorista BB estacionou o veículo no lugar livre mais perto das bombas de abastecimento para que as câmaras de vigilância salvaguardassem a captura de imagens do local em que se encontrava o veículo;
vi. Que o veículo foi aparcado entre dois camiões.
vii. Que a actuação do motorista BB deve ser considerada meramente negligencia.
viii. Que a responsabilidade pelo sinistro não fica excluído do Contrato de seguro celebrado com a chamada/ré Y... mediante a Apólice de seguro n.º ......
LL. E não provados os seguintes factos:
i. Que a G... Ltd tenha suportado os custos com imposto sobre o álcool, os custos suportados a nível administrativo e custos com portes.
MM. Violou a sentença recorrida as seguintes disposições legais:
i. Artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC;
ii. Artigo 17.º n.º 2 da CMR
iii. Artigo 23.º n.ºs 1 e 3 e 29.º da Convenção CMR.
iv. Artigo 4.º e 5.º das cláusulas gerais da apólice da chamada Y....

A autora e a chamada/apeladas juntaram aos autos as suas contra-alegações onde pugnam pela confirmação da decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. No âmbito da sua actividade de seguradora a autora subscreveu com a sociedade E... S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..... cuja cópia se encontra junta a fls. 15 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A referida apólice de seguro cobre, entre outros, os riscos da actividade da E... S.A. e dos segurados adicionais aí referidos onde se inclui a A... como transitária (agente ou principal), armazenista (com armazéns próprios e arrendados), operador de transporte.
3. A sociedade portuguesa Quinta ... vendeu à sociedade G... Ltd, do Reino Unido garrafas de vinho do Porto nas quantidades e qualidades que se encontram discriminados na factura n.º ...24 no valor de £59.153,50 Libras Esterlinas, com o peso bruto de 19.422,40 Kg, cuja cópia se encontra junta a fls. 22/23.
4. A sociedade G... Ltd, encarregou o transitário C... S.A. de organizar e proceder ao transporte da referida mercadoria, desde o Lugar ... em ... até às instalações da Z... Ltd., ..., ..., Reino Unido.
5. A C... encarregou a A... S. L. de organizar e efectuar esse transporte.
6. A A... S. L encarregou a 1.ª ré B... Ld.ª, de efectuar o transporte de 27 paletes de vinho do Porto com o peso bruto de 19.422,40 Kg, desde as instalações da Quinta... em ... até às instalações da Z... Ltd., ... no Reino Unido, nos termos e condições constantes da ordem de carga cuja cópia se encontra junta a fls. 24 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. A ré debitou à A... S. L. a quantia de €2.275,00 referente ao custo desse transporte identificado com a referência TC 7008400 conforme factura FT.../.... cuja cópia se encontra junta a fls. 25 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. As 27 paletes de vinho foram recolhidas nas instalações da Quinta... no Lugar ..., ... no dia 27 de Novembro de 2014 e entrou aí no atrelado L-...... rebocado pelo camião matrícula ..-ON-.., tendo seguido viagem em direcção ao Reino Unido.
9. A mercadoria não apresentava qualquer avaria quando foi carregada nas instalações da Quinta... em ....
10. No dia 3 de Dezembro de 2014 quando o motorista chegou às instalações da Z... Ltd., em ..., ... (Reino Unido) devido ao adiantado da hora não foi possível proceder à descarga da mercadoria, tendo que regressar no dia seguinte.
11. O motorista decidiu então estacionar o camião carregado de vinho do Porto numa estação de serviço denominada London ... que se encontra na auto-estrada ... a norte de Londres, tendo pago o correspondente preço.
12. Nessa estação de serviço existe uma zona de estacionamento para autocarros de turismo, veículos pesados, um posto de abastecimento de gasolina e um hotel.
13. O motorista chegou a essa estação de serviço no dia 3 de Dezembro de 2014 onde estacionou o camião por volta das 16:30 horas tendo decidido ir para casa de um amigo.
14. O referido parque de estacionamento era iluminado, não era vedado e era acessível a quem circulava na auto-estrada, sendo que no mesmo estavam estacionados mais camiões.
15. O mesmo não tinha guarda e possuía câmaras de videovigilância que não abrangiam o local onde o veículo foi estacionado.
16. O condutor do veículo regressou à estação de serviço no dia seguinte, 4 de Dezembro de 2014, por volta das 09:00 horas.
17. Quando arrancou com o veículo apercebeu-se que as lonas do reboque estavam a abanar e deparou-se com rasgos nas mesmas, tendo-se apercebido que parte da mercadoria tinha sido furtada.
18. De imediato, pediu para ligarem às autoridades que tomaram conta da ocorrência.
19. Após, o motorista do camião deslocou-se às instalações da Z... Ltd., para descarregar a restante mercadoria, tendo o destinatário aposto no CMR as seguintes reservas: “17 paletes OK, faltam 6 paletes, faltas em 2 paletes e 2 paletes molhadas por causa da chuva”.
20. A G... Ltd, dona da mercadoria reclamou junto do transitário C... o pagamento de £39.225,76 referente indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, conforme factura n.º 2014-......
21. Esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em Euros 28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £2.399,84 (correspondente a €3.009,99) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040.82).
22. A C... pagou esse valor ao dono da mercadoria tendo debitado o montante de €49.660,60 à A... S. L. a quem incumbira de organizar e efectuar o transporte, conforme factura n.º ......... de 31.12.2014.
23. A A... S. L reclamou junto da ré imputando-lhe a responsabilidade pelos prejuízos causados pelo roubo da mercadoria durante o transporte e, ao abrigo da apólice de seguro n.º ........., participou o sinistro à autora.
24. A autora depois de instruído o respectivo processo de sinistro e ao abrigo dessa apólice pagou ao seu segurado A... S. L. a quantia de €49.660,60.
25. Feito o pagamento, a autora reclamou à ré o valor pago ao seu segurado, enviando-lhe a documentação justificativa dessa mesma reclamação, o que fez por cartas registadas enviadas no dia 16 de Outubro e 16 de Novembro de 2015 que a ré recebeu, respectivamente, nos dias 27 de Outubro e 25 de Novembro de 2015, bem como por carta remetida a 17 de Março de 2016.
26. A ré celebrou com a Y..., Companhia de Seguros, SA um contrato de seguro de “Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário – CMR”, com apólice n.º ........., conforme condições particulares e condições gerais e especiais juntas a fls…
27. O contrato de seguro “garante a responsabilidade civil do segurado que, nos termos da Convenção, lhe seja imputável na qualidade de Transportador Rodoviário Internacional de Mercadorias” – art.º 2.º, n.º 1, das condições gerais.
28. A interveniente garante “até ao limite do valor seguro nas condições particulares, o pagamento de indemnizações que, nos termos da Convenção, sejam devidos pelo segurado na qualidade de transportador, em consequência de perdas ou danos causados às mercadorias transportadas no veículo transportador, exclusivamente durante o respectivo transporte” – art.º 3.º, n.º1, das condições gerais, sendo o capital seguro é de €170.000,00.
29. Em caso de sinistro, é aplicável uma franquia de 20% dos prejuízos indemnizáveis, com um mínimo de €500,00.
30. O furto mencionado em 17 foi participado à Y..., Companhia de Seguros, SA, sendo que esta, em 20.03.2015, comunicou à segurada, aqui ré, que os prejuízos reclamados não estão cobertos pelo contrato de seguro, o que reafirmou em 20.05.2015 e 23.05.2015.

Não se julgaram provados os seguintes factos:
1. A ré subcontratou o transporte mencionado em 6 dos factos provados a uma empresa denominada W... Ld.ª.
2. O motorista em nenhum momento abandonou o veículo, com excepção do jantar.
3. Na manhã seguinte, ou seja, a 4 de Dezembro, o motorista acordou, por volta das 8h30 na cabine do veículo e após ter tomado café, por volta das 9h00.
4. A cerca de 48km do local de descarga existia um parque de estacionamento para veículos pesados aberto 24 horas, cercado e vigiado, onde o motorista poderia ter estacionado o camião.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da ré/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada nulidade da sentença.
2.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
3.ª – De Direito.
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Em suma, por via da presente acção a autora/seguradora, veio ao abrigo do direito de sub-rogação que alega, lhe assistir demandar a ré/transportadora pedindo o pagamento do valor correspondente à indemnização que tinha pago à sua segurada em consequência do sinistro em apreço nos autos (furto de parte da mercadoria transportada pela ré).
A autora alegou e logrou fazer prova, em síntese, de que a dona da mercadora - G... Ltd, - reclamou junto do transitário - C... - o pagamento de £39.225,76, a título de indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, e esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em €28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £2.399,84 (correspondente a €3.009,99) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040.82).
O transitário – C... - pagou esse valor ao dono da mercadoria tendo debitado o montante de €49.660,60 à A... S. L (segurada da autora) a quem incumbira de organizar e efectuar o transporte, e esta participou o sinistro à autora ao abrigo da apólice de seguro n.º ......... e reclamou junto da ré imputando-lhe a responsabilidade pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte. Tendo a autora ao abrigo dessa apólice pago à sua segurada - A... S. L - a quantia de €49.660,60.
