Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13923/16.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
Nº do Documento: RP2017031313923/16.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º253, FLS.312-317)
Área Temática: .
Legislação Comunitária: REGULAMENTO (EU) N.º 1215/2012
Sumário: I - A competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral só se afere em função do artigo 10.º do CT, desde que não seja aplicável ao caso convenção de direito internacional.
II - O Regulamento (EU) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição, regula a “Competência em matéria de contratos individuais de trabalho”, nos artigos 20.º a 23.º.
III - Tendo a Ré domicílio social em França e resultando do contrato de trabalho que o local da prestação do trabalho era em França, bem assim que o trabalhador foi contratado em França, deve concluir-se que os Tribunais portugueses não têm competência internacional para conhecer do presente litígio. O facto do autor ser cidadão português e ter domicílio pessoal em Portugal não é suficiente para determinar a competência dos Tribunais Portugueses.
IV - A incompetência absoluta decorrente da violação das regras de competência internacional [art.º 96.º al. a), do CPC] é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente, devendo abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [art.º 278.º 1, al. a), do CPC)].
V - Contudo, o mesmo Regulamento contém ainda normas que regulam a extensão de competência e, também, o conhecimento oficioso da competência internacional por parte dos Estados-Membros, em concreto, no que aqui importa, os artigos 26.º da Secção 7 (Extensão de Competência) e 28.º da SECÇÃO 8 (Verificação da competência e da admissibilidade).
VI - Da conjugação do artigo 28.º 1 com o art.º 26.º1, retira-se que o conhecimento oficioso em matéria de competência internacional, à luz das regras estabelecidas do Regulamento, nos casos em que o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro, apenas é permitido quando aquele não compareça em juízo ou quando comparecendo a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal.
VII - A Ré foi citada em França, no seu domicílio social, e fez-se representar na audiência de partes por mandatário judicial, o qual apresentou procuração com poderes especiais. Como não se logrou alcançar a resolução do litígio por acordo, a Ré foi imediatamente notificada para contestar a acção sob cominação de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor e ser proferida sentença como é de direito.
VIII - Não tendo a Ré contestado, para os efeitos do artigo 28.º/1 do Regulamento, compareceu em juízo e, logo, o juiz não podia declarar-se oficiosamente incompetente. Só o poderia fazer caso a Ré tivesse contestado e suscitado essa exceção, coisa que não fez.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 13.923/16.6T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Inst. Central – 1.ª Sec. Trabalho, B…, residente no Porto, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, com sede na Rue …, …, …, França, a qual foi distribuída ao Juiz 1, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €2.327,83 (dois mil trezentos e vinte e sete euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros contados, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alega que foi admitido pela Ré para trabalhar, sob as suas ordens e direção, como soldador de estruturas metálicas, pelo período de 25 de janeiro a 3 de abril de 2016, contra o pagamento mensal de €2.320,80.
Acontece que a 19 de fevereiro de 2016, a Ré, sem mais prescindiu do Autor, não lhe pagando os dias de trabalho prestados entre 25 de janeiro e 19 de fevereiro, no montante de €2.011,36, bem como não lhe pagou férias, subsídio de férias e de Natal.
Procedeu-se a audiência de partes, mas sem que se tenha logrado resolver o litígio por acordo.
A Ré foi notificada para apresentar contestação, no prazo e sob cominação legal.
Decorrido o prazo legal a Ré não apresentou contestação.
I.2 O Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
- (..)
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Inexistem nulidades que afetem todo o processo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem outras exceções que obstem à apreciação do mérito da causa nem nulidades secundárias de que cumpra conhecer.
Cumpre decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Uma vez que a Ré, apesar de devidamente notificada, não deduziu contestação, considero confessados todos os factos articulados pelo Autor – artigo 57º nº 1 do Código de Processo do Trabalho.
Estão, dessa forma, provados os factos vertidos sob os nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11.
Por outro lado, considerando a simplicidade da causa e porque os factos confessados acarretam a procedência total da ação, limito-me a aderir ao alegado pela Autora, tudo nos termos do disposto no nº 2 do artº 57º do Código de Processo do Trabalho.
*
DECISÃO:
Nestes termos e com tais fundamentos, julgo procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, condeno a Ré no pedido.
Custas pela Ré.
Registe e notifique.
Valor da ação: €2.327,83.
(..)»
I.3 Inconformada a Ré empregadora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados.
As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
A) Não foi invocada qualquer factualidade que permita o recurso ao Tribunal Português para dirimir o litígio.
