Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA ATOS DA VIDA CORRENTE ACESSO A INFORMAÇÃO ESCOLAR | ||
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Nº do Documento: | RP202306051/22.8T8MTS-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Como regra, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (art.º 1906.º, nº 1, primeira parte, do Código Civil). II - Por seu turno, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (art.º 1906.º, nº 3, 1ª parte, do Código Civil). III - Optou o legislador por não elencar as situações que cabem nos atos de particular importância ou nos atos da vida corrente, deixando tal tarefa aos Tribunais e à Doutrina. IV - Devem considerar-se “questões de particular importância”, entre outras: as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado. V - Estando a menor a residir com mãe e, portanto, no exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos correntes da vida daquela, a recusa de partilha da senha de acesso à plataforma do Colégio que a criança frequenta, não é suscetível de configurar questão de particular importância. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1/22.8T8MTS-A.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Família e Menores de Matosinhos-J2 Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida 2º Adjunto Des. Dr. Joaquim Moura Sumário: ………………… ………………… ………………… * I - RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Intentou AA o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais relativas a BB contra CC, imputando à requerida o incumprimento da regulação fixada quanto ao exercício em comum das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida da criança. Para o efeito alega em síntese que: - Por acordo homologado por sentença de 24 de fevereiro de 2022, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas a BB, tendo a residência da criança sido fixada junto da requerida, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância da vida da criança, exercidas em comum por ambos os progenitores; - A BB mudou de estabelecimento de ensino, estando agora a frequentar o Colégio ..., no Porto; que a requerida é encarregada de educação; - O Colégio ... atribui uns códigos de acesso à plataforma onde consta o registo/histórico dos alunos e que fornece aos encarregados de educação; que o requerente solicitou à requerida os códigos, de modo a saber da evolução educacional, registos de testes e notas atribuídas à filha, ao que a requerida respondeu negativamente; - O requerente entrou em contacto com a direção do colégio tendo-lhe sido explicado que os códigos são únicos; que a requerida se recusa a partilhá-los, não cumprindo, assim, com a sua obrigação de fornecer as informações relativas a questões de particular importância para a vida da sua filha. * Conclusos os autos foi exarado despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial.* Não se conformando com o assim decidido veio o Requerente interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:A decisão do tribunal a quo padece deste recurso: 1. Pela interpretação errónea que deu aos artigos 1901.º n.º 2 e 1906.º do Código Civil no que ao exercício das responsabilidades parentais diz respeito; 2. Desconsideração ao direito à igualdade/paridade no acesso à informação educativa da sua filha por banda do recorrente, considerando este um ato da vida corrente. * Devidamente notificados, contra-alegaram quer a Requerida quer o Ministério Publico concluindo ambos pelo não provimento do recurso.* Corridos os vistos legais cumpre decidir.* II - FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P. Civil. * No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:a) - saber se a decisão recorrida que indeferiu liminarmente o presente incidente deve ser revogada, por interpretação errónea que deu aos artigos 1901.º n.º 2 e 1906.º do Código Civil no que ao exercício das responsabilidades parentais diz respeito. * A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Para a decisão da questão supra enunciada importa considerar o seguinte quadro factual retirado do requerimento inicial sustentada em prova documental: a) - Por acordo homologado por sentença de 24.02.2022, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais da sua filha BB, tendo a residência da menor sido fixada junto da recorrida; b) - Sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância da vida da menor, exercidas em comum por ambos os progenitores; c)- A BB mudou de estabelecimento de ensino, estando agora a frequentar o Colégio ..., no Porto; d)- A Requerida é a Encarregada de Educação; e) - O Colégio ... atribui uns códigos de acesso à plataforma onde consta o registo/histórico dos alunos e que fornece aos encarregados de educação; f) - O Recorrente solicitou à Requerida os códigos, de modo a saber da evolução educacional, registos de testes e notas atribuídas à filha, ao que a mesma respondeu negativamente; g) O Recorrente entrou em contacto com a direção do colégio tendo-lhe sido explicado que os códigos são únicos; h) A recorrida recusa-se a partilhá-los. * III. O DIREITOComo supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir: a) - saber se a decisão recorrida que indeferiu liminarmente o presente incidente deve ser revogada, por interpretação errónea que deu aos artigos 1901.º n.º 2 e 1906.º do Código Civil no que ao exercício das responsabilidades parentais diz respeito. Importa, desde logo, salientar que, conforme resulta da motivação da douta decisão recorrida, quer a questão da “recusa de partilha da senha de acesso à plataforma”, fosse enquadrada como “de particular importância”, quer como “ato da vida corrente”, não sendo alegado que a Requerida não tem vindo a informar o Requerente sobre a situação escolar da filha, a factualidade trazida a juízo não se mostra suscetível de integrar uma situação de incumprimento das responsabilidades parentais. Mas ainda que assim não se entenda, a questão suscitada pelo Recorrente é saber se recusa da Requerida em partilhar consigo os códigos de acesso à plataforma do Colégio, constituiu uma questão de particular importância para a vida da menor, por considerar que a sua educação reveste tal característica. Como se sabe, a lei não define o que são, nem quais são, “as questões de particular importância para a vida do filho”, que são exercidas em comum por ambos os progenitores, cabendo à doutrina e à jurisprudência a densificar esse conceito indeterminado contido no artigo 1906.º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31-019. Ora, nos termos da Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 509/X (que esteve na origem da Lei n.º 61/2008, de 31.10), lê-se: “Impõem-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais, salvo quando o tribunal entender que este regime é contrário aos interesses do filho. O exercício conjunto, porem, refere-se apenas aos “atos de particular importância”; a responsabilidade pelos “atos da vida quotidiana” cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto ao mínimo-aos assuntos de “particular importância”. Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito; espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças. Pretende-se que o regime seja praticável–(…)–e para que isso aconteça pode ser vantajoso não forçar contactos frequentes entre os progenitores”. (n.º 5 da parte II da exposição de motivos)”. Conforme ensina o Professor Guilherme de Oliveira[1] “as questões de particular importância serão sempre acontecimentos ou questões existências graves e raras na vida de uma criança”. Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/10/2011[2] “Consideram-se “questões de particular importância”, entre outras: as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.”[3] Portanto, se um assunto da vida do menor não respeitar a uma questão existencial e grave na vida da criança, não será qualificado como de “particular importância” e será tratado como atinente à “vida corrente do menor”, pelo que, caberá ao progenitor com quem reside habitualmente gerir tal assunto, ou seja, praticar o ato ou opção correspondentes, autonomamente, sem carecer do acordo do outro progenitor. * No caso em apreço, a recusa da Requerida em partilhar, com o Requerente, a senha de acesso à plataforma do Colégio não constituiu um acontecimento raro, uma questão existencial e grave na vida da menor, não sendo, pois, suscetível de configurar uma questão de particular importância, pelo que bem andou o Tribunal “a quo”, ao enquadrar tal assunto como “ato da vida corrente”.Ora, estando a residência da criança fixada junto da mãe, cabe a esta a tomada de decisão sobre as questões da vida corrente da criança, nas quais se integra o seu acompanhamento escolar diário, tendo assumido, nesse âmbito, a função de encarregada de educação (cf. art.º 43.º, n.º 4 da Lei nº 51/2012 de 05/09), a quem foram fornecidos, pelo estabelecimento de ensino, os códigos de acesso à plataforma usada para comunicação com os encarregados de educação. Ao requerente assiste o direito conferido pelo disposto no n.º 7 do já artigo 1906.º de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho, direito que tem como correspetivo dever pela requerente de prestar informações sobre a situação escolar da criança, nomeadamente no que que diz respeito à vida escolar e ao seu desempenho académico, e do estabelecimento de ensino que frequenta. No entanto, esse dever-de prestar informações sobre a educação da criança-, não integra o de lhe disponibilizar os códigos de acesso à plataforma que lhe foram a si atribuídos na qualidade de encarregada de educação. De resto, a Requerida ao não partilhar os códigos de acessos à plataforma do Colégio, não impede o Requerente de obter as informações escolares da filha, conforme decorre do “Estatuto do Aluno e Ética Escolar”, aprovado pela Lei n.º 51/2012, de 05-09, com a Declaração de Retificação n.º 46/2012, de 17/09. De acordo com aquele diploma legal, os instrumentos de registo da escolaridade de cada aluno são o processo individual, o registo biográfico, a caderneta escolar e a ficha trimestral de avaliação (artigos 11.º e 12.º do Estatuto do Aluno). É através destes instrumentos de registo que, normalmente, é processada a transmissão da informação sobre a situação do aluno aos pais e encarregados de educação e, na verdade, o sistema educativo não se encontrava preparado para garantir uma duplicação da informação quando ocorresse uma situação de dissociação familiar. Com o Estatuto do Aluno e Ética Escolar, a pedido do interessado, as fichas de registo de avaliação serão entregues ao progenitor que não resida com o aluno menor de idade (artigo 12.º, n.º 5), importando, ainda, ter em conta que os ónus de informação e a obrigação de facultar o acesso ao processo individual que impendem sobre o estabelecimento de ensino ou escola não se referem apenas relativamente ao encarregado de educação mas também aos pais, ou seja, a qualquer um dos progenitores, mesmo que não exerçam as funções de encarregado de educação (artigos 11.º, n.ºs 1, 4 e 6 e 12.º, n.ºs 3, 4 e 5 do Estatuto do Aluno). Assim, citando a douta decisão recorrida, “tendo os códigos de acesso à plataforma do Colégio sido atribuídos à Requerida, na qualidade de encarregada de educação, que assume por via de ter sido fixada junto de si a residência da criança e não vindo alegado que a Requerida não tenha vindo a informar o Requerente sobre a situação da criança na escola, ou que se recuse a fazê-lo, resulta evidente que a situação factual tal como vem configurada pelo Requerente no presente incidente não constitui incumprimento do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança.” * Diante do exposto, não sendo a recusa de partilha da senha de acesso à plataforma do Colégio que a criança frequenta, suscetível de configurar questão de particular importância, não poderia o Tribunal “a quo” deixar de concluir que o pedido formulado é manifestamente improcedente e, decidir como decidiu, indeferindo liminarmente o requerimento inicial.Não violou, pois, a douta decisão recorrida qualquer norma jurídica, por erro de interpretação dos artigos 1901.º n.º2 e 1906.º do Código Civil. Consequentemente, a douta decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo devendo, em consequência, o presente recurso ser julgado improcedente, e manter-se aquela decisão nos seus exatos e precisos termos. * Improcedem, desta forma, as conclusões 1ª e 2ª formuladas pelo apelante e, com elas, o respectivo recurso.* IV - DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. * Custas pelo apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).* Porto, 05 de Junho de 2023.Manuel Domingos Fernandes José Eusébio Almeida Joaquim Moura ____________ [1] In “A Nova Lei do Divórcio”, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 7, n.º 13, 2010. [2] In www.dgsi.pt.: [3] No mesmo sentido, vejam-se, entre outros, Acs. desta Relação de 27/01/2020 subscrito pelo aqui 1º adjunto, onde se dá nota da doutrina mais relevante sobre esta matéria e de 19/11/20225/09/2020 e da Relação de Lisboa, de 02/05/2017 e de 04/06/2020 todos in www.dgsi.pt. |