Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
337/15.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
CULPA DO LESADO
CONCAUSALIDADE
Nº do Documento: RP20160620337/15.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 628, FLS.290-297)
Área Temática: .
Sumário: I - A previsão do artigo 570.º do Código Civil, de redução ou de exclusão da obrigação de indemnizar, constitui uma das exceções ao critério geral de ‘teoria da diferença’, enunciado no n.º 1 do artigo 566.º do mesmo código, expressamente ressalvadas no n.º 2 da citada disposição legal.
II - A lei exige para a verificação do condicionalismo enunciado no artigo 570.º do Código Civil, que o dano seja causado, tanto por facto praticado pelo lesante como por facto praticado pelo lesado, um e outro causa adequada do dano, havendo assim um nexo de concausalidade.
III - A concausalidade verifica-se sempre que o facto do agente concorre com um facto culposo da vítima, afastando a lei todos os atos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura.
IV - Provando-se que a autora se dirigiu à entidade bancária, requerendo que esta excluísse da titularidade da conta a sua irmã, na sequência de partilhas, que ambas preencheram os formulários apresentados pelo banco, que este se obrigou a cumprir a solicitação num determinado prazo, nunca superior a 3 meses, ficando a autora tranquila, e vindo a constatar, 5 meses depois, que lhe havia sido penhorada metade da conta, numa execução movida contra a sua irmã, a entidade bancária incorre em responsabilidade civil face ao seu incumprimento.
V - Provando-se que só após a penhora a autora teve a autora conhecimento de que o banco não havia dado continuidade ao pedido de alteração da titularidade da conta, não se encontra preenchida a previsão legal do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, apesar de se ter provado que a autora não deduziu embargos de terceiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 337/15.4T8AVR.P1

Sumário do acórdão:
I. A previsão do artigo 570.º do Código Civil, de redução ou de exclusão da obrigação de indemnizar, constitui uma das exceções ao critério geral de ‘teoria da diferença’, enunciado no n.º 1 do artigo 566.º do mesmo código, expressamente ressalvadas no n.º 2 da citada disposição legal.
II. A lei exige para a verificação do condicionalismo enunciado no artigo 570.º do Código Civil, que o dano seja causado, tanto por facto praticado pelo lesante como por facto praticado pelo lesado, um e outro causa adequada do dano, havendo assim um nexo de concausalidade.
III. A concausalidade verifica-se sempre que o facto do agente concorre com um facto culposo da vítima, afastando a lei todos os atos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura.
IV. Provando-se que a autora se dirigiu à entidade bancária, requerendo que esta excluísse da titularidade da conta a sua irmã, na sequência de partilhas, que ambas preencheram os formulários apresentados pelo banco, que este se obrigou a cumprir a solicitação num determinado prazo, nunca superior a 3 meses, ficando a autora tranquila, e vindo a constatar, 5 meses depois, que lhe havia sido penhorada metade da conta, numa execução movida contra a sua irmã, a entidade bancária incorre em responsabilidade civil face ao seu incumprimento.
V. Provando-se que só após a penhora a autora teve a autora conhecimento de que o banco não havia dado continuidade ao pedido de alteração da titularidade da conta, não se encontra preenchida a previsão legal do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, apesar de se ter provado que a autora não deduziu embargos de terceiro.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 28.01.2015, B…, na Secção Cível da Instância Local da Comarca de Aveiro, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 7.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento – sendo o montante de € 5.000,00 a título de danos patrimoniais e o montante de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegou, em síntese, como fundamento da sua pretensão: a autora possui uma conta bancária, no caso, no Banco C…, pessoa coletiva, autorizada a operar no mercado Português como uma Instituição de Crédito, exercendo a sua atividade de forma contínua em Portugal, competindo-lhe receber do público, depósitos ou outros fundos reembolsáveis, aplicando-se, como tal, o regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (D.L. 298/92, com as sucessivas alterações); a mãe da autora celebrou com a ré um contrato de abertura de conta, tendo-lhe sido atribuído o n.º de Depósito à Ordem ……………-., encontrando-se tal conta domiciliada no Balcão do C… em …, Aveiro; após o falecimento dos seus progenitores, a conta passou a ser titulada pela autora e pela sua irmã; fruto das partilhas por óbito dos pais, ficou a autora titular do dinheiro que constava da referida conta; a autora deslocou-se ao Balcão a …, onde se encontrava domiciliada a conta, por forma a proceder à “eliminação” do nome da sua irmã (D…) e, lá chegada, na companhia da sua irmã, depois de explicarem ao gestor de balcão o pretendido, este informou-as que tinham que finalizar tal pretensão mediante documento escrito; perante tal informação, vieram embora tendo, depois, elaborado o documento escrito, tal como anteriormente lhe havia sido pedido, e onde constavam as informações pretendidas; tal documento foi elaborado em 27.09.2013, tendo sido entregue no Balcão de … – …, no dia 01.10.2013; ao proceder à sua entrega, pelo representante da ré, foi-lhes dito que tal declaração/pedido seria suficiente, pelo que a partir daquele momento a conta ficaria só em seu nome e do seu marido; durante largos meses, a autora confiou que o montante que lá se encontrava estava apenas em seu nome e do seu marido, até porque como a conta era um depósito a prazo, não sentiu necessidade de a movimentar; decorridos mais de cinco meses sobre tal facto, foi notificada de que a sua conta bancária havia sido penhorada, o que muito a espantou, pois não era devedora de quaisquer quantias nem, tão pouco, executada em quaisquer processos executivos; para ver esclarecido tal facto, dirigiu-se ao balcão onde foi informada pela Gestora que lá se encontrava, de que a conta se encontrava penhorada na quota-parte correspondente à irmã, pelo que questionou, de imediato a veracidade de tal facto, até porque havia sido apresentado um requerimento anterior, tendo ficado tal conta apenas para si e para o seu marido, razão pela qual não compreendia porque se encontrava a ser penhorada, perante a sua insistência, foi informada pela funcionária da ré de que não restavam dúvidas de que havia sido penhorada uma quota-parte da sua irmã, pelo que possivelmente a separação não havia prosseguido, tal como anteriormente requerido, desconhecendo por que razão não tinha sido dado seguimento a tal pedido, pelo que se viu privada da quantia de € 5.000,00 que foi objeto de penhora e entrega judicial; não fora a pouca diligência do C…, e o lapso cometido, não se veria privada do uso de tal valor; a ré defendeu, a 15.04.2014, sete meses após ter recebido um requerimento seu, que o procedimento para alteração de titulares da conta obedecia a regras e formulários especiais, sendo certo que a ré nunca antes a havia informado que o requerimento apresentado não serviria, bem pelo contrário, sempre afirmaram que estava tudo tratado; a autora esteve, e continua a estar, impedida de aceder aquilo que por direito é seu; sofreu de problemas oncológicos, e uma vez que não podia usufruir daquele dinheiro, não teve outra solução que não fosse socorrer-se dos seus amigos e familiares, para que os mesmos pudessem ajudá-la nos tratamentos; durante algum tempo, viveu completamente desesperada, necessitada de dinheiro, e não sabendo o que fazer; que sentiu angústia e desespero, sentindo-se completamente desorientada e angustiada, pois nunca quis acreditar que uma instituição bancária pudesse agir de forma tão leviana, pelo que deve ser indemnizada em valor não inferior a € 2.000,00; a ré, como Instituição de Crédito, encontra-se sujeita a regras que se encontram estabelecidas no regime Geral de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; tais regras preveem, a bem do sistema financeiro do país, um conjunto de princípios basilares que qualquer
Instituição deve prosseguir, entre os quais, a competência técnica (art.º 73.º do R.G.I.C.S.F.), a diligência (art.º 76 do R.G.I.C.S.F.), o dever de informação (art.º 75º do R.G.I.C.S.F.), a lealdade, o respeito (art.º 74.º do R.G.I.C.S.F.), respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados pelos seus clientes (art. 74.º do R.G.I.C.S.F.); se a ré tivesse procedido de acordo com os princípios ali expostos, dúvidas não nos restam de que não teria suportado os danos aqui referidos; que se a ré tivesse cumprido o seu código de conduta, nunca esta situação não havia acontecido, pois que tal código prevê a obrigação de pautar a sua conduta, tendo por base os princípios da responsabilidade, do comportamento diligente no cumprimento das funções, e da diligência, evitando sempre prestar informações incorretas aos clientes.
A ré, citada para os termos da ação, ofereceu articulado de contestação, no qual alega em síntese: a conta n.º …………..-., constituída em 06.07.2012, não é uma conta de depósitos à ordem e nunca foi titulada por qualquer outra pessoa além da autora e de D…; tendo tido conhecimento da pretensão das ditas clientes em alterar a titularidade da conta, as mesmas foram informadas por um seu colaborador, no Balcão de … – …, que tal procedimento teria de ser realizado pelo balcão titular, no caso, Balcão de … – …; nunca à autora foi dito que, com a entrega do documento que constitui o doc. n.º 1, junto com a petição inicial, ficava a titularidade da conta alterada, antes lhe tendo sido comunicado que tal documento iria ser remetido para o dito Balcão de … – …, para que este desse continuidade ao processo de alteração; não tendo a autora recebido a confirmação da titularidade da conta, não poderia a mesma ter tal procedimento como concluído, pelo que, por maioria de razão, não lhe poderá vir assacar responsabilidades, quando a mesma, pela sua inércia, nada fez ou tentou apurar sobre o estado de tal procedimento até à alegada notificação da penhora; os factos alegados pela autora não poderão, em caso algum, produzir o efeito jurídico pretendido, pois que ser titular de depósito bancário não se confunde com ser titular da quantia efetivamente depositada, sendo o meio idóneo de ver reconhecido o seu alegado direito de propriedade sobre os valores depositados o recurso à figura dos embargos de terceiro, prevista nos arts. 342.º e seguintes do CPC; desconhece se a autora deduziu embargos de terceiro no dito processo executivo, o que, a não ter acontecido, fará com que só à mesma possam ser imputáveis responsabilidades sobre a alegada perda do referido capital; desconhece se a autora, tendo sido aconselhada por colaboradora seu, a contactar o agente de execução daquele processo, realmente o fez e se, porventura, terá sido reembolsada daquele valor; que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art.º 496.º nº 1 do CC).
Em 6.07.2015 realizou-se audiência prévia nos termos constantes da ata de fls. 222/225, tendo sido proferido despacho saneador, no qual foi: foi fixada à ação o valor de € 7.000,00; foi considerado não haver exceções ou questões prévias que obstassem ao conhecimento do mérito da ação; foi fixado o objeto do litígio e definidos os temas da prova.
Realizou-se a audiência final, em 10.11.2015, após o que foi proferida sentença em 30.12.2015, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, termos em que decido condenar a ré C… a pagar à autora B…:
- a quantia de € 5.000,00 [cinco mil euros] a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados da citação [11.03.2015], à taxa supletiva anual, até efetivo e integral pagamento;
- a quantia de € 500,00 [quinhentos euros] a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados do trânsito em julgado da presente decisão citação, à taxa supletiva anual, até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo da autora e da ré, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.
Registe.»
Não se conformou o réu e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Dispõe o artigo 342º, n.º 1, do CPC, que “se a penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, prosseguindo o n.º 2 do artigo 344º, “… nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa…”.
2. A pretensão do embargante visa a efetivação ou a defesa de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um determinado ato judicial, que afeta ilegalmente o direito patrimonial do embargante (como sejam os direitos de crédito, consubstanciados em depósitos bancários afetados pela diligência judicial de penhora).
3. O prazo a que alude o artigo 344º n.º 2, do CPC, para a dedução dos embargos de terceiro, é extintivo do respetivo direito potestativo de ação, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade, porquanto define a vida de um direito, ou seja, o direito à propositura ou não dos embargos de terceiro, integrando a própria arguição do direito que se visa tutelar, devendo, consequentemente, observar-se o disposto no 343º n.º 2, do CC.
4. A própria Autora confessa que foi notificada de que a sua conta bancária havia sido penhorada.
5. Tendo ficado provado que não deduziu embargos de terceiro.
6. Razão pela qual, teve-se como assente na ação executiva que a quota parte do saldo penhorado pertencia efetivamente à cotitular da conta bancária, ora Apelada.
7. Pelo que, se algum dano a Autora sofreu, o mesmo apenas se deve à sua conduta omissiva, que não reagiu em devido tempo e em sede própria à penhora ordenada.
8. Permitindo assim, com tal inércia, que a cotitular da conta cujo saldo foi penhorado, sua irmã e executada na ação movida pelo E…, tenha beneficiado com a penhora na exata medida da redução do seu passivo junto do Exequente (o que configura uma indubitável situação de enriquecimento sem causa).
9. Não podendo a Ré ser responsabilizada pelos eventuais danos ou prejuízos decorrentes de tal conduta.
Nos termos expostos, deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, julgando-se improcedente a presente ação com a consequente absolvição da ré no pagamento dos valores peticionados, com as respetivas consequências legais, assim fazendo V. Exas., Venerandos Desembargadores, inteira Justiça.
A autora respondeu às alegações de recurso, preconizando a sua total improcedência, concluindo:
I. Contrariamente ao que faz crer a recorrente, nas suas Doutas alegações, a verdade é que não carece de qualquer reparo a Douta Sentença proferido pelo Tribunal a quo.
II. Na verdade, o que sempre esteve em causa nos presentes autos foi a responsabilidade civil da recorrente!
III. Com a sua acção/omissão violou claramente o disposto no Regime Geral de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, bem como o seu próprio Código de Conduta!
IV. E com essa omissão causou danos na esfera jurídica da ora recorrida, os quais podem, e devem, ser objecto de reparação por parte da recorrente, como bem decidiu a Douta Sentença!
V. O que aqui se encontra em causa não é a exigência ou não da ora recorrida ter utilizado os embargos de terceiro, mas tão - somente o instituto da responsabilidade civil, aliás a génese dos presentes autos, (Petição Inicial), é bem clara nesse sentido.
VI. A ora recorrente com os actos descritos na sentença, para a qual se remete, com a inércia demonstrada, causou na recorrida um conjunto de danos, os quais merecem a tutela jurídica.
VII. Tivesse a ora recorrente agido correctamente, como aliás se impunha, e não existiria qualquer dano, e consequentemente, qualquer obrigação de indemnizar!
VIII. Assim, e estando perante um acto, considerado ilícito, porque contrário à lei, praticado pela ora recorrente, tendo o mesmo conduzido a um dano na recorrida existindo um nexo causal, dúvidas não nos restam de que se encontram preenchidos os requisitos necessários à aplicação do instituto da responsabilidade, pelo que andou bem o Tribunal a quo, quando decidiu da forma que o fez, não merecendo qualquer censura tal sentença!
Nestes termos e melhores de direito, sempre com mui douto suprimento de V.Exas., deve a douta sentença de primeira instância ser confirmada e, em consequência, não se dar provimento ao recurso, fazendo-se a costumada, JUSTIÇA!

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º nºs 1 e 4, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso, consubstancia-se numa única questão: saber se, face à factualidade provada, se deverá concluir pela concorrência de culpa da lesada (recorrida), e consequente integração da sua conduta (omissiva) na previsão legal do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil.

2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada, consignada na sentença:
1. A autora possui uma conta bancária na C….
2. A C… é uma pessoa coletiva autorizada a operar no mercado Português como uma Instituição de Crédito, competindo-lhe, para além do mais, receber do público, depósitos ou outros fundos reembolsáveis.
3. A autora e a sua irmã, D…, eram titulares conta n.º …………..-.9, domiciliada no Balcão do C… de Aveiro, ….
4. O dinheiro proveniente dessa conta adveio de uma conta de que era titular a mãe da autora e da referida D….
5. Fruto das partilhas por óbito dos pais, a autora ficou titular do dinheiro que constava da referida conta.
6. Em virtude do referido em 5., a autora deslocou-se ao Balcão do C…, em …, tendo em vista alterar a titularidade da conta procedendo à “eliminação” do nome da sua irmã [D…].
7. A autora deslocou-se àquele balcão na companhia da sua irmã e, depois de explicarem ao gestor de balcão o pretendido, foram por este informadas de que tinham que finalizar tal pretensão mediante documento escrito.
8. Perante tal informação, vieram embora tendo, depois, elaborado o documento escrito junto a fls. 16 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], datado de 27.09.2013, nos termos do qual declaravam que D… já não era titular da conta, em virtude de “ajuste de partilhas de herança”.
9. Tal documento foi, depois, entregue no Balcão de … – … dia 01.10.2013.
10. Ao proceder à entrega do documento referido em 9., pela representante da ré, F…, foi-lhes dito que o mesmo seria insuficiente para o efeito pretendido.
11. A autora foi, então, informada da necessidade de proceder ao preenchimento de formulários, da ficha de assinaturas e de proceder à entrega de documentos do seu marido.
12. Para o efeito, a autora deu integral satisfação às formalidades referidas em 11., tendo procedido à entrega de toda a documentação, em 01.10.2013, no Balcão do C… de … – …, que se encarregou de o remeter, por correio interno, para o Balcão do C… de … – …, que era o competente para, informaticamente, proceder às alterações pretendidas.
13. Porém, por razões que não foi possível apurar, o Balcão do C… de … – …, não deu continuidade ao processo de alteração da titularidade da conta.
14. Durante cinco meses, confiou que o montante que lá se encontrava estava apenas em seu nome e do seu marido.
15. Decorridos cinco meses sobre a data referida em 12., a 11.02.2014, foi a supra identificada conta bancária penhorada.
16. Tendo-se dirigido ao balcão do C…, a autora foi, então informada de que a conta se encontrava penhorada na quota - parte correspondente à sua irmã.
17. Só então teve a autora conhecimento de que a ré não havia dado continuidade ao pedido de alteração da titularidade da conta.
18. Em virtude da penhora referida em 15. a autora viu-se privada da quantia de € 5.000,00.
19. Em consequência da atuação da ré, que culminou na penhora da conta, a autora sentiu-se desorientada e angustiada.
20. A autora não deduziu embargos de terceiro no processo executivo no âmbito do qual a conta foi penhorada.
21. A autora permanece, até ao momento presente, privada do valor referido em 18.
22. Em geral, os processos de alteração da titularidade da conta, como o apresentado pela autora, demoravam, naquela altura, em média, cerca de um mês e meio a três meses.
Factualidade não provada
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa alegados pelas partes, que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes. Designadamente, não se provou que:
a. A mãe da autora celebrou com a ré um contrato de abertura de conta, tendo-lhe sido atribuído o n.º de depósito à ordem …………..-., encontrando-se tal conta domiciliada no Balcão do C… em …, ….
b. Depois de a autora ter procedido à entrega do documento referido em 9., pelo representante da ré, foi dito que tal declaração/pedido seria suficiente, pelo que a partir daquele momento a conta ficaria só em seu nome e do seu marido.
c. A autora sofreu de problemas oncológicos e, uma vez que não podia usufruir do dinheiro depositado na conta identificada em 3., não teve outra solução que não fosse socorrer-se dos seus amigos e familiares, para que os mesmos pudessem ajudá-la nos tratamentos.
d. Durante algum tempo, a autora viveu completamente desesperada, necessitada de dinheiro, não sabendo o que fazer.

3. Fundamentos de direito
Dispõe o artigo 570.º do Código Civil:
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
A única questão a decidir na apreciação do recurso, como atrás se enunciou, traduz-se em saber se, face à factualidade provada, se deverá concluir pela concorrência de culpa da lesada (recorrida), e consequente integração da sua conduta (omissiva) na previsão legal do n.º 1 do normativo que se transcreveu.
António Pinto Monteiro[1], enquadra o disposto no artigo 570.º do Código Civil, como uma das exceções ao critério definido pela ‘teoria da diferença’, expressamente ressalvadas no n.º 2 do artigo 566.º do mesmo diploma legal: situações em que “com base em fundamentos especiais, se suprime ou limita a obrigação de indemnização”, sendo uma delas o caso em que concorre a culpa do lesado, desde que o seu comportamento seja “concausa do dano, da produção ou do agravamento”.
Em suma, conclui o autor citado, que o que a lei exige para a verificação do condicionalismo enunciado, é que “o dano seja causado, tanto por facto do lesante como por facto do lesado, um e outro causa adequada do dano, havendo assim um nexo de concausalidade – a culpa do lesado, aliada á culpa do lesante poderá relevar no sentido de reduzir ou mesmo de excluir a indemnização”.
Citando Larenz, António Pinto Monteiro refere mesmo o “dever de atenuar o dano” por parte do lesado, decorrente da regra geral da boa fé.
O tema da concausalidade e da culpa do lesado é abordado com alguma profundidade por Mário Júlio de Almeida Costa[2], afirmando que a mesma se verifica sempre que o facto do agente concorre com um facto culposo da vítima.
Refere o autor citado, que “[a] formulação legal afasta, pois, os atos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura”, especificando: “a redução ou exclusão da indemnização só ocorre quando o prejudicado não adote a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos”.
Mário Júlio de Almeida Costa propõe o seguinte critério para as situações de fronteira: “exige-se que o facto do prejudicado apresente as características que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido um terceiro”.
É tempo de regressarmos à situação concreta em debate nos autos.
Preceitua o n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, que “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Na síntese do Professor Antunes Varela, os pressupostos da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito são: a) o facto (facto humano controlável ou dominável pela vontade); b) a ilicitude do facto (nas modalidades de violação de direitos subjetivos ou de disposições legais destinadas a tutelar interesses alheios); c) o nexo de imputação do facto ao agente (que coenvolve a imputabilidade e a culpa); d) o dano; e) o nexo causal entre o facto e o dano.
Relativamente ao recorrente, provaram-se todos os pressupostos da responsabilidade civil, face à factualidade vertidas sob os n.ºs 12.º a 18.º do elenco dos factos provados.
Cumpre agora averiguar se o facto provado n.º 20 [“A autora não deduziu embargos de terceiro no processo executivo no âmbito do qual a conta foi penhorada”] permite concluir por um juízo de concausalidade.
Reconhecendo que a resposta à questão enunciada poderá não ser pacífica, afigura-se-nos que a mesma deverá ser negativa.
Vejamos porquê.
A factualidade provada permite-nos retirar, à partida, as seguintes conclusões:
i) o incumprimento do recorrente ocorre, pelo menos dois meses antes da penhora – a recorrida deu integral satisfação às formalidades exigidas pelo recorrente, em 01.10.2013 (facto 12); o recorrente não deu continuidade ao processo de alteração da titularidade da conta (facto 13); os processos de alteração da titularidade da conta, como o apresentado pela autora, demoravam, naquela altura, em média, cerca de um mês e meio a três meses (facto 22); durante cinco meses, a recorrida confiou que o montante que lá se encontrava estava apenas em seu nome e do seu marido (facto 14); decorridos cinco meses sobre a data referida em 12., a 11.02.2014, foi a conta bancária penhorada (facto 15;
ii) como corolário da conclusão anterior, antes de ter sido efetivada a penhora já existia um dano, decorrente do incumprimento da recorrente – omissão de transferência da titularidade da conta, estando a recorrida convencida de que tudo estava em conformidade com o que lhe fora prometido pela entidade bancária.
Seriam os embargos um meio idóneo a evitar a penhora?
Afigura-se-nos que não.
Com efeito, apesar de este procedimento poder ser exercido a título preventivo, tal possibilidade era nula in casu, considerando que se provou que a autora só após a penhora (efetivação do dano) teve conhecimento: de que o recorrente não cumprira a acordada transferência de titularidade; de que fora efetuada a penhora (factos 15.º a 17.º)[3].
Em suma, a recorrida nada poderia ter feito para evitar o dano (penhora), nem sequer através de embargos preventivos, porque, simplesmente, não tinha, sequer, conhecimento do incumprimento do recorrente por omissão da transferência de titularidade acordada.
Poderia sim, a posteriori, ter deduzido embargos que, não evitando a penhora (dano consumado), poderiam levar ao seu levantamento.
Há que considerar, no entanto: que por um lado, não haverá concausalidade posterior ao dano; que por outro, a prova a produzir nos embargos posteriores sempre dependeria do contributo do ora recorrente e da assunção de responsabilidades por parte deste.
Acontece que o banco não assumiu as suas responsabilidades, omissão da qual decorreu a instauração da presente ação.
Será que as assumiria em sede de embargos?
Não sabemos, nem vislumbramos garantia do sucesso do procedimento intentado a posteriori, após a penhora, que ocorreu por manifesta culpa do recorrente.
Decorre do exposto, ressalvando sempre todo o respeito devido, a manifesta improcedência da apelação, e o consequente naufrágio da pretensão recursória.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em mantes na íntegra a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da execução.
Custas do recurso pelo recorrente.
*
O presente acórdão compõe-se de quinze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 20.06.2016
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
_____
[1] Cláusulas Limitativas e de Execução de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985 – Separata do volume XXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 91.
[2] Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, 2011, pág. 781 e seguintes.
[3] Consta do facto provado n.º 17: «Só então (após a penhora), teve a autora conhecimento de que a ré não havia dado continuidade ao pedido de alteração da titularidade da conta.».