B) Nos termos previstos pelo nº 1 do art. 21º do Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou
C) Noutro Estado-Membro, no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou
D) Se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.
E) A Ré é dada como sedeada em França, tanto na petição inicial como no contrato junto.
F) O contrato identifica o A. como residente em França e aí contratado.
G) Não existem, portanto, elementos mínimos de conexão suficientes para atribuição de competência aos tribunais nacionais para julgamento da ação.
H) A violação das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal – art. 96º, alínea a) do CPC.
I) Nos termos do nº 1 do art. 97º do CPC, a incompetência absoluta deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal até ao trânsito em julgado.
J) No mesmo sentido dispõe o nº 1 do art. 28º do Regulamento citado.
K) Ao julgar o Tribunal competente, violou a decisão recorrida as normas de competência internacional, designadamente o regime que decorre do disposto no art. 10º do CPT, conjugado com o disposto no art. 59º do CPC e no art. 21º do Regulamento 1215 do PE e do Conselho.
Conclui pedindo a procedência do recurso, sendo revogada a sentença recorrida e, nos termos previstos pelo nº 1 do art.º 99º do CPC, declarada a absolvição da Ré da instância,
I.4 O Recorrido Autor não apresentou contra-alegações
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da inadmissibilidade do recurso em razão do valor da causa ser inferior ao da alçada do tribunal recorrido.
I.5.1 A recorrente respondeu, contrapondo que interpôs o recurso logo assinalando que o fazia com fundamento na violação das regras de competência internacional e ao abrigo da excepção prevista pela alínea a) do nº 2 do art. 629º do CPC (a que corresponde o art. 678º do CPC de 1961), aplicável ex vi art. 79º do CPT.
Reitera a admissibilidade do recurso.
I.6 Remeteu-se o projecto de acórdão, bem como o histórico digital dos autos aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões que se colocam consistem em saber o seguinte:
i) Se é admissível recurso da decisão recorrida.
ii) Se o Tribunal a quo errou ao ter-se julgado competente e condenado a Ré no pedido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para apreciação do recurso são os que constam do relatório que antecede, bem assim os que se passam a consignar, decorrentes do contrato junto aos autos pelo A, como Doc. 1, nomeadamente os seguintes:
- Figuram como subscritores do contrato “D…, com domicílio social em .., Rue …, …… …”, em França, e “B…, Chez D…, .., Rue …, …... …;
- Quanto ao local da celebração do contrato consta “Fait à: …”;
- Como data da celebração consta 25/01/2016;
- E, como local de trabalho, menciona-se F..., Hopital E…, ….. ….
II.2 Admissibilidade do recurso
No parecer a que alude o art.º 87.º 3 do CPT, o Ministério Público junto desta Relação pronunciou-se pela inadmissibilidade do recurso, em razão do valor da causa - €2.327,83 - ser inferior ao da alçada do tribunal recorrido.
A recorrente respondeu, contrapondo que interpôs o recurso logo assinalando que o fazia com fundamento na violação das regras de competência internacional e ao abrigo da excepção prevista pela alínea a) do nº 2 do art.º 629º do CPC (a que corresponde o art. 678º do CPC de 1961), aplicável ex vi art. 79º do CPT.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 629.º do CPC, aplicável ex vi art.º 79.º do CPT, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
A alçada da primeira instância é de € 5.000,00.
Portanto, é certo que a acção tem valor inferior ao da alçada do tribunal recorrido e, também, que o valor da sucumbência não é superior a metade daquela alçada.
Porém, a regra de recorribilidade em função do valor da alçada e da sucumbência comporta excepções, desde logo as previstas no mesmo artigo. Entre elas consta a da alínea a), do n.º2, de onde resulta que independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissível recurso “[C]om fundamento na violação de regras de competência internacional (..)».
Ora, como a recorrente veio sublinhar na resposta ao parecer, iniciou o seu recurso justificando que o interpunha com fundamento na violação das regras de competência internacional.
Acresce, que esse é o único e exclusivo fundamento do recurso.
Por conseguinte, conclui-se pela admissibilidade do recurso.
II.3 Nulidade da sentença
A recorrente arguiu a nulidade da sentença, alegando que o Tribunal a quo não conheceu da incompetência absoluta do tribunal, conhecimento que lhe incumbia oficiosamente suscitar, assim havendo omissão de pronúncia (nº 1, alínea d) do art. 615º do CPC).
A arguição da nulidade, bem como a respectiva motivação, foram feitas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso dirigido ao Tribunal recorrido.
Mostra-se, pois, cumprido o disposto no art.º 77.º n.º1, do CPT, nada obstando ao conhecimento da arguida nulidade.
A Senhora Juíza, no despacho em que admite o recurso, previamente tomou posição quanto à arguida nulidade, referindo que conforme consta do da sentença, o Tribunal declarou-se competente.
As causas de nulidade da sentença constam previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC, entre elas contando-se a omissão de pronúncia, que se verifica quando “ [O] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [al. d)].
Esta disposição surge em consequência do disposto no art.º 608.º n.º2, do CPC: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas parte, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso”.
Nos termos do disposto no art.º 97.º n.º1, do CPC, a incompetência absoluta pode ser arguida peãs partes e, “excepto se decorrer da violação de pato privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre a causa”.
Na sentença recorrida o Tribunal a quo fez constar o seguinte “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade (..)”.
Portanto, sendo ou não correcta essa consideração, o certo é que o Tribunal a quo tomou posição quanto à questão da competência em razão da nacionalidade, declarando-se competente.
Assim sendo, não se verifica a invocada omissão de pronúncia e, logo, improcede a arguida nulidade da sentença.
II.4 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Sustenta o recorrente que na petição inicial não foi invocada qualquer factualidade que permita o recurso ao Tribunal Português para dirimir o litígio, dado que:
- O A. não invocou o exercício de funções em Portugal, nem a sua contratação.
- A Ré é dada como sedeada em França, tanto na petição inicial como no contrato junto.
- O contrato identifica o A. como residente em França e aí contratado.
Defende, assim, que não existem elementos mínimos de conexão suficientes para atribuição de competência aos tribunais nacionais para julgamento da acção, nomeadamente nos termos previstos pelo nº 1 do art. 21º do Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária.
Há, no seu entender violação das regras de competência internacional, determinando a incompetência absoluta do tribunal – art. 96º, alínea a) do CPC – e sendo de conhecimento oficioso.
Ao julgar o Tribunal competente, violou a decisão recorrida as normas de competência internacional, designadamente o regime que decorre do disposto no art. 10º do CPT, conjugado com o disposto no art. 59º do CPC e no art. 21º do Regulamento 1215 do PE e do Conselho.
Conclui pedindo a procedência do recurso, sendo revogada a sentença recorrida e, nos termos previstos pelo nº 1 do art.º 99º do CPC, declarada a absolvição da Ré da instância.
Vejamos então, começando por deixar nota do que consta na petição inicial.
Alega o Autor que a Ré é uma empresa de trabalho temporário e que, por contrato de trabalho temporário com início em 25-01-2016 e termo em 03-04-2016, admitiu-o ao seu serviço, mediante retribuição, para sob as ordens, direcção e fiscalização dos seus legais representantes exercer as funções de soldador de estruturas metálicas para a empresa F…, …, …., SIREN, com sede na Route …, ….. …, remetendo para o doc 1, ou seja, o contrato de trabalho.
Não se menciona na petição inicial onde foi celebrado o contrato.
Consta apenas, no início da petição, ao proceder-se à identificação do autor, que este reside no Lugar …, .., …, ….-… Porto.
A competência dos tribunais expressa a medida da sua jurisdição. No caso da competência internacional está em causa o poder jurisdicional dos tribunais portugueses em face dos tribunais estrangeiros, sendo aferida em função das regras que a delimitam.
É entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, que a competência deve ser determinada face à relação jurídica tal como o autor a configura na petição inicial.
O artigo 10.º do CT, com a epígrafe ”Competência internacional dos tribunais do trabalho”, dispõe o seguinte:
1 - Na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção.
2 - Incluem-se, igualmente, na competência internacional dos tribunais do trabalho:
a) Os casos de destacamento para outros Estados de trabalhadores contratados por empresas estabelecidas em Portugal;
b) As questões relativas a conselhos de empresas europeus e procedimentos de informação e consulta em que a administração do grupo esteja sediada em Portugal ou que respeita a empresa do grupo sediada em Portugal.
Em suma, como se elucida no Ac. do STJ de 10/12/2009 [proc.º 09S0470, Conselheiro Sousa Peixoto, disponível em www.dgsi.pt], o art. 10º do CPT fixa os critérios legais de que depende o poder jurisdicional do Estado Português em confronto com os dos Estados de outros países. Sendo eles, em primeiro lugar o da coincidência da competência internacional com a competência territorial – 1ª parte do preceito; e, em segundo lugar, o da causalidade – 2ª parte do mesmo preceito.
Contudo, a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral só se afere em função daquela disposição, desde que não seja aplicável ao caso convenção de direito internacional.
Como vem defender a recorrente, é o que aqui acontece.
As normas do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicam-se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição (art.º 1.º), a partir de 10 de janeiro de 2015 (entenda-se, esta versão reformulada que substitui as anteriores já aplicáveis), sendo “obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável nos Estados-Membros nos termos dos Tratados aos Estados membros” [art.º 81.º].
A secção 5 regula, conforme menciona sua epígrafe, a “Competência em matéria de contratos individuais de trabalho”, sendo composta pelos artigos 20.º a 23.º, dos quais consta, no que aqui releva, o seguinte:
Artigo 20.º
1. Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência é determinada pela presente secção sem prejuízo do disposto no artigo 6.º, no artigo 7.º, ponto 5, e, no caso de ação intentada contra a entidade patronal, no artigo 8.º, ponto 1.
2. (..)
Artigo 21.º
1. Uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada:
a)Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou
b)Noutro Estado-Membro:
i) no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou
ii) se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.
2. (..)
Artigo 22.º
(..)
Artigo 23.º
As partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que:
1)Sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou
2)Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção.
Assinala-se que o art.º 8.º1, para o qual remete o artigo 20.º n.º1, não tem aqui qualquer relevância, dispensando-se também a sua transcrição.
Vistas aquelas normas resulta claro que as relevantes são as contantes do artigo 21.º
Aplicando-a ao caso, conclui-se que a Ré, enquanto entidade patronal domiciliada em França, que é Estado Membro pode ser demandada nos tribunais franceses (n.º1).
Poderá, ainda, ser demandada noutro Estado-Membro, mas nas seguintes circunstâncias:
- no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho; ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou, se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.
Portanto, tendo a Ré domicílio social em França e resultando do contrato de trabalho que o local da prestação do trabalho era em França, bem assim que foi contratado em França, é forçoso concluir que os tribunais competentes são os franceses.
Dito de outro modo, os Tribunais portugueses não têm competência internacional para conhecer do presente litígio. O facto do autor ser cidadão português e ter domicílio pessoal em Portugal não é suficiente para determinar a competência dos Tribunais Portugueses.
A incompetência absoluta decorrente da violação das regras de competência internacional [art.º 96.º al. a), do CPC] é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente, devendo abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [art.º 278.º 1, al. a), do CPC)].
Aqui chegados, parecerá que assiste razão à recorrente. Contudo, assim, não acontece.
Com o efeito, o mesmo Regulamento contém ainda normas que regulam a extensão de competência e, também, o conhecimento oficioso da competência internacional por parte dos Estados-Membros, em concreto, no que aqui importa, os artigos 26.º da Secção 7 (Extensão de Competência) e 28.º da SECÇÃO 8 (Verificação da competência e da admissibilidade). Dispõe-se nos artigos em causa o seguinte:
Artigo 26.º
1. Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º.
(..).
Artigo 28.º
1. Caso o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro e não compareça em juízo, o juiz deve declarar-se oficiosamente incompetente, salvo se a sua competência resultar do disposto no presente regulamento.
2. O tribunal suspende a instância enquanto não se verificar que foi dada ao requerido a oportunidade de receber o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, em tempo útil para providenciar pela sua defesa, ou enquanto não se verificar que foram efetuadas todas as diligências necessárias para o efeito.
3. É aplicável o artigo 19.º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos) (15), em vez do n.º 2 do presente artigo, se o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, tiver sido transmitido por um Estado-Membro a outro por força daquele regulamento.
4. Caso não seja aplicável o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, aplica-se o artigo 15.º da Convenção da Haia, de 15 de novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial, se o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, tiver sido transmitido ao estrangeiro por força daquela convenção.
Têm aqui inteira aplicação o artigo 28.º, nomeadamente o seu n.º1, conjugado com o art.º 26.º n.º1, pelas razões que se referem no acórdão da Relação de Évora de 4-05-2006, [proc.º n.º 66/06-3, desembargador Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt], que embora reportando-se aos artigos 26.º/1 e 24.º/1 do Regulamento CE n.º 44/2001, são absolutamente transponíveis para o caso concreto. Melhor concretizando, aquele regulamento era igualmente relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial e, embora tenha sido revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, a que nos vimos referindo, neste os artigos 28.º/1 e 26.º/1, têm inteira correspondência com aquelas normas a que se refere o aresto.
Avançando, escreve-se naquele acórdão o seguinte:
- « (..)
O teor do art.º 26 é bem elucidativo quanto à necessidade de apreciação oficiosa por parte do tribunal dos diferentes critérios de conexão adoptados pelo Regulamento em matéria de competência internacional. Porém resulta absolutamente claro desse normativo que o conhecimento oficioso apenas é permitido nos casos em que o requerido/demandado não compareça (seja revel) ou quando comparecendo, a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal – art.º 24º do Reg. E, no dizer de Dário Moura Vicente, estudo citado, pág. 371, «percebe-se que essa apreciação apenas seja oficiosa nos casos em que o requerido/demandado não compareça, porquanto o art.º 24 do Regulamento admite uma prorrogação ou extensão tácita da competência jurisdicional que o Direito português não prevê (cfr., e Conselheiro Neves Ribeiro, in (in "Processo Civil da União Europeia", pág. 94), preceituando que "para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º".
Subscrevemos esta posição. Em suma, transpondo-a para o caso, da conjugação do artigo 28.º 1 com o art.º 26.º1, retira-se que o conhecimento oficioso em matéria de competência internacional, à luz das regras estabelecidas do Regulamento, nos casos em que o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro, apenas é permitido quando aquele não compareça em juízo ou quando comparecendo a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal.
Ora, no caso vertente a Ré foi citada em França, no seu domicílio social, e fez-se representar na audiência de partes por mandatário judicial, o qual apresentou procuração com poderes especiais “para confessar, desistir ou transigir em processo judicial e os de representação pessoal da Empresa em qualquer tentativa de conciliação ou audiência de partes em Tribunal do Trabalho”. Como não se logrou alcançar a resolução do litígio por acordo, a Ré foi imediatamente notificada para, “nos termos da al. a) do artigo 56º do Código do Processo de Trabalho, no prazo de dez dias, contestar, querendo a acção de que em devido tempo lhe foi remetido o respectivo duplicado da petição inicial, sob pena de, não o fazendo, se considerarem confessados os factos articulados pelo autor e ser proferida sentença como é de direito”.
No prazo legal a Ré não contestou, só vindo posteriormente insurgir-se contra a sentença através do presente recurso.
Por conseguinte, para os efeitos do artigo 28.º/1 do regulamento, a Ré compareceu em juízo e, logo, o juiz não podia declarar-se oficiosamente incompetente. Só o poderia fazer caso a Ré tivesse contestado e suscitado essa exceção, coisa que não fez.
Assim sendo, não merece censura a sentença recorrida ao ter jugado o Tribunal competente internacionalmente para conhecer da causa.
Improcede, pois, o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 13 de Março de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
________
SUMÁRIO
1 A competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral só se afere em função do artigo 10.º do CT, desde que não seja aplicável ao caso convenção de direito internacional.
2. O Regulamento (EU) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição, regula a “Competência em matéria de contratos individuais de trabalho”, nos artigos 20.º a 23.º.
3. Tendo a Ré domicílio social em França e resultando do contrato de trabalho que o local da prestação do trabalho era em França, bem assim que o trabalhador foi contratado em França, deve concluir-se que os Tribunais portugueses não têm competência internacional para conhecer do presente litígio. O facto do autor ser cidadão português e ter domicílio pessoal em Portugal não é suficiente para determinar a competência dos Tribunais Portugueses.
4. A incompetência absoluta decorrente da violação das regras de competência internacional [art.º 96.º al. a), do CPC] é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente, devendo abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [art.º 278.º 1, al. a), do CPC)].
5. Contudo, o mesmo Regulamento contém ainda normas que regulam a extensão de competência e, também, o conhecimento oficioso da competência internacional por parte dos Estados-Membros, em concreto, no que aqui importa, os artigos 26.º da Secção 7 (Extensão de Competência) e 28.º da SECÇÃO 8 (Verificação da competência e da admissibilidade).
6. Da conjugação do artigo 28.º 1 com o art.º 26.º1, retira-se que o conhecimento oficioso em matéria de competência internacional, à luz das regras estabelecidas do Regulamento, nos casos em que o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro, apenas é permitido quando aquele não compareça em juízo ou quando comparecendo a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal.
7. A Ré foi citada em França, no seu domicílio social, e fez-se representar na audiência de partes por mandatário judicial, o qual apresentou procuração com poderes especiais. Como não se logrou alcançar a resolução do litígio por acordo, a Ré foi imediatamente notificada para contestar a acção sob cominação de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor e ser proferida sentença como é de direito.
8. Não tendo a Ré contestado, para os efeitos do artigo 28.º/1 do Regulamento, compareceu em juízo e, logo, o juiz não podia declarar-se oficiosamente incompetente. Só o poderia fazer caso a Ré tivesse contestado e suscitado essa exceção, coisa que não fez.

Jerónimo Freitas