Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4440/20.0T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
Nº do Documento: RP202206084440/20.0T8MTS.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A exigência legal da indicação do motivo justificativo é uma consequência do caráter excepcional que a lei atribui à contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art.º 140.º: o contrato só pode ser (validamente) celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem.
II - A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova e tem como consequência considerar-se o contrato sem termo.
III - Nos termos do n.º3, do art.º 140.º do CT, a celebração contrato de trabalho a termo incerto é admissível “Sem prejuízo do disposto no n.º 1”, ou seja, “para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora“ e nas situações referidas “em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h)”, do número 2, do mesmo artigo, mas só terá cabimento quando se sabe qual o facto que determinará o seu termo, mas não se sabe o momento preciso em que ocorrerá, sendo que por limitação da lei, a sua verificação sempre deverá ter lugar em período temporal não superior a quatro anos [art.º 148.º n.º5, CT].
IV - Existindo situação que permita o recurso ao contrato a termo, mas sabendo-se o momento em que ocorrerá o facto que leva a considerar cumprida a satisfação da necessidade temporária, então o que poderá ter lugar é a celebração a termo certo.
V – É sobre o empregador que recai o dever de fazer constar do contrato de trabalho o termo estipulado e o respectivo motivo justificativo, com menção expressa dos factos que o integram, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” [art.º 141.º n.º1, al. e) e n.º3, do CT], bem assim de fazer a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo [art.º 140.º n.º5, do CT].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4440/20.0T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO



I.RELATÓRIO
I.1 AA intentou a presente acção declarativa, como processo comum, emergente contrato individual de trabalho, contra R..., S.A, pedindo a que seja julgada procedente, em consequência, seja declarada a ilicitude do seu despedimento pela ré, sendo esta condenada a pagar-lhe da retribuição dos 30 dias anteriores à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, bem como o subsídio de alimentação, a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que se forem vencendo até à data do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art.º 390º do Código do Trabalho, que a ré seja ainda condenada a pagar-lhe indemnização por antiguidade em substituição da reintegração no valor de €1.905,00 e indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €2.500,00.
Para tanto alega que foi admitida ao serviço da ré por contrato de trabalho qualificado como “a termo incerto”, para exercer as funções de esteticista mediante retribuição ilíquida mensal de €600,00, aumentada em 2020 para €635,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de €5,00 por cada dia efectivo de trabalho, com o período normal de trabalho de 40 horas semanais e 8h diárias e que a ré por carta de 23/03/2020 lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho com efeitos a partir de 24/04/2020, pagando-lhe após a cessação do contrato a quantia líquida e €851,11.
Mais alega que o motivo justificativo da contratação a termo incerto aposto no contrato de trabalho está insuficientemente concretizado, motivo pelo qual o contrato deverá ser considerado como contrato sem termo, tornando ilícita a cessação do contrato.
Finalmente refere que em consequência do despedimento ficou numa situação económica difícil pois não teve acesso às prestações de desemprego. Tendo dois filhos que frequentam a universidade tem sido com a ajuda financeira dos seus pais e com o valor da pensão de alimentos dos filhos que tem suportado os encargos do agregado familiar, o que lhe causou graves consequências na vida familiar, privando aqueles de certos bens, causando-lhe grande tristeza, preocupação, ansiedade e incerteza pelo seu futuro e dos seus filhos.
Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes a ré contestou, alegando que tendo pago à autora a compensação pela cessação do contrato de trabalho e não tendo aquela procedido à devolução, não logrou ilidir a presunção de aceitação do despedimento a que alude o art.º 366º, nº 4 do Código do Trabalho, aplicável por força dos arts. 344º e 345º do Código do Trabalho.
Mais alega, que o contrato se mostra suficientemente justificado e que a autora nunca teria direito a indemnização pelos danos não patrimoniais, uma vez que se não recebeu subsídio de desemprego a ré não tem qualquer responsabilidade nisso, já que a caducidade do contrato a termo é uma das situações previstas na lei de desemprego involuntário e como tal passível de subsídio de desemprego.
Alegou, ainda, pela via reconvencional, que o montante pago à autora a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho deverá ser compensado com as quantias que aquela teria direito a haver.
Solicitada informação pelo Tribunal a quo à Segurança Social sobre se a autora recebeu subsídio de desemprego, após junção da resposta, veio a ré pronunciar-se alegando que da mesma resulta que o não recebimento das prestações socias resultou da cessação de novo contrato de trabalho entretanto celebrado pela autora, o que além de infirmar o alegado por aquela como pressuposto da indemnização por danos não patrimoniais, corta o cordão umbilical ao facto gerador da obrigação de pagamento das retribuições vincendas, sendo certo que tal novo contrato cessou por iniciativa da autora.
A autora pronunciou-se alegando que o indeferimento do subsídio de desemprego foi resultante da declaração de cessação do contrato por caducidade e que à data da cessação do contrato não cumpria o prazo de garantia para aceder ao subsídio de desemprego, estando igualmente impossibilitada de requerer o subsídio social de desemprego por ter iniciado em 12 de maio de 2020 um estágio profissional que cessou em 31 de maio de 2020, no âmbito do qual auferiu €311,65 a título de bolsa, pelo que se mantêm os pressupostos da pretendida condenação da ré.