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A 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente e em consequência, condenou a ré – transportadora - no pagamento à autora da quantia de €46.660,60, acrescida de juros de mora, à taxa de 5% ao ano, contados desde 27 de Outubro de 2015 e até efectivo e integral pagamento, absolvendo a chamada, Y..., Companhia de Seguros, SA, do pedido.
Para tanto, considerou-se, além do mais, que: “(…) A autora fundamenta o seu pedido de condenação da ré alegando que o desaparecimento da mercadoria ocorreu durante o transporte a cargo desta e que a ré não cumpriu com as obrigações que assumiu enquanto transportador já que estacionou o camião, revestido a lona, carregado de garrafas de vinho do Porto num parque de estacionamento de uma estação de serviço de uma auto-estrada, sem qualquer tipo de vigilância, sendo que o motorista desse camião abandonou o veículo desde as 16h30m do dia 3.12.2014 até às 9h do dia 4.12.2014, sem qualquer tipo de vigilância.
(…)
Analisada a factualidade dada como provada dela resulta que a Autora subscreveu com a sociedade E... S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..... cuja cópia se encontra junta a fls. 15 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que a mesma cobre, entre outros, os riscos da actividade da E... S.A. e dos segurados adicionais aí referidos onde se inclui a A... como transitária (agente ou principal), armazenista (com armazéns próprios e arrendados), operador de transporte.
Mais resultou provado que a sociedade portuguesa Quinta ... vendeu à sociedade G... Ltd, do Reino Unido garrafas de vinho do Porto no valor de £ 59.153,50 Libras Esterlinas, com o peso bruto de 19.422,40 Kg, sendo que a compradora encarregou o transitário C... de organizar e proceder ao transporte da referida mercadoria.
Esta C... encarregou a A... S.L.de organizar e efectuar esse transporte e esta, por sua vez, encarregou a ré de efectuar o transporte da mercadoria.
A ré efectuou o aludido transporte de mercadoras. A verdade, contudo, é que, durante esse transporte, parte da mercadoria veio a ser furtada.
O transportador obriga-se a entregar a mercadoria no local de destino, na mesma quantidade e estado em que a recebeu, bastando ao interessado, seja expedidor ou destinatário, alegar e provar que a mercadoria foi entregue ao primeiro e que este a não entregou no destino ou que a entregou danificada.
A regra é a de que ele é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, designadamente pelos actos ou omissões dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorra para a execução do transporte, quando esses agentes ou pessoas atuem no exercício das suas funções, como se fossem cometidos por ele próprio. É o que decorre dos art.ºs 3.º e 17.º, n.º 1, da CMR.
(…)
Resulta deste preceito legal que só em circunstâncias extraordinárias se justificará eximir o transportador da responsabilidade pela perda da mercadoria, sendo exigível que a transportadora e os respectivos motoristas tenham sempre presente a possibilidade de furtos durante o trajecto, e que tomem as precauções possíveis, nomeadamente escolhendo locais de paragem menos isolados, mais iluminados e frequentados, que diminuam a possibilidade de assaltos ou do sucesso dos mesmos. A conclusão dependerá sempre do juízo que houver de fazer-se do grau de diligência e da atitude do transportador, antes, durante e depois do evento.
No caso em apreço, atendendo ao que resultou provado afigura-se-nos manifesto que o motorista da ré não agiu com a diligência que lhe seria exigível e não adoptou as medidas que se revelam adequadas de forma a proteger a mercadoria que transportava.
(…)
Face ao que resultou provado afigura-se-nos, pois, que não estão verificadas as circunstâncias que, nos termos do art.º 17.º, n.º 2 da CRM, justificariam que se tivesse por excluída a responsabilidade da ré.
Subsiste como tal a responsabilidade desta ré perante a autora enquanto sub-rogada no direito da sua segurada.
(…)
Assim, afirmando-se a responsabilidade da ré pela perda das referidas mercadorias, deva afirmar-se a responsabilidade da ré perante a autora que, na qualidade de seguradora, ficou sub-rogada por via do pagamento que efectuou à A... no direito que assistia a esta.
Com efeito, nos termos do art.º 136.º do RJCS (aprovado pela DL n.º 72/2008, de 16.04) o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.
(…)
Nos artigos 23.º e 25.º da CRM são previstos limites valorativos da indemnização a atribuir, que não podem ultrapassar, em regra, e no caso de perda da mercadoria, o valor da mesma no lugar e época em que foi aceite para transporte, calculado pela cotação da mesma em bolsa, ou quando não for possível, pelo preço usualmente praticado no mercado, ou, na falta destes parâmetros, pelo valor corrente de mercadoria de idêntica natureza e qualidade, não sendo admissível a indemnização de quaisquer outros danos causados pela perda da mercadoria.
No caso em apreço, apurando-se que valor da mercadoria furtada, seria esse o valor pelo qual seria responsável a ré.
Na petição inicial a autora entende que a ré deve ser responsável pelo pagamento da quantia peticionada – que excede o valor da mercadoria furtada – por entender que é de aplicar ao caso o disposto no art.º 29.º, n.º 1 da Convenção CRM que preceitua que “o transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”
Diz a autora que o roubo da mercadoria transportada num camião de lona abandonado durante a tarde e noite não é um caso fortuito ou inevitável, resultando de falta imputável ao transportador e aos comportamentos negligentes do motorista que integram o conceito de dolo eventual.
Poder-se-á considerar que o motorista, ao estacionar o veículo com uma carga que pode ser considerada valiosa naquele local e ao abandonar o veículo previu que o furto poderia ocorrer e conformou-se com essa possibilidade?
Não cremos que possamos dizer, sem margem de dúvidas, que o motorista previu esse resultado.
Não obstante o mesmo saber que o camião tinha as partes laterais em lona e que a carga era valiosa, o mesmo estacionou num local iluminado e perto de outros veículos pesados, num parque que foi pago, pelo que poderia não ter previsto aquele resultado.
De qualquer forma, no que concerne ao conceito de conduta equiparável ao dolo, deverá a mesma entender-se, por referência ao previsto no ordenamento jurídico nacional, à culpa grave ou negligência grosseira.
E a este propósito resultou provado que o motorista da ré não tomou efectivamente todas as medidas que poderia ter tomado para evitar o furto que veio a ocorrer, tendo abandonado o veículo com a sua carga no interior cerca de 17 horas, em parque que não era vedado, era acessível a qualquer pessoa que circulasse na auto-estrada e que não tinha guarda, nem videovigilância.
Cremos, assim, que os factos apurados são suficientes para ter como configurada uma conduta grosseiramente negligente ou temerária por parte do motorista da ré que justifica a sua equiparação ao dolo para efeitos do art.º 29.º, n.º 1 da mesma Convenção.
E, em consequência, não pode a ré prevalecer-se das disposições previstas na CMR que limitam a sua responsabilidade, pelo que deve ser condenada na totalidade dos danos provocados e não só no valor da mercadoria furtada.
(…)
Assim, comprovando-se que esse corresponde ao valor dos danos deve ser esse o valor a pagar pela ré.
Aqui chegados, a questão que se nos coloca é a de saber se, tendo a ré celebrado com a Y..., Companhia de Seguros, SA um contrato de seguro de “Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário – CMR”, deve ser esta a pagar tal valor.
Diz a chamada que, de acordo com o art.º 4.º, n.º 5, das condições gerais, o furto encontra-se excluído.
(…)
Como acima dissemos, esse normativo prevê que ficam excluídos do contrato o furto ou roubo do veículo transportador e/ou das mercadorias nele guardadas, quando deixadas sem guarda, a não ser que o sinistro ocorra entre as 8 e as 20 horas, o veículo transportador tenha todas as portas fechadas à chave, a porta de acesso à caixa de carga tenha sido fechada com selo de aço ou cadeado e o sinistro seja consequência de arrombamento do veículo transportador, com vestígios evidentes de violação, seja participado às autoridades competentes da localidade da ocorrência, logo que do mesmo haja conhecimento, o alarme contra intrusão, caso o veículo transportador o possua, esteja ligado no momento da ocorrência do sinistro e o segurado tenha tomado as precauções razoáveis de segurança.
(…)
Em consequência, deve a ré ser condenada no pagamento, à autora, da quantia peticionada de €46.660,60 (uma vez que o tribunal está limitado pelo pedido), absolvendo-se a Y..., Companhia de Seguros, SA.
A autora pediu ainda a condenação da ré a pagar-lhe juros sobre essa quantia à taxa de 5% desde a data do pagamento (01 de Outubro de 2015) até integral pagamento.
Nos termos do art.º 27.º, n.º 1, da Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada - CMR o interessado pode pedir juros da indemnização. Estes juros, calculados à taxa de 5% ao ano, contam-se desde o dia em que a reclamação foi dirigida ao transportador, ou, se não houver reclamação, desde o dia em que intentou acção judicial.
