Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
258/18.9T8PNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PERÍCIA
NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RP20201026258/18.9T8PNF-A.P1
Data do Acordão: 10/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Toda a prova a produzir, e, como tal, também a pericial, se destina a demonstrar a realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (artº 341º do Código Civil), sendo que a demonstração que se pretende obter com a prova se traduz na convicção subjetiva a criar no julgador.
II - Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção);
III - Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal;
IV - Cabe ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, um juízo, não só de legalidade mas também de pertinência sobre o seu objeto: a prova de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão.
V - A prova pericial, com a especificidade de ter a mediação de uma pessoa - o Perito – para a demonstração do facto, consiste na perceção ou apreciação de factos pelo perito/s chamado a os percecionar (com os órgãos dos sentidos) e/ou a os valorar (à luz dos seus especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos), conhecimentos esses que, não fazendo parte da cultura geral e da experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador.
VI - A perícia, para perceção e valoração de factos da causa carecidos de prova (por isso pertinente), só deveria ser indeferida se a perceção e a apreciação desses factos não reclamasse conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais (caso em que seria dilatória).
VII - E o princípio do inquisitório, a operar no domínio da instrução do processo (v. art. 411º, do CPC, é um poder vinculado que impõe ao juiz, o dever jurídico de determinar, oficiosamente, as diligências probatórias complementares necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (sempre podendo requisitar, nomeadamente, documentos – v. nº1 e 2, do art. 436º, do CPC), independentemente, pois, de solicitação das partes.
VIII - Destarte, não se excluem, para o despoletar sugestões e, mesmo, requerimentos, da parte que, para fazer valer os seus direitos, naquelas diligências, se mostrem interessadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 258/18.9T8PNF.P1
Processo Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 4

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrentes: os Autores, B… e outros,
Recorridos: os Réus, C…, LDA e outros

Os Autores B… e outros, notificados do despacho que lhes indeferiu o requerimento de prova por meio de exame pericial às assinaturas constantes da cópia do “CONTRATO DE COMODATO” junto pela Ré C…, LDA, com o seguinte teor:
“No que se refere à perícia à letra solicitada no requerimento dos AA., indefere-se a mesma por manifestamente dilatória, sendo despicienda a perícia à letra a um documento particular junto numa outra acção.
Notifique”
dele vêm interpor recurso de apelação, pugnando por que lhe seja dado provimento e, em consequência, seja proferido acórdão que revogue o despacho recorrido e ordene o requerido exame pericial, formulando, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:
1) Vem o presente recurso do despacho que indeferiu a realização da perícia à assinatura aposta em cópia de documento de contrato denominado de “Contrato de Comodato”, datado de 04/06/2018, celebrado entre a aqui Ré C…, LDA e a desistente da ação aqui em discussão, D… respeitante à casa que foi, durante décadas, habitação do casal e seu agregado familiar e desta última.
2) Esse documento particular fora junto com a contestação oferecida pela Ré na ação movida pela C…, Lda contra a referida D… – ação essa que correu termos no Tribunal Judicial Local de Felgueiras, sob o nº 61/19.9T8FLG – Juiz 1 e a sua admissão aos presentes autos e pertinência, assim como das peças processuais (petição, contestação e transação judicial), proveio de despacho recaído sobre o requerimento apresentado pelos Autores nesse sentido para demonstrarem a natureza [também] simulada dessa ação judicial.
3) Não obstante as diversas formalizadas, mas simuladas (cujas simulações constituem fundamentos dos pedidos de nulidade), transmissões de propriedade de outros e também desse imóvel, certo é que a D… se manteve a nele residir sem nada pagar ou sem qualquer outra contrapartida, agindo sobre tais imóveis como coisa sua se tratasse, exercendo sobre eles atos de posse com os carateres passíveis da sua aquisição por usucapião, conforme resulta alegado na petição e por consequência, por se tratar de matéria controvertida, mas objecto do litígio, advém transposto para os temas da prova.
4) Na presente ação a Ré E… invoca o compromisso que sempre assumira desde a escritura de aquisição que fez dos imóveis, que deixaria a D…, por mera tolerância, mantêla a residir, vitaliciamente, na habitação que sempre fora daquela, todavia, tendo a venda sido feita sem reserva a qualquer momento poderia a compradora exigir da D… a desocupação da casa e dos imóveis obrigando-a a restitui-los à adquirente no quase imediato.