I.2 Findos os articulados, na consideração de que os autos dispunham já dos elementos necessários à decisão de mérito da causa, após comunicar tal entendimento às partes, nos termos do disposto no art.º 3º, nº 3 do CPC, sem que tenha havido oposição, o Tribunal a quo procedeu ao saneamento da causa e à sua apreciação e decisão, proferindo sentença culminada com o dispositivo seguinte:
«Por todo o exposto julgo a acção e a reconvenção procedentes e, em consequência decido:
I – declarar a ilicitude do despedimento da autora;
II – condenar a ré a pagar a autora a indemnização de antiguidade no valor de €1.905,00 (mil novecentos e cinco euros), sem prejuízo da antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença;
III - condenar a ré a pagar à autora a compensação correspondente às retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, que nesta data, se liquida em €8.256,52 (oito mil duzentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento;
IV – absolver a ré da parte restante do pedido.
*
Valor da acusa: €12.661,52 (doze mil seiscentos e sessenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos).
*
Custas pela autora e pela ré na proporção dos respectivos decaimentos, nos termos do art. 527º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a autora.
(..)».
I.3 Inconformada com a sentença a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. O recorrente sente-se prejudicado com a apreciação judicial quanto ao mérito da decisão tomada (que muito se respeita) mas também quanto ao andamento do processo de decisão propriamente dito.
2. Sabe contudo o recorrente que neste último, tal não é passível de fazer alterar a decisão só por si, mas não pode deixar de o deixar expresso.
3. A presente acção deu entrada em Outubro.2020, tendo tido primeiramente julgamento designado para Abril.2021, que não se realizou, e ainda assim foi proferida sentença em Julho.2021;
4. Sente-se o recorrente prejudicado -por ter sido condenado ao pagamento de um valor a título de salário de tramitação de cerca de cinco vezes mais do que a própria indemnização – pelo facto do Tribunal ter proferido sentença 9 meses após a entrada em juízo da petição inicial (após marcação de julgamento) sem que no entanto tenha sido realizada qualquer diligência presencial, nomeadamente julgamento, após audiência de partes.
Quanto ao mérito da decisão
5. Entende a recorrente que o termo encontra-se devidamente justificado.
6. A contratação a termo (seja a termo certo ou termo incerto) apenas é admissível para suprir necessidades temporárias e não permanentes.
7. Devendo ser efectuada a menção concreta dos factos que consubstanciam o motivo justificativo, e ainda estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
8. Entendeu o Tribunal a quo que a cláusula constante no contrato de trabalho a termo em causa nos autos não cumpre as exigências legais, não podendo a recorrente estar de acordo com a posição assumida pelo Tribunal.
9. O contrato a termo é efectuado ao abrigo da alínea f) do art.140 n.º2 do Código do Trabalho, ou seja tem em conta o acréscimo excepcional da actividade da empresa.
10. A recorrente esclarece qual a origem do acréscimo: “o acréscimo excepcional da actividade é fruto das campanhas de marketing (…) - (referindo-se o nome das mesmas, Campanha PowerSkin, Campanha Piloto de Influencers Digitais e Campanha de Verão)
11. A recorrente vai para além daquilo que a lei obriga, conseguindo ainda referir no próprio contrato de trabalho, uma percentagem de acréscimo de clientes que cada Campanha realiza, fruto do trabalho e experiência do departamento de marketing.
12. A recorrida não colocou em causa a existência dessas Campanhas.
13. A recorrida não alegou sequer que tais campanhas não traduzem acréscimo de trabalho.
14. A recorrida não alegou que tudo isso era falso.
15. Ora, é aceite que campanhas de marketing tragam às empresas um acréscimo de trabalho, pois se assim não fosse elas não se realizariam com certeza.
16. Um dos argumentos utilizados pelo Tribunal a quo é que não é feita referência quanto ao prazo das campanhas identificadas no texto contratual nem quanto ao prazo durante o qual é expectável que as mesmas produzam o aumento de clientela.
17. Salvo o devido respeito entende-se por “Campanha publicitária” como o termo utilizado pelos profissionais da área de publicidade para explicar o conjunto de anúncios, medidas dentro de um único planeamento para um determinado anunciante por um tempo determinado - https://pt.wikipedia.org/wiki/...
18. Aliás não faria qualquer sentido, uma campanha publicitária que se mantivesse no tempo, da mesma forma que não faria sentido dizer quanto tempo dura a Campanha de Verão.
19. Por último pretendia o Tribunal para validar o motivo justificativo que fosse referido o prazo do acréscimo da actividade que é consequência das campanhas.
20. Ora, entende a recorrente que se pudesse indicar com clareza e certeza o prazo do acréscimo da actividade ou pelo menos dizer qual o período expectável, o contrato a celebrar seria um contrato a termo certo e não um a termo incerto como é o do caso dos autos.
21. Ao celebrar um contrato a termo incerto, a recorrente fica vinculada à regra que enquanto o contrato de trabalho a termo incerto se mantiver, o motivo justificativo tem que se verificar.
22. A recorrida não alegou em momento algum que o acréscimo excepcional de actividade não existiu, que era falso ou que a partir de um determinado momento deixou de existir, o que significaria o ruir da base que suporta o termo.
23. Ou que o trabalho a realizar era a sua actividade normal, havendo apenas uma necessidade permanente e não excepcional, fazendo colapsar a necessidade temporária fundamental para a subsistência do termo. Não o fez. E quis o Tribunal substituir esse deficit de alegação.
24. Se o motivo justificativo fosse o acréscimo de actividade devido a vendas no Natal? Seria aqui exigível que se dissesse no contrato de trabalho que esse acréscimo de actividade só se pode verificar em Dezembro??? Não estará tal implícito? Cremos que sim.
25. A recorrente ao identificar as campanhas, ao enumerar até o acréscimo de trabalho dá às autoridades fiscalizadoras as armas necessárias para controlar os factos que são colocados no texto contratual, tal como referido no Ac. TRP de 23/03/1998 referindo-se ao DL 64-A/89 de 27/02 (…) conforme referido na douta sentença ora posta em crise.