Nos autos não foi alegado, nem provado, que à ré – transportadora – foi feita qualquer reclamação por quem a contratou, sendo certo que a primeira interpelação que a ré lhe dirigiu foi realizada em 27.10.2015 e não na data desse pagamento.
Assim, deve a ré ser condenada no pagamento dos juros de mora, à taxa de 5%, contados desde 27.10.2015 e até efectivo e integral pagamento (…)”
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1.ªquestão – Da alegada nulidade da sentença.
Começa a ré/apelante por defender que a sentença recorrida enferma de nulidade, uma vez que o Tribunal conheceu de factos de que não podia conhecer. Em concreto, argumenta a apelante que a 1.ª instância incorreu em excesso de pronúncia ao condená-la no pagamento do valor dos custos administrativos, portes e impostos sobre o álcool referente à mercadoria furtada.
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Como é sabido, segundo o disposto no art.º 615.º n.º1 al. d) do C.P.Civil, a sentença é nula se deixa de conhecer na sentença de questões de que devia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608.º n.º2 do C.P.Civil, cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 690 e Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 247, segundo o qual deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Em suma, a nulidade da al. d) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, é assim a sanção pela violação do disposto no art.º 608.º n.º 2 do C.P.Civil, o qual impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação mas, por outro lado, de só poder ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do Tribunal (omissão ou excesso de pronúncia).
Importa, porém, ter em atenção que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e/ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito. Sendo que as questões que o Tribunal está obrigado a conhecer são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções invocadas nos autos. Ou, seja como já se decidiu “essas questões centram-se nos pontos fáctico-jurídicos que estruturam as posições das partes na causa, designadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções”, finalmente sempre se dirá que é inconfundível a invocação da nulidade em apreço com eventual erro de apreciação da prova ou de direito.
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Mas, sobre a questão em apreço, escreveu-se na decisão recorrida, além do mais, que: “(…) Na petição inicial a autora entende que a ré deve ser responsável pelo pagamento da quantia peticionada – que excede o valor da mercadoria furtada – por entender que é de aplicar ao caso o disposto no art.º 29.º, n.º 1 da Convenção CRM que preceitua que “o transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”
(…)
Cremos, assim, que os factos apurados são suficientes para ter como configurada uma conduta grosseiramente negligente ou temerária por parte do motorista da ré que justifica a sua equiparação ao dolo para efeitos do art.º 29.º, n.º 1 da mesma Convenção.
E, em consequência, não pode a ré prevalecer-se das disposições previstas na CMR que limitam a sua responsabilidade, pelo que deve ser condenada na totalidade dos danos provocados e não só no valor da mercadoria furtada.
Da factualidade dada como provada resulta que a G... Ltd, dona da mercadoria reclamou junto do transitário C... o pagamento de £39.225,76 referente indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, conforme factura n.º 2014-......, sendo que esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em Euros 28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £2.399,84 (correspondente a €3.009,99) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040.82).
A C... pagou esse valor ao dono da mercadoria tendo debitado o montante de €49.660,60 à A... S. L, sendo que esta reclamou junto da Ré imputando-lhe a
responsabilidade pelos prejuízos causados pelo roubo da mercadoria durante o transporte e, ao abrigo da apólice de seguro n.º ........., participou o sinistro à Autora, tendo a autora pago à sua segurada A... S. L. a quantia de €49.660,60.
Assim, comprovando-se que esse corresponde ao valor dos danos deve ser esse o valor a pagar pela ré (…)”.
Perante as considerações que acima deixamos consignadas e considerando o que consta da decisão recorrida, é manifesto que não assiste qualquer razão à ré/apelante pois que a 1.ª instância conheceu, e apenas conheceu, das questões de facto e de Direito trazidas aos autos pelas partes, mormente pela autora, e revelantes para se atingir a verdade material, ou seja, verificar se assistia à autora o direito ressarcida pelo exacto valor por que indemnizou a sua segurada.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, inexiste a apontada nulidade da decisão recorrida.
Improcedem as respectivas conclusões da ré/apelante.
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2.ªquestão – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
De seguida, vem a ré/apelante defender que a 1.ª instância fez errada interpretação da prova produzida nos autos e consequentemente errou ao decidir da matéria de facto, mormente quando julgou provado que: “20 - A G... Ltd, dona da mercadoria reclamou junto do transitário C... o pagamento de £39.225,76 referente indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, conforme factura n.º 2014-......” e “21- Esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em Euros 28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £2.399,84 (correspondente a €3.009,99) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040.82)”, sendo que no seu entendimento tais factos deveriam ser julgados não provados. Devendo, por seu turno ser julgado provado que: “o valor que a G... Ltd. reclamou perante a C... foi de €49.660,60” e que “o concreto valor da mercadoria furtada foi de €28.944,82”.
Mais defende a ré/apelante que deveria ter sido julgado provado que “o motorista da apelante estacionou o veículo no lugar livre mais perto das bombas de gasolina para que as câmaras de vigilância salvaguardassem a captura de imagens do local em que se encontrava o veículo” e que “no local em que estacionou o veículo tinha mais camiões estacionados, quer do lado direito como do lado esquerdo”.
E finalmente defende a ré/apelante que deveria ter sido julgado provado que: “este transporte foi o segundo transporte internacional de mercadorias do motorista da ré/apelante” e que “entre as 16h30 do dia 3 de Dezembro de 2014 e as 09h00 do dia 4 de Dezembro de 2014, foi furtado vinho porto do camião da Ré B... Lda. com o peso mínimo de 4.316,08 Kg”.
Para tanto, a apelante chama à colação o teor dos depoimentos das testemunhas AA, CC e BB e o teor de documentos juntos aos autos.
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Como se sabe, no que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil.
Como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 127, resulta de tal preceito que “...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação…”, ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta excepções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada.
Os recursos de reponderação, segundo o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, “...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão”. Por isso, havendo gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como no presente caso se verifica, temos que, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
Não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, “...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...”.
Decorre também do preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15.12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”.
Vendo ainda esse preâmbulo, dele consta também que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal não pode esquecer-se que, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do C.P.Civil, “O juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo Tribunal, como resulta do disposto no art.º 396.º do C.Civil.
Atendo em atenção o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que:
a) - Especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
b) - Indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Devendo ainda, desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.
c) – Indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Está assim hoje legalmente consagrada o dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o Tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica”, corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.
No caso em apreço, podemos considerar que a ré/apelante cumpriu, minimamente, aqueles ónus de alegação, cfr. art.º 640.º do C.P.Civil.
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Efectivamente a 1.ª instância, julgou, além do mais, provado que:
20. A G... Ltd, dona da mercadoria reclamou junto do transitário C... o pagamento de £39.225,76 referente indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, conforme factura n.º 2014-......
21. Esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em Euros 28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £2.399,84 (correspondente a €3.009,99) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040.82).
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Como resulta da decisão recorrida, a 1.ª instância fundamentou, de forma cabal e assaz detalhada, a decisão da matéria de facto no que tange aos supra referidos factos e de onde consta: “(…) Relativamente à factualidade ínsita nos pontos 20 e 21 atendeu-se à factura junta a fls. 55, sendo que, analisada a mesma, constatamos que nela foi inscrito o valor da mercadoria furtada, o valor correspondente ao frete pago, um valor referente a custos administrativos sobre a mercadoria furtada e um valor respeitante a imposto de álcool sobre mercadoria furtada (…)”.
Depois de ouvida, cuidadosamente, a gravação de todos os depoimentos prestados em audiência, designadamente os chamados à colação pela ré/apelante –os depoimentos das testemunhas AA, CC e BB – e intuindo dos silêncios, das frases incompletas, das contradições, das imprecisões da exposição e mesmo dos diversos níveis das vozes, que resultam bem audíveis, tudo interpretado à luz da sua razão de ciência e, depois de analisada, ponderada e criticada a respectiva prova documental junta aos autos, não se encontram razões que permitam concluir que a decisão sobre a matéria de facto em apreço se encontre eivada de erro e, menos ainda, de erro manifesto ou grosseiro.
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2.1. – Da reapreciação da prova.
Mas vejamos.
Ora visto o teor do documento junto com a p. inicial - factura n.º º 2014-I….. de 4.12.2014, no valor de £39.225,76 (libras esterlinas) emitida por G... Ltd, à C... (C... S.A.) referente ao valor dos prejuízos sofridos pela primeira derivados do furto ocorrido no Reino Unido e sofrido pela mercadoria em apreço durante o seu transporte.
Tal facto foi aliás confirmado pelas declarações das testemunhas AA e CC, trabalhadores da A... S. L que confirmaram que a transitária C... encarregou a sua empresa de organizar o transporte, mas esta subcontratou a ré/B... de o realizar e que efectivamente o fez.
Logo nenhuma censura nos merece o vertido no facto n.º 20 da matéria de facto julgada provada em 1.ª instância.