5) É [e foi] para colmatar esta incongruência que surge – já no decurso do presente pleito – a acção judicial instaurada pela C…, LDA contra a D…, fingindo um dissêndio com esta para a restituição dos imóveis.
6) As Rés E…, LDA E C…, LDA tinham combinado com a D… que, mediante o pagamento de quantia que rondava os 50.000€ esta se comprometeria a sair de casa e a restituir os imóveis, assim como a desistir da presente ação, na qual foi 1ª Autora, ainda que se desconheça, por ora, o rasto desse pagamento.
7) A verdade é que a “pressão” (manipulação) sobre a D…, viúva, de provecta idade, foi desencadeada logo a seguir à instauração da persente demanda com as diversas peripécias em redor da revogação dos mandatos aos advogados subscritores, por duas vezes, nos termos que sucintamente se descreve no corpo destas alegações e consta do processo.
8) O contrato de comodato serviu para que D… implicitamente reconhecesse não ser proprietária dos imóveis em discussão, nunca imaginado a Ré C… que seria alegada a simulação daquela ação judicial.
9) Tendo os AA alegado a simulação de tal ação judicial rapidamente se apressou a Ré C…, LDA a negar tal facto, invocando para o efeito que, na dita ação, requereu, inclusivamente, o original do contrato de comodato que negou existir e cujo documento alegou ser forjado, mau grado, em tal contrato conste do lado da comodante (C…, LDA) o carimbo aposto desta sociedade, tendo assinatura a aparência da real do seu representante legal, assim como exibe, do lado da comodatária, uma assinatura em tudo semelhante à da D….
10) A negação do original do contrato teve em vista tornar mais difícil uma eventual perícia por exame às assinaturas nele apostas, pensada para inviabilizar a prova da fraudulência daquela acção judicial
11) Ao invés do referido no despacho recorrido, os Autores/recorrentes não têm qualquer interesse em protelar a ação, mas antes em convocar para o processo o maior número de elementos probatórios que indiciariamente permitam concluir pela simulação dos diversos negócios impugnados, começando por levar o tribunal a perceber a razão pela qual tiveram as Rés necessidade de simularem uma ação baseada num contrato de comodato que celebraram pelos motivos que se deixaram invocados.
12) A prática judiciária vem-nos demonstrando como vem sendo cada vez mais imaginativa a forma de intervenção dos simuladores tornando cada vez mais difícil a obtenção de meios de prova que não sejam indiretos e a necessidade de recurso às presunções judiciais para se concluir pela simulação dos negócios com esse fundamento impugnados.
13) O novo paradigma do processo civil conferiu ao julgador um maior poder inquisitório em termos de lhe permitir, através de um poder/dever de realização de diligências probatórias, requeridas por qualquer das partes ou sob seu impulso, apurar a verdade, quer quanto aos factos essenciais transpostos para os temas da prova, como quanto aos instrumentais com relevância para essa mesma descoberta, na procura da realização da justiça no caso que se lhe apresenta.
14) Ao indeferir o exame pericial requerido pelos requerentes com a finalidade já enunciada acima, o tribunal recorrido, sob a égide de um fim dilatório, postergou esse poder/dever, abdicando da obtenção de um meio de prova capaz de melhor o auxiliar na prova indireta da simulação dos negócios impugnados, assim como da natureza e condição do exercício da posse dos imóveis em discussão condutível à sua aquisição originária ou prescritiva.
15) Sendo que, ao assim proceder, por via do indeferimento, o tribunal recorrido, no despacho sob recurso violou, entre outros, o disposto nos artºs 5º, 411º, 436º e 467º do CPC.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da admissibilidade e relevância, para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, de atos de instrução tendentes à realização de prova pericial, a ordenar por imperativo de inquisitoriedade.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, encontrando-se as referidas vicissitudes processuais documentadas nos autos, designadamente petição, contestações e peças processuais referentes ao processo 61/19.9T8FLG – Juiz 1, do Tribunal Local de Felgueiras, tendo na petição inicial da presente ação sido formulado o seguinte pedido:
Termos em que, e nos melhores de direito, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência:
a) Ser o negócio de compra e venda celebrado por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Guimarães, em 26.02.1992, referente ao imóvel identificado em 9.º desta petição entre o falecido F… e aqui A. D…, como vendedores e a Ré E…, S.A., declarado nulo, por simulado, e esta última condenada a reconhecer a nulidade de tal negócio;
b) Ser o negócio de compra e venda celebrado entre a 1.ª Ré e a 5.ª Ré referente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 2370, inscrito na matriz sob o artigo 3836 da freguesia … ou da União de freguesias que esta integra do concelho de Felgueiras e ao prédio descrito na mesma Conservatória sob o n.º 1, inscrito na matriz predial sob o artigo 997 da freguesia ou da União de freguesias que a integra do mesmo concelho de Felgueiras declarado simulado em relação a cada dessas transmissões e, consequentemente, nulo e de nenhum efeito tais negócios translativos, devendo as mesmas Rés serem condenadas a reconher a simulação e nulidade de tais declaradas compras e vendas;
c) Serem os negócios de compra e venda celebrados entre a 1.ª Ré e os 3.ºs Réus e entre estes e o 4.º Réu, referente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 2369 e inscrito na matriz predial sob o n.º 3838 (antigo artigo nº 1461 da freguesia …) agora da União de freguesias … do concelho de felgueiras declarados nulos, por simulados.
d) Ser declarado que a 5.ª Ré, através das pessoas dos seus legais representantes, tinha conhecimento, à data da escritura de compra que esta efetuou com o 4.º Réu tinha conhecimento das vicissitudes dos negócios de transmissão referentes ao imóvel descrito em 9.º como ao descrito na alínea antecedente do presente pedido, mais concretamente quanto à simulação de tais negócios de compra, e por conseguinte ser declarado que quando interveio na escritura de compra agiu má fé;
e) Ser declarado que as 1.ª e 5.ª Rés, através das pessoas dos seus legais representantes e a primeira ainda através do procurador que outorgou em seu nome o documento de compra e venda a que se alude no item 135.º desta petição tinham conhecimento da simulação do negócio relativo à primitiva aquisição feita pela 1.ª Ré referente ao prédio identificado em 9.º supra, declarando-se que com a intervenção que tiveram em tal negócio agiram de má fé;
f) Ser declarado que as simulação dos negócios a que se alude nas alíneas a) a c) da presente demanda são oponíveis à 5.ª Ré, condenando-se esta a reconhecer a oponibilidade das nulidades das transmissões anteriores às declaradas compras que efetuou referentes aos prédios descritos em 9.º, 25.º, 31.º e 32.º e 60.º, descritos na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob os n.ºs 2369, 2370 e 1, inscritos respetivamente na matriz sob os artigos 3838, 3836 e 997 da União de freguesias … do concelho de felgueiras;
g) Serem todos os Réus condenados a reconhecer que à Autora D… e ao património da herança deixada por óbito de F…, a quem sucederam AA. e 2.º Réu, pertencem os seguintes prédios: - Prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º 2369, inscrito na matriz predial sob o art.º 3838; sob o n.º 2370, inscrito na matriz predial sob o art.º 3836 e sob o n.º 1, inscrito na matriz predial sob o art.º 997, todos da União de freguesias … do concelho de felgueiras;
h) Ser declarado que a Autora D… e seu falecido marido (F…) adquiriram os prédios identificados na alínea anterior, por usucapião, condenando-se todos os Réus a reconhecer que tais prédios pertencem, por esse modo originário de adquirir, à Autora D… e herança deixada por seu marido, na qual sucederam AA. e 2º Réu.
i) Serem os 4.º e 5.º Réus condenados a reconhecer que a à área do prédio identificado em 31.º e 32º. (rústico) é de 1.390 m2 e que a ampliada àrea do prédio identificado em 60.º supra não corresponde à realidade, tendo sido nesta indevidamente integrada a área de pelo menos 1.172 m2 pertencente àquele prédio rústico;
j) Ser a 5.ª Ré condenada a demolir obras que realizou nos prédios identificados em 31.º, 32.º e 60.º deste petitório, por via das quais ilicitamente ocupou o prédio rústico descrito sob o n.º 1 na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras e inscrito na matriz sob o artigo 997 (antigo 167) da União de freguesias referida;
k) Ser a 5.ª Ré condenada a entregar aos AA. os prédios identificados em 25.º e 31º. e 32.º desta petição sem quaisquer construções novas devendo demolir as que se mostrem efetuadas.
l) Ser a 5.ª condenada a abster-se da prática de quaisquer atos suscetiveis de prejudicar, impedir ou dificultar a posse que a Autora D… vem exercendo sobre o prédio identificados na alínea antecedente;
m) Ser a 5.ª Ré condenada ao pagamento da quantia de 100,00€ por cada dia de atraso na entrega dos prédios tal como peticionado, a título de sanção pecuniária compulsória, até entrega efetiva nos termos do pedido da precedente alínea, como forma de a dissuadir no incumprimento da entrega que lhe vier a ser ordenada;
n) Ser ordenado o cancelamento de todos os registos de aquisição efetuados a favor da 1.ª, 3.º, 4.º e 5.ª Réus referente ao prédio descrito nos itens 9.º, 25.º, 31.º e 32.º e 60.º desta petição;
o) Ser o Réu G… (2.º Réu) condenado a pagar à Autora D… a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros), acrescida dos juros contados da citação e até efetivo pagamento, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais conforme alegado nos art.ºs 147.º a 152.º desta petição;
p) Ser a 5.ª Ré condenada a pagar à Autora D… a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), acrescida dos juros contados da citação e até efetivo pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais conforme alegados nos art.ºs 109.º e 110.º e 112.º a 132.º e 139.º a 143.º desta petição;
q) Serem os RR. solidariamente condenados nas custas e mais de lei”.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da admissibilidade e relevância da prova pericial
Insurgem-se os Autores/Apelantes contra a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a requerida perícia com fundamento de ser “manifestamente dilatória” e “despicienda ser perícia à letra de um documento particular junto numa outra ação”, pois que tal meio de prova relevante é, desde logo, para, através da demonstração de factos instrumentais, auxiliar na prova indireta da simulação dos negócios por si impugnados nos autos.
Analisemos da admissibilidade e relevância da perícia e do dever do juiz de a ordenar.
A proposição e a produção da prova em juízo visam demonstrar a realidade dos factos relevantes para o processo[1], sendo que regras existem, para a balizar, de direito probatório material, de natureza substantiva, a regular a admissibilidade e força probatória, inseridas no Código Civil, e de direito probatório formal, a regular os procedimentos probatórios, e que têm sede no Código de Processo Civil.
O artigo 410º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, com a epígrafe “Objeto da instrução”, bem estatui que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
Deste modo, quando tenha havido enunciação dos temas da prova (o que se verifica no processo comum de declaração, nos termos do art. 596º, a menos que ocorra revelia operante (art. 567, nº2), termo do processo no despacho saneador (art. 595º) ou decisão do juiz no sentido da dispensa, em ação de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º, c))), são os próprios temas da prova o objeto da instrução[2], neles se incluindo os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts 341º e segs, do Código Civil.
Assim, enunciados temas da prova (para, no final da instrução, o juiz decidir, na sentença, os factos que considera provados e não provados), correspondendo um deles a um facto, tem de ser o mesmo objeto direto da instrução, não estando, contudo, as partes inibidas de produzir prova sobre factos instrumentais ou circunstâncias que indiciem ou revelem aquele. Nos temas de prova de formulação mais genérica é objeto de instrução toda a factualidade pertinente para a sua concretização, tendo em conta a previsão normativa de que depende o resultado da ação, aí se incluindo a livre discussão dos factos em relação de instrumentalidade[3].
Destarte, havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e segs, do Código Civil.
E é garantida ampla liberdade, em sede de instrução, no sentido de permitir que, na produção de meios de prova (máxime, prova testemunhal, pericial ou por depoimento de parte), sejam averiguados os factos circunstanciais ou instrumentais, designadamente aqueles que possam servir de base à posterior formulação de presunções judiciais, sendo que a instrução da causa “deve ter como critério delimitador o que seja determinado pelos temas da prova erigidos e deve ter como objetivo final habilitar o juiz a expor na sentença os factos que relevam para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito”[4].
Sendo as diversas fases do processo a proposição, a audiência contraditória e a admissão (ou rejeição), com vista à produção das provas e decisão, podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa, não deve ser permitido seja objeto de instrução aquilo que se apresenta como irrelevante para a concreta causa, tal como desenhada se mostra.
Assim, para a apreciação da prova, que tem lugar na fase da sentença, só são admitidos os meios de prova propostos, após audiência da parte contrária, que relevem de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Tem, pois, de ser olhado o objeto do litígio, que se define pelo pedido formulado e respetiva causa de pedir, para se aferir dessa relevância, nenhuma a podendo ter se nem sequer cabe apreciar a concreta questão a que a prova em causa pode interessar.
O princípio do inquisitório, apontado pelos apelantes como violado, “no seu sentido restrito”, “que é o rigoroso”, “opera no domínio da instrução do processo” tendo o juiz aí “poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes”[5].
Tal princípio, consagrado no art. 411º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, abreviadamente CPC, é um poder vinculado que impõe ao juiz, que determine, oficiosamente, diligências probatórias complementares, necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, independentemente de solicitação das partes.
Por imposição do referido princípio do inquisitório, consagrado no art. 411º e materializado em inúmeros preceitos, ao juiz incumbe “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”. E adianta-se, desde já, que se o pode fazer oficiosamente, nenhuma razão se vislumbra para que o não possa fazer a sugestão, ou mesmo a solicitação, de uma das partes.
Tal princípio, “porém, coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilização das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.
O princípio do dispositivo funciona de um modo geral no que concerne à alegação dos factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos. Continua a impender sobre as partes o ónus de indicação dos meios de prova, a observar, em regra nos articulados (arts. 552º, nº2 e 572º, al. d)), mantendo-se o normativo do art. 139º, nº3, segundo a qual o decurso de um prazo perentório extingue o direito de praticar o ato. Mas, por outro lado, o preceito faz apelo à realização de diligências que importem à justa composição do litígio, enquanto o art. 526º impõe ao juiz um verdadeiro dever jurídico que deve exercer sempre que no decurso da ação se revele a existência de testemunhas não arroladas[6].
Da conjugação dos artigos 411º e 526º, este que constitui mais uma materialização do princípio do inquisitório, resulta que o juiz deve exercitar os seus poderes inquisitórios, que são poderes vinculados (nunca discricionários), embora “preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade”[7], quando concluir pela necessidade ou conveniência, ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, de realização de diligências de prova suplementares às promovidas pelas partes.
Assim, a “intervenção oficiosa do juiz deve assumir uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre cada uma das partes, não podendo servir para superar, de forma automática, falhas processuais reveladas designadamente através da omissão de apresentação do requerimento probatório em devido tempo[8].
Basta que o juiz (por si ou alertado para isso, mesmo que por requerimento) constate, objetivamente, a necessidade de produzir um meio de prova relevante para a boa decisão da causa para que se lhe imponha o desencadear dos seus poderes-deveres de inquisitoriedade.
Na verdade, os referidos poderes-deveres do juiz decorrentes da inquisitoriedade – art. 411º - “não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, como mostra o segmento “mesmo oficiosamente”. Ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade ou à justa composição do litígio”[9], bem podendo, “por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade”, requisição que pode “ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros” – cfr. nº1 e 2, do art. 436º, bem podendo, por isso, requisitar documentos juntos numa outra ação, desde que relevantes para a decisão da causa.
A prova pericial - com regulação de direito probatório material (objeto, admissibilidade e força probatória) nos arts 388º e seg, do Código Civil, e de direito probatório formal (a regular o procedimento da prova pericial) nos arts 467º a 489º, do CPC - , modalidade de prova pessoal e indireta, na medida em que a demonstração do facto é feita através de uma pessoa, o perito, que se interpõe entre o tribunal e o objeto da perícia, consiste na perceção ou apreciação de factos, pelo que o perito ou peritos são convocados a percecionar os factos e/ou a valorá-los à luz dos seus conhecimentos técnicos, sendo que aquela operação envolve captação (com os sentidos) dos factos e a sua compreensão.
O perito surge como intermediário entre a fonte de prova e o tribunal quando, para a plena apreensão da prova, haja necessidade de conhecimentos especializados. A prova pericial pode visar a perceção indiciária de factos, a apreciação, de acordo com a regra da causalidade, dos indícios a extrair das fontes de prova (para, nomeadamente, estabelecer um nexo de causalidade)[11]. O perito surge como o intermediário necessário em virtude dos seus conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais que o julgador não tem, ou por os factos, respeitando a pessoas, não deverem ser objeto de inspeção judicial (art. 388 CC), o perito intervém no processo de manifestação da fonte de prova e traduz ao juiz o resultado da sua observação ou apreciação.[12]
A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos (artº 341º do Código Civil), sendo que essa demonstração que se pretende com a prova se traduz na convicção subjetiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida[13]. Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (cfr. artº 388º, do Código Civil, que estatui que “A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.”).
A prova pericial pressupõe que: são necessários conhecimentos especiais para percecionar ou apreciar os factos, conhecimentos esses de que o juiz não dispõe; ou que os factos a demonstrar são relativos a pessoas não devendo ser objeto de inspeção judicial por estar em causa a intimidade da vida privada e familiar e a dignidade da pessoa, sendo que a prova pericial não deverá ser admitida se não forem exigidos conhecimentos que extravasem o saber do tribunal, sendo esses os conhecimentos relativos à cultura e experiência comuns. A admissibilidade da perícia não está dependente dos conhecimentos concretos do juiz em particular que julga a causa, mas dos que excedem a cultura e experiência comuns, bastando, pois, à parte que pretenda socorrer-se deste meio de prova que invoque que os factos a sujeitar a perícia extravasam essa cultura e experiência. Não será admissível a perícia quando sejam necessários conhecimentos jurídicos, pois que deles dispõe o julgador. A perícia pressupõe conhecimentos específicos, pelo que ao perito a nomear pelo Tribunal tem de ser reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa[14], sendo necessários conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos para compreender e poder valorar os factos a apreciar.
E uma vez realizada a perícia, o resultado da mesma é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia, fundamentadamente, sobre o respetivo objeto (artº 484º), questão ou questões direta ou indiretamente ligadas à matéria de facto controvertida para posterior apreciação, pelo juiz, segundo as regras da livre convicção (art. 389º, do CC e art. 607º, nº5, do CPC), que, no entanto, sofrerão uma importante restrição precisamente motivada pelo diferencial de conhecimentos técnicos.
Na verdade, a “prova pericial encontra-se sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, o qual impõe ao julgador que decida os factos em julgamento segundo a sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação da prova trazida ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e do conhecimento das pessoas, utilizando, nessa avaliação, critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controlo” sendo que “os factos puramente descritivos que constam do relatório pericial, isto é, que não envolvam conhecimentos especializados para a sua percepção (compreensão) e/ou apreciação (valoração), não gozam de qualquer força probatória especial em relação à dos restantes meios de prova. Já os factos cuja percepção (compreensão) e/ou apreciação (valorização) reclame conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos especializados, não acessíveis ao julgador médio, apenas podem ser infirmados ou rebatidos com fundamentos da mesma natureza aos utilizados pelos peritos”[16].
Consagra o artigo 475º, com a epígrafe “Indicação do objeto da perícia” que, ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência (nº1), podendo, ela, reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente quer aos factos alegados pela parte contrária (nº2), sendo que a determinação definitiva do objeto da perícia é feita pelo juiz, nos termos do nº2, do art. 476º.
Assim, a perícia tem por objeto as questões de facto que o requerente pretende ver esclarecidas através da diligência, contanto que se contenham no âmbito da causa de pedir e do pedido enunciados pelo Autor ou na defesa invocada pelo Réu[17], podendo, o objeto da perícia, apenas ser constituído por questões de facto condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou a exceção) da decisão final de mérito segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito[18].
Como bem se analisa no Ac. RG de 26/9/2019 “1- “Factos” são os acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem captados pelos sentidos.
2- “Meios de prova” são os mecanismos colocados pelo legislador ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar ou não a realidade/verificação dos “factos”, isto é, trata-se dos meios legalmente fixados a que as partes e o próprio tribunal se podem socorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não de acontecimentos externos ou internos captáveis pelos sentidos.
3- A prova pericial é um “meio de prova” e não um meio alegatório de factos, sequer se destina a obter outros meios de prova, designadamente, prova documental, e através dela não se podem suprir as omissões de alegação em que incorreram as partes.
4- A prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente previstos, a circunstância da perceção (verificação material) dos “factos” e/ou a apreciação destes (determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros) reclamar conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que por não fazerem parte da cultura geral e da experiência comum, se devem presumir não serem detidos pelo juiz.
5- A prova pericial, tal como os demais meios de prova legalmente previstos, apenas podem recair sobre os “factos da causa”.
6- Consideram-se “factos da causa” os factos essenciais alegados pelo autor, na petição inicial, para fundamentar a causa de pedir nela invocada para sustentar o pedido, os factos essenciais alegados pelo réu na contestação, para fundamentar as exceções que nela invocou contra o autor, os factos essenciais alegados pelo autor na réplica, audiência prévia ou no início da audiência final (arts. 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4 do CPC) para fundamentar as contra exceções que invocou contra o réu e, bem assim os factos complementares e instrumentais dos essenciais pertinentemente alegados.
7- Quando as questões de facto colocadas pelas partes para efeitos de integrarem o objeto da perícia não versem sobre os “factos da causa”, impõe-se que o juiz indefira essas questões por impertinentes. Já quando essas questões de facto versem sobre “os factos da causa”, mas a perceção e a apreciação desses factos não reclame conhecimentos científicos, técnicos e/ou artísticos especiais, deve-se indeferir essas questões por dilatórias[19].
Revertendo para o caso, verifica-se que os Autores, no requerimento objeto do despacho recorrido afirmam e requerem:
“B. QUANTO AO REQUERIMENTO E DOCUMENTOS JUNTOS PELA RÉ C…, LDA
Com a contestação apresentada pelos RR na ação de reivindicação que culminou com a transação junta, foi junto um documento denominado de “Contrato de Comodato”.
Esse contrato apresenta-se, aparentemente, assinado em nome da C…, Lda., na pessoa do seu gerente.
A Autora nessa ação – C…, Lda. – no seu articulado de RESPOSTA nega a celebração desse contrato, afirmando que o mesmo é forjado e alegando a falsidade da assinatura que lhe é atribuída.
A ação terminou, como sabemos, com a TRANSAÇÃO.
Tal ação judicial foi simulada, tendo servido, unicamente, para justificar a posição da Ré C…, Lda. na presente lide. O próprio documento denominado de “CONTRATO DE COMODATO”, com data posterior ao da entrada da petição deste processo em juízo, foi fabricado, elaborado e apresentado pela C…, LDA. À putativa comodatária, a quem foi dado para assinar.
Com esse documento a Ré tinha dois objetivos:
1) Servia para demonstrar nestes autos que a primitiva Autora D… reconhecia como sendo propriedade da Ré os prédios, mormente aquele que lhe servia de habitação
2) camuflando um acordo para a sua saída, destinava-se a conferir credibilidade à defesa em eventual ação de reivindicação que contra ela fosse insaturada, como veio a ser, fingindo desse modo um litígio que deixou de existir com a “compra” da D…, posto que desde o início as partes simuladoras dele tinham em mente em fazerem uma transação.
REQUER-SE, por se entender indispensável à demonstração do facto que acabamos de salientar:
PERÍCIA
- A realização de exame à letra e assinatura do gerente da sociedade da Ré C…, LDA., devendo ser esta notificada para juntar o original de tal documento, tendo por finalidade saber se é do punho daquele gerente a assinatura aposta em tal documento.
Tal exame pericial deverá ser levado a cabo no Instituto de Medicina Legal, ou em local que este venha a designar para o efeito”.
O art. 476º, do CPC, prevê que a perícia possa ser rejeitada por impertinente ou dilatória (nº1), consagrando, também, deverem ser indeferidas, depois de ouvir a parte contrária sobre o objeto da perícia, as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes (nº2).
E, devendo o tribunal emitir sobre a perícia, como relativamente a todas as provas, um juízo, não só de legalidade, mas também de pertinência sobre o objeto: a prova dos factos que se propõe provar, fê-lo o Tribunal a quo, indeferindo a perícia por “manifestamente dilatória” e “despicienda ser perícia à letra de um documento particular junto numa outra ação).
Ora, as referidas razões não podem, validamente, fundamentar a rejeição deste meio de prova, pois que, existe um facto relevante para cuja perceção (compreensão) e/ou apreciação (valoração) se reclamam, na verdade, conhecimentos técnicos especializados, não acessíveis ao julgador médio, sendo que só o Perito, após realizar a diligência, se poderá pronunciar sobre o resultado atingido, a ser objeto de, ulterior, ponderação.
Isso mesmo resulta, na verdade, do disposto no artº 476º nº1 do CPC, que refere as situações em que o juiz deve indeferir a perícia ou questões nela suscitadas, ao estabelecer “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o nº 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
Assim, face ao estatuído no artº 476º nº1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatória e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes.
Será impertinente se não respeitar aos factos da causa e dilatória se, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388º, do CC)[20].
Uma diligência de prova será impertinente (devendo, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa[21] e, mais ainda, se nem de questão de facto se tratar mas mera questão de direito ou se a perícia não for o meio próprio para provar certo facto.
É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais que aquela pressupõe[22], sendo que o que se pretende do perito é que realize uma objetiva observação técnica do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, devendo ser dela afastadas questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador.
Revertendo para o caso, contrariamente ao que foi decidido, a requerida perícia às assinaturas não é impertinente, pois que se prende com os factos da causa, sempre sendo relevante para a formação da convicção do julgador, nem dilatória, pois que o seu apuramento exige os conhecimentos especiais que a perícia pressupõe.
Bem concluem os Apelantes/Autores pelo seu interesse em “convocar para o processo o maior número de elementos probatórios que indiciariamente permitam concluir pela simulação dos diversos negócios impugnados, começando por levar o tribunal a perceber a razão pela qual tiveram as Rés necessidade de simularem uma ação baseada num contrato de comodato que celebraram pelos motivos que se deixaram invocados”, bem ressaltando a dificuldade de “obtenção de meios de prova que não sejam indiretos” e a “necessidade de recurso às presunções judiciais para se concluir pela simulação dos negócios com esse fundamento impugnados”.
E, na verdade, “O novo paradigma do processo civil conferiu ao julgador um maior poder inquisitório em termos de lhe permitir, através de um poder/dever de realização de diligências probatórias, requeridas por qualquer das partes ou sob seu impulso, apurar a verdade, quer quanto aos factos essenciais transpostos para os temas da prova, como quanto aos instrumentais com relevância para essa mesma descoberta, na procura da realização da justiça no caso”.
E, na verdade, dever ser admitido um meio de prova capaz de auxiliar o julgador na prova indireta da simulação dos negócios impugnados, assim como na ponderação da natureza e exercício da posse dos imóveis em discussão condutível à sua aquisição originária.
E sendo a prova pericial, sempre, de livre apreciação (cfr. art. 389º, do Código Civil e art. 607º, nº5, do CPC), juntamente com as restantes provas que forem produzidas melhor habilitará o julgador a formar a sua convicção e decidir a causa em conformidade com a verdade material, melhor alcançando a solução justa.
Assim, tendo os Autores indicado as “questões de facto” objeto da perícia (deixando a lei de lhes chamar “quesitos”) e por não ser impertinente nem dilatória, sendo de prosseguir o procedimento pericial, cumpre ouvir a parte contrária sobre o objeto proposto pelos Autores, facultando-se-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição, nos termos do nº1, do art. 476º, para, de seguida, se o juiz a quo ordenar a realização da diligência com determinação o seu objeto, nos termos do nº2, do artigo anteriormente referido (excluindo as questões de facto, propostas pelas partes que julgue inadmissíveis ou irrelevantes e acrescentando outras que considere necessárias) e considerando, nos termos do nº2, do art. 5º, além dos factos articulados pelas partes, os “factos instrumentais que resultem da instrução da causa” (al. a)) e os “factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa”, dando sobre eles às partes a possibilidade de se pronunciarem (al. b)), bem decidir a causa, dando-lhe uma justa solução, conforme a verdade material.
Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo, na verdade, violação dos normativos de direito probatório formal invocados pelos apelantes (arts. 411º, 436º e 467º e v., ainda, art. 5º), tendo, por isso, a decisão recorrida de ser revogada, para que os autos prossigam com a realização do exame pericial solicitado, não impertinente nem dilatório, e a ordenar, para auxiliar na formação da livre convicção do julgador, com vista à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, que indeferiu o exame pericial, o qual tem de ser realizado por a perícia não ser impertinente nem dilatória, determinando-se que se ouça a parte contrária nos termos do nº1, do art. 476º, do CPC, e, após, se siga a ulterior tramitação (cfr. desde logo nº2, do referido artigo).
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Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 26 de outubro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág 420
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág 205
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 482
[4] Ibidem, pág 483
[5] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 207
[6] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina pág. 483 e seg.
[7] Ibidem, pág 484 e 577
[8] Ibidem, pág 577
[9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág. 208
[10] Rita Gouveia, Anotação ao artigo 388º, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 881 e seg
[11] José Lebre de Freitas, Anotação ao art. 388º, Ana Prata (Coord.), Idem, pág 475
[12] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2, 3ª Edição, Almedina, pág. 312
[13] Rita Lynce de Faria, Anotação ao artigo 341º, Idem, pág. 810
[14] Rita Gouveia, Idem, pág. 882
[15] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 533
[16] Ac RG de 4/4/2019, Proc. 536/15.9T8EPS.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias)
[17] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado,4ª Edição Revista e Ampliada, 2017, Ediforum, pág. 656
[18] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539
[19] Ac. RG de 26/9/2019, Proc. 137/16.4T8CMN-A.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias), in dgsi
[20] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág. 326
[21] Ac. RG de 17/12/2019, processo 21/16.1T8VPC-B.G1 (Relatora: Maria João Matos), in dgsi
[22] António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539