26. Sente a recorrente a necessidade de esclarecer algo: a preparação de mão de obra para fazer face a um acréscimo de trabalho (ainda que esperado se fruto de campanhas de marketing) não é imediato. É necessária a selecção, a admissão propriamente dita bem como a formação específica para utilizar os equipamentos de estética ou de tratamento da obesidade, como aliás se pode inferir parcialmente do facto n.º2 dado como provado.
27. Pelo que “exigir”, para legalmente validar, que a admissão ocorre no dia ou no momento exacto do acréscimo excepcional da actividade é apenas utópico e não saber como funciona a realidade.
28. Não sabe mais o recorrente o que poderia fazer para celebrar validamente -na óptica do Tribunal- um contrato a termo, neste caso incerto.
29. A contratação a termo é excepcional, mas a visão do Tribunal a quo torna-a simplesmente impossível.
30. A sentença recorrida violou ou pelo menos fez uma incorreta apreciação dos preceitos estabelecidos nos artºs 140º n.º1 e n.º2 e art. 147º n.º1 alínea c) ambos do Código do Trabalho.
Termos em que deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente e em consequência ser revogada a decisão ora colocada em crise e substituída por acórdão abolvendo a recorrente de todo o pedido.
I.4 A Recorrida autora apresentou contra alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
1. A decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura.
2. Do motivo justificativo não se infere se o aumento excecional de atividade ou expectativa dele era temporário ou não, uma vez que o contrato não faz qualquer referência ao prazo de duração das campanhas de marketing, nem quanto ao prazo durante o qual é expectável que as mesmas produzam o aumento de clientela.
3. A Recorrente alega que não era possível indicar o prazo do acréscimo da atividade ou sequer dizer qual o período expetável, o que justifica a razão de ser do termo incerto.
4. Porém, à Recorrente foi possível indicar algumas expetáveis percentagens no volume de clientes (10%), do volume de trabalho (25%) e procura de novos tratamentos na ordem dos 20%.
5. Apesar de se desconhecer o método utilizado pela Recorrente para obter tais previsões, crê-se que tal só seria possível com base em comparações com anos e/ou períodos anteriores em que vigoraram campanhas publicitárias similares.
6. Portanto, se a Recorrente tinha dados para prever esses aumentos, certamente também tinha dados para prever qual a duração expectável do acréscimo de trabalho que tais campanhas produzem.
7. A terminologia de “incerto” não justifica toda e qualquer falta de concretização de factos e, assim, se fazer perpetuar um contrato a termo (incerto) até ao limite temporal legalmente estabelecido.
8. A Recorrente reconhece que as campanhas publicitárias são limitadas temporalmente, no entanto, o contrato de trabalho é completamente omisso quanto à sua duração.
9. Pelo que, desconhecendo-se qual a duração das campanhas publicitárias (3 meses?, 6 meses?, 9 meses?) ou período expetável da sua duração, não se pode extrair qualquer ilação da previsibilidade da duração do acréscimo excecional de atividade.
10. Mais, para além de o contrato de trabalho não referir a duração das campanhas, também nada refere quanto à impossibilidade de definir a sua duração e, ainda, em quê que consistiam as referidas campanhas (descontos, pacotes promocionais?) e em que medida se previa que os efeitos dessas campanhas – acréscimo excecional de atividade - perdurassem no tempo ou justificar a razão de não ser possível prever a duração desses efeitos, para assim justificar o termo incerto.
11. É à Recorrente que compete a prova dos factos que justificam a celebração do contrato de trabalho a termo incerto, conforme expressamente decorre do artigo 140.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
12. E não, como pretende a Recorrente, que seja a Recorrida a alegar e provar a falsidade dos factos constantes do motivo justificativo para a contratação a termo.
13. Nem tal ónus faria qualquer sentido lógico, pois, como poderia a Recorrida, trabalhadora que foi admitida na empresa a 21/06/2019, ter conhecimento do volume de trabalho da sua entidade patronal quando a sua categoria profissional era de esteticista? A Recorrida não tinha conhecimento, nem tinha que ter, se efetivamente existiu ou não um acréscimo do volume de trabalho no período em que durou o seu contrato de trabalho, uma vez que não tinha, nem tinha que ter, acesso aos dados de atividade e volume de trabalho da sua entidade patronal.
14. No entanto, certo é que a Recorrente em sede de contestação não alegou, nem juntou prova documental que demonstrasse que durante o período em que vigorou o contrato de trabalho houve sempre um acréscimo de atividade, sendo que, nas alegações de recurso, a Recorrente reconhece que enquanto o contrato de trabalho a termo incerto se mantiver, o motivo justificativo tem que se verificar.
15. Portanto, para além de a Recorrente não ter indicado no contrato de trabalho factos suficientemente concretizadores do motivo justificativo da contratação a termo incerto, também não efetuou qualquer prova dos factos que constam do contrato de trabalho, isto é, não provou documentalmente que houve um acréscimo de atividade durante o período em que vigorou o contrato de trabalho (de 21/06/2019 a 24/04/2020), sendo que, esse acréscimo de atividade, alegadamente resultante das campanhas publicitárias, que justificou a contratação a termo, deveria ter-se refletido no número de serviços prestados e na faturação da Recorrente, em comparação com o período anterior à contratação da Recorrida.
16. Por conseguinte, sendo insuficientes as referências ao motivo justificativo e à adequabilidade temporal, a consequência é a invalidade do termo resolutivo, o que determina a sua conversão em contrato sem termo ou por tempo indeterminado, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho.
