Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
834/14.9TBMTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ENTREGA JUDICIAL
INSTAURAÇÃO DE PER
REPERCUSSÃO
PROCEDIMENTO CAUTELAR
Nº do Documento: RP20140709834/14.9TBMTS-B.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em homenagem ao princípio de economia processual servido pela solução descrita no art. 555º do CPC, nada obsta a que, num mesmo procedimento cautelar do tipo previsto no art. 21º do D.L. nº 149/95, de 24 de Junho, com fundamento na resolução de diversos contratos de locação financeira celebrados entre o mesmo locador e o mesmo locatário, se pretenda a entrega imediata dos diferentes bens que de cada um deles eram objecto.
II - Um procedimento cautelar deste tipo (entrega imediata de bens locados, após resolução do contrato de locação financeira pelo locador), mesmo complementado com o pedido de antecipação da decisão definitiva que lhe caberia numa acção declarativa, não pode subsumir-se ao conceito de “acção de cobrança de dívidas” ou “com idêntica finalidade” previsto no nº 1 do art. 17-E do CIRE. Por isso, a instauração de um PER não tem por efeito a suspensão da instância nesse procedimento cautelar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 834/14.9TBMTS-B.P1
Tribunal Judicial de Matosinhos - 5º Juízo
REL. N.º 174
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

O B…, SA, com sede na …, .., no Porto, veio requerer a presente providência cautelar de entrega judicial contra C…, Ldª, com sede na Rua …, n.º …, fracção .., em …, ao abrigo do disposto no art. 21.º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, pedindo que se ordena que lhe sejam imediatamente entregues um imóvel e um veículo automóvel, que especificamente descreve, bem como as respectivas chaves e documentos.
Pediu ainda a antecipação da decisão da acção principal, de forma a evitar a sua propositura, nos termos do art. 21º, n.º 7 do DL n.º 149/95, na redacção do DL n.º 30/2008
Sustentando a sua pretensão, alegou ter celebrado com a requerida dois contratos de locação financeira: um deles, outorgado em 26 de Novembro de 2010, teve por objecto um armazém sito em …, descrito no art. 6º da petição inicial; o outro, outorgado em 29 de Novembro de 2007, teve por objecto um veiculo automóvel Mercedes …, identificado no artigo 25º do referido articulado. Tendo a requerida deixado de pagar as rendas respectivas, alegou ter-lhe declarado a resolução de ambos os contratos, por carta registada com A/R.
Porém, como a requerida não lhe restituiu nem a identificada fracção, nem o referido veículo automóvel, vem agora pretender as respectivas entregas, bem como a antecipação de decisão definitiva, de forma a evitar a propositura da acção principal.
Indeferido o requerimento de dispensa do prévio contraditório, foi a requerida citada, sem que, no entanto, tenha vindo deduzir oposição.
Nessas circunstâncias, o tribunal deu por confessados os factos articulados pela requerente, proferindo decisão de deferimento das suas pretensões, ordenando a entrega imediata do imóvel e do veículo automóvel em questão, bem como das respectivas chaves e documentos.
Mais ordenou a notificação da requerida, após trânsito da decisão cautelar, para se pronunciar sobre o requerido juízo de antecipação sobre a causa principal.
Acontece que, tendo a requerida vindo interpor recurso de apelação da descrita decisão, veio suscitar, no próprio articulado de recurso, questão sobre uma suspensão da instância, alegando ter iniciado um Processo Especial de Revitalização, que continua pendente no Tribunal de Comércio de V. N. Gaia. Para além disso, peticionou a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
Em resposta, a requerente/recorrida, veio pronunciar-se quer pela falta de fundamento do recurso, quer pela inadmissibilidade de suspensão da instância face ao PER invocado, defendendo que o género da presente providência cautelar a subtrai à classe de acções judiciais que se suspendem por efeito da pendência de um PER.
Foi, então, proferido um despacho pelo tribunal a quo que, apreciando concretamente a pretensão de suspensão da instância pendente, indeferiu tal pretensão da ora apelante, por considerar, em suma, que não sendo a presente providência cautelar uma “acção para cobrança de dívidas” não deve ser suspensa a instância respectiva como efeito da instauração de um PER.
Deste despacho foi interposto novo recurso, pela requerida C…, Lda, ao qual o B… respondeu, defendendo mais uma vez a confirmação da decisão recorrida.
Ambos os recursos foram admitidos como de apelação, com subida em separado. O primeiro tem o seu efeito suspensivo a ser objecto de discussão em primeira instância, quanto à pertinente caução; o segundo foi admitido com efeito devolutivo.
Quanto ao primeiro recurso, foram formuladas as seguintes conclusões:
“I - Na mesma providência cautelar para entrega judicial, ao requerente invoca dois contratos de locação financeira distintos, com dois distintos objectos.
II - Um, o contrato de locação financeira imobiliário nº ……….., tendo por objecto um imóvel;
III - O outro, o contrato nº ………, tendo por objecto uma viatura, bem móvel sujeito a registo.
IV - Esta cumulação de contratos na mesma providência cautelar acabou por ser decretada.
V - E isto, pese embora, no mesmo procedimento, o requerente ter também lavrado pretensão no sentido de ser tomada decisão definitiva com vista a evitar a propositura de acção principal.
VI - Com efeito, no entender da recorrente, não são cumuláveis, diversas entregas, com fundamento em diversos contratos, na mesma providência.
VII - Em particular, como no caso, quando o requerente pretende também decisão, no mesmo processo, sobre a questão de fundo, ou principal – decisão definitiva sobre o seu invocado direito.
VIII - Nesta hipótese (que é a dos autos) terá que haver coincidência exacta entre o objecto da providência e o da acção principal.
IX - E assim, salvo o devido respeito, a cada entrega, ou a cada contrato de locação financeira, há-de corresponder uma providência.
X- A “confusão” (cumulação) de pedidos no âmbito da providência cautelar de entrega, dificulta a defesa da requerida diminuindo-a, ou pelo menos diminui, a sua defesa.
XI - Tanto mais que, “metendo tudo no mesmo saco”, a requerida tem mais dificuldades em contrapor os seus interesses e direitos, às pretensões do requerente
XII - A providência foi decretada, tendo a sentença recorrida entendido estarem verificados os pressupostos legais para a resolução dos contratos.
XIII - Porém, tal procedência resultou apenas de o Tribunal ter dado como confessados os factos invocados pela requerente, por falta de oposição da requerida.
XIV - Ora, sucede que no entender da recorrente, não só não se verificavam as condições contratual e legalmente previstas para permitir a resolução dos contratos pela requerente (em especial o contrato de locação financeira nº ………) como, pelo menos, no que respeita ao mesmo contrato, não foi realizada a interpelação admonitória válida à requerida (como aliás reconhecido no artº 34 da p.i. da requerente)
XV - Tratando-se, como se trata de uma providência cautelar, não obstante a falta de oposição da requerida, competirá ao Tribunal a verificação nos autos de todos os elementos essenciais da aparência do direito.
XVI - E, se como no caso, pelos documentos juntos se constatar (como se constata, salvo o devido respeito, com relação ao contrato de locação financeira nº ………) inexistência de um elemento essencial à verificação da efectiva e legal resolução do contrato, no caso a verificação das formalidades legais, máxime das interpelações admonitórias através de carta registada com aviso de recepção, recebidas pela Ré, nos termos e prazos legais, ressalvado o devido respeito que é o maior, a providência não deveria ter sido decretada.
XVII – Pelo que a providência não deveria, em todo o caso, ser decretada. Acresce que,
XVIII - Em 27 de Março de 2014, a requerida apresentou no competente Tribunal de Comércio de V.N.Gaia Processo Especial de Revitalização (PER), com vista a lograr obter acordo com os seus credores, que permita a sua revitalização e continuação da sua actividade.
XIX - Processo que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Comércio de V.N.Gaia, sob o número 324/14.0TYVNG.
XX - Ora, ressalvado o devido respeito, a apresentação a Juízo de tal procedimento suspende todos os procedimentos judiciais susceptíveis de interferirem no desiderato que tal processo visa obter – a recuperação da requerida.
XXI - O PER é um processo que persegue interesses também de ordem pública
XXII - Tem como objectivo a revitalização dos agentes económicos (com vista à salvaguarda da actividade económica e dos postos de trabalho) e, durante a sua pendência, obsta a que a actividade económica do requerente seja atacada, ainda que por procedimentos judiciais cautelares.
XXIII - Ou seja, também por esta razão, tal processo obsta à efectiva concretização da decisão recorrida, devendo, por isso, a mesma ser, pelo menos suspensa
XXIV - Ao decretar a providência requerida, a decisão recorrida violou assim por erro de interpretação a decisão recorrida o nº 7 do artigo 21 do D.L. 149/95 e o artigo 377 e segts do NCPC
Termos em que se deve julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que, que julgue a providência improcedente, e mande prosseguir os autos, suspendendo-os no entretanto face aquele procedimento do PER e até decisão neles proferida, pois assim se fará JUSTIÇA.”
Quanto ao segundo recurso, foram formuladas as seguintes conclusões:
I – Nos presentes autos de providência cautelar para entrega judicial foi lavrada decisão de deferimento, decisão essa no entanto sujeita a recurso que está a correr os seus trâmites.
II - A recorrente, requerida, veio, também directamente no processo, dar conhecimento ao Tribunal que tinha sido por si apresentado processo especial de revitalização – PER -, que corria termos, como corre, pelo 1º Juizo do Tribunal de Comércio de V.N.Gaia sob o nº 324/14.0TYVNG, requerendo, por tal motivo, face a tal procedimento que se deveriam suspender quaisquer diligências de entrega (porque se deveria “ipso facto” suspender o processo)..
III - O despacho agora em recurso, indeferiu tal pretensão, sustentando que não existe fundamento legal para a pretendida suspensão da instância, alegadamente por se tratarem os autos de uma providência cautelar destinada a entrega de bens em consequência da resolução de um contrato de locação financeira.
IV - É que, além do mais, no caso, o requerente da providência requereu a inversão do contencioso, nos termos do artigo 369 do NCPC e artº 21 do D.L. 149/95 de 24.06., com as alterações introduzidas pelo D.L. 30/2008 de 25.02, pretendendo que fosse reconhecido, no âmbito deste procedimento, o seu direito em termos definitivos.
V - Em 27 de Março de 2014, a requerida apresentou no competente Tribunal de Comércio de V.N.Gaia Processo Especial de Revitalização (PER), com vista a lograr obter acordo com os seus credores, que permita a sua revitalização e continuação da sua actividade.
VI - Processo que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Comércio de V.N.Gaia, sob o número 324/14.0TYVNG.
VII - Ora, ressalvado o devido respeito, a apresentação a Juízo de tal procedimento suspende todos os procedimentos judiciais susceptíveis de interferirem no desiderato que tal processo visa obter – a recuperação da requerida.
VIII - Porquanto, ele decretou a entrega judicial forçada do imóvel onde a requerida está a laborar e tem instalada a sua actividade.
IX - A requerida está a laborar tendo no seu quadro 7 trabalhadores.
X - Se se efectivar a entrega forçada do imóvel ao requerente, destrói-se a actividade da requerida, recorrente, tornando-se impossível a sua revitalização.
XI - O PER é um processo que persegue interesses também de ordem pública
XII - Tem como objectivo a revitalização dos agentes económicos (com vista à salvaguarda da actividade económica e dos postos de trabalho) e, durante a sua pendência, obsta a que a actividade económica do requerente seja atacada, ainda que por procedimentos judiciais cautelares.
XIII - Como tem entendido a melhor Jurisprudência – até recente -, a existência do PER, nos termos do artº 17-E do CIRE, impõe a suspensão de todos os procedimentos que sejam susceptíveis de afectar o seu desiderato.
XIV - Através do aditamento ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, foi instituído na ordem jurídica portuguesa o processo especial de revitalização, destinado a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização (art. 17.º-A, n.º 1, do CIRE).
XV - Considera-se, para tal, em situação económica difícil o devedor que enfrenta dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (art. 17.º-B do CIRE).
XVI - Da comunicação ao juiz, pelo devedor, da pretensão de dar início às negociações com os credores conducentes à sua recuperação advém, nos termos do n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE, o efeito segundo o qual “obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade”.
XVII - Nos termos da norma legal que prevê a suspensão das ações em curso, por efeito a comunicação da pretensão do início das negociações do devedor com os credores, para a recuperação económica daquele, não se surpreende qualquer distinção entre ações declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu.
XVIII - Para além do legislador não poder ignorar a existência das espécies de ações, consoante o seu fim, também, por outro lado, não pode o intérprete desprezar o efeito na vida do devedor, nomeadamente de uma sociedade comercial, provocado pela negação da suspensão da ação, depois de iniciado o processo especial de revitalização. Destinando-se este processo a concluir um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica do primeiro, esta finalidade ficaria seriamente comprometida, se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos. Com efeito, não será prudente olvidar a intenção declarada do legislador, ao instituir o processo especial de revitalização, de permitir ao devedor, com o acordo total ou maioritário dos credores, a sua recuperação da situação económica difícil, caracterizada pela dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações.
XIX - Por outro lado, tal acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º-F, n.º 6 do CIRE). Ora, se qualquer ação contra o devedor não fosse suspensa, estar-se-ia privilegiar, sem razão justificativa, um credor, sendo certo que o objetivo do legislador consistiu em proporcionar condições para a recuperação económica da empresa, com um tratamento igualitário dos credores.
XX - Se a pretensão da recuperação económica do devedor, encontrado numa situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, é iniciativa daquele, já a viabilização da recuperação cabe aos credores, sendo certo que, pelas relações económicas estabelecidas com o devedor, estão em condições privilegiadas para o fazerem e, por essa via, poderem salvaguardar, porventura de forma mais eficaz, a solvabilidade dos seus créditos, para além de outras vantagens sociais relevantes.
XXI - Nestes termos, e levando em consideração as regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9.º do Código Civil, a suspensão das ações prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE prevê qualquer ação judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor.
XXII - Por outro lado, embora o procedimento cautelar de entrega judicial de bens tenha uma natureza declarativa, como tem qualquer procedimento cautelar, a decisão que decreta a providência cautelar não deixa de ter efeitos executivos, na medida em que, por ação judicial, se procede à entrega coerciva de uma coisa.
XXIII - Mas, como se aludiu, o Apelante, a par do decretamento da providência cautelar, pediu expressamente a antecipação do juízo sobre a causa principal, nomeadamente ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 21.º do DL n.º149/95, de 24 de junho, na redação dada pelo DL n.º 30/2008, de 25 de fevereiro.
XXIV - Neste âmbito, no procedimento cautelar, pode ser resolvida, definitivamente, a questão do incumprimento do contrato de locação financeira mobiliário, imputável ao locatário, e do direito de crédito reclamado, com a dispensa da ação, de que o procedimento cautelar é instrumental.
XXV - Com efeito, de acordo com o n.º 7 do art. 21.º do DL n.º 149/95, decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, exceto quando não tenham sido trazidos ao procedimento os elementos necessários à resolução definitiva do caso.
XXVI - Com a formulação do juízo definitivo, o requerente da providência cautelar fica com o direito assegurado, sem necessidade da proposição de qualquer outra ação.
XXVII - E, sendo assim, não se pode negar ao procedimento cautelar, que comporta um juízo definitivo sobre a causa principal, também uma finalidade de cobrança de dívidas, resultantes do alegado incumprimento do contrato de locação financeira mobiliário, por falta do pagamento das rendas acordadas, contrato que teve por objeto os bens cuja entrega judicial foi requerida.
XXVIII - Também por esta razão se justifica a suspensão do procedimento cautelar, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE.
XXIX - Violou assim por erro de interpretação a decisão recorrida, além do mais, as normas do artº 21 do D.L. 149/95 de 24.06., com as alterações introduzidas pelo D.L. 30/2008 de 25.02, o artigo 17-A, 17-B, 17-E, todos do CIRE, e o artigo 377 e segts do NCPC
TERMOS EM QUE
Se deve julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que, defira o requerido pela requerida, suspendendo o procedimento face aquele procedimento do PER e até decisão nele proferida, transitada em julgado, pois assim se fará JUSTIÇA.”
Os dois recursos foram recebidos nesta Relação e tidos por devidamente admitidos.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2 e 639º do CPC.
No caso, como pensamos decorrer com clareza do relatório que antecede, encontram-se pendentes dois recursos, os quais suscitam questões perfeitamente autonomizadas.
Quanto ao primeiro, as questões que se colocam são:
- resolver se numa mesma providência cautelar de entrega judicial intentada ao abrigo do disposto no art. 21.º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, podem ser invocados dois contratos diferentes e cumulados pedidos referentes a ambos, os quais, em qualquer caso, se mostram celebrados entre as aqui requerente e requerida;
- verificar se se encontra omisso o preenchimento de um pressuposto de decretamento da providência, que o tribunal deveria ter conhecido apesar da não contestação da requerida, maxime o das interpelações admonitórias através de carta registada com aviso de recepção.
No segundo recurso, a questão a decidir consiste na decisão sobre se a instauração de um Processo Especial de Revitalização tem por efeito necessário a suspensão da instância do presente procedimento cautelar, maxime quanto às diligências de entrega dos bens que eram objecto dos dois contratos de locação.
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Para a apreciação do mérito do primeiro dos recursos, importa ter presente a matéria de factos dada por provada e que, de resto, se mantém inalterada, já que de forma nenhuma a impugna a apelante:
1. A requerente é uma sociedade anónima, que tem por objecto, entre outros, o exercício da actividade de locação financeira mobiliária e imobiliária, nos termos da legislação que regula esta actividade;
2. O Banco Requerente adquiriu e registou em seu nome, o seguinte bem imóvel: Fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente Armazém no primeiro piso com entrada pelos n.ºs … e … da Rua …, … da freguesia de …, concelho de Matosinhos, descrito na competente conservatória sob o n. 982/19911226 – F;
3. Em 26 de Novembro de 2010, o requerente celebrou com a requerida um contrato de locação financeira imobiliária, ao qual foi atribuído o n.º os n.ºs ……….., que teve por objecto o referido imóvel, pelo prazo de 13 anos, tendo a Requerida opção de, no termo da locação, adquirir o bem locado pelo valor residual de € 1,00 acrescido da comissão final do contrato;
4. Pela outorga do referido contrato, a Requerida assumiu, entre outras, a obrigação de pagar à Requerente 150 rendas mensais no montante de € 2.008,61, cada, indexadas à EURIBOR a um mês, com vencimento antecipado;
5. A primeira renda venceu-se na data da celebração do contrato de locação financeira - A Requerida apenas pagou as primeiras 29 rendas, tendo deixado de pagar parte da 30ª renda, vencida a 25 de Abril de 2013, não tendo liquidado mais nenhuma renda, apesar de interpelada pela Requerente para tal;
6. Por carta registada com aviso de recepção, a requerente interpelou a Requerida para fazer cessar a mora, sob pena de se considerar o contrato definitivamente não cumprido e resolvido;
7. De acordo com o previsto na Cláusula 11ª das Condições Gerais do mencionado contrato, o incumprimento pela locatária de qualquer uma das obrigações que lhe são fixadas na lei e no presente contrato, confere à locadora o direito de o resolver, se a locatária notificada para o efeito, não suprir sua falta;
8. Por carta registada com aviso de recepção datada em 05.11.2013, enviada para a Locatária (art. 14º das Condições Gerais), a requerente declarou resolver o mesmo contrato;
9. Nos termos da cláusula 11º das Condições Gerais está previsto, para além do cumprimento de todas as obrigações previstas no contrato que à data da resolução se encontrassem resolvidas, o direito à restituição imediata do imóvel em bom estado de conservação e inteiramente devoluto de pessoas e bens, o direito a conservar as rendas vencidas e pagas, a receber as rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros, e ainda a um montante indemnizatório correspondente a 20% do capital financeiro em dívida;
10. No exercício da sua actividade, a Requerente celebrou ainda com a Requerida, um contrato de locação financeira – ao qual foi dado o n.º ………. – tendo como objecto o seguinte equipamento: viatura, marca Mercedes-Benz, matrícula ..-DI-.., no valor global de € 18.116,06, a que acresce o respectivo IVA, na respectiva factura do fornecedor anexa ao contrato;
11. A viatura, propriedade da Requerente, foi entregue à Requerida e por esta recepcionada, passando esta a deter o seu gozo temporário nos termos contratuais acordados;
12. O referido contrato dois celebrado pelo prazo de 60 meses e com valor residual correspondente a 0% do valor do bem tendo, no entanto sido objecto de alteração por acordo das partes a 12 de Agosto de 2009;
13. Pelo referido contrato, a Requerida assumiu, entre outras, a obrigação de pagar à Requerente as 60 rendas mensais, sendo a 1ª renda no montante de € 1.811,60 + I.V.A., e as restantes 59 rendas no montante de € 318,24 cada + I.V.A, indexadas à EURIBOR a 1 mês, e com vencimento antecipado, tendo as rendas, face à alteração referida em 27º supra, passado a 72, com o valor de € 255,63 cada + I.V.A, na mesma indexadas à EURIBOR a 1 mês, e com vencimento antecipado;
14. A Requerida deixou de liquidar a renda n.º 68 vencida a 18 de Agosto de 2013, não tendo liquidado quaisquer outras rendas desde então, apesar de interpelada, pela Requerente, para que regularizasse a situação no prazo de dez dias fazendo cessar a mora;
15. A requerente, por carta registada com aviso de recepção, enviada para a morada constante do CLF em apreço, declarou à Requerida que considerava o citado contrato validamente resolvido, e que, consequentemente, exigia a restituição imediata do equipamento locado, bem como, dos valores em dívida;
16. A Requerida até à data ainda não procedeu à restituição dos supra identificados bens à aqui requerente.
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Perante este acervo de factos, a primeira questão a decidir, tal como supra se indicou, é a da admissibilidade de, numa mesma providência cautelar do tipo previsto no art. 21º do D.L. nº 149/95, de 24 de Junho, ser usada uma dupla causa de pedir – consubstanciada por dois contratos de locação financeira autónomos entre si – com o objectivo da entrega imediata das duas coisas que eram, cada uma, objecto desses contratos, sendo certo que ambos foram celebrados entre as mesmas partes e no âmbito da actividade económica de cada uma.
O nº 1 desse art. 21º dispõe: “Se, findo o contrato por resolução (…), o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, (…), requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente.”
Percorrido o texto desta norma, bem como o resto do diploma, nenhuma especificidade se encontra quanto a uma hipotética imposição de unicidade de contrato ou de objecto por cada providência cautelar. Uma tal exigência, adianta-se desde já, sempre seria adversa ao princípio geral de economia processual que, em diversas situações, justifica soluções de sinal absolutamente adversas a uma tal unicidade.
Em qualquer caso, o nº 8 da mesma norma prescreve a aplicação subsidiária a este meio cautelar das “disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma.”
Porém, verificado o regime geral sobre procedimentos cautelares, constante dos arts. 362º e ss., também se constata que nenhuma exigência de uma tal unicidade pode encontrar ali qualquer fundamento.
Confrontados com a ausência de qualquer proibição sobre esta questão, não podemos deixar de ser devolvidos ao princípio geral do processo civil, aliás consagrado no art. 555º do CPC, nos termos do qual o autor pode deduzir, contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, desde que não se identifiquem circunstâncias que seriam aptas a impedir uma coligação. Tais circunstâncias, constantes do art. 37º do CPC, são completamente alheias ao caso em apreço.
Temos, pois, que concluir, aliás em homenagem ao princípio de economia processual servido pela solução descrita desse art. 555º do CPC, que nada obsta a que, num mesmo procedimento cautelar do tipo previsto no art. 21º do D.L. nº 149/95, de 24 de Junho, com fundamento na resolução de diversos contratos de locação financeira celebrados entre o mesmo locador e o mesmo locatário, se pretenda a entrega imediata dos diferentes bens que de cada um deles eram objecto.
Acresce que, contra esta solução que acaba de se enunciar, nem sequer se pode brandir o argumento usado pela apelante, referente às circunstâncias particulares importadas para o caso na hipótese de se pretender, ao abrigo do disposto no nº 7 do mesmo artigo 21º, uma antecipação do juízo sobre a causa principal, isto é, que perante a clareza dos factos apurados no âmbito do procedimento cautelar, se dispense o requerente da obrigação de intentar uma acção declarativa com o mesmo objecto.
Como é evidente e é salientado na jurisprudência citada pelo apelante, pretendendo o requerente da providência cautelar operar uma tal solução processual tendente à declaração definitiva do seu direito à recuperação do bem locado, tem de haver uma coincidência completa entre os objectos e pedidos da providência cautelar e aqueles que seriam o objecto e pedido da acção declarativa subsequente.
Mas tal equação não é perturbada pela circunstância de, num mesmo procedimento cautelar, se invocarem dois ou mais contratos de locação financeira e se pretender a entrega dos respectivos dois ou mais objectos correspondentes. O que se impõe é que aquela coincidência se verifique entre cada contrato, cada providência cautelar e cada pretensão de entrega de um objecto. Noutra perspectiva, o que é vedado pela exigência de tal coincidência é que se pretenda, em sede de antecipação de juízo sobre a causa principal, um efeito diverso, v.g mais amplo, do que aquele que corresponde ao efeito específico do procedimento cautelar.
Ora, no caso em apreço, não se identifica qualquer desvio a uma tal coincidência.
Por isso, também à luz de um tal argumento se conclui que nenhuma razão assiste ao apelante.
Por fim resta referir que nenhum reconhecimento se justifica em relação ao argumento de que, por estarem abrangidos pela mesma providência dois contratos distintos, se dificulta especialmente a defesa do locatário. No caso em apreço, de resto, nem esse argumento foi usado tempestivamente, já que a requerida, no prazo de contestação, nada veio opor à pretensão da requerente.
Os dois contratos em causa estão perfeitamente identificados E o incumprimento em relação a cada um deles está claramente descrito e concretizado. Não se reconhece, pois, como válido o argumento da apelante – que aliás nem resulta minimamente caracterizado e muito menos demonstrado - segundo o qual a cumulação das duas causas de pedir e dos pedidos de entrega dos bens locados em cada um dos contratos – um armazém e um furgão – prejudicou o seu direito de defesa.
Por todo o exposto, quanto à primeira das identificadas questões e ao primeiro dos recursos sob apreciação, improcedem as conclusões I a XI, justificando-se a plena confirmação da decisão recorrida.
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Quanto à segunda questão, que se integra ainda no objecto do primeiro recurso, cabe verificar se se encontra omisso o preenchimento de um pressuposto de decretamento da providência, que o tribunal deveria ter conhecido apesar da não contestação da requerida, maxime o das interpelações admonitórias através de carta registada com aviso de recepção.
A este respeito, a decisão recorrida foi assertiva, dando por verificada cada uma das interpelações respeitantes à resolução de cada um dos contratos, por incumprimento da obrigação de pagamento das rendas correspondentes. Assim, ali se escreveu: “Da factualidade indiciariamente provada resulta que, verificado o atraso no pagamento das rendas devidas pelo requerido em ambos os contratos de locação invocados, a requerente comunicou à requerente, por cartas registadas, com aviso de recepção, que, caso não regularizasse os montantes devidos no prazo ali indicado, consideraria o contrato resolvido.
Posteriormente, face à persistência da situação de incumprimento da requerida através de cartas registadas com aviso de recepção, expedidas para as moradas constantes do dito contrato, fez a declaração de resolução dos ditos contratos
É, assim, patente que a requerente exerceu o respectivo direito potestativo de resolução dos contratos com perfeita observância dos correspondentes termos contratuais (veja-se a referida cláusula 11ª dos referidos contratos de locação financeira) e legais (art. 434º, 801º, n.º 2 e 808º do Código Civil).”
As conclusões que vêm de se transcrever estão fundadas nos factos descritos sob os pontos 6, 8, 14, e 15 da matéria dada por provada. A respectiva classificação enquanto tal não se mostra impugnada neste recurso. Por isso, temos por adquirido que ocorreram as notificações aí referidas, operadas por cartas registadas, remetidas pela requerente para o domicílio contratualmente designado pela requerida, ora apelante.
Acresce que nada foi alegado, em tempo oportuno, pela requerida a partir do que pudesse vir a concluir-se pela ineficácia de qualquer dessas interpelações que, no âmbito e a propósito de cada um dos dois contratos em causa, lhe foram remetidas, nos termos contratualmente previstos: por correio registado, com aviso de recepção, para o domicílio convencionado.
Assim, designadamente perante a ausência de qualquer contestação e, nesse contexto, perante a ausência de qualquer facto que constituísse excepção ao direito fundadamente alegado pela requerente, não poderia o tribunal a quo ter deixado de decidir o que decidiu, dando por verificados os factos alegados e subsumíveis aos pressupostos contratuais de resolução dos dois contratos em questão, designadamente os respeitantes à eficácia das interpelações dirigidas à requerida.
Falecem, pois, os argumentos a que respeitavam as conclusões XII a XVII do primeiro recurso.
As demais conclusões com que a apelante concluiu o primeiro recurso (XVIII a XXIV) respeitavam, antecipadamente, à questão que ainda haveria de ser decidida pelo tribunal a quo, já que antes não parece que tenha sido autonomamente suscitada: a não suspensão dos termos deste procedimento cautelar não obstante a apresentação em juízo de um PER, pela exequente. Em qualquer caso, tal questão constitui o objecto do segundo recurso apresentado pela requerida, nessa sede havendo de ser decidida.
Quanto ao primeiro recurso e às questões em que ele se repartia, cabe, em resumo, declarar a respectiva improcedência e confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Com relevo para a apreciação do segundo recurso, temos por adquirido, face aos documentos juntos, que:
- Em 27 de Março de 2014, a requerida apresentou no competente Tribunal de Comércio de V.N.Gaia Processo Especial de Revitalização (PER), com vista a lograr obter acordo com os seus credores, que permita a sua revitalização e continuação da sua actividade.
- Processo que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Comércio de V.N.Gaia, sob o número 324/14.0TYVNG.
A pendência desse processo é, aliás, pública, face ao seu anúncio na página http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx, destinada à publicidade de PER e Insolvência, pelo Ministério da Justiça.
Deveria, nestas circunstâncias, ter sido decretada imediatamente a suspensão dos termos desta providência cautelar, quanto a ambos os contratos e, assim, quanto à ordem de entrega do armazém e do furgão que deles eram objecto?
Como resulta claramente da alegação da apelante (cfr conclusão XVI), a questão coloca-se em face do texto do art. 17º-E do CIRE, que diz: “1 - A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade (…)”.
Importa, então, discutir e decidir se uma providência cautelar como a presente é passível de subsunção ao conceito de “acções para cobrança de dívidas contra o devedor” ou “acções em curso com idêntica finalidade”.
Em plena concordância com o teor da conclusão XVII do segundo recurso da ora apelante, admitimos que as acções supostas na previsão da norma citada são tanto as declarativas, como as de natureza executiva. Tal dicotomia, que vem sendo objecto de alguma divergência jurisprudencial, não é porém a que aqui nos ocupa, designadamente em face da conclusão que acaba de se enunciar. Assim, admitir-se-ia a suspensão de uma acção declarativa ou executiva, desde que tivesse por efeito imediato ou mediato a cobrança de dívidas contra a entidade requerente do PER.
Porém, no caso em apreço, nem por via da estrita procedência do pedido cautelar da presente providência (a entrega imediata de um imóvel e de um automóvel), nem por via da antecipação, nos autos, da decisão do pedido a deduzir na acção principal, que é simplesmente – e nenhum outro pedido se mostra deduzido - a declaração definitiva do direito à entrega desses dois bens, podemos concluir que estamos perante uma cobrança de dívida ou de um expediente processual com efeito similar.
Com efeito, tal como foi afirmado na decisão recorrida, os pedidos cautelares, absolutamente coincidentes com os definitivos - como a ora apelante, noutra perspectiva, salientou que sempre teria de ser - correspondem exclusivamente ao pedido de entrega de dois bens de que a requerida tinha o gozo. Tal gozo advinha-lhe, não da titularidade de um correspondente direito de propriedade, mas tão só de um direito contratual proveniente de (dois) contratos de locação. Esses contratos foram válida e eficazmente resolvidos e o dono dos bens pretende recuperar a integralidade do respectivo domínio, retirando à requerida o gozo que quanto a eles desenvolvia. Embora se admita que esse resultado possa ter repercussão na actividade económica da requerida, tal como ela o descreve, certo é que o mesmo não corresponde à cobrança de qualquer dívida, não consubstanciando a variação da realidade financeira da requerida. O resultado da presente providência cautelar, ainda que complementado com a antecipação de juízo da acção declarativa que lhe corresponderia, não se traduz num direito à cobrança de um capital em termos que determinem um aumento do passivo da requerida, como é próprio das acções declarativas de cobrança. Nem conduz directamente à diminuição do seu património, já que nenhum dos bens em causa era de sua pertença, como aconteceria por efeito de uma acção executiva.
Note-se, a este propósito, que nem no pedido da providência cautelar (onde seria absolutamente impertinente), nem no incidente complementar de antecipação de juízo condenatório (cujo pedido coincide, como é devido, com o anterior) se inclui um pedido de condenação da requerida a pagar as rendas em dívida.
Nesse caso, então sim, estaria em causa uma cobrança de dívida. Mas não é isso que acontece nos presentes autos, como resulta evidenciado na primeira decisão recorrida, onde, não obstante se reconhecer a omissão de pagamento de rendas vencidas desde há meses, nada é disposto – como não podia ser - sobre uma eventual condenação da requerida ao seu pagamento. E mesmo perante a hipótese em curso, de antecipação da decisão devida em correspondente acção declarativa, será inviável vir a decretar o pagamento de uma tal dívida, porquanto isso não se encontra pedido neste processo.
Concluímos, pelo exposto, que o presente procedimento cautelar, respeitante aos dois contratos de locação financeira celebrados entre as partes, mesmo complementado com o pedido de antecipação da decisão definitiva que lhe caberia numa acção declarativa, não pode subsumir-se ao conceito de “acção de cobrança de dívidas” ou “com idêntica finalidade”. Assim, não é possível subsumir a presente acção do disposto no nº 1 do art. 17-E do CIRE, como entende a requerida. O que equivale a dizer-se que a entrada em juízo de um PER respeitante à aqui apelante não pode determinar a suspensão da presente providência cautelar, incluindo quanto à tramitação daquele pedido de antecipação de decisão.
Nos termos expostos se rejeita – cumpre dizer-se – o entendimento proposto pelo Ac. do TRL de 21-11-2013, transcrito pela apelante, ao enunciar que, em circunstâncias semelhantes às destes autos, aquela antecipação da decisão devida na causa principal compreende uma decisão definitiva sobre todas as consequências do incumprimento do contrato. Com efeito, no caso sub judice, mesmo que se venha a deferir a pretensão da requerente quanto a tal antecipação, isso terá apenas efeito sobre o pedido concretamente discutido na causa, que é o da entrega da coisa locada; e não também o respeitante a qualquer direito de crédito financeiro gerado por efeito do mesmo contrato.
Por todo o exposto, entendemos confirmar, também quanto a este recurso, a decisão recorrida, restando julgar improcedente o recurso da apelante.
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Improcederão, em suma, ambos os recursos sob apreciação, confirmando-se integralmente ambas as decisões em crise.

Sumariando, (art. 663º, nº 7 do CPC):
- Em homenagem ao princípio de economia processual servido pela solução descrita no art. 555º do CPC, nada obsta a que, num mesmo procedimento cautelar do tipo previsto no art. 21º do D.L. nº 149/95, de 24 de Junho, com fundamento na resolução de diversos contratos de locação financeira celebrados entre o mesmo locador e o mesmo locatário, se pretenda a entrega imediata dos diferentes bens que de cada um deles eram objecto.
- Um procedimento cautelar deste tipo (entrega imediata de bens locados, após resolução do contrato de locação financeira pelo locador), mesmo complementado com o pedido de antecipação da decisão definitiva que lhe caberia numa acção declarativa, não pode subsumir-se ao conceito de “acção de cobrança de dívidas” ou “com idêntica finalidade” previsto no nº 1 do art. 17-E do CIRE. Por isso, a instauração de um PER não tem por efeito a suspensão da instância nesse procedimento cautelar.

3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedentes ambas as apelações e em confirmar integralmente as duas decisões recorridas.
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Custas pela apelante.

Porto, 9/7/2014
Rui Moreira
Henrique Araújo
Fernando Samões