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Quanto ao ponto 21 da matéria de facto provada, dir-se-á que vendo o teor do mesmo documento, efectivamente a soma do valor da mercadoria que foi furtada foi de £23.146,59 (£2.240.40 + £6.970,00 + £1.937,60 + £3.864,00 + £1.917,50 + £2.115,20 + £1.981,76 + £2.116,88 + £3,75), o que ao câmbio da factura de venda perfaz a quantia de €28.944,81. Dessa mesma factura consta ainda que foi facturado/reclamado o proporcional do valor do frete de £851,40 (o que equivale a €1.064,67); o proporcional do valor dos custos administrativos de £2.399,84 (o que correspondente a €3.009,99) e o proporcional do valor do imposto sobre o álcool, tudo relativamente à mercadoria furtada no valor de £12.827,53 (o que equivale €16.040.82) e que tinha sido pago pela compradora – ou seja, 6 paletes inteiras e parte de 2 outras paletes, do total de 27 paletes que constituía a mercadoria transportada.
Mais resulta do teor do documento n.º10 junto com a p. inicial que o transitário – C... - pagou esse valor à dona da mercadoria, tendo debitado esse montante de €49.660,60 à A... S. L, (encarregada de organizar o transporte) segurada da ora autora, que lhe oportunamente participou o sinistro, e consequentemente recebeu da autora, ao abrigo da apólice de seguro n.º ........., a quantia de €49.660,60. Facto que também foi confirmado pelo global do depoimento das testemunhas AA e CC.
Atento ainda o teor dos documentos juntos a fls. 412 e 413 dos autos, é manifesto que a A... S. L, pagou à C... o valor facturado e constante do documento junto a fls. 56 dos autos.
Logo, também nenhuma censura nos merece ter-se julgado provado o que consta do ponto 21 da matéria de facto julgada provado em 1.ª instância.
Pelo que por tudo o que se deixa consignado, considerando ainda o teor do despacho de fundamentação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, o teor dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos prestados em julgamento, e como é sabido, devendo o Juiz apreciar livremente todas as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, cfr. art.º 607.º n.º5 do C.P.Civil, julgamos que a decisão proferida em 1.ª instância sobre os factos em apreço neste recurso deve manter-se inalterada, já que não se vislumbra que a mesma enferme de erro e, muito menos, erro grosseiro ou manifesto, não merecendo esta, por isso, qualquer censura.
Improcedem as respectivas conclusões da ré/apelante.
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2.2. – Da ampliação da matéria de facto.
Como é sabido, a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Concretizando, o conteúdo da decisão de facto pode apresentar-se excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais ou complementares e concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil ou pode o conteúdo da mesma decisão traduzir-se na integração nos factos provados ou não provados de pura e inequívoca matéria de direito. E para além disso, pode acontecer que a decisão se revele total ou parcialmente deficiente, obscura ou contraditória, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladoras de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.
Perante uma dessas situações o Tribunal da Relação tem o dever de delas conhecer, oficiosamente, (independentemente da existência ou não de impulso da parte interessada) e de as poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento, como resulta do preceituado no art.º 662.º n.º2, al. c), do C.P.Civil, ou seja, “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
Depois destas linhas gerais e analisando o caso concreto dos autos, neles não vislumbramos qualquer deficiência no elenco factual julgado provado em 1.ª instância, ou seja, não vislumbramos que tenham sido desconsiderados factos que se revelam essenciais para a boa e justa decisão do presente litígio.
Mas vejamos.
Pretende a ré/apelante que se adite os seguintes factos:
-“o motorista da apelante estacionou o veículo no lugar livre mais perto das bombas de gasolina para que as câmaras de vigilância salvaguardassem a captura de imagens do local em que se encontrava o veículo”;
- “no local em que estacionou o veículo tinha mais camiões estacionados, quer do lado direito como do lado esquerdo”;
-“este transporte foi o segundo transporte internacional de mercadorias do motorista da ré/apelante”;
-“entre as 16h30 do dia 3 de Dezembro de 2014 e as 09h00 do dia 4 de Dezembro de 2014, foi furtado vinho porto do camião da ré B... Ld.ª. com o peso mínimo de 4.316,08 Kg”.
Quanto ao facto de o motorista da ré/apelante ter estacionado o veículo entre outros camiões e quanto ao facto de ser a segundo transporte internacional que realizava são, salvo o devido respeito, facto absolutamente inócuos para a boa decisão da causa qualquer que seja a solução plausível de Direito. Na verdade, nenhum daqueles factos aumenta ou diminuiu a potencial responsabilidade de qualquer motorista de transporte internacional, pela ocorrência de uma qualquer vicissitude que venha a ocorrer durante o transporte, como “in casu” o furto de parte da mercadoria transportada no veículo, razão pela qual o seu aditamento ao complexo fáctico dos autos é absolutamente inócuo, pois que é obrigação do mesmo tão só fazer chegar a dita mercadoria em tempo e nas devidas condições de conteúdo e de conservação ao local de descarga.
Quanto ao facto de o motorista da apelante ter estacionado o veículo no lugar livre mais perto das bombas de gasolina para que as câmaras de vigilância salvaguardassem a captura de imagens do local em que se encontrava o veículo, não obstante tal ter sido declarado pelo dito motorista - a testemunha BB que foi empregado da ré/apelante desde Novembro de 2014 até Janeiro de 2016 - como sendo a sua intenção à ocasião, certo é que nenhuma outra prova foi feita nos autos, por forma a corroborar que as câmaras de vigilância das aludidas bombas de gasolina abrangiam efectivamente a zona onde o veículo foi estacionado, sendo certo que está provado nos autos, e não foi impugnado pela ré/apelante que – “15. O mesmo (estação de serviço denominada London ... que se encontra na auto-estrada ... a norte de Londres) não tinha guarda e possuía câmaras de videovigilância que não abrangiam o local onde o veículo foi estacionado”. E ainda como se refere na decisão recorrida “(…) atendendo, desde logo, ao email do polícia que foi chamado ao local da ocorrência junto a fls. 137 (cuja tradução foi junta aos autos a fls. 295) que claramente refere que as câmaras existentes no parque não teriam filmado o camião devido à sua posição. Por outro lado, analisado o relatório junto a fls. 135 constatamos que o perito que o elaborou referiu que falou com o motorista e que este lhe transmitiu “que se deslocou à zona das caixas das bombas de combustíveis, no sentido de apurar se tinham detectado alguma coisa, mas foi informado que o CCTV não abrangia a área onde o camião estava aparcado”.
Finalmente e no que concerne ao alegado peso mínimo da mercadoria efectivamente furtada, é nossa segura convicção de que não foi feita a mínima prova cabal e segura do peso bruto da mercadoria furtada, aliás o próprio motorista da ré/apelante BB declarou que quando chegou ao local da descarga da compradora não teve oportunidade de verificar e confirmar o que havia sido furtado.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos manifesto é de concluir que não assiste o mínimo de razão à ré/apelante quanto à peticionada ampliação da matéria de facto provada em 1.ª instância, pois que considerando mais uma vez o teor do despacho de fundamentação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, o teor dos documentos juntos aos autos e o teor do global dos depoimentos prestados em julgamento, é nossa segura convicção de que a decisão proferida em 1.ª instância corresponde exactamente à realidade provada nos autos, pelo que se deve manter inalterada, já que não se vislumbra que a mesma enferme de insuficiência.
Improcedem as respectivas conclusões da ré/apelante.
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3.ª questão – De Direito.
Em causa nos autos está uma vicissitude ocorrida durante um transporte internacional de mercadoria – vinho do Porto – de Portugal para o Reino Unido – furto de parte dessa mercadoria, imputando-se a responsabilidade por tal sinistro à actuação do respectivo motorista. Vindo, em consequência, a autora/seguradora, exercer o direito de sub-rogação demandar a ré/transportadora pedindo o pagamento do valor correspondente à indemnização que pagou à sua segurada em consequência do sinistro em apreço nos autos.
O Dr. Cunha Gonçalves, in “Comt. C. Comercial”, II, pág. 394, refere que: “contrato de transporte é aquele que se celebra entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as suas coisas de um lugar para outro e aquele que, por determinado preço, se encarrega dessa condução”. Aureliano S. Ribeiro, in “C.Com. Anot.”, vol. II, pág. 267, dizia-nos que: “o contrato de transporte de coisas pode ser havido como a fusão de três contratos distintos: a prestação de serviços, porque há uma troca de trabalho e salário; a locação, pois que o transportador se obriga a ceder o uso total ou parcial dos seus veículos; e o de depósito, porque é um contrato pelo qual o transportador recebe coisas alheias, que se obriga a guardar durante o transporte e a restituir no mesmo estado”.
Sendo certo que não é essencial à figura do contrato de transporte como atrás se definiu que as mercadorias sejam conduzidas pelo contratante que a isso se vinculou, o qual para o efeito, pode socorrer-se de terceiros ou de meios pertencentes a terceiros, cfr. Ac. STJ de 10.11.93, in C/J, ano 1993, tomo III, pág. 118. ~Pois que nos termos do art.º 367.º do C.Com. e seu § único “O transportador pode fazer efectuar o transporte directamente por si, seus empregados e instrumentos, ou por empresa, companhia ou pessoas diversas. No caso previsto na parte final deste artigo, o transportador que primitivamente contratou com o expedidor conserva para com este a sua originária qualidade, e assume para com a empresa, companhia ou pessoa com quem depois ajustou o transporte, a de expedido”.
Também o art.º 34.º da Convenção CMR (ou Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada), assinada em Genebra em 19.05.1955, introduzida no direito português, por adesão, pelo Decreto n.º 46 235, de 18.03.1965, Convenção, essa, alterada pelo Protocolo de Genebra de 5.07.1978, aprovado em Portugal para a sua adesão pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro, atento o âmbito de aplicação definido pelo art.º 1.º, cujas normas são de natureza imperativa, à excepção das referidas no seu art.º 40.º, conforme se refere no Ac. do STJ de 10.11.93. in C/J, ano 1993, tomo III, pág.118), dispõe que: “Se um transporte regulado por um contrato único for executado por transportadores rodoviários sucessivos, cada um destes assume a responsabilidade da execução do transporte total, e o segundo e cada um dos seguintes transportadores, ao aceitarem a mercadoria e a declaração de expedição, tornam-se partes no contrato nas condições da declaração da expedição”.
Segundo o que se dispõe no art.º 3.º da Convenção CMR: “O transportador responde, como se fossem cometidos por ele próprio, pelos actos e omissões dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorre para a execução do transporte, quando esse agente ou essas pessoas actuam no exercício das suas funções”.
Nos termos do art.º17.º n.º1 da mesma Convenção CMR: “O transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora na entrega” a menos que consiga ilidir tal responsabilidade nos termos do n.º 2 do citado preceito e art.º 18.º da dita Convenção.
In casu” atento o complexo provado nos autos, dúvidas não restam de que ocorreu perda parcial da mercadoria transportada, sendo também certo que a ré/transportadora/apelante não ilidiu a responsabilidade que desse facto para si resulta, por força do preceituado no art.º17.º n.º1 da Convenção CMR. Ou seja, é manifesta violação dos mais básicos deveres de guarda ou custódia, e de zelo ou cautela, do transportador – através da pessoa do seu motorista - por isso incurso na responsabilidade prevenida no art.º 17.º, n.º1, da CMR.
Como é sabido, a supra referida Convenção regula de forma especial a responsabilidade pelo incumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso, do contrato de transporte rodoviário de mercadorias. Assim é à luz do que na mesma que se tem de qualificar o grau de responsabilidade do transportador, incurso na previsão do supra citado art.º 17.º n.º1 da mesma Convenção. Sendo certo ainda que de harmonia com o preceituado no art.º 17.º n.º3 da CMR, “O transportador não pode alegar, para se desobrigar da sua responsabilidade, nem defeitos do veículo de que se serve para efectuar o transporte, nem faltas da pessoa a quem alugou o veículo ou dos agentes desta”.
O transportador só fica desobrigado dessa responsabilidade se a perda teve por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta sua, um vício próprio da mercadora ou circunstâncias que não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar, cfr. art.º 17.º, n.º 2 da CMR.
Resulta assim deste quadro legal que, perante o seu cliente e em caso de perda total ou parcial da mercadoria transportada – a obrigação assumida pelo transportador é uma obrigação de resultado, não apenas de meios, incluindo portanto a chegada e entrega da mercadoria ao destino que estiver convencionado.
O ónus de alegação e de prova das referidas circunstâncias incumbe a quem as alega com vista a eximir-se da responsabilidade decorrente da perda da mercadoria, cfr. art.ºs 18.º n.º 1, da CMR e 342.º, n.º 2, do C.Civil. Para se desobrigar da sua responsabilidade, não pode alegar defeitos
Ora, preceitua que se no art.º 29.º da Convenção CMR: “O transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”.
O capítulo para que remete a transcrita norma, é constituída pelos art.ºs 17.º a 29.º da Convenção CMR. Sendo que, como se afirma no Ac. do STJ de 13.01.2010, in www.dgsi, pt., que “A Convenção CMR estabelece um regime especial, em relação ao critério de relevância da culpa e suas consequências no plano ressarcitório, em caso de incumprimento do contrato de transporte”.
É para nós evidente que a possibilidade de retirar ao transportador, hipoteticamente incurso em responsabilidade à luz do preceituado no n.º1 do art.º 17.º, qualquer causa de limitação ou de exclusão dessa responsabilidade, por exemplo se o mesmo, face ao dano ocorrido durante o transporte, se defender invocando a existência de alguma das circunstâncias previstas no n.º4 do art.º 17.º, ao mesmo caberá o ónus de alegação dessas mesmas circunstâncias, cfr. art.º 344.º n.º1 do C.Civil e art.º 18.º da Convenção CMR, sendo que ao lesado incumbirá, alegar e provar o que é indicado na parte final desse n.º2 do mesmo art.º 18.º, ou seja, que o dano não se deveu à existência total ou parcial dessas circunstâncias ou riscos, mas se o lesado pretender ser mais assertivo e mais radical, poderá “ab initio” alegar e depois provar que o dano resultou de actuação dolosa do transportador, cfr. art.º 29.º da Convenção CMR, cfr. art.º 342.º n.º1 do C.Civil, evidentemente sendo um facto constitutivo do seu direito.
Ora, no caso em apreço, a autora/apelada efectivamente alegou a existência de conduta dolosa do transportador causadora do furto ocorrido nas mercadorias transportadas.
Certo é como se afirma no Ac. do STJ supra referido que “(…) na Convenção CMR, a qualificação da culpa lato sensu tem a maior relevância, pois que, apenas em caso de dolo, ou equiparação no direito nacional, de uma falta grave ao dolo, é que a indemnização deixa de ser a do art.º 23.º, n.º5, da Convenção (o preço do transporte), para ter como critério a reparação integral dos danos segundo a teoria da diferença – art.ºs 562.º e 566.º do Código Civil.”
Segundo Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil” – pág. 322 a 326, citado no mesmo Ac. do STJ: “Há “dolo directo”, quando o agente actua para atingir o fim ilícito, ou seja, com a intenção de omitir o comportamento devido;dolo necessário quando, num acto de duplo efeito, o agente pretende atingir o fim lícito, mas sabe que a sua acção determinará inevitavelmente o resultado ilícito; c) dolo eventual, se o agente actuou em vista de um fim lícito, mas com a consciência de que pode eventualmente advir do seu acto um resultado ilícito, e quer aquele mesmo que este se produza. (…)
A culpa em sentido amplo reporta-se à lesão do direito e não aos prejuízos.
(…)
Sem dúvida, a previsibilidade dos danos pode influir na determinação do comportamento devido em termos de diligência, constituindo uma das circunstâncias eventualmente atendíveis…É, pois, indispensável manter a distinção entre o nexo de imputação, como elemento integrante do acto ilícito, e o nexo de causalidade, a considerar nos requisitos da reparabilidade dos prejuízos, como critério delimitador destes.
E é por isso que a lei trata do nexo de causalidade a propósito da obrigação de indemnizar e não a propósito da responsabilidade. A questão acabada de referir é quase sempre posta com referência à culpa inconsciente. Mas pode colocar-se também a respeito do dolo: para que este surja, basta o conhecimento de que a conduta projectada envolve omissão de outra devida, ou exige-se no agente a consciência de resultarem prejuízos, ou mesmo a intenção de os provocar?
A nosso ver, a solução correcta é a primeira: se o devedor não cumpre, com a consciência de faltar ao seu dever, mas na convicção de não advirem para o credor quaisquer prejuízos, que afinal se produzem, é responsável por não cumprimento doloso”.
Como é sabido em termos de responsabilidade civil, o nosso ordenamento jurídico entende que culpa “lato sensu” exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes de dolo (directo, necessário ou eventual) ou de negligência (consciente ou inconsciente); enquanto a culpa “stricto sensu” ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente, ou seja, no primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu, cfr. art.ºs 483.º e 487.º, ambos do C.Civil, sendo que por força do constante do n.º2 do art.º 799.º do C.Civil, em sede de responsabilidade contratual, a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.
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In casu” está provado, além do mais, que:
- No dia 03 de Dezembro de 2014 quando o motorista chegou às instalações da Z... Ltd., em ..., ... (Reino Unido) devido ao adiantado da hora não foi possível proceder à descarga da mercadoria, tendo que regressar no dia seguinte.
-O motorista decidiu então estacionar o camião carregado de vinho do Porto numa estação de serviço denominada London ... que se encontra na auto-estada ... a norte de Londres, tendo pago o correspondente preço. Nessa estação de serviço existe uma zona de estacionamento para autocarros de turismo, veículos pesados, um posto de abastecimento de gasolina e um hotel.
- O motorista chegou a essa estação de serviço no dia 03 de Dezembro de 2014 onde estacionou o camião por volta das 16:30 horas tendo decidido ir para casa de um amigo. O referido parque de estacionamento era iluminado, não era vedado e era acessível a quem circulava na auto-estrada, sendo que no mesmo estavam estacionados mais camiões. O mesmo não tinha guarda e possuía câmaras de videovigilância que não abrangiam o local onde o veículo foi estacionado.
- O condutor do veículo regressou à estação de serviço no dia seguinte, 04 de Dezembro de 2014, por volta das 09:00 horas.
- Quando arrancou com o veículo apercebeu-se que as lonas do reboque estavam a abanar e deparou-se com rasgos nas mesmas, tendo-se apercebido que parte da mercadoria tinha sido furtada.
Ora como correctamente se concluiu em 1.ª instância, “(…) atendendo ao que resultou provado afigura-se-nos manifesto que o motorista da ré não agiu com a diligência que lhe seria exigível e não adoptou as medidas que se revelam adequadas de forma a proteger a mercadoria que transportava. Com efeito, o mesmo sabendo que conduzia um veículo com lona nas laterais teria que saber que esse material é facilmente transponível, sendo cortado com facilidade. Deveria saber também que se alguém cortasse a lona, facilmente acederia ao conteúdo da carga que transportava, sabendo o mesmo que a mercadoria que transportava – paletes de vinho – era facilmente sonegável. É certo que o mesmo estacionou o camião num parque de estacionamento ao lado de outros veículos pesados que ali estavam estacionados, em local iluminado e num parque que pagou. No entanto, o aludido parque era acessível a todos os que circulavam na auto-estrada, não estava vedado e não tinha videovigilância no local em que estacionou o veículo. Assim, o motorista da ré deveria ter noção que qualquer pessoa que circulasse na auto-estrada poderia aceder ao camião e que se decidissem realizar um furto não haveria qualquer sistema de captação de imagens que alertassem quem estava na zona da estação de serviço e, posteriormente, servir de prova. Acresce que, neste caso concreto, se apurou que o motorista da ré decidiu abandonar o veículo carregado desde as 16h30m de um dia e até às 9h do dia seguinte.
Ora, o aludido motorista fê-lo não obstante saber que o camião que conduzia não era especialmente seguro e que a carga que transportava era facilmente sonegável. Como é evidente o furto em causa poderia ter ocorrido na mesma se o motorista tivesse ficado a acompanhar o camião. A verdade é que, como é notório e resulta de regras de experiência comum, o facto de os assaltantes se poderem ter apercebido que o motorista abandonou o local poderá ter determinado o furto já que os mesmos se aperceberam que não iriam encontrar qualquer tipo de resistência.
Face ao que resultou provado afigura-se-nos, pois, que não estão verificadas as circunstâncias que, nos termos do art.º 17.º, n.º 2 da CRM, justificariam que se tivesse por excluída a responsabilidade da ré”.
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Mais resultou provado nos autos que:
-A G... Ltd, dona da mercadoria reclamou junto do transitário C... o pagamento de £39.225, 76 referente à indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, conforme factura n.º ......
-Esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em Euros 28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £ 2.399,84 (correspondente a €3.009,99) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040.82).
- A C... pagou esse valor ao dono da mercadoria tendo debitado o montante de €49.660,60 à A... S. L. a quem incumbira de organizar e efectuar o transporte, conforme factura n.º ......... de 31.12.2014.
-A A... S. L reclamou junto da ré imputando-lhe a responsabilidade pelos prejuízos causados pelo roubo da mercadoria durante o transporte e ao abrigo da apólice de seguro n.º ......... supra referida participou o sinistro à Autora.
-A autora depois de instruído o respectivo processo de sinistro e ao abrigo dessa apólice pagou ao seu segurado A... S. L. a quantia de €49.660,60.-
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Como se escreveu no Ac. do STJ de 21.01.2003, in www.dgsi.pt “Com efeito, o direito de regresso assiste ao devedor solidário que houver satisfeito o direito do credor, além da parte que lhe competia no crédito comum, contra cada um dos condevedores pela quota respectiva – artigo 524.º do Código Civil (…). Por sua vez, a sub-rogação pode ser definida como a transmissão do crédito em favor daquele que, substituindo-se ao devedor, cumpre a obrigação a que este se encontrava adstrito – artigo 589.º. Supõe sempre um pagamento feito por terceiro ao originário credor, ingressando esse terceiro na posição jurídica que o primitivo credor ocupava na relação obrigacional. Ou seja, a sub-rogação é uma forma de transmissão do crédito, enquanto o direito de regresso constitui um crédito novo, que nem sequer tem o mesmo objecto do direito extinto”.
In casu” dúvidas não surgem de que a autora (seguradora da A... S. L encarregada de organizar e realizar o transporte da mercadoria em apreço) vem exigir, a título de sub-rogação, da ré/apelante – transportadora a quem subcontratou esse mesmo transporte, a quantia que pagou à sua segurada que, por sua vez, havia pago ao transitário – a C... – a qual havia respondido directamente junto do dono da mercadoria – A G... Ltd – pelos prejuízos que sofreu por parte da mercadoria transportada ter sido furtada durante esse mesmo transporte, ou seja, a quantia de €49.660,00.
A sub-rogação tem ainda previsão legal no preceituado no n.º1 do art.º 136.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16.04) segundo o qual “O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro”. A sub-rogação legal aqui prevista é distinta da regulada no C.Civil (art.ºs 589º e segs.), já que o segurador não paga para satisfazer uma dívida de terceiro responsável para com o segurado, do que se trata é de uma transferência legal dos direitos do segurado fora do âmbito daquela sub-rogação.
Temos, assim, que a sub-rogação do segurador nos direitos do segurado depende do pagamento pelo primeiro do prejuízo sofrido pelo último e que por este prejuízo seja responsável outro que não o próprio segurado.
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A divergência essencial da ré/apelante relativamente à decisão de 1.ª instância encontra-se na medida dos prejuízos ocorridos, ou, mais concretamente, em saber se, apesar da regra de que o transportador responde pelo valor da mercadoria perdida, cfr. n.º 1 do art.º 17.º e n.º 1 do art.º 23.º da CMR. Pois estatui este último preceito que: “Quando for debitada ao transportador indemnização por perda, total ou parcial, da mercadoria transportada, em virtude das disposições da presente Convenção, essa indemnização, será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que foi aceite para transporte”.
Acresce que o afastamento do mencionado regime-regra da específica responsabilidade por incumprimento de contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, só admitido no art.º 29.º da CMR para a hipótese de dolo ou de falta que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo.
Ora, no nosso ordenamento jurídico, a equiparação da negligência grosseira ao dolo surgiu, pontualmente, como novidade, com a reforma processual civil operada em 1995/96, para o restrito efeito de condenação por litigância de má-fé.
In casu” está provado nos autos que o valor da mercadoria furtada foi de £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em €28.944,81). Todavia a autora reclamou o pagamento da quantia total de €49.660,00 – ou seja, o exacto valor que pagou à sua segurada por via do sinistro em apreço.
O excedente desse valor relativamente ao valor da mercadora furtada diz respeito a:
- £851,40 (correspondente a €1.064,67) relativamente ao valor proporcional do frete pago;
- £2.399,84 (correspondente a €3.009,99), relativamente ao valor proporcional dos custos administrativos;
- £12.827,53 (correspondente a €16.040.82) relativamente ao valor proporcional do imposto sobre o álcool da mercadoria furtada, tudo sido pago pelo comprador.
Relativamente a esta questão, a 1.ª instância considerou, além do mais, que “(…)
Na petição inicial a autora entende que a ré deve ser responsável pelo pagamento da quantia peticionada – que excede o valor da mercadoria furtada – por entender que é de aplicar ao caso o disposto no art.º 29.º, n.º 1 da Convenção CRM que preceitua que “o transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”
Diz a autora que o roubo da mercadoria transportada num camião de lona abandonado durante a tarde e noite não é um caso fortuito ou inevitável, resultando de falta imputável ao transportador e aos comportamentos negligentes do motorista que integram o conceito de dolo eventual.
Poder-se-á considerar que o motorista, ao estacionar o veículo com uma carga que pode ser considerada valiosa naquele local e ao abandonar o veículo previu que o furto poderia ocorrer e conformou-se com essa possibilidade?
Não cremos que possamos dizer, sem margem de dúvidas, que o motorista previu esse resultado.
Não obstante o mesmo saber que o camião tinha as partes laterais em lona e que a carga era valiosa, o mesmo estacionou num local iluminado e perto de outros veículos pesados, num parque que foi pago, pelo que poderia não ter previsto aquele resultado.
De qualquer forma, no que concerne ao conceito de conduta equiparável ao dolo, deverá a mesma entender-se, por referência ao previsto no ordenamento jurídico nacional, à culpa grave ou negligência grosseira.
E a este propósito resultou provado que o motorista da ré não tomou efectivamente todas as medidas que poderia ter tomado para evitar o furto que veio a ocorrer, tendo abandonado o veículo com a sua carga no interior cerca de 17 horas, em parque que não era vedado, era acessível a qualquer pessoa que circulasse na auto-estrada e que não tinha guarda, nem videovigilância.
Cremos, assim, que os factos apurados são suficientes para ter como configurada uma conduta grosseiramente negligente ou temerária por parte do motorista da ré que justifica a sua equiparação ao dolo para efeitos do art.º 29.º, n.º 1 da mesma Convenção.
E, em consequência, não pode a ré prevalecer-se das disposições previstas na CMR que limitam a sua responsabilidade, pelo que deve ser condenada na totalidade dos danos provocados e não só no valor da mercadoria furtada.
Da factualidade dada como provada resulta que a G... Ltd, dona da mercadoria reclamou junto do transitário C... o pagamento de £39.225,76 referente indemnização pelos prejuízos causados pelo furto da mercadoria durante o transporte, conforme factura n.º 2014-......, sendo que esse valor corresponde à soma do valor da mercadoria que foi furtada £23.146,59 (que ao câmbio da factura de venda perfazia em Euros 28.944,81), do valor correspondente ao frete pago £851,40 (correspondente a €1.064,67), aos custos administrativos de £2.399,84 (correspondente a €3.009,99) e ao imposto sobre o álcool da mercadoria furtada no valor de £12.827,53 que tinha sido pago pelo comprador (correspondente a €16.040.82).
A C... pagou esse valor ao dono da mercadoria tendo debitado o montante de €49.660,60 à A... S. L, sendo que esta reclamou junto da Ré imputando-lhe a
responsabilidade pelos prejuízos causados pelo roubo da mercadoria durante o transporte e, ao abrigo da apólice de seguro n.º ........., participou o sinistro à Autora, tendo a autora pago à sua segurada A... S. L. a quantia de €49.660,60.
Assim, comprovando-se que esse corresponde ao valor dos danos deve ser esse o valor a pagar pela ré (…)”.
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Preceitua o art.º 29.º da CMR que: “O transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”.
Ora, a culpa “lato sensu” exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes de dolo (directo, necessário ou eventual) ou de negligência (consciente ou inconsciente); enquanto a culpa “stricto sensu” ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível.
Refere-se no Ac. do STJ de 29.04.2010, in www.dgsi.pt que “Sendo a culpa um juízo de censura ético-jurídico, em função da actuação efectiva do agente, nas concretas circunstâncias em que agiu, e aquela que teria alguém razoavelmente prudente, avisado e cumpridor nesse mesmo quadro factual – o padrão do bonus pater famílias – desde logo, não pode abstrair-se das obrigações emergentes do tipo contratual, dos direitos e deveres implicados nas prestações recíprocas, das regras da boa-fé, bem como do padrão de conduta postulado por uma actuação que respeite os interesses da contraparte, visando a não frustração das expectativas do credor (princípio da confiança), para aferir se uma certa actuação culposa exprime negligência consciente ou dolo, ainda que indirecto ou eventual”.
Ora, “próxima da figura do dolo, “in casu” do dolo indirecto, surge-nos a negligência consciente que consiste no facto do agente ter previsto a falta de cumprimento como efeito provável da sua conduta, mas, ainda assim, se demitir voluntariamente de adoptar uma actuação que evitaria o dano, ficando indiferente ou desconsiderando os efeitos dessa actuação, que representou como consequência do modo como “in concreto” agiu”.
E continua “A negligência consciente coabita, paredes meias, com o dolo indirecto, razão pela qual se nos afigura de distintiva relevância convocar o tipo de contrato em causa, os deveres implicados na prestação do devedor, o padrão da sua actuação como profissional no contexto de uma actividade de maior ou menor relevância social e económica, tudo de par com a expectativa do credor na prestação e focados na maior ou menor complexidade da relação obrigacional. Se for de considerar que a concreta relação contratual exige uma actuação mais prudente e diligente do devedor que não cumpre, podendo cumprir, sobretudo num quadro factual que não dirime a sua culpa, ao ponto de não se poder afirmar que não previu, nem podia prever que a sua actuação iria causar danos, então deve considerar-se que a sua actuação se elevou do patamar mais benigno da negligência consciente, para considerar que agiu com dolo indirecto ou necessário”.
E também como se escreveu no Ac. do STJ de 12.10.2017 in www.dgsi.ptFace ao regime jurídico português, que equipara o dolo e a mera culpa, para efeitos de responsabilidade civil contratual, o transportador, com um comportamento meramente negligente, não beneficia da exclusão ou limitação da sua responsabilidade civil prevista na CMR”, todavia como se escreveu no Ac. do STJ de 30.04.2019, também in www.dgsi.ptmas não se pode ignorar que o mesmo Código Civil considera relevante a distinção entre dolo e negligência em outros casos de responsabilidade contratual (cfr. os exemplos indicados por Antunes Varela, op. e vol. cits., pág. 99: “artigos 814º e 815º (mora do credor); 835º, 1, al. a) (exclusão da compensação); 956º e 957º (responsabilidade do doador); 1134º (responsabilidade do comodante); 1151º (responsabilidade do mutuante), sendo naturalmente de responsabilidade contratual que estamos a falar, no caso; nem que o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado por diversas vezes que a possibilidade de redução da indemnização, prevista no artigo 494.º do Código Civil, é também aplicável no domínio da responsabilidade contratual”.
Finalmente, dúvidas não restam de que a alegação e prova de que, no caso, o furto de parte da mercadoria transportada (perda parcial) foi consequência directa e necessária de actuação grosseiramente negligente ou temerária do motorista da ré/apelante, ou falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição portuguesa, seja considerada equivalente ao dolo, é um facto constitutivo do direito do lesado, cfr. art.º 342.º n.º1 do C.Civil. Ou seja, era, claramente, à autora/apelada que cabia o ónus de alegação e de prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, no caso, o art.º 29.º da Convenção CMR, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ela pretendido, que era a obtenção duma indemnização sem as limitações estabelecidas nos precedentes artigos.
Em suma, e perante os factos provados nos autos é para nós manifesto que a conduta levada a efeito por parte do motorista da ré/apelante foi grosseiramente negligente ou temerária, pois que não “tomou efectivamente todas as medidas que poderia ter tomado para evitar o furto que veio a ocorrer, tendo abandonado o veículo com a sua carga no interior cerca de 17 horas, em parque que não era vedado, era acessível a qualquer pessoa que circulasse na auto-estrada e que não tinha guarda, nem Videovigilância”. Perante esta apreciação do grau de culpabilidade do motorista da ré/apelante e tendo por assente que no nosso ordenamento jurídico faz-se, em regra, uma equiparação entre dolo e negligência para efeitos de responsabilidade civil contratual, é dessa forma se deve interpretar e aplicar ao caso em apreço o preceituado no art.º 29.º da CMR.
Consequentemente, e considerando ainda tudo o que acima deixámos consignado, nenhuma censura nos merece a decisão alcançada em 1.ª instância de que “em consequência, não pode a ré prevalecer-se das disposições previstas na CMR que limitam a sua responsabilidade, pelo que deve ser condenada na totalidade dos danos provocados e não só no valor da mercadoria furtada”. Logo, estando provado nos autos que o valor dos danos total excede o valor da mercadoria furtada, totalizando a quantia de €49.660,00, esse é o valor que a ré/apelante deve pagar à autora, tudo à luz do preceituado no n.º 4 do art.º 23.º da CMR, ou seja, “Além disso, serão reembolsados o preço do transporte, os direitos aduaneiros e as outras despesas provenientes do transporte da mercadoria, na totalidade no caso de perda total e em proporção no caso de perda parcial; não serão devidas outras indemnizações de perdas e danos”. Sendo que relativamente ao valor relativo ao imposto sobre o álcool, o mesmo é devido à Directiva 2008/118/CE do Conselho de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revogou a Directiva 92/12/CEE, que foi pago pela compradora do vinho do Porto que era transportado e que foi furtado, porque este facto não configura um caso de inutilização da mercadoria ou a sua irremediável perda, não poderia ser restituído àquela.
Improcedem assim as respectivas conclusões da ré/apelante.
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3.1. – Do contrato de seguro
Como está provado nos autos a ré/apelante celebrou com a Y..., Companhia de Seguros, SA um contrato de seguro de “Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário – CMR”, com apólice n.º ........., conforme condições particulares e condições gerais e especiais juntas aos autos. Tal contrato de seguro “garante a responsabilidade civil do segurado que, nos termos da Convenção, lhe seja imputável na qualidade de Transportador Rodoviário Internacional de Mercadorias”, cfr. art.º 2.º, n.º 1, das condições gerais. A Seguradora garante “até ao limite do valor seguro nas condições particulares, o pagamento de indemnizações que, nos termos da Convenção, sejam devidos pelo segurado na qualidade de transportador, em consequência de perdas ou danos causados às mercadorias transportadas no veículo transportador, exclusivamente durante o respectivo transporte”, cfr. art.º 3.º, n.º 1, das condições gerais, sendo o capital seguro é de €170.000,00. E em caso de sinistro, é aplicável uma franquia de 20% dos prejuízos indemnizáveis, com um mínimo de €500,00.
O furto de parte da mercadoria em apreço nos autos foi participado pela ré/apelante à Y..., Companhia de Seguros, SA, mas esta, em 20.03.2015, comunicou à sua segurada que os prejuízos reclamados não estavam cobertos pelo contrato de seguro, o que reafirmou em 20.05.2015 e 23.05.2015.
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A 1.ª instância absolveu a chamada, Y..., Companhia de Seguros, SA, do pedido para o que considerou, além do mais, que “(…)Diz a chamada que, de acordo com o art.º 4.º, n.º 5, das condições gerais, o furto encontra-se excluído.
Analisadas as condições gerais do contrato de seguro subscrito pela ré e pela chamada constatamos que preceitua o art.º 4.º, n.º 4, que “Ficam também excluídos deste contrato o furto ou roubo do veículo transportador e/ou das mercadorias nele guardadas, quando deixadas sem guarda, a não ser que:
- o sinistro ocorra entre as 8 e as 20 horas;
- o veículo transportador tenha todas as portas fechadas à chave, a porta de acesso à caixa de carga tenha sido fechada com selo de aço ou cadeado e o sinistro seja consequência de arrombamento do veículo transportador, com vestígios evidentes de violação;
- seja participado às autoridades competentes da localidade da ocorrência, logo que do mesmo haja conhecimento;
- o alarme contra intrusão, caso o veículo transportador o possua, esteja ligado no momento da ocorrência do sinistro;
- o segurado tenha tomado as precauções razoáveis de segurança;
Por sua vez o n.º 5 desse artigo prevê que “fora do período indicado, o furto ou roubo do veículo transportador e/ou das mercadorias nele carregadas, ficam garantidos desde que:
- As viagens sejam programadas para que durante as paragens para descanso, o veículo fique estacionado em parques iluminados, totalmente vedados, com guarda ou vigilância;
- No caso de não existirem parques com as características referidas no parágrafo anterior num raio de 50 Kms, o veículo transportador seja estacionado em parques iluminados, juntamente com outros veículos transportadores;
- o veículo transportador tenha todas as portas fechadas à chave, a porta de acesso à caixa de carga tenha sido fechada com selo de aço ou cadeado e o sinistro seja consequência de arrombamento do veículo transportador, com vestígios evidentes de violação;
- seja participado às autoridades competentes da localidade da ocorrência, logo que do mesmo haja conhecimento;
- o alarme contra intrusão, caso o veículo transportador o possua, esteja ligado no momento da ocorrência do sinistro;
- O motorista não abandone o veículo transportador.”
No caso em apreço, não se apurou exactamente a que horas ocorreu o furto das mercadorias transportadas pela ré.
O que se sabe é que o furto terá ocorrido no período em que o motorista do camião não estava no local, sabendo-se que o mesmo não esteve com o camião desde as 16h30m do dia 3 de Dezembro de 2014 até às 9h do dia 4 de Dezembro de 2014.
Ora, se o furto tiver ocorrido depois das 20h do dia 3 de Dezembro e até às 8h do dia 4 de Dezembro afigura-se-nos que não existe qualquer dúvida que a chamada não poderá ser responsabilizada já que se apurou nos autos que o motorista abandonou o veículo transportador.
Não se sabendo se o furto ocorreu nesse período de tempo e admitindo-se que possa ter ocorrido no período situado entre as 16h30 e as 20h do dia 3 de Dezembro ou entre as 8h e as 9h do dia 4 de Dezembro há que apurar se, nos termos do art.º 4.º, n.º 4 das condições do contrato de seguro, o furto ocorrido fica ou não excluído.
Como acima dissemos, esse normativo prevê que ficam excluídos do contrato o furto ou roubo do veículo transportador e/ou das mercadorias nele guardadas, quando deixadas sem guarda, a não ser que o sinistro ocorra entre as 8 e as 20 horas, o veículo transportador tenha todas as portas fechadas à chave, a porta de acesso à caixa de carga tenha sido fechada com selo de aço ou cadeado e o sinistro seja consequência de arrombamento do veículo transportador, com vestígios evidentes de violação, seja participado às autoridades competentes da localidade da ocorrência, logo que do mesmo haja conhecimento, o alarme contra intrusão, caso o veículo transportador o possua, esteja ligado no momento da ocorrência do sinistro e o segurado tenha tomado as precauções razoáveis de segurança.
No caso em apreço, pelas razões que já acima expusemos, não se nos afigura que o segurado tenha tomado as precauções razoáveis de segurança ao ter estacionado um veículo que tem partes laterais em lona quando sabe que transporta uma carga de valor elevado e o faz num parque não vedado, que não tem vigilância naquele local e o abandona tantas horas.
Prevendo esse normativo que o furto fica excluído do contrato quando, ocorrido entre as 8 e as 20 horas, o segurado tenha tomado tenha tomado as precauções razoáveis de segurança e considerando este tribunal que não foi feita prova de que o segurado tomou as precauções razoáveis de segurança, concluímos que não pode a seguradora Y... responder pelo mesmo”.
A ré/apelante insurge-se contra o assim decidido, mas sem razão.
Na verdade, não se tendo provado a que horas, exactamente, ocorreu o furto de parte da mercadoria, sabe-se contudo que:
- No dia 3 de Dezembro de 2014 quando o motorista chegou às instalações da Z... Ltd., em ..., ... (Reino Unido) devido ao adiantado da hora não foi possível proceder à descarga da mercadoria, tendo que regressar no dia seguinte.
- O motorista decidiu então estacionar o camião carregado de vinho do Porto numa estação de serviço denominada London ... que se encontra na auto-estada ... a norte de Londres, tendo pago o correspondente preço.
- Nessa estação de serviço existe uma zona de estacionamento para autocarros de turismo, veículos pesados, um posto de abastecimento de gasolina e um hotel.
- O referido parque de estacionamento era iluminado, não era vedado e era acessível a quem circulava na auto-estrada, sendo que no mesmo estavam estacionados mais camiões.
- O mesmo não tinha guarda e possuía câmaras de videovigilância que não abrangiam o local onde o veículo foi estacionado.
- O motorista chegou a essa estação de serviço no dia 3 de Dezembro de 2014 onde estacionou o camião por volta das 16:30 horas tendo decidido ir para casa de um amigo.
-O condutor do veículo regressou à estação de serviço no dia seguinte, 4 de Dezembro de 2014, por volta das 09:00 horas.
- Quando arrancou com o veículo apercebeu-se que as lonas do reboque estavam a abanar e deparou-se com rasgos nas mesmas, tendo-se apercebido que parte da mercadoria tinha sido furtada.
- De imediato, pediu para ligarem às autoridades que tomaram conta da ocorrência.
Em suma, o motorista da ré/apelante, por volta das 16:30 horas, estacionou o veículo carregado de vinho do Porto, coberto por lonas, numa zona para estacionamento de uma estação de serviço de uma auto-estrada do Reino Unido que não era vedado e era acessível a quem circulava na auto-estrada, não tinha guarda e possuía câmaras de videovigilância que não abrangiam o local onde o veículo foi estacionado, sendo que no mesmo estavam estacionados mais camiões, tendo decidido ir para casa de um amigo onde acabou por pernoitar e regressou à estação de serviço no dia seguinte, por volta das 09:00 horas, onde se pôs em marcha, sem sequer verificar se a carga estava nas devidas condições, e só depois é que se apercebeu que as lonas do reboque estavam a abanar e depois de verificar que havia rasgos nas mesmas, verificou também que parte da mercadoria tinha sido furtada.
Ou seja, na senda da sua actuação temerária e grosseiramente imprudente, o motorista da ré/apelante pura e simplesmente abandonou o seu veículo e respectiva carga que bem conhecia e sabia como estava acondicionada, tapada por lonas laterais, na referida área de serviço e nas aludidas circunstâncias, entre as 16,30 horas e as 9,00horas do dia seguinte. Ou seja, o veículo e respectiva carga foram deixados sem guarda e manifestamente, atentos os factos provados nos autos não se pode considerar que o referido motorista tenha tomado as precauções razoáveis de segurança, pelo que, mesmo admitindo-se que o furto ocorreu entre as 16,30 horas e as 20horas do dia 3.12 ou entre as 8,00 e as 9,00horas do dia 4.12, sempre estaria excluída a responsabilidade da seguradora Y..., uma vez que sempre estaria provado que o motorista da ré/apelante não tomou as precauções razoáveis de segurança para que o sinistro não viesse a ocorrer, como ocorreu.
Assim e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merece o decidido em 1.ª instância, quanto à verificação de causa de exclusão da responsabilidade da chamada Y..., ao abrigo do previsto no art.º 4.º das Cláusulas Contratuais Gerais de Apólice de seguro n.º ....., em apreço.
Improcedem assim as derradeiras conclusões da ré/apelante.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela ré/apelante.

Porto, 2022.02.22
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues