Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8797/18.5T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS OLIVEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
INOMINADO
REQUISITOS
REDUÇÃO DE RETRIBUIÇÃO
PRESTAÇÕES COMPLEMENTARES
Nº do Documento: RP201904298797/18.5T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º293, FLS.122-133)
Área Temática: .
Sumário: I - No procedimento cautelar inominado constituem requisitos de verificação cumulativa: (i) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente; (ii) a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e (iii) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
II - A existência do direito ameaçado e a identificação da lesão grave devem ser alegados, factualmente, no requerimento inicial do procedimento cautelar.
III - A mera possibilidade de incumprimento de alegadas obrigações familiares, consubstanciada na simples privação de prestações complementares, que incluem instrumentos de trabalho, quando a requerente se encontrava de baixa médica e de licença de maternidade, não constitui lesão grave que justifique procedimento cautelar inominado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 8797/18.5T8VNG.P1
Origem: Comarca do Porto VNGaia Juízo Trabalho J2
Relator - Domingos Morais – registo 813
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1.B… instaurou procedimento cautelar comum, não especificado, na Comarca do Porto-V.N. Gaia-Juízo Trabalho-J2, nos termos dos artigos 362.º e segs.do CPC, contra C…, Lda.,, alegando, em síntese, que:
A Requerente B…, casada, foi admitida a 04 de Janeiro de 2010, ao serviço, por conta, autoridade, ordem, direcção, interesse exclusivo da Requerida, sua Entidade patronal, para desempenhar as funções de Gestora Comercial e Gestora Financeira,
Com o horário diário de 08 horas, 40 semanais, e com contrato de trabalho sem termo com a Requerida.
Desde o início da relação laboral, fez e faz parte da retribuição mensal da Requerente, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem, dos usos e normas da Requerida, de forma periódica, regular, pontual, ininterrupta, duradoura, carácter permanente, regular, as seguintes contrapartidas por parte da Requerida à Requerente: a retribuição base mensal, que à data contratação era de 1.000,00€; o uso ilimitado de telemóvel, propriedade da Empresa, ora Requerida, pela Requerente, quer para fins profissionais, quer para uso pessoal, cujo cartão SIM, era e é o número ………..; cartão este que pertencia e pertence à ora Requerente mas, que permitiu que fosse utilizado pela Requerida no telemóvel a utilizar por aquela ao serviço desta, desde que pagos o telemóvel e serviços móveis, pela Requerida para uso profissionais e uso particulares da Requerente;
Usos ilimitados, como supra se disse, quer a nível profissional, quer a nível pessoal, com acesso ilimitado à internet, mormente nos dias de descanso suplementar, complementar, faltas, feriados, férias, baixas médicas, licenças, etc, pela Requerente.
Uso pessoal e ilimitado que se estendia ao estrangeiro.
Fez sempre parte da contrapartida do trabalho da Requerente e, por isso faz parte da sua retribuição mensal, como prestação regular e periódica, feita através do uso e fruição de viatura de gama média / alta, 05 lugares, a diesel, para fins profissionais e pessoais da Requerente e sua Família;
Podendo usá-la, em qualquer situação, nomeadamente, nos dias em que não trabalhasse, mormente, nas suas faltas, nos períodos de baixa médica, de licença, mormente de parentalidade, como foi o caso do nascimento da sua primeira filha, Francisca, nas férias, feriados, fins de semana, dias de descanso, suplementar, complementar etc, podendo fazer-se acompanhar da sua Família (e até ser utilizado pelo primeiro companheiro, pai da sua primeira filha e pelo actual cônjuge, pai da sua filha mais nova).
Podendo, inclusive, utilizar a viatura no estrangeiro, no uso pessoal e com a sua família.
E, desde há 06 anos a esta data que, a Requerida destinava uma funcionária de limpeza, dos seus efectivos, de nome E…, para se deslocar à casa de habitação da Requerente para, fazer a limpeza da mesma, refeições e cuidar das menores, filhas da Requerente;
Fazendo assim, parte integrante da remuneração da Requerente, o custo que a Requerida suporta com aquela funcionária que estava regularmente afecta à sua residência.
Atualmente, a quantia ilíquida mensal auferida pela Requerente compreendia as seguintes verbas: 1.400,00€ de vencimento; 129,00€ (à razão de 6,83€ diários) de subsídio de refeição; gratificação de balanço anual que era variável, podendo atingir os 13.770,00€ anuais mas, que fraccionado por doze meses, se cifra no mínimo em 800,00€/ mês, gratificação / balanço, conforme quatro recibos de vencimento que se juntam sob documentos nºs 3 a 6 e se dão aqui por integralmente reproduzidos para e com todos os efeitos legais.
Dado que a Requerente recusou no dia 06 de Setembro de 2018, deslocar-se às instalações da C…, Lda., a sua Gerente D…, deu a ordem por escrito para que a Requerente entregasse o Jaguar supra identificado; o telemóvel (com o cartão SIM), supra identificado; os cartões frota, supra identificados;
O cartão refeição, a sua utilização / acesso foi cortado; o cartão SIM do telemóvel também foi bloqueada a sua utilização e, a funcionária E…, a partir de 07 de Setembro de 2018 deixou de prestar trabalho de limpeza, na residência da Requerente e até à presente data, tudo por ordem da Gerente Requerida, D….
Retirou ainda o acesso/password à Requerente ao seu correio eletrónico de trabalho, há anos utilizado para fins profissionais e pessoais “B…@C….pt”, sem qualquer pré-aviso, sem qualquer justificação, ou fundamento legitimo para tanto.
Terminou, requerendo:
“Deve assim ser decretado a presente providência cautelar comum, não especificada, de forma a ser reposta a retribuição de imediato da Requerente e que consiste:
a) Vencimento base de 1.400,00€; 129,00€ (à razão de 6,83€ diários) de subsídio de refeição; gratificação de balanço anual que era variável, podendo atingir os 13.770,00€ anuais mas, que fraccionado por doze meses, se cifra no mínimo em 800,00€/ mês, ou seja, o que perfaz um vencimento base não inferior à quantia mensal, líquida, de 1.532,00€ / mês, a pagar através de transferência bancária para a conta da Requerente;
b) o uso ilimitado do telemóvel, para fins profissionais e pessoais com a utilização daquele cartão SIM, número ……….., e acesso ilimitado de internet, quer a nível profissional, quer a nível pessoal, com acesso ilimitado à internet, mormente nos dias de descanso suplementar, complementar, faltas, feriados, férias, baixas médicas, licenças, etc, e uso pessoal e ilimitado que se estendia ao estrangeiro;
c) acesso ao correio electrónico B…@C….pt;
d) Cartão ticket restaurante à razão de 6,83€ dia;
e) Reposição imediata da retribuição da Requerente constituída pelo uso e fruição da viatura gama média/ alta, 05 lugares, a diesel, à presente data, marca jaguar, matricula .. – HU - .., uso e fruição, sem limite quer a nível profissional, quer a nível pessoal, da Requerente e sua Família, nos termos supras deixados expostos;
f) Sendo que as manutenções, revisões, mudanças de óleos, de pneus, pagamentos de seguro automóvel da referida viatura, e demais condições necessárias para a legal e cabal circulação em segurança da referida viatura, do encargo exclusivo da Requerida.
g) Cartão frota e via verde, também de uso ilimitado, a nível profissional e pessoal da Requerente, para além,
h) Os custos mensais com o ordenado e Segurança Social com a empregada de limpeza, afecta à residência da Requerente, e, que se cifra no ordenado mínimo à presente data de 580€ a cargo da Requerida;
i) Tudo isto, fazia e faz parte integrante da retribuição mensal da Requerente, pelo que, estamos perante sempre um vencimento líquido mensal de, pelo menos, 3.500,00€ /4.000,00€, que deve ser reposto de imediato pela Requerida à Requerente através da presente providência, o que se requerer.
j) Mais, deve ser a Requerida condenada a repor/ pagar o subsídio de férias, que devia ter sido pago até 31/10/2018, acrescido de juros legais de mora até integral e efectivo pagamento.”.
2. – A requerida deduziu oposição, concluindo:
Deve:
a) Ser indeferida a pretensão da requerente, pelas razões e fundamentos supra aduzidos, ainda por inadmissível, injustificada e ilegal,
b) E em consequência, deve Improceder a requerida Providência Cautelar Comum, com todas as consequências,
c) Deve ainda, ser atendida a Questão Prévia e Incidentes deduzidos…,
d) Por fim, deve ser a requerente condenada em custas, procuradoria condigna e tudo o mais legal a que deu causa e for de direito.
Requer-se respeitosamente a V. Exa., que se digne ordenar à secção a emissão de Certidão da presente Providência Cautelar Comum, nomeadamente, para efeito de participação disciplinar ao Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Coimbra – das Exas. Senhoras Advogadas com Procuração Forense junta e subscritoras da mesma, e bem assim, para efeito de apresentação de queixa-crime e subsequente procedimento criminal.”.
3. - A Mma. Juiz, fixado o valor à causa em €6.200,00, proferiu a decisão que consta de fls. 153v. a 155v, concluindo:
“No âmbito do direito laboral, poderá suscitar-se a necessidade de uma providência cautelar quando, por exemplo, a falta de pagamento de retribuições coloque o trabalhador em graves dificuldades da sua subsistência e do respetivo agregado familiar. Isto, porque a remuneração do trabalhador constitui, a mais das vezes, a sua única fonte de rendimento destinando-se à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador, apresentando assim um peso social e jurídico muito relevante.
Porém, da alegação apresentado no requerimento inicial, para além de transparecer da alegação que o salário base e da gratificação, que constitui o valor pecuniário entregue à trabalhadora, não lhe ter sido retirado (nada é alegado nesse sentido), nada é concretizado quanto à urgência e os perigos resultantes para o sustento da trabalhadora e do seu agregado familiar com a privação adicional na sua remuneração global e em espécie, independentemente do seu eventual direito (que poderá ser reconhecido no âmbito de um processo comum laboral) à reposição das vertentes remuneratórias que alude.
Veja-se que os procedimentos cautelares são meios expeditos que têm por fim assegurar os resultados práticos da acção, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito, conciliando, na medida do possível, o interesse da celeridade com o da ponderação (cfr. Alberto dos Reis, in BMJ, nº 3, pág. 35), mas não pode as partes pretender torná-los em substitutos do procedimento comum como forma rápida de realização dos seus interesses.
Pelo exposto, por entender que não se mostram preenchidos os requisitos necessários ao decretamento da providência cautelar, julgo a mesma improcedente e absolvo a Ré do pedido.”.
4. – A requerente, inconformada, interpôs recurso de apelação,
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6. - O M.º Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
7. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. – A factualidade, com interesse, é a que consta do Relatório que antecede.
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3. - O objecto do recurso:
- Da (in)existência dos pressupostos do procedimento cautelar comum.
3.1. - A Mma Juiz, citando o artigo 381.º, n.º 1 do CPC, considerou, em resumo:
Da análise dos autos, resulta a não verificação dos pressupostos necessários que possam justificar o decretamento da providência cautelar requerida.
Vejamos:
A requerente entende que a sua remuneração mensal contém outras componentes para além do seu salário mensal, que acima elencamos, que lhe foram ilegitimamente retiradas quando se encontrava no gozo da sua licença de maternidade e que desse modo têm que ser repostas.
É esta a causa de pedir que importaria discutir na acção porquanto é a reposição da totalidade da sua retribuição que constitui o pedido formulado nos autos.
A exposição feita no requerimento inicial é totalmente prolixa, extravasando em muito o objecto da acção que, repete-se, se cinge à composição da retribuição auferida pela trabalhadora. Assim, a alusão a uma situação de assédio relativa à marcação unilateral do gozo de férias (artigos 42º a 44º e 58º a 60º); à imposição de um horário de amamentação (artigos 70º a 73º); a obrigação por parte da requerente de prestação de trabalho não obstante a gravidez de risco (artigo 83º a 99º), não apresenta qualquer interesse para a análise do objecto do litígio.
Não obstante isso, mesmo cingindo a alegação ao âmago do litígio e ainda que possa ser legítima a pretensão da requerente, face à alegação apresentada e aos elementos dos autos, cremos inexistir, factos que justifiquem a necessidade do recurso a um procedimento célere como o presente. Na verdade, não é alegada sequer a existência de qualquer periculum in mora – a ameaça de lesão que justifique a adopção de uma medida para acautelar o efeito útil que se pretende ver reconhecido ou satisfeito com a acção principal e que desse modo ponha a coberto da previsível lesão os interesses do requerente.
(…).
Na verdade, não é sequer identificada a lesão grave e dificilmente reparável que possa está em causa, não podendo esta consubstanciar-se na mera privação dos instrumentos de trabalho e de parte da retribuição. Saliente-se, aliás, que não é alegado que a requerente se viu privada do seu salário base no montante de 1400,00 e da gratificação mensal de cerca de €800 (cfr. facto 17º do requerimento inicial) pelo que não estará em causa a possibilidade de ocorrer um incumprimento das obrigações assumidas pelo agregado familiar e a que a mesma alude nos seus artigos 204º e 205º do requerimento inicial, reforçado pela circunstância dos rendimentos daquele não se cingirem aos da requerente, já que o seu cônjuge também se mostra empregado (cfr. artigo 206º do requerimento inicial).”.
3.2. - Por sua vez, a recorrente alegou, em resumo, que “no requerimento inicial são alegados, factos instrumentais, e factos essenciais, e por isso da sua conjugação, necessários à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa. De facto, e basta atentar ao alegado nos artigos 146.º, 147.º, 180.º, 181.º, 182.º, 183.º, 184.º, 185.º, 186.º, 187.º, 188.º, 189.º, 190.º, 191.º, 199.º, 200.º, 201.º, 204..º, 205.º, 206.º, 207.º, 208.º, 210.º do Requerimento Inicial. Desta factualidade, alegada em sede de requerimento inicial, resulta claramente dos factos que, a serem dados como provados, demonstram e consubstanciam periculum in mora, ou seja, a ameaça de lesão que, justifique a adoção de medidas para acautelar o efeito útil que se pretende ver reconhecido ou satisfeito com a ação principal, a reposição do salário.”.
3.3. - Quid iuris?
O artigo 362.º - Âmbito das providências cautelares não especificadas -, do CPC, dispõe:
1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.”.
Constituem, pois, requisitos, de verificação cumulativa, das providências cautelares inominadas, os seguintes: (i) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente; (ii) a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e (iii) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
No caso em apreço, o requerido procedimento situa-se no espaço das providências cautelares comuns não especificadas, uma vez que não se subsume a nenhuma das providências cautelares tipificadas no Capítulo II, do Titulo IV, do Código de Processo Civil – cf. artigo 362.º n.º 3 do CPC).
A requerente/recorrente deduziu o presente procedimento cautelar comum não especificado, pedindo a reposição, de imediato, do seu “salário global”, que alega ser composto por:
a) vencimento base de 1.400,00€; 129,00€ (à razão de 6,83€ diários) de subsídio de refeição; gratificação de balanço anual que era variável, podendo atingir os 13.770,00€ anuais, mas que fraccionado por doze meses, se cifra no mínimo em 800,00€/ mês, ou seja, o que perfaz um vencimento base não inferior à quantia mensal, líquida, de 1.532,00€/mês;
b) o uso ilimitado do telemóvel, para fins profissionais e pessoais com a utilização daquele cartão SIM, número ………., e acesso ilimitado de internet, quer a nível profissional, quer a nível pessoal, com acesso ilimitado à internet, mormente nos dias de descanso suplementar, complementar, faltas, feriados, férias, baixas médicas, licenças, etc, e uso pessoal e ilimitado que se estendia ao estrangeiro;
c) acesso ao correio electrónico B…@C….pt;
d) Cartão ticket restaurante à razão de 6,83€ dia;
e) Reposição imediata da retribuição da Requerente constituída pelo uso e fruição da viatura gama média/ alta, 05 lugares, a diesel, à presente data, marca jaguar, matricula .. – HU - .., uso e fruição, sem limite quer a nível profissional, quer a nível pessoal, da Requerente e sua Família, nos termos supras deixados expostos;
f) Sendo que as manutenções, revisões, mudanças de óleos, de pneus, pagamentos de seguro automóvel da referida viatura, e demais condições necessárias para a legal e cabal circulação em segurança da referida viatura, do encargo exclusivo da Requerida.
g) Cartão frota e via verde, também de uso ilimitado, a nível profissional e pessoal da Requerente, para além,
h) Os custos mensais com o ordenado e Segurança Social com a empregada de limpeza, afecta à residência da Requerente, e, que se cifra no ordenado mínimo à presente data de 580€ a cargo da Requerida;
i) Tudo isto, fazia e faz parte integrante da retribuição mensal da Requerente, pelo que, estamos perante sempre um vencimento líquido mensal de, pelo menos, 3.500,00€ /4.000,00€.”.
No entanto, do teor do requerimento inicial resulta que apenas lhe terão sido retiradas, pela requerida, em 06 e 07 de Setembro de 2018 – cf. artigos 102 e 104 do requerimento inicial - as prestações complementares indicadas nas alíneas b) a h) do pedido.
Dito de outro modo: a requerente não alegou no requerimento inicial que a requerida lhe tenha retirado a retribuição mensal líquida de 1.532,00€; o que a requerente alega, é que a requerida lhe retirou as prestações complementares indicadas nas alíneas b) a h) do pedido, que, no seu entender, têm também natureza retributiva.
Assim, antes de se saber se houve, ou não, redução indevida da retribuição mensal, é necessário saber se todas, ou algumas, daquelas prestações complementares têm natureza retributiva à luz do direito laboral substantivo, para, depois, se poder avaliar da verificação, ou não, dos pressupostos da “probabilidade séria da existência do direito ameaçado” e do “prejuízo grave” para a requerente.
Mas para que se pudesse proceder a tal avaliação, era necessário que a requerente tivesse identificado uma lesão grave e dificilmente reparável, o que não fez.
Na verdade, não pode uma qualquer “lesão grave” consubstanciar-se na simples privação das alegadas prestações complementares, que incluem instrumentos de trabalho, quando a requerente se encontrava de baixa médica e de licença de maternidade – cf. artigos 83.º e 86.º do requerimento inicial.
Deste modo, com todo o respeito, não tendo sido alegada a existência de qualquer periculum in mora, não se justifica o recurso a um procedimento cautelar comum não especificado para acautelar o efeito útil que se pretende ver reconhecido ou satisfeito na acção principal.
Por outro lado, mantendo a requerente a retribuição mensal líquida de 1.532,00€ (valor, diga-se, muito acima do salário médio mensal nacional de €924,90, segundo a pordata.pt, em 2016), acrescida da remuneração mensal do marido no montante de €606,00, não estará em causa o risco sério de ocorrer um incumprimento das obrigações assumidas pelo seu agregado familiar, alegadas nos artigos 204º e 205º do requerimento inicial, isto é, o empréstimo bancário mensal de €256,28 e a mensalidade do Colégio da filha de €567,50.
Aliás, a requerente alega uma mera “possibilidade de incumprimento” de tais obrigações familiares – cf. ponto 43.º das conclusões de recurso.
Assim, a matéria alegada no requerimento inicial não permite sustentar que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um tal prejuízo sério e grave à requerente, que a impossibilite de assumir, de imediato, as suas obrigações familiares – cf. artigo 362.º, n.º 1, do CPC.
Em conclusão: face ao supra exposto, consideramos não preenchidos os requisitos necessários ao decretamento do procedimento cautelar comum apresentado pela requerente, pelo que improcede o recurso de apelação.
IV.A decisão
Atento o exposto, decide-se julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da requerente/recorrente.

Porto, 2019.04.29
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha - (tendo o voto da concordância do 2º adjunto, Sr. Dr. Rui Penha. mas para não assinar, por não estar presente, conforme o artigo 133º, n.º1 do C.P.C.)