17. Pelo que, bem andou Tribunal a quo ao decidir que o contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e Recorrida, em 21/06/2019, tem de se considerar celebrado sem termo.
Termos em que deve se julgada totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso da Ré, referindo, no essencial, que em rigor nele nem são suscitadas questões de direito.
I.6 Respondeu a Ré, contrapondo que o parecer não se pronunciou sobre as questões que suscitou e reiterando a posição defendida no recurso.
I.7 Colhidos os vistos legais, determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada para apreciação consiste em saber se o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos ao concluir que o motivo invocado pela ré e aposto no contrato de trabalho para justificar a contratação da autora a termo incerto não satisfaz as exigências legais, por falta de concretização, assim devendo-se considerá-lo celebrado sem termo.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo tribunal a quo é o que se passa a transcrever:
Factos provados (por acordo, por documento e confissão)
1) A ré tem como objecto social consultas de nutrição e tratamento de obesidade, fisioterapia e comercialização de produtos dietéticos; tratamentos de estética e anti-stress, actividade de prática médica de clínica geral e especializada em ambulatório, intermediação de crédito.
2) De 03/06/2019 a 19/06/2019 a autora frequentou uma acção de formação profissional promovida pela ré, com vista à celebração de um contrato de trabalho.
3) Em 21/06/2019 através do documento escrito, denominado “contrato de trabalho a termo incerto” que constitui o documento de fs. 15 a 18, cujo teor se reproduz, a ré admitiu a autora ao seu serviço para exercer as funções correspondentes à categoria de esteticista, mediante a retribuição mensal de €600,00, actualizada para €635,00 a partir de 2020, acrescendo a quantia de €5,00 por cada dia efectivo de trabalho, a título de subsídio de alimentação.
4) A celebração do contrato a termo incerto foi, nos termos da cláusula primeira, nº 2 do referido documento a seguinte: “ A celebração do presente contrato a termo incerto justifica-se pelo facto de neste momento ser previsível por parte da Primeira Outorgante o acréscimo excepcional da actividade, fruto de campanhas de marketing, já preparadas para arrancar (tais como a Campanha PowerSkin, para a qual se prevê um incremento no volume de clientes da ordem dos 10%; a Campanha Piloto de Influencers Digitais, para a qual se prevê um retorno na procura de novos tratamentos na ordem de 20%; e a Campanha de Verão, para a qual se prevê au aumento no volume de trabalho na ordem dos 25%), nos termos precisos no disposto no art. 140º, nº 2, al. f) do Código do Trabalho.
5) Por carta datada de 23/03/2020 que constitui o documento de fls. 20, cujo teor se reproduz, a ré comunicou à autora a caducidade do contrato de trabalho, por terem deixado de subsistir os motivos da contratação, ocorrendo a cessação do contrato decorridos 30 dias da recepção daquela comunicação, cessando o contrato de trabalho no dia 24/04/2020.
6) Após a cessação do contrato a ré pagou à autora as quantias descriminadas no documento de fls. 21, cujo teor se reproduz, nomeadamente, €321,73 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho.
7) A autora requereu subsídio social de desemprego inicial a 05/05/2020 tendo sido indeferido por a condição de desemprego involuntário não se encontrar satisfeita.
8) Requereu novamente subsídio social de desemprego inicial a 22/06/2020 que também foi indeferido por a condição de recurso não se encontrar satisfeita.
9) A autora celebrou com a M..., Unipessoal, Lda, contrato de estágio profissional com início em 12/05/2020 e termo previsível em 11/02/2021.
10) Tal contrato veio a cessar em 31 de maio de 2020, tendo a autora auferido a quantia de €311,65.
11) à data da cessação do contrato entre a autora e a ré, aquela não cumpria o prazo de garantia para aceder ao subsídio de desemprego.
III. MOTIVAÇÃO de DIREITO
Começaremos com uma breve nota quanto às conclusões 1 a 4. Como a própria recorrente reconhece expressamente nas alegações a esse propósito, não são mais do que um desabafo “bem sabendo [a recorrente] que tal não é passível só por si de alterar a decisão tomada”.
Mas tendo-se permitindo fazê-lo, pese embora tenha a noção da sua inutilidade para o objecto do recurso, não podemos deixar de assinalar que a recorrente não podia excluir a hipótese, deixando prosseguir a acção, de esta não lhe ser favorável e de vir a ser condenada no pagamento das retribuições intercalares até ao trânsito da decisão, podendo a prolacção desta ser mais ou menos rápida, consoante as vicissitudes processuais a que a acção estivesse sujeita.
Entrando no objecto do recurso, a única questão que se coloca consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, ao concluir que o motivo aposto no contrato de trabalho para justificar a contratação da autora a termo incerto não satisfaz as exigências legais, por falta de concretização, em consequência devendo ser considerado celebrado sem termo.
Atentando na fundamentação da sentença, após proceder ao enquadramento jurídico da questão, o Tribunal a quo pronuncia-se como segue:
-«[..]
No caso em apreço, adianta-se já que o motivo invocado pela ré para a contratação da autora a termo não satisfaz as exigências legais.
Ora a ré invocou afinal para celebrar o contrato a termo incerto o acréscimo excepcional da sua actividade, e para densificar tal acréscimo invocou que tal acréscimo era previsível naquele momento, fruto de campanhas de marketing já preparadas para arrancar, e das quais esperava um incremento do volume de clientes de 10%, do volume de trabalho na ordem dos 25% e da procura de novos tratamentos na ordem dos 20%.
Do ponto de vista do tribunal trata-se de factos manifestamente insuficientes para fazer assentar a existência de um acréscimo excepcional da actividade.
Eventualmente o invocado no contrato pode traduzir uma expectativa de aumento da actividade, mas nunca um aumento excepcional, isto é, um aumento que não coincida, pura e simplesmente com a expansão da actividade normal da ré.
E tanto assim é que do dito motivo justificativo nem consta nem se infere se aquele aumento ou expectativa dele era temporário ou não, o que é imprescindível à regularidade da fundamentação do contrato.
De facto, não se alude ao prazo de duração das campanhas, nem sequer ao período durante o qual é expectável que as mesmas produzam o aumento de clientela. De facto, tal como alega a ré na contestação o motivo justificativo do termo não é a existência das campanhas mas sim o acréscimo de trabalho que as mesmas produzem, daí que, fosse imprescindível que do contrato constassem os factos que permitissem perceber que tal acréscimo seria temporário, ainda que por tempo incerto.
Por outro lado, na impossibilidade de determinar, face ao teor do próprio contrato, o motivo da sua celebração a termo, torna-se impossível estabelecer uma relação causal entre o motivo e o facto de o vínculo ser meramente temporário.
Não está em causa o estabelecimento do nexo entre o motivo da celebração do contrato e um prazo certo, mas o nexo entre o motivo da celebração do contrato, o facto de o mesmo ser a termo e ainda o de tal termos ser incerto, matéria a propósito da qual nada se diz no contrato, nem dele se infere.
Tudo conjugado conclui-se que independentemente da prova de factos em que pudesse assentar a contratação da autora a termo, sempre o contrato dos autos terá de ser considerado sem termo ao abrigo do art. 147º, nº 1, al. c) do C.T.
Importa, ainda, referir que a falta de concretização do motivo justificativo ou a sua insuficiência não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da ação em que a questão se suscite. Na verdade, a indicação do motivo no clausulado contratual constitui uma formalidade “ad substanciam” (a propósito da fundamentação do termo contratual a título meramente exemplificativo vejam os Acs. STJ de 28/04/2010 e de 09/06/2010).
Conclui-se, portanto que o contrato de trabalho celebrado pela autora e pela ré em 21/06/2019 tem de se considerar celebrado sem termo, de acordo com as disposições legais supra citadas por falta de concretização do motivo justificativo da estipulação do termo
[..]».
Alega a recorrente, no essencial o seguinte:
- Que esclarece qual a origem do acréscimo: “o acréscimo excepcional da actividade é fruto das campanhas de marketing (…) - (referindo-se o nome das mesmas, Campanha PowerSkin, Campanha Piloto de Influencers Digitais e Campanha de Verão); e, indo para além daquilo que a lei obriga, ao referir uma percentagem de acréscimo de clientes que cada Campanha realiza;
- A recorrida não colocou em causa a existência dessas Campanhas, nem alegou que tais campanhas não traduzem acréscimo de trabalho.
- Entende-se por “Campanha publicitária” como o termo utilizado pelos profissionais da área de publicidade para explicar o conjunto de anúncios, medidas dentro de um único planeamento para um determinado anunciante por um tempo determinado - https://pt.wikipedia.org/wiki/..., pelo que não faria sentido concretizar o tempo das campanhas e o prazo do acréscimo da actividade que é consequência das campanhas.
- A preparação de mão-de obra para fazer face a um acréscimo de trabalho (ainda que esperado se fruto de campanhas de marketing) não é imediato, pelo que “exigir”, para que a admissão ocorre no dia ou no momento exacto do acréscimo excepcional da actividade é apenas utópico e não saber como funciona a realidade.
Contrapõe a recorrida, também no essencial, o que segue:
- Se a Recorrente tinha dados para prever os aumentos de clientes que refere nas percentagens, certamente também tinha dados para prever qual a duração expectável do acréscimo de trabalho que tais campanhas produzem;
- As campanhas publicitárias são limitadas temporalmente, no entanto, o contrato de trabalho é completamente omisso quanto à sua duração ou período expetável da sua duração, não se pode extrair qualquer ilação da previsibilidade da duração do acréscimo excecional de atividade.
- É à Recorrente que compete a prova dos factos que justificam a celebração do contrato de trabalho a termo incerto, conforme expressamente decorre do artigo 140.º, n.º 5 do Código do Trabalho, não cabendo à alegar e provar a falsidade dos factos constantes do motivo justificativo para a contratação a termo.
- A Recorrente não alegou, nem juntou prova documental que demonstrasse que durante o período em que vigorou o contrato de trabalho houve sempre um acréscimo de atividade.
- Sendo insuficientes as referências ao motivo justificativo e à adequabilidade temporal, a consequência é a invalidade do termo resolutivo, o que determina a sua conversão em contrato sem termo ou por tempo indeterminado, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho.
III.1 Em jeito de enquadramento das questões colocadas, começaremos por uma breve incursão na evolução legislativa relativa ao contrato de trabalho a termo.
O contrato de trabalho a prazo foi admitido pela nossa legislação, primeiramente pelo Decreto-lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, e depois, sob a designação de contrato de trabalho a termo, pelos artigos 41.º e seguintes do Decreto-lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
O regime jurídico introduzido pelo Decreto-lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, resultou da necessidade de atenuar as restrições introduzidas ao regime jurídico dos despedimentos no pós 25 de Abril, através de uma liberalização do regime dos contratos a prazo. Com efeito, o contrato a prazo (ou a termo, como posteriormente designado) veio proporcionar a prestação de trabalho durante um certo período temporal, decorrido o qual cessava, permitindo uma desvinculação fácil da relação contratual, com relativamente poucos encargos.
O Decreto-lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, veio a ser revogado pelo Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, usualmente denominado por LCCT, o qual introduziu alterações substanciais ao regime anterior dos contratos a prazo, que passaram a ser denominados a termo. No essencial essas alterações visaram dificultar significativamente a contratação a prazo, só a permitindo em certos e determinados casos expressamente indicados na lei (artigos 41.º a 53.º).
Procurou, assim, afirmar-se o carácter excepcional a admissibilidade do contrato de trabalho a prazo, imposto pelo princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição, como um direito fundamental inserido nos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, de que decorre, como corolário, a vocação da perenidade da relação de trabalho. No preâmbulo da LCCT, mais precisamente na parte relativa à contratação a termo, pode ler-se “Relativamente ao contrato a termo passa a restringir-se a situações rigorosamente tipificadas, das quais umas resultam de adaptação das empresas às flutuações de mercado ou visam criar condições para absorção de maior volume de emprego, favorecendo os grupos socialmente mais vulneráveis, e outras atendem a realidades concretas pacificamente aceites como justificativas de trabalho de duração determinada”.
Visando dar concretização a esse propósito, o art.º 41.º dispunha que “(..) a celebração de contrato a termo só é admitida nos casos seguintes”, assim reafirmando o carácter excepcional do contrato a prazo, depois enumerando um conjunto de situações, possíveis de arrumar em dois grupos de casos: i) um de carácter objectivo, para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades; ou para lançamento de uma nova actividade de duração incerta; ou início de laboração de uma empresa ou estabelecimento; ii) Outro de carácter mais subjectivo, relacionado com situações específicas dos trabalhadores (p. ex. substituição temporária de trabalhador).
Com a finalidade de permitir um maior controlo dos requisitos substantivos e demais condicionalismos legais, a lei veio estabelecer, na expressão de Bernardo da Gama Lobo Xavier, “severos requisitos formais” para a estipulação do contrato a termo [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª ed., Editorial Verbo,1999, p. 290].
Assim, relativamente à correspondente norma do DL 781/76, isto é, ao art.º 6.º, o art.º 42.º do novo diploma veio introduzir a obrigatoriedade de outras novas menções no contrato reduzido a escrito, entre elas surgindo, então, “a indicação do motivo justificativo” [n.º1, al e)], cuja falta de menção passou a ser uma das causas para se considerar o contrato sem termo [n.º3].
Como lapidarmente se afirma em Acórdão do STJ de 9 de Fevereiro de 1993, a exigência legal da indicação do motivo justificativo é uma consequência do carácter excepcional que a lei atribui à contratação termo [publicado em Acórdãos Doutrinais 379, 831].
Contudo, a realidade revelou que essa exigência era facilmente iludida, tendo sido prática generalizada a mera reprodução das fórmulas genéricas do n.º1, do art.º 41.º, mencionando-se que o contrato a termo era celebrado devido a “acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa”, ou “para execução de tarefa ocasional”, etc.
Ciente dessa realidade e para obstar à legitimação artificiosa do contrato a termo, manifestamente contrária ao pretendido “carácter excepcional” da contratação a termo, o legislador procurou tornar aquela exigência mais rigorosa, intervindo na LCCT através da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, dispondo o seu artigo 3.º (com a epígrafe “Motivo justificativo na celebração do contrato de trabalho a termo”), o seguinte:
-[1] «A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41.º e com a alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo».
Importa notar, como o faz António Monteiro Fernandes, que “Assim, tornou-se claro aquilo que, de algum modo, já se podia deduzir das formulações iniciais da lista de situações justificativas, como condição como condição de consistência e efectividade dessa exigência legal”, para assinalar que esse era já o “entendimento corrente na jurisprudência”, citando os acórdãos seguintes: da Rel. Évora, de 8/11/94, CJ 94, 5,298 e de 8/12/94, BMJ 442,277; da Rel. Porto, de 20/3/95, CJ 95, 2, 246 e de 11/3/96, CJ 96, 2, 255; e, da Rel. de Lisboa, de 13/7/95, CJ 95, 4, 152 [Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 328 e nota 2].
Pese embora aquela alteração, alguns anos volvidos veio o legislador a considerar necessário uma nova intervenção, mais uma vez com o propósito de reforçar a exigência da indicação do motivo justificativo para assim melhor salvaguardar o carácter excepcional do contrato a termo. Essa intervenção foi operada pela Lei n.º 18/ 2001, de 3 de Julho, alterando a LCCT e a Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto. Assim, através do artigo 3.º daquela primeira, o art.º 3.º desta última foi alterado para passar a ter a redacção seguinte:
[1] «A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41.º e com a alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado».
Com a entrada em vigor do Código do Trabalho /03, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, foi revogada a generalidade da legislação laboral então existente e dispersa numa pluralidade de diplomas, expressamente mencionada na norma revogatória constante do art.º 12.º da referida lei, entre eles se contando o Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT).
Nesse primeiro Código do Trabalho, a disciplina relativa ao contrato de trabalho a termo certo ou incerto, consta dos artigos 127.º a 145.º, relevando mencionar os artigos 129.º [Admissibilidade do contrato], 130.º [Justificação do termo] e 131.º [Formalidades], posto que no actual Código do Trabalho de 2009, aqui aplicável, àqueles normativos correspondem os seus artigos 140.º, 141.ºe 147.º, sem que haja alteração em termos substantivos.
Assim, na mesma linha da anterior disciplina da LCTT, o contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, [n.º1 do art.º 140.º CT/09], constando as mesmas elencadas no n.º2 do mesmo artigo, numa enumeração não taxativa, mas praticamente exaustiva, merecendo aqui menção pela relevância para o caso a alínea f), dispondo:
[f)] Acréscimo excepcional de actividade da empresa;;
Deste mesmo artigo releva ainda assinalar o disposto no n.º5, onde se lê:
[5] Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
Inserindo-se também na linha da anterior disciplina, decorre do artigo do n.º1, do art.º 141.º CT/09, que o contrato deve observar a forma escrita e conter determinadas menções, mencionadas nas alíneas a) a f), entre elas a indicação “(..) do respectivo motivo justificativo” [al. e)]. No que respeita a esta exigência, vem depois o nº 3, do mesmo artigo, dispor que “Para efeitos da alínea e) do n.º1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.
A última referência reporta-se ao artigo 147.º, com a epígrafe “Contrato de trabalho sem termo”, que enumera quais as situações em que o contrato se considera celebrado sem termo (n.º1) ou convertido em contrato de trabalho sem termo (n.º2). Mais pormenorizadamente, cingindo-nos ao que aqui releva, dispõe o aludido artigo o seguinte:
1. Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação do termo tenha por fim iludir as disposições legais que regulam o contrato sem termo.
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.ºs 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;
c) Em que falte (..), bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo.
(…)».
Concluindo esta notas, como elucida Monteiro Fernandes, a propósito dos correspondentes artigos do vigente CT/09, mas com inteira aplicação àqueles, «(..) o art.º 141.º/3 CT exige a “menção expressa dos factos” que integram o motivo, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”. Assim, não basta referir-se um “acréscimo temporário de actividade”, é exigido que se concretize esse tipo de actividade em que se verifica a intensificação e a causa desta. É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art.º 140.º; e a realidade e a adequação da própria justificação face à duração estipulada para o contrato. Na verdade, a exigência legal da indicação do motivo justificativo é uma consequência do caráter excepcional que a lei atribui à contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art.º 140.º: o contrato só pode ser (validamente) celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem» [Op. cit., 328/329].
Atento esse duplo objectivo da exigência legal do motivo justificativo, como consequência do carácter excepcional da contratação a termo, só admitindo que o contrato a termo possa ser validamente celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem, há sempre que justificar o recurso a esse tipo de contratação, cabendo tal ónus à entidade empregadora, como decorre da conjugação do disposto na al. e), do n.º1 e n.º3, do art.º 141.º CT/09, sob pena de conversão do contrato a termo em contrato sem termo [n.º 1, al. c) do artigo 147.º CT/09].
Este é igualmente o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Justiça, como se retira do recente Acórdão desta instância, de 22-02-2017 [Proc.º n.º 236/15.0T8AVR.P1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt], em cuja fundamentação se exara o seguinte:
-«(..)
Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]
Donde ser de concluir que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato.
Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º».
Refira-se, ainda, que esta Relação e Secção já foi chamada a pronunciar-se sobre esta problemática diversas vezes, reafirmando sucessivamente o entendimento que vimos enunciando, designadamente, na jurisprudência mais recente que se encontra publicada em www.dgsi.pt , nos arestos seguintes: de 19-03-2018, proc.º 27258/15.8T8PRT.P1; de 23-04-2018, proc.º 3524/16.4T8MAI.P1; de 08-03-2019, proc.º 18476/17.5T8PRT.P1 [relatados pelo aqui relator e com intervenção deste colectivo]; de 02-03-2017, proc.º 4509/16.6T8VNG.P1, e de 18-12-2018, proc.º 267/17.7T8MTS.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho]; de 22-01-2021, proc.º 229/20.5T8MAI-A.P1, de 23 -06-2021, proc.º548/20.6T8MTS-A.P1 , e de 04-04-2022, proc.º 4061/20.8T8MTS.P1 [Desembargador Nelson Fernandes]; e, de 23-06-2021 , proc.º 4098/19.0T8AVR.P1 [Desembargador Domingos Morais].
III.2 Revertendo ao caso, o Tribunal quo, no essencial, trilhou este percurso jurídico para chegar às conclusões acima transcritas, em juízo, a nosso ver, criterioso e correcto na aplicação dos princípios enunciados aos factos.
Significa isso, como já se percebeu, que o recurso não merece atendimento. Não obstante, importa que justifiquemos esta asserção.
Estamos perante um contrato a termo incerto, cuja celebração, conforme estabelecido no n.º3, do art.º 140.º do CT/09, só é permitida nas situações referidas nas alíneas a) a c) ou e) a h, do n.º2, do mesmo artigo, entre elas as que respeitam ao acréscimo excepcional de actividade da empresa (al. f)].
A validade da celebração do contrato a termo incerto depende da observância dos requisitos formais, designadamente, a redução a escrito com as menções indicadas pela lei, entre elas, o motivo justificativo, que deve ser feita “com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” [art.º 141.º n.º 1 al. e) e n.º3].
Importa, ainda, ter presente que nos termos do n.º5, do art.º 148.º do CT, a duração do contrato de trabalho a termo incerto não pode ser superior a quatro anos.
No caso, conforme provado no ponto 4, a celebração do contrato a termo incerto celebrado com a autora foi justificada nos termos da cláusula primeira, nº 2 do referido documento, com as indicações seguintes:
- “ A celebração do presente contrato a termo incerto justifica-se pelo facto de neste momento ser previsível por parte da Primeira Outorgante o acréscimo excepcional da actividade, fruto de campanhas de marketing, já preparadas para arrancar (tais como a Campanha PowerSkin, para a qual se prevê um incremento no volume de clientes da ordem dos 10%; a Campanha Piloto de Influencers Digitais, para a qual se prevê um retorno na procura de novos tratamentos na ordem de 20%; e a Campanha de Verão, para a qual se prevê um aumento no volume de trabalho na ordem dos 25%), nos termos precisos no disposto no art. 140º, nº 2, al. f) do Código do Trabalho.
Defende a recorrente que o motivo justificativo está validamente expresso por esclarecer qual a origem do acréscimo, indo até para além daquilo que a lei obriga, ao referir uma percentagem de acréscimo de clientes que cada Campanha realiza.
Com o devido respeito, não acolhemos esta consideração.
De acordo com as regras da experiência, em determinados tipos de actividade, como é o caso da recorrente - que tem como objecto social consultas de nutrição e tratamento de obesidade, fisioterapia e comercialização de produtos dietéticos; tratamentos de estética e anti-stress, actividade de prática médica de clínica geral e especializada em ambulatório, intermediação de crédito [facto 1] – as campanhas publicitárias são um meio usual, isto é, um instrumento operativo de gestão para procurar aumentar o volume de negócios e a sua realização está prevista com antecedência, em planeamentos anuais a longo prazo, enquadrando-se pelas suas características no desenrolar da actividade normal da empresa. Poderão traduzir-se, como é o seu objectivo, num avolumar do negócio, o que implica uma maior actividade e, logo, a necessidade de meios humanos para as concretizar, mas tal não significa que haja um “acréscimo excepcional da actividade da empresa”, na medida em que esses períodos de maior actividade não resultam de situações de excepção, nem extravasam o que é previsível e expectável para a normal actividade anual da empresa.
E, tanto assim é, que a cláusula começa por referir que as campanhas de marketing “[estavam] preparadas para arrancar”, o que significa, implícita e necessariamente, a existência, a montante, de um prévio planeamento e outros procedimentos preparatórios, que inclusive permitiram à recorrente antever que o seu início prático e o subsequente desenvolvimento geraria na “Campanha PowerSkin [..] um incremento no volume de clientes da ordem dos 10%”, na “Campanha Piloto de Influencers Digitais [..] um retorno na procura de novos tratamentos na ordem de 20%” e na “ Campanha de Verão [..] um aumento no volume de trabalho na ordem dos 25%”.
Acresce, como a própria recorrente vem admitir no recurso, que inserindo-se as campanhas publicitárias num planeamento prévio, as mesmas têm um determinado período previsto para a sua execução. Assim, vale isto por dizer que não era desconhecido para a recorrente, nem mesmo imprevisível, que ia realizar campanhas publicitárias, quais os períodos de duração das mesmas, qual o volume de clientela que implicariam, nem tão pouco se eram executadas sucessivamente ou ao mesmo tempo, ou seja, a sua distribuição ao longo do ano civil de actividade.
Nos termos do n.º3, do art.º 140.º do CT, a celebração contrato de trabalho a termo incerto é admissível “Sem prejuízo do disposto no n.º 1”, ou seja, “para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora“ e nas situações referidas “em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h)”, do número 2, do mesmo artigo, mas só terá cabimento quando se sabe qual o facto que determinará o seu termo, mas não se sabe o momento preciso em que ocorrerá, sendo que por limitação da lei, a sua verificação sempre deverá ter lugar em período temporal não superior a quatro anos [art.º 148.º n.º5, CT]. Existindo situação que permita o recurso ao contrato a termo, mas sabendo-se o momento em que ocorrerá o facto que leva a considerar cumprida a satisfação da necessidade temporária, então o que poderá ter lugar é a celebração a termo certo.
Como ficou referido no ponto antecedente, a exigência legal de fazer constar do contrato de trabalho o termo estipulado e o respectivo motivo justificativo, com menção expressa dos factos que o integram, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” [art.º 141.º n.º1, al. e) e n.º3, do CT], visa possibilitar “duas coisas: a verificação externa de conformidade da situação concreta com a tipologia do art.º 140.º; e a validade e adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada no contrato” [Monteiro Fernandes, op. cit, p. 328]. Dito de outro modo, a indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir ao trabalhador, bem como ao tribunal em caso de litígio, aferir da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e da adequação da justificação invocada com a duração estipulada para o contrato.
No caso, por um lado, os factos invocados no motivo justificativo, ou seja, as campanhas de marketing, não se enquadram na noção de “acréscimo excepcional da actividade da empresa”. Por outro, ainda que assim não fosse, isto é, se houvesse razões para considerar que existia um “acréscimo excepcional da actividade da empresal”, o certo é que a recorrente dispunha dos elementos necessários para saber o período temporal em que tal ocorreria – abrangendo desde a formação da trabalhadora até à execução da última campanha –, daí que, a recorrer ao contrato de trabalho a termo, deveria antes ter optado pelo termo certo.
Mas se houvesse razões de facto reais para enquadrar as campanhas de marketing na noção de “acréscimo excepcional da actividade da empresa” e, concomitantemente, para não se saber o momento preciso em que ocorreria o facto que lhe punha termo, então tal teria que resultar do conteúdo do motivo justificativo, expresso em factos suficientemente concretizadores dessas realidades, o que não acontece.
Por último, contrariamente à consideração subjacente à alegação da recorrente, não recaía sobre a recorrida o ónus de alegar e demonstrar que as campanhas não existiam, ou que dessem causa a acréscimo de trabalho. Como decorre claramente da lei, é sobre o empregador que recai o dever de fazer constar do contrato de trabalho o termo estipulado e o respectivo motivo justificativo, com menção expressa dos factos que o integram, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” [art.º 141.º n.º1, al. e) e n.º3, do CT], bem assim de fazer a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo [art.º 140.º n.º5, do CT].
Concluindo, não se reconhece razão à recorrente, improcedendo o recurso e devendo a sentença ser confirmada.

IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da Ré, atento o decaimento (art.º 527.º n.º2, CPC).

Porto, 8 de Junho de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira