Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
342/19.1T8PVZ,P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
JUROS MORATÓRIOS
Nº do Documento: RP20230110342/19.1T8PVZ.P1
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE/DECISÃO ALTERADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O dano biológico corresponde ao dano corporal lesivo da saúde que está na origem de outros danos (danos-consequência), que podem ter uma natureza patrimonial (como a perda total ou parcial da capacidade de trabalho ou de ganho) ou não patrimonial (como a dor, o desgosto, o sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida).
II – O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que, sendo compatível com a actividade profissional do lesado, lhe impõe esforços acrescidos, traduz um dano patrimonial de perda de capacidade de trabalho, cuja indemnização deve ser fixada com base na equidade, dentro dos limites tidos por provados, tendo em conta os critérios que a jurisprudência vem adoptando no sentido de reduzir o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio.
III – Na fixação da indemnização, apenas se atende aos danos futuros que forem previsíveis. Se estes já estiverem determinados, são desde logo considerados na indemnização a fixar (artigo 564.º, n.º 2, 1.ª parte). O mesmo sucede se não estiverem determinados nem forem determináveis, caso em que são logo fixados com recurso à equidade, dentro dos limites tidos por provados (artigo 566.º, n.º 3). Se não estiverem determinados, mas forem determináveis, deve relegar-se a sua fixação para momento posterior (artigo 564.º, n.º 2, parte final).
IV – A condenação no pagamento de juros moratórios está sujeita ao limite do pedido consagrado no artigo 609.º, n.º 1, do CPC.
V – Em consonância com os fundamentos da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 4/2002, de 9 de Maio, a condenação no pagamento de juros moratórios a partir da data da sentença que procede à actualização da indemnização pressupõe que tal sentença contenha alguma expressão que revele ter procedido a esse cálculo actualizado. Se naquela sentença nada se expressa sobre a actualização à luz do n.º 2 do artigo 566.º do CC, não tem aplicação a referida jurisprudência obrigatória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 3


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., intentou a presente acção declarativa comum contra Seguradoras U..., S.A., com sede na Av. ..., Lisboa, actualmente denominada G..., S.A.
Alegou, em essência, os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude de acidente de viação ocorrido no dia 17 de Junho de 2017, em que foram intervenientes o veículo com a matrícula ..-DG-.., conduzido por si, e o veículo com a matrícula ..-..-PC, pertencente a BB e na ocasião conduzido por CC, cuja ocorrência imputa à conduta culposa deste último, mais alegando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por este veículo ... estava transferida para a ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
Conclui pedindo a condenação da ré:
a) A pagar-lhe a quantia de 99.935,58€, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal nos termos do artigo 38º, n.º 2 do DL 291/2007 de 21 de Agosto, desde a citação da ré para contestar a presente ação até integral e efetivo pagamento.
b) A pagar-lhe as quantias relativas a acompanhamento médico regular da especialidade de ortopedia (pelo menos uma vez por ano), a sessões de tratamentos de fisioterapia (pelo menos duas vezes por ano, numa quantidade de sessões que o médico ortopedista vier a determinar) e respectivas despesas de deslocação e compensação das dores que as mesmas provocarão, ajuda de terceira pessoa nas lides domésticas, bem como as decorrentes do uso frequente de analgésicos, atentas as dores de que com regularidade é acometida, em montantes a liquidar em momento posterior.
A ré apresentou contestação, aceitando a dinâmica do acidente descrita pela autora e a celebração do contrato de seguro invocado por esta, impugnando os danos alegados na petição inicial.
Proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio, enunciados os temas de prova e produzida a prova pericial, veio a realizar-se audiência de julgamento, no decurso da qual a autora veio ampliar o pedido em 4.552,39€, correspondente às despesas com tratamentos médicos e fisioterapia entretanto suportados por si, passando assim o pedido «a ser de €104.487,97, que a Ré deve ser condenada a pagar ao A., acrescida de juros vencidos desde a citação sobre €99.935,58 e sobre €4.552,39 desde a data da notificação do processo até integral e efectivo pagamento, mantendo-se o pedido de condenação do Réu em prestação de facto, melhor descrita na p.i.» (sendo certo que esta referência à condenação em prestação de facto só pode dever-se a manifesto lapso).
Foi cumprido o contraditório.
Concluída a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Julgo parcialmente procedente a presente acção, e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 87.480,89€ (oitenta e sete mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e nove cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, e absolvo-a do restante peticionado».
*
Inconformada, a ré apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I. A decisão do tribunal recorrido peca por errada, quer quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, quer quanto à decisão de direito.
II. Em primeiro lugar, e desde logo, a sentença recorrida incorre na nulidade prevista na alínea b) do art. 615º do CPC, que aqui expressamente se invoca, porquanto a mesma não especifica qual os concretos meios probatórios que o tribunal considerou para dar como provados cada um dos factos constantes daquele elenco, nem mesmo especifica ou justifica o porquê de valorar determinados meios probatórios em detrimento de outros.
III. Mal esteve o tribunal ao dar como provados os factos constantes dos pontos 24 a 35, 37, 41 e 46 da sentença recorrida ou, pelo menos, que os mesmos são decorrentes do acidente de viação aqui em causa e sofrido pela Autora. A prova produzida quanto a esta matéria foi essencialmente pericial, quer com os relatórios elaborados quer com os esclarecimentos prestados em sede de julgamento. Pese embora discordantes em alguns pontos, todos (ou quase todos) os peritos médicos acabaram por concordar não poderem afirmar, com total certeza, que todas as lesões/ sequelas e dores ou limitações apresentadas pela Autora – nomeadamente as constantes dos factos supra transcritos - tenham sido decorrentes do acidente aqui em discussão.
IV. A DRª DD, admitindo que as lesões que observou na Autora possam ter ocorrido no momento do acidente, afirma peremptoriamente não ter conhecimentos nem competências para estabelecer esse nexo causal –minutos 53:43 a 57:54 e 1.35.30 a 1.36.00, Minuto: 59.05 a 1:00:00 dos esclarecimentos dos peritos prestados na 1ª sessão de julgamento.
V. O DR. EE, por seu lado, confirmando a incapacidade e desvalorização atribuídas em sede de pericia colegial, afirmou não ter resultado do acidente nenhuma lesão que implique uma incapacidade tal que justifique ou imponha fisioterapia vitalícia. Tal facto, só por si, excluirá, necessariamente, a gravidade e nexo causal entre os factos supra transcritos e a lesões decorrentes do acidente - Minuto 1:30:40 a 1:33:00 dos esclarecimentos dos peritos prestados na 1ª sessão de julgamento.
VI. Dos esclarecimentos do DR. FF retira-se, de forma inequívoca, a ausência de elementos probatórios suficiente que permitam estabelecer o nexo causal entre as queixas e limitações apresentadas pela Autora e o acidente sofrido pela mesma - Minuto 50:15 a 53:10, Minuto 1:12:50 a 1:13:42 dos esclarecimentos dos peritos prestados na 1ª sessão de julgamento.
VII. Os esclarecimentos da DRª GG, prestados noutra data, são esclarecedores quanto a este ponto, afirmando a mesma, de forma peremptória, que as queixas dorsais apresentadas pela Autora não têm etiologia traumática e mesmo que se encontram fora da área anatómica atingida com o acidente, razão pela qual nenhuma relação têm com o mesmo - Minuto 03:50 a 05.30, Minuto 13:20 a 15:00, Minuto 16:20 a 18:10, Minuto 18:20 a 19:20, Minuto 19:40 a 21:00, Minuto 21:35 a 22:27, Minuto 23:12 a 25, Minuto 27:25 a 29:20, Minuto 31:40 a 35:40 dos esclarecimentos prestados pela mesma na 2ª sessão de julgamento.
VIII. A própria desvalorização considerada pelo tribunal – os 3 pontos atribuídos pelo código Md901 conforme atribuído na perícia colegial realizada – afastam, desde logo, o nexo causal entre os factos aqui em causa e o acidente. O código em causa, referente a lesões na coluna torácica (dorsal), lombar ou charneira lombo-sagrada refere: “Sem lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas (dores intermitentes, implicando medicação analgésica e/ou antiflamatória, com reduzido compromisso da mobilidade.”. Os factos aqui sindicados e as limitações ali referidas, porque gravosas e implicando um compromisso de mobilidade considerável, estão desde logo em contradição com esta desvalorização que, conforme resulta expressamente da mesma, implica apenas um reduzido compromisso da mobilidade.
IX. Face a tudo o exposto, e na ausência de prova quanto aos mesmoa, não poderia o tribunal recorrido dar como provados os factos constantes dos pontos 24 a 35, 37, 41 e 46 da decisão recorrida ou, pelo menos – e porque não se duvida que a Autora efectivamente apresente as queixas e limitações ali referidas, colocando-se em causa apenas o nexo causal entre as mesmas e sinistro -, que os mesmos são resultantes ou decorrentes do acidente de viação em causa nos presentes autos. Razão pela qual deverá este tribunal excluir os factos em causa da matéria de facto dada como provada, passando os mesmos a integrar o elenco dos factos não provados, ou, pelo menos, retirar aos mesmos as referências à causalidade ou consequência do acidente em causa constantes dos factos 24 (“em resultado das lesões que sofreu no acidente”), 25 (“Devido às lesões sofridas”), 30 (“por virtude do quadro sequelas descrito”), 31 (“Em virtude do acidente”) e 37 (“decorrentes do acidente”), o que se requer.
X. A recorrente não concorda também com a resposta “provado” dada aos factos constantes dos pontos 40 (primeira parte) e 46 da sentença recorrida, não correspondendo os mesmos à prova que resultou dos autos. É, desde logo e em primeiro lugar contraditório relativamente à própria incapacidade atribuída e ao código de desvalorização da tabela nacional de incapacidades aplicado pelo tribunal. O código Md901, no qual aquela se baseou, refere, recorde-se, apenas a necessidade de recurso a medicação analgésica ou antiflamatória. Não é ali referida qualquer necessidade de acompanhamento futuro, nomeadamente ao nível da fisioterapia ou qualquer outra terapêutica continuada, ao contrário do que é expressamente referido noutros códigos de incapacidade, nomeadamente o MD0902 aplicado na primeira perícia realizada e que acabou por ser afastado pelo tribunal recorrido. Neste sentido também o DR. FF - minutos 1:28:00 a 1:35:00 dos respectivos esclarecimentos - e a DRª GG – minutos 3:50 a 5:30, 23:12 a 25:00 e 27:25 a 29:20, dos respectivos esclarecimentos prestados na 2ª sessão de julgamento.
XI. Sendo que, mesmo que assim não se considere, e se opte por atribuir a necessidade de ajuda fisioterapêutica, a mesma não poderá ser considerada de forma vitalícia, mas apenas até 3 ou 5 anos após o acidente. Nesse sentido o DR. EE e a DRª DD e ainda, a admitir-se essa necessidade, o DR. FF - minutos 1:28:00 a 1:35:00 dos esclarecimentos dos peritos na 1ª sessão de julgamento realizada.
XII. Pelo exposto, o constante dos factos 40 e 46 da sentença recorrida deverá ser excluído do elenco dos factos dados como provados. Sendo que, mesmo que assim não se considere, deverá a necessidade de fisioterapia constante do facto 40 ser balizada no tempo para período não superior a 3 ou 5 anos pós acidente, acrescentando-se tal referência à matéria em causa passando a constar do mesmo que: “A A. em virtude das lesões sofridas ficou a depender permanentemente de medicação regular e ficou a depender de tratamentos clínicos regulares, pelo menos de 30 sessões de fisioterapia, por ano, por período não superior e 3 ou 5 anos após o acidente.”
XIII. O ponto 42 da sentença recorrida não tem qualquer prova em que se basear. Ao mesmo, e de forma genérica e sem qualquer base de sustentação – trata-se de uma mera recomendação que não se conseguiu precisar bem de quem, nem se terá efeitos positivos - apenas se referiu a Autora. Inexistindo prova bastante quanto ao mesmo deverá aquele ser dada como não provado.
XIV. Os factos provados nos pontos 43 e 49 da sentença recorrida também não deverão ser considerados. Neste ponto dá-se por reproduzido tudo o quanto supra se afirmou quanto aos pontos 40 e 46 dos factos provados. Desconsiderando-se a necessidade de tratamentos de fisioterapia em virtude do acidente em causa nos presentes autos, também não fará sentido dar-se como provadas as despesas inerentes pois que as mesmas – não se duvidando que efectivamente tenham sido suportadas pelas Autora - não são decorrentes das lesões para a mesma resultantes do sinistro de 17.07.2017. Devendo estas factos serem excluídos da matéria de facto dada como provada.
XV. A título de danos emergentes o tribunal recorrido condenou a ré a liquidar à Autora a quantia de €5.180,89, a título de despesas que a Autora já teve de afectuar em tratamentos clínicos e medicação, acrescida de €300,00 a título de despesas de deslocação. Conforme supra referido, em virtude das lesões que para a mesma advieram do acidente dos presentes autos, não ficou a Autora a necessitar de quaisquer tratamentos de fisioterapia ou outros, pelo que deverá ser revogada a condenação da ré neste valor.
XVI. O montante de €30.000,00 atribuído para compensação do dano biológico é manifestamente excessivo e desproporcionado face ao que tem vindo a ser praticado pelos nossos tribunais. Note-se que, em virtude do acidente sofrido, a Autora não sofreu qualquer período de incapacidade temporária para o trabalho. Não houve, nem haverá, qualquer perda de rendimento. Apenas sendo de considerar os esforços acrescidos resultantes e proporcionais aos 3 pontos de incapacidade atribuídos, para além, obviamente, do quantum doloris de 3 em 7 e da repercussão nas actividades físicas e de lazer de 1 em 7. Para compensação destes danos será mais justo e adequado o montante de €15.000,00.
XVII. A condenação da ré no pagamento da quantia de €48.000,00 a título de danos futuros - por sessões de fisioterapia, consulta de ortopedia, despesas médias mensais com analgésicos ou com transporte – não faz sentido perante a desnecessidade destes tratamentos face às lesões/sequelas que para a Autora advieram do acidente de viação em causa, devendo a mesma ser revogada por este tribunal.
XVIII. Mesmo que assim não se considere, a necessidade daqueles tratamentos auxiliares apenas deverá ser considerada por um período máximo de 5 anos após o acidente. Sobre a data do mesmo – 17.7.2017 – passaram já quase 5 anos, tendo a Autora efectuado uma ampliação do pedido a conter as despesas até à data de 22.03.2022, pelo que, quanto muito, apenas poderão ser consideradas essas despesas por mais 4 meses após aquela data de 22.03.2022 até perfazer os 5 anos do acidente, pelo que, no máximo, e seguindo os critérios do tribunal quanto à periodicidade e valores das mesmas, a quantia de €460,00.
XIX. A sentença recorrida condenou a ré a pagar à Autora a quantia de €87.480,89 acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, não sendo feita qualquer distinção entre as quantias devidas a título danos patrimoniais ou não patrimoniais, a montantes determinados com base na equidade ou a quantias devidas a título de danos futuros. As indemnizações a fixar relativas a danos não patrimoniais ou com base na equidade - como aqui necessariamente foram determinadas as indemnizações pelo dano biológico e pelo dano não patrimonial - são determinados de forma actualizada não sendo nessa medida devidos juros de mora sobre as mesmas desde a data da citação, mas apenas da data em que as mesmas são fixadas. Aplicando-se o mesmo raciocínio quanto a despesas futuras – pelo que ainda não suportadas – pela Autora ou quanto a despesas que apenas foram suportadas após a data dessa mesma citação.
XX. Razão pela qual a sentença recorrida sempre deverá ser reformada no sentido de condenar a ré a pagar à Autora juros de mora apenas desde a decisão proferida, sendo indevidos quaisquer juros de mora relativos a data anterior».
Terminou pugnando pela procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por outra que condene a ré nos termos defendidas nas alegações apresentadas.
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A autora respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela total improcedência do recurso interposto, e interpôs recuso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
«A) Com o presente recurso, a Recorrente visa ver reapreciada três segmentos da decisão proferida e uma omissão de pronúncia, concretamente a condenação da Recorrida no pagamento à Recorrente de 30.000,00€ (para compensação do dano biológico e a própria quantificação destes danos) a condenação da Recorrida no pagamento de 48.000,00€ como compensação da parte dos danos futuros previsíveis e a condenação da Recorrente no pagamento de 4.000,00€ para compensação de dano não patrimonial e a não pronúncia quanto ao pedido de condenação para pagamento de despesas com terceira pessoa, neste recurso, a Recorrente pretende impugnar segmentos da decisão de matéria de facto e, concretamente, os factos provados sob o nº 48 e 49.
B) Fixou, o Tribunal a quo, o montante de 30.000,00€ para compensação resultante do dano biológico, correspondente ao défice funcional permanente da integridade física. que considerou fixável em 3 pontos, sustentada, natural e compreensivelmente, no teor do relatório da 2ª perícia, elaborada por unanimidade, indicando, precisamente esse grau de incapacidade.
C) Na apreciação desse relatório, deveria, a M.º Juiz a quo, no entanto, ter atentado na falta de coerência e evidente displicência dos termos em que o mesmo foi elaborado, que contrariam a conclusão da 1ª Perícia (perícia singular elaborada por médico do Instituto Nacional de Medicina Legal) que atribuiu à Recorrente a DFPIF de 7 pontos,
D) Como resulta dos autos, a existência (ou inexistência) de lesão óssea foi determinante para a ponderação do grau de Défice Funcional Permanente de Incapacidade Físico atribuída.
E) Resulta dos autos que a Recorrente terá, efetivamente, sofrido lesão óssea, concretamente um edema ósseo das espinhosas do D2 a D4, reconhecida, aliás por todos os Peritos e documentação pela Ressonância Magnética junta aos autos, expressamente plasmado no relatório elaborado pelo perito Dr. HH e devidamente abordado pelo mesmo nos esclarecimentos.
F) Isto mesmo foi confirmado pela testemunha Dr. II, que claramente associou o sintoma de ardência, referida pela Recorrente nas primeiras consultas e expressamente referidos no relatório elaborado pelo perito HH, em 24 de Maio de 2021 e aliás referido na página 7 do relatório elaborado em 5 de Agosto de 2021, ambos juntos aos autos, a lesão óssea.
G) Se, como diz aquele médico, sensação de ardência (descrita pela Recorrente) traduz uma situação de lesão óssea, então terá sido mal avaliada os Senhores Peritos que consideraram dever integrar a lesão sofrida em Md901, ou seja sem lesões ósseas ou discoligamentares documentadas, ignorando essa informação do processo (que, clinicamente, se deve considerar documentar essas lesões), ignorando, ainda, a Ressonância Magnética que traduz a possibilidade de existência dessa lesão.
H) Todas estas incoerências – ou observações erradas - constam do relatório de segunda perícia, o que deveria ter motivado a sua depreciação, enquanto meio de prova, pela M. º Juiz a quo, considerando ao invés provado que em consequência do acidente a A. ficou com um DFPI 7 pontos (e ponto 47) e repercussão permanente na atividade desportiva e de lazer fixável em 2/7 e não em 1/7 como provado no ponto 48,
I) Sugere-se, assim, as seguintes redações para estes segmentos de decisão da matéria de facto: -
47: Em consequência do acidente a A. ficou com um défice funcional permanente de integridade física fixável em 7 pontos. –
48: Sofreu (a A.) repercussão permanente na atividade desportiva e de lazer fixável no grau 2/7 e um quantum doloris de 3/7.
J) Com estes (novos pressupostos) deveria ser arbitrado para compensação de dano biológico de 7 pontos a quantia de 60.500,00€ peticionada pela A., considerando os diversos factos provados relevantes para esta ponderação,
K) Mesmo para o DFPIP de 3 pontos, com o rendimento mensal liquido de 2859,19€ e uma perspetiva de vida ativa seguramente mais longa do que a considerada na p.i., sempre se revelaria insuficiente o montante atribuído, que, mesmo mantendo-se este segmento de decisão de matéria de facto, se justificaria ser alterado para a quantia peticionada de 60.500,00€, em que a Recorrida subordinada deverá ser condenada.
L) Conforme resulta da petição inicial, a autora formulou um pedido de condenação genérica da Ré a pagar as quantias relativas ao acompanhamento médico regular da especialidade de ortopedia e tratamentos de fisioterapia, e respetivas despesas de deslocação compensação das dores que as mesmas provocam e despesas com analgésicos, pedindo, ainda, a condenação da Ré no pagamento das quantias relativas a ajuda de terceira pessoa nas lidas domésticas.
M) Considerando estar na posse de todos os elementos necessários à liquidação daquele primeiro pedido genérico, a M.ª Juiz a quo a que condenou a Ré no pagamento de 48.000,00€, nos termos melhor expressos na douta sentença, não integrando, tal condenação – e o seu valor – o valor do pedido líquido formulado pela A. – a que deve acrescer – uma vez que o valor do pedido (indicado como valor da ação), claramente resulta da soma dos pedidos líquidos formulados.
N) A formulação do pedido de condenação genérica – que não poderá deixar de ser julgado procedente com as precisões trazidas aos autos pela prova produzida – pretendeu salvaguardar as partes (curiosamente não só a Autora, mas também a Ré) relativamente à ocorrência dos factos futuros que alterem essa necessidade ou os seus termos – alteração de custos inerentes, melhoras da autora e, mesmo, não recurso a tratamentos pela mesma (que, assim, não serão pagos.
O) A não ser acolhido este propósito da Recorrente, sempre deverá dizer-se que um dos pressupostos de que partiu a M.ª Juiz a quo – o custo de 40€ para cada sessão de fisioterapia – contraria os factos provados sob o nº 43 (e documentos que subjazeram àquela prova) dos quais resulta de cada tratamento de fisioterapia custa, atualmente, à Recorrente, a quantia de 80,00€, sendo assim de 70.500,00€, o valor a fixar para a compensação desse dano, observados os termos da douta sentença recorrida (que, com exceção do valor das consultas de fisioterapia se consideram corretos).
P) Deverá, por isso, ser alterado para 78.000,00€ (arredondado da soma de 70.500,00 + 7.797,00€) o montante de compensação pelos danos futuros previsíveis acima definidos, devendo a Ré ser condenada nesse montante acrescida dos juros nos termos definidos na douta sentença.
Q) É inequívoco que de tais factos decorre a necessidade de ajuda de terceira pessoa.
R) Apesar disso, não fixou, a M.ª Juiz a quo, qualquer facto que o consagrasse, pelo que, em coerência com o decidido naqueles pontos, se sugere o aditamento de um novo facto provado com a seguinte redação:
“Em virtude das limitações referidas nos pontos 25, 28, 34 e 41 da matéria de facto provada a A. necessita de ajuda de terceira pessoa.”
S) Com este facto – ou, porventura, mesmo sem ele atenta a conexão lógica com os factos provados e de o mesmo constituir, apenas, uma consequência dos mesmos – impõe-se que o Tribunal se pronuncie sobre este pedido, condenando a Ré conforme peticionado pela Autora, isto é, no pagamento da ajuda de terceira pessoa nas lides domésticas, numa condenação genérica cuja liquidação deverá obedecer, parcialmente, aos factos provados no processo e àqueles que deverão acrescer-lhes em incidente a requerer posteriormente, nomeadamente quanto ao número de horas necessárias para tais tarefas (por semana) e ao seu custo provável.
T) A gravidade dos factos provados com relevância na apreciação desta vertente do dano, resulta bem evidenciada pelos factos provados concretamente, sendo notório que o montante de 4.000,00€, autonomamente atribuído para compensação do dano não patrimonial pela Mª Juiz a quo, nem sequer se mostra adequado para compensar o Q/D (temporário), mas fixado em grau 3/ numa escala de 7, o que o torna considerável.
U) Deverão ser particularmente relevadas as devastadoras consequências destas sequelas na vida de uma mulher jovem, com apenas 45 anos ao tempo do acidente, não podendo deixar de ser reconhecido pelo Tribunal a razão e o bem fundado do pedido formulado pela autora na petição inicial, sendo a Ré condenada no pagamento de 30.000,00€ para compensação das dores dos danos patrimoniais sofridos e a sofrer pela vida fora pela Recorrente.
V) Reitera-se que os valores que o Tribunal entendeu dever liquidar, na parte respeitante aos pedidos genéricos, não deverão ser considerados como limitados pelo valor do pedido formulado pela Recorrente, porquanto este valor dizia respeito apenas aos valores já liquidados, não havendo assim qualquer subsunção dessa situação à previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC., uma vez que uma condenação como a pedido não se revela superior, em quantidade, ou diversa, em qualidade, do pedido formulado.
W) Ao decidir como decidiu fez Tribunal a quo errada aplicação do artigo 483º do C. Civil e má interpretação do disposto nos artigos 489º do Código Civil e e 607º nº 4 e 358 nº 1 ambos do CPC.»
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A ré/recorrente respondeu à alegação do recurso subordinado, pugnando pela total improcedência deste.
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O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as invocadas nulidades da sentença, nos termos previstos nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Não obstante a omissão do despacho previsto nestas normas, não se considerou indispensável mandar baixar o processo para que o mesmo seja proferido (cfr. artigo 617.º, n.º 5, do CPC).
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, são as seguintes:
Recurso Principal:
1. A nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 615.º, al. b), do CPC;
2. O erro no julgamento da matéria de facto no que concerne aos pontos 24 a 35, 37, 40 a 43, 46 (primeira parte) e 49 dos factos julgados provados;
3. A quantificação dos montantes indemnizatórios devidos à autora.
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Recurso Subordinado:
4. A não pronúncia quanto ao pedido de condenação para pagamento de despesas com terceira pessoa;
5. O erro no julgamento da matéria de facto no que concerne aos pontos 47 e 48 dos factos julgados provados;
6. A quantificação dos montantes indemnizatórios devidos à autora.
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III. Fundamentação
A. Decisão sobre a matéria de facto na primeira instância
1. Factos Provados
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1. No dia 17 de Julho de 2017, pelas 14.30, ocorreu um acidente de viação entre o veículo matricula ..-DG-.., conduzido pela A., e o veículo matrícula ..-..- PC, propriedade de BB e na ocasião conduzido por CC.
2. O acidente ocorreu no cruzamento existente entre a avenida ... e a rua ..., em ....
3. No dia 17 de Junho, a A. conduzia o veículo matrícula ..-DG-.., marca BMW, cor preta, na Avenida ..., sentido sul-norte.
4. A A. conduzia na referida avenida em fila de trânsito, a cerca de 5 km/hora, de modo lento e atento à circulação dos demais veículos na via.
5. Quando chegou ao cruzamento existente entre a referida Avenida e rua ..., a A. verificou que podia passar o cruzamento, motivo pelo qual a mesma avançou, tendo tido necessidade de parar o seu veículo imediatamente antes da passadeira, uma vez que se encontrava em fila de trânsito.
6. Para que efectuasse o cruzamento, foi cedida a passagem à A. por CC, condutor do veículo de matrícula ..-..-PC, marca Volkswagen polo, cor azul, que se encontrava parado a cerca de um metro e meio da passadeira sita na rua ....
7. Existe na rua ..., um sinal vertical de cedência de prioridade a quem passe na Avenida ....
8. Quando se encontrava já parada há mais de 20 segundos, imediatamente antes da passadeira na Avenida ..., foi o veículo conduzido pela Autora embatido na sua parte lateral traseira direita, pela parte frontal direita do veículo matrícula ..-..-PC, conduzido por CC, que arrancou inopinadamente o seu veículo para entrar na avenida ..., no sentido norte-sul (sentido proibido pelo sinal de trânsito ali existente), embateu no veículo conduzido pela A. e continuou a sua marcha.
9. O referido CC não respeitou devidamente o sinal vertical existente no cruzamento e calculou erradamente o espaço útil existente para realizar a manobra de mudança de direcção.
10. O acidente acima descrito ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo matrícula ..-..-PC, propriedade de BB.
11. Que ao tempo do acidente tinha a sua responsabilidade pelos riscos decorrentes da circulação do seu veículo transferida para a Ré através da apólice n.º ..., a qual se encontrava válida e em vigor.
12. Pelo que a Ré assumiu em 19 de Dezembro de 2017 a responsabilidade do condutor do veículo seguro pela produção do acidente e a sua própria responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro ocorrido no dia 17 de Julho.
13. Nesse mesmo dia, a A. começou a sentir dores na coluna cervical e dorsal, o que a levou a recorrer às urgências do Hospital ....
14. Tendo realizado um raio-x, o mesmo não revelou sinais aparentes de lesões, mas assinalou que a A. “tem contratura dos músculos para-vertebrais. Deve fazer repouso e tomar medicação prescrita”.
15. Apesar das prescrições feitas, a verdade é que três semanas depois a A. sentiu-se a piorar, o que motivou que no dia 7 de Agosto de 2017 tenha sentido necessidade de recorrer novamente ao serviço de urgência do Hospital ....
16. A A. ainda se encontrava com contractura muscular, apesar de aplicar calor localmente e de seguir a medicação, tendo os médicos concluído que se a A. não melhorasse deveria iniciar tratamento de fisioterapia.
17. A A. foi indicada para iniciar o tratamento de fisioterapia, o que fez.
18. Apesar do acompanhamento no tratamento de fisioterapia, a A. ainda se sentia com dores, o que a levou a procurar um médico especialista no Hospital 2 ..., o que fez no dia 28 de dezembro de 2017.
19. Tendo sido vista no Hospital 2 ..., consta do relatório elaborado pelos médicos que a A. sofreu um acidente de viação que levou a “inicio de cervicalgia, que entretanto melhorou, manteve dorsalgia e lombalgia. EO – Dorsalgia a nível de D4D6, dor à percussão das espinhosas. Sequelas de fractura espinhosa/transversa, edema local?”, tendo tal avaliação motivado o pedido de RMN.
20. Na consulta de acompanhamento, em 25 de Janeiro de 2018, foi a A. informada de que a ressonância pedida “mostra hipersinal espinhosas de D2 D3 e D4”, motivo pelo qual foi novamente medicada e pedida MFR
21. Apesar da medicação e da realização de novos exames, a situação clínica da A. não melhorou, motivo pelo qual em 28 de Junho de 2018, os médicos do Hospital 2 ... após a realização da MFR consideraram a situação clinica da A. estabilizada com manutenção da Dorsalgia.
22. Foi a A. considerada estabilizada, mas com danos, motivo pelo qual lhe foi atribuída no dia 28 de Junho de 2018 a consolidação médico-legal e a fase sequelar.
23. A A. teve, assim, alta, ficando a padecer de sequelas permanentes que afetam o seu dia-a-dia.
24. A A, apesar da alta, em resultado das lesões que sofreu no acidente, ficou a padecer, de dor à palpação da musculatura para-vertebral; dor à palpação e percussão das espinhosas de D2 a D4 e ainda de mobilidade diminuída pelas queixas álgicas.
25. Devido às lesões sofridas a A. não consegue realizar quaisquer tarefas que impliquem a movimentação de objetos pesados nem tão pouco realizar tarefas domésticas como aspirar e limpar a sua casa.
26. Não consegue correr e tem até dificuldades em caminhar em pisos irregulares ou desnivelados, e deitar-se na areia da praia, durante um longo período, atentas as dores sofridas
27. A A. não consegue estar muito tempo de pé, nem muito tempo sentada a trabalhar no computador, sem sentir dores na sua coluna.
28. Deixou de conseguir fazer longas viagens a conduzir – o que necessita fazer em virtude do seu trabalho – tendo passado a socorrer-se do auxílio de terceira pessoa para conduzir o seu veículo nas suas viagens profissionais de longa distância.
29. A A. não consegue deitar-se muito tempo na sua cama, sem sentir desconforto e dores na sua coluna.
30. Sendo que viu e ainda vê condicionada e perturbada a sua vida sexual, por virtude do quadro sequelar descrito.
31. Em virtude do acidente, deixou, ainda, a A. de conseguir efectuar programas familiares desportivos, tendo deixado de conseguir andar de bicicleta e de efectuar desportos aquáticos nas férias.
32. Revela a A. nervosismo, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração, comportamento de evitamento, medos recorrentes e redução de autonomia.
33. Evita o convívio social prolongado, tendo passado as suas lesões a influenciar o modo como gere a sua vida.
34. A A. deixou de ir às compras sozinha, pois não consegue suportar o peso dos sacos e deixou de trabalhar em casa no sofá com o seu computador por não conseguir manter uma postura relaxante, antes lhe aumentando a sensação de dor.
35. Perdeu qualidade no seu sono, vendo-se privada de conseguir descansar sete horas seguidas atentas as dores e desconforto que sente quando se deita, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização.
36. Antes do acidente, a A. havia iniciado um novo emprego, que não apenas exige muita responsabilidade, como igualmente disponibilidade e possibilidade (física) para fazer longas distâncias de carro, nomeadamente Porto-Algarve e Porto-Espanha.
37. A manutenção das limitações e das dores decorrentes do acidente e a previsibilidade do seu agravamento com o decorrer dos tempos são factor desestabilizador na vida familiar, social e profissional da A.
38. As descritas sequelas que afetam a A implicam que seja portadora de um défice funcional para integridade física e psíquica, que lhe diminui a capacidade física e de ganho.
39. As sequelas da A. são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, mas implicam esforços suplementares.
40. A A. em virtude das lesões sofridas ficou a depender permanentemente de medicação regular e ficou a depender de tratamentos clínicos regulares, pelo menos de 30 sessões de fisioterapia, por ano.
41. A A. passou a ter dificuldade em realizar quaisquer tarefas domésticas que impliquem necessidade de movimentar a coluna, como fazer a cama, de tirar a loiça da máquina, de aspirar e limpar a casa e de passar a ferro.
42. Para atenuar o impacto das lesões sofridas no seu descanso, a A. necessitará de adquirir um colchão marca colunex, e respectivo apoio que tem um custo global de €7.797,00.
43. Até à presente data, a A. necessitou dos seguintes tratamentos e incorreu nas seguintes despesas:
Fisioterapia – 30/07/2018 - 40,00€
Fisioterapia – 2/08/2018 – 25,00€
Consulta de ortopedia – 15/11/2018 – 70,00€
Ressonância magnética – 19/11/2018 – 250,00€
Fisioterapia – 20/11/2018 – 40,00€
Fisioterapia – 22/11/2018 – 40,00€
Consulta Ortopedia – 29/11/2018 – 70,00€
Medicamentos – 10/12/2018 – 13,50€
Fisioterapia – 29/12/2018 – 30,00€
Fisioterapia – 2/01/2019 – 40,00€
Fisioterapia – 15/01/2019 – 40,00€
Fisioterapia – 28/01/2019 – 40,00€
Fisioterapia – 11/02/2019 – 40,00€
Fisioterapia – 25/02/2019 – 40,00€
Fisioterapia – 10/04/2019 – 45,00€
Fisioterapia – 17/04/2019 – 45,00€
Medicamentos – 22/04/2019 – 17,73€
Fisioterapia – 30/04/2019 – 45,00€
Fisioterapia – 17/06/2019 – 45,00€
Medicamentos – 17/08/2019 – 9,74€
Fisioterapia – 30/07/2019 – 45,00€
Fisioterapia – 5/08/2019 – 45,00€
Fisioterapia – 27/09/2019 – 45,00€
Fisioterapia – 21/10/2019 – 45,00€
Fisioterapia – 28/10/2019 – 45,00€
Consulta Ortopedia – 31/10/2019 – 70,00€
Medicamentos – 29/11/2019 – 28,72€
Fisioterapia – 10/12/2019 – 45,00€
Fisioterapia – 9/01/2020 – 45,00€
Fisioterapia - 13/01/2020 – 45,00€
Fisioterapia – 10/02/2020 – 45,00€
Fisioterapia – 15/02/2020 – 45,00€
Medicamentos – 2/03/2020 – 19,38€
Fisioterapia – 10/03/2020 – 45,00€
Fisioterapia – 17/08/2020 – 35,00€
Fisioterapia – 25/08/2020 – 45,00€
Fisioterapia – 23/12/2020 -75,00€
Fisioterapia – 7/01/2021 – 150,00€
Medicamentos – 15/01/2021 – 6,18€
Medicamentos – 18/01/2021 – 5,54€
Fisioterapia – 22/01/2021 – 300,00€
Fisioterapia – 29/01/2021 – 150,00€
Fisioterapia – 4/02/2021 – 150,00€
Fisioterapia – 11/02/2021 – 150,00€
Fisioterapia – 19/02/2021 – 75,00€
Fisioterapia – 25/02/2021 – 150,00€
Fisioterapia – 4/03/2021 – 45,00€
Fisioterapia – 25/03/2021 – 75,00€
Fisioterapia – 31/03/2021 – 30,00€
Fisioterapia – 29/04/2021 – 75,00 €
Consulta de Ortopedia – 31/05/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 10/08/2021 – 45,00€
Fisioterapia – 12/08/2021 – 45,00€
Consulta de Ortopedia – 28/09/2021 – 70,00€
Fisioterapia – 14/10/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 2/11/2021 – 160,00€
Fisioterapia – 4/11/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 8/11/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 15/11/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 25/11/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 2/12/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 6/12/2021 – 80,00€
Medicamentos – 7/12/2021 – 16,69€
Fisioterapia – 13/12/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 20/12/2021 – 80,00€
Fisioterapia – 30/12/2021 – 45,00€
Fisioterapia – 13/01/2022 – 80,00€
Medicamentos – 19/01/2022 – 15,15€
Fisioterapia – 19/01/2022 – 80,00€
Fisioterapia – 24/01/2022 – 80,00€
Fisioterapia – 7/02/2022 – 160,00€
Fisioterapia – 16/02/2022 – 80,00€
Fisioterapia – 17/02/2022 – 45,00€
Fisioterapia – 22/02/2022 – 80,00€
Medicamento – 27/02/2022 – 39,38€
Fisioterapia – 9/03/2022 – 80,00€
Fisioterapia – 17/03/2022 – 80,00€
Fisioterapia – 22/03/2022 – 80,00€
Medicamentos – 22/03/2022 – 63,88€
44. A A. nasceu em .../.../1971.
45. Na altura do acidente, exercia a profissão de Country Manager Portugal, profissão esta a que corresponde um salário líquido mensal de €2.859,19.
46. No futuro, o A. carecerá de consultas de ortopedia, pelo menos, duas vezes por ano e auxílio de terceira pessoa para limpeza e passar a ferro a tempo parcial.
47. Em consequência do acidente a A. ficou com um défice funcional permanente da integridade física fixável em 3 pontos.
48. Sofreu repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7 e um quantum doloris de 3/7.
49. A A. suportou despesas de deslocação em virtude dos tratamentos clínicos supra referidos.
*
2. Factos Não Provados
O tribunal recorrido julgou não provados os seguintes factos:
AA. tenha deixado de conseguir ir à praia ou de deitar-se na areia a descansar.
A diminuição da capacidade física e de ganho da A. seja de 4 pontos.
A A. tenha tido mais despesas não suportadas pela R. para além das supra referidas em 43) e 49) dos Factos Provados.
*
B. Fundamentação de Direito
1. Da nulidade da sentença
a. A apelante ré arguiu a nulidade da sentença recorrida, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, alegando que a mesma não especifica os concretos meios probatórios que o tribunal considerou para dar como provados cada um dos factos constantes do respectivo elenco, nem mesmo especifica ou justifica o porquê de valorar determinados meios probatórios em detrimento de outros.
A jurisprudência e a doutrina nacionais vêm insistentemente alertando para a necessidade de distinguir entre falta de fundamentação, fundamentação insuficiente e fundamentação errada ou divergente da pretendida. E vêm defendendo uniformemente que a norma do artigo 615.º, n.º 1, al. b), inclui apenas a falta de fundamentação, não se aplicando às situações de insuficiência da fundamentação ou erro de julgamento, que, deste modo, não geram a nulidade da decisão.
Só a absoluta falta de motivação da decisão de facto, à qual se deverá equiparar a ininteligibilidade dessa motivação, pode gerar a nulidade da sentença, na medida em que, por se traduzir na inobservância das regras de elaboração da sentença, configura um vício formal, um error in procedendo que afecta a validade da sentença.
Neste sentido, a título de mero exemplo, vide, na doutrina, Alberto os Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra 1981, Vol. V, p. 140; A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687; Tomé Gomes, Da Sentença Cível, in O novo processo civil, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, pág. 370; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, pp. 736 a 738; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Coimbra 2014, pp. 602 e s. Estes últimos autores parecem mesmo defender – mas sem eco notório na demais doutrina e jurisprudência – que a própria falta de motivação não se inclui na previsão da al. b), mas antes na previsão da alínea c), na medida em que em que gera a ininteligibilidade da sentença.
Na jurisprudência, vide o recente acórdão do STJ, de 03.03.2021, proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode encontrar a demais jurisprudência citada sem indicação da fonte), em cujo sumário se escreve o seguinte: «I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual – nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma – ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil». No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do TRG, de o2.11.2017 (proc. n.º 42/14.9TBMDB.G1), do TRL, de 07.12.2021 (proc. n.º 8513/09.2YYLSB-B.L2-7) e do TRP, de 24.09.2020 (proc. n.º 173/20.6YRPRT).
No caso vertente, é apodíctico que não ocorre o apontado vício formal.
A sentença recorrida contém a discriminação dos factos julgados provados e não provados, bem como a motivação dessa decisão, a qual, independentemente da sua suficiência ou do seu mérito – que apreciaremos infra, quando analisarmos a impugnação da matéria de facto –, é inteligível.
Nestes termos, conclui-se pela improcedência da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
b. Embora sem invocar expressamente nas conclusões da sua alegação a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (o que apenas fez na motivação da referida alegação, designadamente no seu artigo 75.º), a recorrente autora veio arguir a omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação no pagamento de despesas com terceira pessoa (cfr. conclusão A)), alegando que na petição inicial formulou um pedido de condenação genérica da ré a pagar, entre outras, as quantias relativas a ajuda de terceira pessoa nas lidas domésticas (cfr. conclusão L)) e que da factualidade descrita nos pontos 25, 28, 34 e 41 dos factos provados decorre essa necessidade de ajuda de terceira pessoa mas, apesar disso, o Tribunal recorrido não fixou qualquer facto que a consagre, pelo que deve ser aditado um novo facto provado com a seguinte redação: “Em virtude das limitações referidas nos pontos 25, 28, 34 e 41 da matéria de facto provada a A. necessita de ajuda de terceira pessoa” (cfr. conclusões Q) e R)). Mais alegou que com este facto, ou mesmo se ele, se impõe que o Tribunal se pronuncie sobre o referido pedido, condenando a ré conforme peticionado.
Nos termos do disposto no referido artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Decorre desta norma que o juiz não pode deixar de apreciar alguma questão cuja resolução a lei lhe imponha, ou seja, não pode deixar de conhecer as questões, de facto ou de direito, suscitadas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, que se mostrem relevantes para o resultado da lide.
Esta imposição legal não se reporta a cada um dos argumentos esgrimidos pelas partes, exigindo apenas que o tribunal não deixe de apreciar as questões essenciais. Em consonância com o exposto, escreve-se no ac. do STJ, de 05.05.2021 (proc. n.º 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1) que a omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença «[o]corre quando o tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários».
As questões de facto cuja omissão (ou excesso) de pronúncia são susceptíveis de gerar este vício reconduzem-se aos factos essenciais, ou seja, aos factos constitutivos e aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, pois são esses os factos que o tribunal está obrigado a apreciar e a julgar provados ou não provados, como decorre do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 574.º, 576.º, 607.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, todos do CPC, e nos artigos 342.º e seguintes do Código Civil (CC).
Determinar quais são os factos constitutivos do direito do autor (cujos ónus de alegação e prova impendem, em princípio, sobre este), por contraposição aos factos impeditivos, modificativos e extintivos desse direito (cujos ónus de alegação e prova impendem, em princípio, sobre o réu), é algo que só com recurso ao direito substantivo se pode fazer. Como diz Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Coimbra 1982, p. 353), «não há por natureza factos constitutivos, impeditivos ou extintivos. Seria, por isso, erro dar invariavelmente a um facto uma outra natureza. O que para um direito ou no domínio de uma relação jurídica é facto impeditivo, para outro bem pode ser facto constitutivo. É, pois, à respectiva norma ou normas aplicáveis e só a elas, que há que recorrer. Assim, mais do que de factos constitutivos, impeditivos ou extintivos, se deve falar de normas constitutivas, impeditivas, ou extintivas». Subjacente a esta construção está a teoria da norma de Rosenberg, generalizadamente aceite entre nós, que Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora (Manual de Processo Civil, p. 455) expressivamente sintetizam da seguinte forma: «Cada uma das partes terá assim (o ónus) de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção. Cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável».
No caso concreto, só por manifesta desatenção terá a autora/recorrente alegado que o tribunal recorrido não fixou qualquer facto que consagre a necessidade da ajuda de terceira pessoa para realizar as lides domésticas. Na verdade, consta de forma expressa do ponto 46 dos factos provados que, no futuro, a autora carecerá do auxílio de terceira pessoa para limpeza e passar a ferro a tempo parcial, facto que está naturalmente relacionado com a factualidade descrita na segunda parte do ponto 25 e no ponto 41, ambos dos factos provados (mas já não com a factualidade descrita nos pontos 28 e 34, como parece entender a autora recorrente, a qual não diz respeito às dificuldades da autora em fazer as lides domésticas, mas antes às dificuldades que sente em fazer viagens longas a conduzir, em trabalhar no computador e em carregar os sacos das compras). Não ocorre, portanto, qualquer omissão de pronúncia sobre questões de facto que importasse conhecer.
Mas também não corre qualquer omissão de pronúncia sobre o direito da autora a ser indemnizada das quantias que terá de despender com o referido auxílio de terceira pessoa a tempo parcial. Na verdade, ao quantificar em 30.000,00 € a indemnização devida pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que a autora ficou a padecer, que também denominou de dano biológico de cariz patrimonial, a sentença recorrida incluiu nessa indemnização «as limitações para a prática de tarefas domésticas». Assim, independentemente do acerto desta opção, não é legítimo afirmar que o tribunal recorrido deixou de se pronunciar sobre o pedido indemnizatório em causa.
Nestes termos, a sentença recorrida não padece da nulidade prevista no referido artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
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2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está expressamente consagrada e regulada no Código de Processo Civil actualmente vigente, nomeadamente nos seus artigos 640.º, n.º 1, e 662.º. n.º 1.
Resulta do primeiro destes preceitos que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso vertente, não suscita dúvidas o cumprimento deste ónus pela recorrente, visto que esta indicou de forma expressa e discriminada os pontos de facto que considera incorretamente julgados, fundamentou esta discordância nos concretos meios de prova que descreve e analisa nas suas alegações e concluiu indicando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre aqueles pontos.
Dispõe, por sua vez, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e seguintes do mesmo código e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do CC, designadamente o artigo 396.º no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas.
É consabido que a livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação arbitrária, pelo que, nas palavras de Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591), «o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância». De resto, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, p. 720), o juiz deve «expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados».
Mas não podemos olvidar que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz da primeira instância, este está numa posição privilegiada para apreciar essa prova, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Por esta razão, Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) salienta que, em caso de dúvida, «face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
No caso vertente, a recorrente ré pugnou pela alteração da decisão no que respeita aos pontos 24 a 35, 37, 40 a 43, 46 (primeira parte) e 49 dos factos julgados provados. Por sua vez, a recorrente autora impugnou a factualidade descrita nos pontos n.º 47 e 48 dos factos provados.
Vejamos se lhes assiste razão.
a. Sem pôr em causa que a autora padece das dores e limitações físicas descritas nos pontos 24 a 35, 37, 41 e 46 (2.ª parte) dos factos provados (cfr., entre outras, a conclusão IX), a recorrente ré afirma que a prova produzida afasta ou, pelo menos, não demonstra o nexo de causalidade entre o acidente em discussão nestes autos e aquelas dores e limitações físicas, pelo que os referidos factos devem ser julgados não provados ou, pelo menos, expurgados das referências ao acidente como sua causa.
A motivação da decisão da matéria de facto vertida na sentença recorrida é pouco esclarecedora a este respeito. Tal motivação cinge-se a uma enumeração dos elementos de prova documentais e periciais juntos aos autos, seguida da seguinte análise:
«Concatenados com os referidos elementos clínicos foram ponderados os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos que intervieram na 1.ª Perícia, Dr. HH, (fls. 135 v.) e Dr.ª DD, na especialidade de medicina física e de reabilitação (cfr. fls. 122 e ss.), e bem assim os que realizaram a 2.º Perícia (fls. 169 e ss.), Dr.ª GG, Dr. JJ e Dr. FF, que, em face dos exames, não consideraram que o acidente tenha provocado lesão óssea à A., cujos sintomas, porém, de dor e ardor, se explicam, não por compressão do nervo Luschka, considerado na 1.ª Perícia, mas antes, segundo KK, fisioterapeuta da A., e II, médico ortopedista que já foi consultado pela mesma, por micro lesões dos nervos periféricos, não captáveis por meio de exames, a merecer tratamento por fisioterapia, não só por um período de tempo limitado, como preconizaram os Peritos médicos da A. e da Companhia de Seguros que intervieram na 2.ª Perícia, mas sim de forma vitalícia por forma a evitar a dependência excessiva de medicação para atenuar a dor, de resto contemplado no grau de défice funcional, que tem um impacto significativo na vida da A., como descreveu, não só a própria, como também LL, seu pai, e MM, seu marido».
Desta análise decorre que o Tribunal a quo entendeu que não ficou demonstrado que o acidente tenha provocado uma lesão óssea à autora e que os sintomas de dor e ardor que esta sente se explicam por micro lesões dos nervos periféricos, mas sem que ali se afirme com clareza que estas micro lesões tiveram como causa o referido acidente.
Pese embora esta insuficiência da fundamentação, afigura-se desnecessário remeter os autos à 1.ª instância para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. d), do CPC, uma vez que constam do processo todos os elementos necessários para que este Tribunal ad quem reaprecie a decisão da matéria de facto e supra a apontada insuficiência, à luz da regra da substituição ao tribunal recorrido consagrada no artigo 665.º do CPC.
Afirma a recorrente que a prova produzida quanto a esta matéria foi essencialmente pericial (maxime os relatórios elaborados e os esclarecimentos prestados pelos peritos em sede de julgamento) e que, embora discordantes em alguns pontos, todos (ou quase todos) os peritos médicos acabaram por concordar não poderem afirmar, com total certeza, que todas as lesões/sequelas e dores ou limitações apresentadas pela autora, nomeadamente as descritas nos factos impugnados, tenham sido decorrentes do acidente aqui em discussão (cfr. conclusão III).
Não podemos subscrever esta análise. Antes pelo contrário, analisada toda a prova documental e pericial junta aos autos e ouvida na íntegra a gravação das declarações, depoimentos e esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, impõe-se concluir pela verificação do nexo de causalidade posto em causa pela apelante ré.
Os relatórios (preliminar e final) da primeira perícia (singular) realizada pelo INML, com base nos dados documentais aí descritos, no exame complementar de diagnóstico da especialidade de fisiatria subscrito pela Dra. DD, nas queixas apresentadas pela autora e no exame objectivo realizado à mesma, descreve as lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento, refere expressamente que a examinada não apresenta lesões ou sequelas sem relação com o evento e conclui, para além do mais, o seguinte: «1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal».
O relatório da segunda perícia (colegial) realizada pelo INML, com base na mesma metodologia (apenas não tendo solicitado novos exames complementares de diagnóstico), descreve igualmente a existência de lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento, o que faz em termos muito semelhantes aos do relatório da primeira perícia, e também refere de forma expressa que a examinada não apresenta lesões ou sequelas sem relação com o evento. E embora apresente conclusões parcialmente distintas das apresentadas no relatório da primeira perícia, o relatório desta segunda perícia inicia aquelas conclusões exactamente da mesma forma: «1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal».
As conclusões assim apresentadas nos dois relatórios quanto ao nexo de causalidade não foram, a nosso ver, afastadas pelos esclarecimentos prestados pelos peritos em sede de audiência de julgamento, apesar das divergências insanáveis que estes manifestaram a respeito das causas fisiológicas das dores e das limitações físicas da autora.
O Dr. HH, especialista em medicina legal que subscreveu o relatório da primeira perícia (que a ré recorrente não menciona nas suas alegações), manteve na íntegra a análise que verteu nesse relatório, esclarecendo que o nexo causal entre as lesões e o acidente é corroborado pela circunstância de as queixas dorsais da autora serem muito específicas (D2 a D4), de se terem mantido desde aquele evento (ao contrário das queixas cervicais, que passaram) e de serem congruentes com todo o seguimento clínico.
A Dra. DD, especialista em fisiatria que subscreveu o relatório do exame complementar de diagnóstico solicitado pelo autor da primeira perícia, referiu que compete ao INML e não a si o estabelecimento do nexo causal, acrescentando que não tem conhecimentos para isso, pois não é especialista em medicina legal, competindo-lhe apenas fazer a avaliação da pessoa, como fez. Mas não deixou de admitir como possível a relação entre as lesões que observou e ao acidente, visto que os dores começaram logo a seguir ao acidente. Ainda que o relatório complementar e os esclarecimentos em análise sejam, quando considerados isoladamente, insuficientes para o estabelecimento do nexo causal, tal prova é igualmente insuficiente para afastá-lo, acabando mesmo por corroborar a restante prova produzida no sentido da existência desse nexo causal.
A Dra. GG, especialista em medicina legal que elaborou o relatório da segunda perícia colegial, embora negando a possibilidade de se afirmar a existência de uma lesão óssea, admitiu expressamente que do acidente tenha resultado um traumatismo e que deste tenha resultado um quadro álgico para toda a vida (embora sem afastar a possibilidade de, para estas dores, poderem ter contribuído outras causas, dando como exemplo a compressão de um nervo periférico decorrente das posturas adoptadas pela própria autora). É, assim, enviesada a afirmação que a ré recorrente faz, nomeadamente na conclusão VII. da sua alegação, de que a mencionada perita afirmou, de forma peremptória, que as queixas dorsais apresentadas pela autora não têm etiologia traumática ou que se encontrem fora da área anatómica atingida com o acidente.
De resto, não faria qualquer sentido que os peritos negassem a origem traumática dos danos e, ao mesmo tempo, valorizassem tanto os danos temporários e como os danos permanentes sofridos pela autora, arbitrando os respectivos défices funcionais. Refira-se, a propósito, que é igualmente infundada a afirmação da ré recorrente de que a desvalorização considerada pelo tribunal – os 3 pontos atribuídos pelo código Md901 conforme atribuído na perícia colegial realizada – afastam o nexo causal entre os factos aqui em causa e o acidente (cfr. conclusão VIII). O que o apelo a este código revela é que os peritos e o Tribunal a quo afastaram a existência de uma lesão óssea ou disco-ligamentar e, consequentemente, o nexo causal entre os danos e uma lesão dessa natureza. Mas a atribuição de uma desvalorização enquadrável naquele código só pode significar que os peritos e o tribunal recorrido confirmaram o nexo causal entre o evento danoso – o acidente de viação – e os danos.
Afirma a recorrente (cfr. conclusão V.) que o Dr. JJ (e não EE, como refere por manifesto lapso), «confirmando a incapacidade e desvalorização atribuídas em sede de perícia colegial, afirmou não ter resultado do acidente nenhuma lesão que implique uma incapacidade tal que justifique ou imponha fisioterapia vitalícia. Tal facto, só por si, excluirá, necessariamente, a gravidade e nexo causal entre os factos supra transcritos e a lesões decorrentes do acidente». Mais uma vez não podemos acompanhar esta análise, cujo viés é ostensivo. Na verdade, o facto de não ter resultado do acidente uma lesão que implique fisioterapia vitalícia não significa que do mesmo não tenha resultado qualquer lesão, não significando, sequer, que do referido acidente não tenha resultado uma lesão que demande tratamentos temporários de fisioterapia. De resto, mesmo antes de ler o relatório da perícia em que participou (que não assinou e cujo teor surpreendentemente afirmou desconhecer), o referido perito fez questão de advertir que apenas concordaria com o seu teor se o mesmo plasmasse a necessidade de fisioterapia, posição que manteve depois de ler o referido relatório (ainda que mais à frente tenha admitido que essa necessidade fosse limitada no tempo, como veremos melhor infra), naturalmente pressupondo o nexo causal entre o acidente e as lesões que demandam a fisioterapia, que expressamente admitiu como plausível.
Afirmou, por fim, a ré recorrente que dos esclarecimentos prestados pelo Dr. NN se retira, de forma inequívoca, a ausência de elementos probatórios que permitam estabelecer o nexo causal entre as queixas e limitações apresentadas pela autora e o acidente sofrido pela mesma (cfr. conclusão VI). Mais uma vez esta afirmação não é inteiramente rigorosa. O que se depreende dos esclarecimentos que este perito foi prestando é que o mesmo apenas admite que o acidente possa ter agravado alguma lesão preexistente, como o próprio conclui de forma expressa. Mas esta afirmação é, por si só, distinta da total ausência de nexo causal, sendo certo – repita-se – que só a aceitação deste nexo permite compreender as conclusões do relatório pericial.
Mas, para além da forma interessada com que prestou estes esclarecimentos, provavelmente devida à circunstância de já ter observado a autora antes do exame pericial e ter concluído que esta não tinha nenhuma sequela, não logrou sustentar em factos objectivos a preexistência de uma lesão causadora dos danos. Limitou-se a afirmar que a autora passou por vários médicos e que, antes da avaliação da Dra. DD, nunca lhe foi diagnosticada qualquer lesão traumática decorrente do acidente, apenas tendo sido identificada uma patologia degenerativa. Mas nunca explicou em que consiste essa patologia degenerativa, nem identificou o médico que a diagnosticou, sendo certo que nenhum dos registos clínicos juntos aos autos alude a alguma patologia preexistente. Pelo contrário, toda a prova produzida, designadamente os registos clínicos juntos aos autos, os depoimentos dos médicos que observaram a autora (nomeadamente o Dr. KK, que continua a segui-la, e o Dr. II), os depoimentos do pai e do marido da autora e as declarações da própria, apontam no sentido de esta não ter quaisquer queixas ou episódios de dorsalgias antes do acidente e de estes se terem tornado persistentes desde então.
Deste modo, o que a prova nos revela é que existe uma relação entre o acidente e as dores e limitações físicas que a autora apresenta actualmente e que nada se apurou que possa justificar, ainda que como mera concausa, essas queixas.
Nos esclarecimentos que prestou, a Dra. GG afirmou que tem de trabalhar com os dados que temos, não podendo “estar a achar coisas”. Mas ela própria, tal como o Dr. FF, acabaram por incorrer nesse erro, admitindo a existência de concausas não sustentadas em qualquer dado objectivo ou qualquer elemento de prova.
Atento tudo quanto ficou exposto, não existe qualquer prova que, nos termos do artigo 662.º do CPC, imponha uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo a respeito dos factos que vimos analisando, pelo que soçobra a pretensão da ré recorrente a respeito desses factos.
b. Veio também a recorrente ré afirmar que a prova produzida não confirma os factos descritos no ponto 40 e na 1.ª parte do ponto 46, relativos à necessidade permanente de medicação e de tratamentos clínicos em virtude das lesões sofridas pela autora com o acidente em discussão nos autos, acrescentando que aqueles factos estão em contradição com a própria incapacidade atribuída e com o código de desvalorização da tabela nacional de incapacidades aplicado pelo tribunal (código Md901, que se refere apenas à necessidade de recurso a medicação analgésica ou anti-inflamatória, não sendo aí referida qualquer necessidade de acompanhamento futuro, nomeadamente ao nível da fisioterapia ou qualquer outra terapêutica continuada), admitindo que a autora até possa ter a necessidade de acompanhamento fisioterapêutico vitalício, mas não por causa das lesões provocadas pelo acidente aqui em discussão ou, pelo menos, não de forma vitalícia. Nestes termos, considera que aqueles factos devem ser julgados não provados ou, pelo menos, deverá a necessidade de fisioterapia constante do facto 40 ser balizada no tempo para período não superior a 3 ou 5 anos pós acidente.
Pelas mesmas razões, entende a mesma recorrente que devem ser julgados não provados os factos descritos nos pontos 43 e 49 dos factos provados – desconsiderando-se a necessidade de tratamentos de fisioterapia em virtude do acidente em causa nos presentes autos, também não fará sentido dar-se como provadas as despesas inerentes, ainda que não questione a realização das mesmas.
Esta alegação é dúbia no que respeita à necessidade permanente de medicação: põe em causa o facto que descreve essa necessidade, mas sem fundamentar essa discordância. Seja como for, a prova produzida sustenta com toda a segurança esse facto. A necessidade de «medicação analgésica e anti-inflamatória de acordo com eficácia» está expressamente referida no relatório da primeira perícia, mas está igualmente contemplada no relatório da segunda perícia, quando aí se afirma o seguinte: «O valor de desvalorização arbitrado Md901 considera já no seu texto explicativo – dores intermitentes, implicando medicação analgésica e/ou antiflamatória [sic], com reduzido compromisso da mobilidade – razão pela qual se considera redundante considerar o parâmetro de dependências Permanentes de Ajudas». Considerar redundante, por estas razões, a autonomização deste parâmetro é o oposto de considerar desnecessária a referida mediação. Assim, não só não há qualquer contradição entre a referida necessidade de medicação e o código Md901 da tabela nacional de incapacidades aplicado pelo tribunal, como este código pressupõe aquela necessidade. Acresce que todos os peritos e todos os médicos ouvidos confirmaram a necessidade dessa medicação, que foi corroborada pelos depoimentos do pai e do marido da autora e pelas declarações prestadas por esta.
Relativamente à necessidade de acompanhamento clínico e de fisioterapia, é referido seguinte no relatório da 1.ª perícia, no item respeitante às “Dependências Permanentes de Ajudas”: «Neste caso necessidade de consulta e tratamento de medicina física e reabilitação e consulta da dor, mencionadas na perícia de Fisiatria, conforme necessidade aferida em consulta».
Embora confirmando a necessidade de fisioterapia, referindo que os tratamentos devem ser regulares (cerca de 2 vezes por semana) e intensificados nos períodos de exacerbação (5 vezes por semana), os quais ocorrem mensalmente, a Dra. DD frisou que o tratamento não pode cingir-se à fisioterapia e que esta é necessária para aliviar a dor, mas não vai eliminá-la. Mais referiu que o tratamento da dor crónica é multidisciplinar, que a fisioterapia não é o “topo da pirâmide” desse tratamento e que a necessidade da mesma não será ad aeternum, embora não consiga fazer uma estimativa do período em que a mesma permanecerá, o que só poderá ser aferido mediante a revisão periódica das medidas, a efectuar pelo médico da dor, cuja relevância sublinha.
O relatório da 2.ª perícia é omisso a este respeito, tendo a sua autora explicado que não se tratou de um esquecimento, resultando essa omissão da constatação da desnecessidade dessas ajudas.
Mas já vimos que, nos esclarecimentos que prestou em sede de audiência de julgamento, o Dr. JJ se demarcou desta c0nclusão, realçando a necessidade de fisioterapia enquanto dependência permanente, embora tenha acabado por reconhecer que a mesma poderá ser limitada no tempo, admitindo que a 5 anos.
Também o Dr. FF admitiu que a fisioterapia pode ser necessária, negando apenas que essa necessidade permaneça para toda a vida, julgando que 3 anos serão mais do que suficientes.
E não se diga, como faz a ré recorrente, que esta necessidade de fisioterapia está em contradição com a incapacidade atribuída no relatório da perícia em que intervieram estes dois peritos. É certo que o código aí invocado refere apenas a necessidade de recurso a medicação analgésica ou anti-inflamatória, não referindo a necessidade de qualquer outra terapêutica. Mas a verdade é que também não exclui expressamente, nem há qualquer razão para se entender que quis excluir, a necessidade de outras terapêuticas futuras, nomeadamente fisioterapia.
Para além da própria autora e do seu marido, apenas testemunha KK, fisioterapeuta que vem acompanhando a primeira, confirmou de forma expressa a necessidade vitalícia de fisioterapia, com fundamento no conhecimento que tem das queixas álgicas da autora e dos planos de tratamento que foi pondo em prática.
A autora e o seu marido baseiam-se, naturalmente, na experiência vivida pela primeira, que afirma sentir algum alívio da dor, em especial nos momentos de exacerbação, apenas com a fisioterapia. Trata-se, porém, de uma perspectiva empírica e imediatista, que pouco revela sobre as necessidades terapêuticas futuras da autora.
Quanto ao depoimento do Dr. KK, sem questionar a sua imparcialidade e rigor ou a eficácia dos tratamentos ministrados por esta testemunha, cuja idoneidade profissional foi atestada pela Dra. DD, verifica-se que a análise que faz se cinge à perspectiva da sua especialidade médica e ao conjunto de terapêuticas que a mesma oferece, ao passo que que os restantes médicos ouvidos a este respeito, em especial a Dra. DD, adoptaram uma perspectiva mais multidisciplinar e, por isso, potencialmente mais completa e rigorosa.
Tudo analisado e ponderado, concluímos que a prova produzida demonstra à saciedade a necessidade dos tratamentos de fisioterapia já realizados pela autora, cujo preço suportou, bem como a necessidade de esses tratamentos prosseguirem no futuro.
Mas também decorre com segurança dessa prova que não é inevitável ou, sequer, provável que esta necessidade persista por toda a vida da autora, só podendo aferir-se a sua duração necessária, bem como o número e a regularidade das sessões terapêuticas, mediante monitorização médica.
Nestes termos, julgando parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, decide-se eliminar do ponto 46 dos factos provados a expressão «consultas de ortopedia, pelo menos, duas vezes por ano e» e alterar a redacção do ponto 40 dos factos provados, nos seguintes termos:
40. Em virtude das lesões sofridas, a A. ficou a depender permanentemente de medicação regular e ficou a depender de acompanhamento médico, pelo menos de seis em seis meses, e de tratamentos de fisioterapia, nos termos e durante o período a definir pelo(s) médico(s) assistente(s).
Quanto aos factos descritos nos pontos 43 e 49, já decorrem do exposto as razões da improcedência da sua impugnação.
c. Afirma, por fim, a recorrente ré não ter sido feita prova bastante do facto descrito no ponto 42 dos factos provados – a necessidade de adquirir um colchão –, que apenas foi comprovado pela própria autora, a qual nem sequer soube precisar quem lhe recomendou tal aquisição e não chegou a experimentá-lo, desconhecendo se o mesmo terá efectivamente efeitos benéficos.
Entendemos que, neste ponto, assiste inteira razão à referida recorrente.
É certo ter a autora afirmado que o ortopedista e o fisioterapeuta que a seguem lhe disseram que o colchão poderia ajudar a melhorar a qualidade do seu sono, que é actualmente afectada pelas dores que sente, e que o orçamento junto como documento n.º 5 da petição inicial corresponde a um colchão da marca que lhe recomendaram. Contudo, nenhum dos inúmeros médicos ouvidos como peritos ou como testemunhas aludiu à necessidade ou, sequer, às vantagens do referido colchão. O próprio marido da autora afirmou desconhecer se lhe foi recomendado alguma cama e/ou colchão específicos para atenuar ou tratar as dores que sente. Acresce que o orçamento acima referido se refere a uma cama articulada, no valor de 4.757,00€, cuja necessidade nem sequer foi afirmada pela própria autora, e a dois colchões, no valor de 1.520,00€ cada.
Tudo ponderado, afigura-se claro que a prova produzida é insuficiente para confirmar o ponto 42 dos factos provados, pelo que esse facto deve ser considerado não provado.
*
d. No recurso subordinado que interpôs, a autora impugnou a factualidade descrita nos pontos n.º 47 e 48 dos factos provados, sugerindo que do ponto 47 passe a constar um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos, em vez dos 3 pontos aí mencionados, e que do ponto 48 passe a constar uma repercussão permanente na atividade desportiva e de lazer fixável no grau 2/7 (em vez do grau 1/7).
d.1. No que concerne ao défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, baseia-se a recorrente autora no teor do relatório da primeira perícia e na circunstância de resultar da prova produzida que a mesma sofreu uma lesão óssea, o que contraria a avaliação efectuada no relatório da segunda perícia, no qual se baseou a sentença recorrida.
O relatório da 1.ª perícia enquadrou o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que a autora ficou a padecer no ponto III [Sistema musculo-esqueléticco], D [Coluna vertebral], 9 [Coluna torácica (dorsal), lombar e charneira lombo-sagrada], código Md0902, ao qual corresponde a seguinte descrição: «Com lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas; Coluna torácica ou dorsal: Dores muito frequentes e/ou intensas, com acentuada limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica continuada». No intervalo de 7 a 10 pontos correspondente a este código, atribuiu à autora uma desvalorização de 7 pontos.
O relatório da 2.ª perícia enquadrou o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que a autora ficou a padecer no ponto III, D, 9, código Md901, ao qual corresponde a seguinte descrição: «Sem lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas (dores intermitentes, implicando medicação analgésica e/ou antiflamatória (sic), com reduzido compromisso da mobilidade)». No intervalo de 1 a 3 pontos correspondente a este código, atribuiu à autora uma desvalorização de 3 pontos.
O relatório da avaliação do dano corporal realizada pelo Dr. OO, datado de 09.07.2018, junto aos autos como documento n.º 3 da petição inicial, enquadrou o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que a autora ficou a padecer no ponto III, D, 9, código Md0903, ao qual corresponde a seguinte descrição: «Com lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas; Coluna torácica ou dorsal: Dores frequentes com limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica ocasional». No intervalo de 3 a 6 pontos correspondente a este código, atribuiu à autora uma desvalorização de 4 pontos.
A diferença entre o código Md901, por um lado, e os códigos Md092 e Md093, por outro lado, é que o primeiro pressupõe a ausência de lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas, enquanto os dois últimos pressupõem a existência dessas lesões na coluna torácica ou dorsal.
Estes dois últimos distinguem-se entre eles pela frequência e intensidade da dor, pelo grau de limitação funcional que geram e pela frequência da terapêutica que demandam, ao passo que no primeiro se prevê apenas a existência de «dores intermitentes, implicando medicação analgésica e/ou antiflamatória, com reduzido compromisso da mobilidade».
No caso concreto, os peritos que intervieram na duas perícias realizadas no âmbito destes autos, incluindo a médica que elaborou o relatório complementar de diagnóstico solicitado no âmbito da primeira dessas perícias, afirmaram (ou, pelo menos, admitiram) que a Ressonância Magnética referida no ponto 20 dos factos provados, realizada em Janeiro de 2018, revela (ou pode revelar) uma lesão óssea recente, que já não aparece na RM realizada em Novembro do mesmo ano. Mas todos eles concordam que as dores sentidas pela autora não decorrem da referida lesão óssea, embora tenham opiniões divergentes quanto à origem destas queixas álgicas.
Estes esclarecimentos acabaram por ser corroborados pelo depoimento da testemunha Dr. II, que explicou que as espinhosas são uma parte óssea do corpo da vértebra, esclarecendo ainda que as queixas de ardor da autora sugerem que, para além destas lesões reveladas na primeira RM, houve outras, tendo sido lesadas micro-estruturas nervosas com o impacto, mas sem afirmar que estas lesões também fossem ósseas.
Apenas a testemunha Dr. PP afirmou que a causa das dores sentidas pela autora se ficou a dever a uma contusão óssea das articulações e das estruturas adjacentes, mas sem apresentar qualquer dado objectivo desta relação directa entre alguma lesão óssea e as dores que ainda persistem.
Assim, deste ponto de vista, afigura-se adequada a opção pelo código Md901 em detrimentos dos códigos Md0902 e Md0903.
Porém, o autor da primeira perícia justificou a opção pelo código Md0902, esclarecendo que embora esta padeça de uma lesão nervosa, e não de uma lesão óssea, a sintomatologia que evidencia, maxime a frequência das dores, é mais congruente com a descrição do referido código, não havendo na Tabela uma alínea para lesões nervosas. Estes esclarecimentos acabaram por ser corroborados pela Dra. DD, que referiu ter a autora uma dor basal de 3/10, a qual atinge o valor máximo de 10/10 uma vez por mês.
E a verdade é que, perante a matéria de facto julgada provada, mormente a constante dos pontos 24 a 35 dos factos provados, não se mostra defensável que a autora padeça apenas de dores intermitentes com reduzido compromisso da mobilidade.
A isto acresce que, de acordo com o ponto 40 dos factos provados, em virtude das lesões sofridas, a autora ficou a depender permanentemente de medicação regular, de acompanhamento médico pelo menos de seis em seis meses e de tratamentos de fisioterapia, nos termos e durante o período a definir pelo(s) médico(s) assistente(s).
Tudo ponderado, tendo em co0nta que, de acordo com o ponto 7 das instruções gerais da Tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, «as situações sequelares não descritas na tabela, são avaliadas por analogia, isto é, por comparação com as situações contempladas e quantificadas», julga-se que a descrição que mais se aproxima do caso concreto é a correspondente ao código Md0903, tal como foi considerado pelo perito que elaborou o relatório de avaliação do dano corporal junto como documento n.º 3 da petição inicial, afigurando-se igualmente adequada a fixação do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, dentro do intervalo previsto de 3 a 7, em 4 pontos.
Pelo exposto, julgando parcialmente procedente, nesta parte, a impugnação da matéria de facto, altera-se a redacção do ponto 47 dos factos provados, nos seguintes termos:
47. Em consequência do acidente a A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 4 pontos.
d.2. No que respeita à repercussão permanente na atividade desportiva e de lazer, entende a recorrente que a mesma deve ser fixada no grau 2/7, em vez do grau 1/7 constante do ponto 48 dos factos provados.
Baseia-se, para tanto, nas incoerências – ou observações erradas – que constam do relatório da segunda perícia e que deveria ter motivado a sua depreciação, enquanto meio de prova, pela M.ª Juíza a quo. Contudo, a descrição que faz dessas “incoerências” e “observações erradas” nada tem a ver com a avaliação da repercussão permanente na actividade desportiva e de lazer, cingindo-se aquela descrição à avaliação do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, nos termos já analisados, e à avaliação da repercussão permanente na atividade sexual (que havia sido considerada no relatório da 1.ª perícia, mas já não na segunda), sem que, todavia, tenha sido pedida a alteração da matéria de facto a respeito desta repercussão permanente na atividade sexual (que, pura e simplesmente, não a contempla, pelo que tal questão nem sequer integra o objecto do recurso subordinado interposto pela autora, revelando-se inteiramente inconsequente a alegação a seu respeito).
Por outro lado, nem a prova produzida nem a restante factualidade apurada impõem a alteração do ponto 48 dos factos provados. Na verdade, a este respeito apenas consta dos factos provados que, em virtude do acidente, a autora deixou de conseguir efectuar programas familiares desportivos, tendo deixado de conseguir andar de bicicleta e de efectuar desportos aquáticos nas férias (cfr. ponto 31 dos factos provados), sendo certo que, para além dos referidos passeios de bicicleta e dos desportos aquáticos nas férias, o pai e o marido da autora apenas acrescentaram os passeios com uma cadela, ao passo que a própria autora, depois de afirmar que sempre fez muito desporto, referiu apenas sua paixão por correr. Acresce que o relatório de avaliação do dano corporal junto pela própria autora como documento n.º 3 da petição inicial nem sequer atribuiu qualquer desvalorização a este propósito.
Perante este quadro factual e probatório, afigura-se excessiva a avaliação constante do relatório da primeira perícia (grau 3/7), não se vislumbrando qualquer razão para nos afastarmos da avaliação feita no relatório da segunda perícia, na qual também se terá baseado o Tribunal recorrido.
Pelo exposto, improcede nesta parte a impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente autora.
*
e. Por tudo quanto ficou exposto, julgam-se parcialmente procedentes ambas as impugnações da matéria de facto e, consequentemente:
- Altera-se a redacção do ponto 40 dos factos provados nos seguintes termos:
40. Em virtude das lesões sofridas, a A. ficou a depender permanentemente de medicação regular e ficou a depender de acompanhamento médico, pelo menos de seis em seis meses, e de tratamentos de fisioterapia, nos termos e durante o período a definir pelo(s) médico(s) assistente(s).
- Elimina-se o ponto 42 dos factos provados.
- Altera-se a redacção dos pontos 46 e 47 dos factos provados nos seguintes termos:
46. No futuro, a A. carecerá do auxílio de terceira pessoa para limpeza e passar a ferro a tempo parcial.
47. Em consequência do acidente a A. ficou com um défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos.
*
2. A quantificação dos montantes indemnizatórios devidos à autora
Apreciadas as impugnações da matéria de facto, importa agora conhecer dos recursos da matéria de direito, sendo certo que ambos versam sobre a quantificação das diferentes parcelas do montante indemnizatório devido à autora.
O princípio geral vigente nesta matéria é o prescrito no artigo 562.º do CC, nos termos do qual «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», devendo dar-se preferência, sempre que possível, à restituição natural (artigo 566.º, n.º 1, do referido código). Quando «não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente oneroso para o devedor», deve fixar-se uma indemnização em dinheiro.
O cálculo desta indemnização em dinheiro deve ser feito nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 566.º, ou seja, deve achar-se «a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (situação real), e a que teria nessa data se não existissem danos (situação hipotética)».
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «[s]e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Por fim, com interesse na economia deste aresto, o artigo 496.º do CC que regula a obrigação de indemnização dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Explanado o quadro geral, vejamos as questões concretas suscitadas pelas recorrentes.
a. Pretende a recorrente ré que, com fundamento na alteração da decisão da matéria de facto por si propugnada, se revogue a sentença recorrida na parte em que a condenou a pagar à autora a quantia de 5.180,89€, a título de despesas que esta última teve de efectuar com tratamentos clínicos e medicação, acrescida de 300,00€ a título de despesas de deslocação (cfr. conclusão XV).
Porém, na sequência da decisão sobre os pontos 40 e 46 dos factos provados, manteve-se inalterado o teor dos pontos 43 e 49 dos factos provados, onde são descritas as despesas que autora já suportou em tratamentos relacionados com as lesões que sofreu em virtude do acidente de viação em discussão nestes autos e nas respectivas deslocações. Improcede, deste modo, a argumentação esgrimida pela referida recorrente.
Ainda assim, a decisão proferida pelo tribunal a quo não se mostra totalmente fundada no que respeita à quantificação das despesas em causa.
Por um lado, a soma das parcelas discriminadas no ponto 43 dos factos provados perfaz 5.260,89€, pelo que o montante de 5.180,89€ fixado na sentença recorrida padece de um manifesto erro de cálculo, que importa corrigir.
Por outro lado, do ponto 49 dos factos provados consta apenas que a autora suportou despesas de deslocação em virtude dos tratamentos clínicos supra referidos, não referindo o valor dessas despesas, nem fornecendo qualquer dado que permita o seu cálculo, não se compreendendo como foi feita a estimativa em que se funda o tribunal recorrido.
Deste modo, apesar de provado o dano, não se apurou o respectivo montante.
Nestes casos, permite a lei – artigos 661.º do CPC e 565.º do CC – que o tribunal relegue para momento posterior a fixação do quantum indemnizatório, condenando naquilo que se vier a liquidar posteriormente.
O n.º 3, do artigo 566.º, do CC, prevê também a possibilidade de o tribunal fixar uma indemnização com base na equidade. Contudo, esta faculdade refere-se apenas aos casos em que o valor do dano, para além de não estar determinado, seja indeterminável («Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos»). Os danos indeterminados mas determináveis, como sucede com o dano em apreço, submetem-se ao regime do artigo 661.º do CPC. Neste sentido, Vaz Serra, em comentário ao Ac. STJ, de 6 de Março de 1980, RLJ, Ano 114, p. 287 e 288.
Impõe-se, deste modo, alterar o decidido pela primeira instância a este respeito e relegar a fixação da indemnização em causa para liquidação posterior.
b. Tanto a recorrente ré como a recorrente autora se insurgiram contra a fixação em 30.000,00€ da indemnização devida pelos danos patrimoniais decorrentes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que a autora ficou a padecer, nos quais o Tribunal a quo incluiu «as limitações para a prática de tarefas domésticas».
Na tese da ré esse montante é manifestamente excessivo e desproporcionado face ao que tem vindo a ser praticado pelos nossos tribunais, considerando mais justo e adequado o montante de 15.000,00€, uma vez que a autora não sofreu qualquer período de incapacidade temporária para o trabalho, não houve nem haverá qualquer perda de rendimento, sendo apenas de considerar os esforços acrescidos resultantes e proporcionais aos 3 pontos de incapacidade atribuídos, para além do quantum doloris de 3 em 7 e da repercussão nas actividades físicas e de lazer de 1 em 7 (cfr. conclusão XVI).
Na tese da autora, considerando que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que a autora ficou a padecer deve ser fixado em 7 pontos, que a sua repercussão permanente na atividade desportiva e de lazer deve ser fixada no grau 2/7 e que o quantum doloris foi fixado em 3/7, deve ser arbitrada a título de indemnização do dano biológico a quantia de 60.500,00€ (cfr. conclusão J)), quantia que sempre seria devida ainda que se considerasse o défice funcional de 3 pontos fixado na sentença recorrida (cfr. conclusão K)).
A propósito do tipo de dano de que agora nos ocupamos, Laurinda Gemas recorda que se firmou «na jurisprudência o entendimento, quase pacífico, de que a incapacidade permanente parcial representa, em si mesma, um dano patrimonial, não podendo reduzir-se à categoria de danos não patrimoniais, pela inerente afectação da capacidade de ganho que implica».
Mas, acrescenta a mesma autora, «com a publicação da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio [que complementa a o Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, que aprovou a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil], pretendeu-se arrepiar o caminho que vinha sendo traçado, explicando-se, logo no Preâmbulo, que “uma das alterações de maior impacte será a adopção do princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra. No entanto, ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. Esta linha orientadora é desenvolvida nos arts. 3.º, 7.º e 8.º da mesma Portaria, dos quais resulta que só haverá indemnização por danos patrimoniais futuros nas situações de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, ainda que possa haver reconversão profissional – cfr. art. 3.º, al. a).
Significa isto que quando a incapacidade permanente (determinada segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil – aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro) não impeça o lesado de continuar a desenvolver a sua actividade profissional habitual, apenas lhe exigindo esforços acrescidos no desempenho da mesma, já não haverá lugar à atribuição de verba indemnizatória a título de danos patrimoniais futuros, mas apenas a título de danos não patrimoniais, distinguindo-se entre estes o dano biológico e os “danos morais complementares” a que se refere ao art. 4.º da Portaria. (…)
Cumprindo o que se estabelece no n.º 5 do art. 39.º do DL n.º 291/2007, o legislador veio fixar critérios e valores orientadores para a determinação do montante da indemnização dos danos corporais, indicando, no que concerne aos danos futuros, uma fórmula de cálculo, para cuja aplicação se deverá atender aos rendimentos anuais da vítima/lesado» (Laurinda gemas, A indemnização dos danos causados por acidentes de viação – algumas questões controversas, Revista Julgar, n.º 8, Maio-Agosto 2009, pp. 53 a 55).
A este respeito, Sousa Dinis começa por afirmar que os mencionados «”valores orientadores” apenas reflectem a posição de quem está obrigado a indemnizar», acrescentando que «[o]s juízes não devem lançar mão destas tabelas. Quando muito servirão para comparar em situações com o cálculo que antes era feito» (Sousa Dinis, Avaliação e Reparação do Dano Patrimonial e Não Patrimonial, Revista Julgar, n.º 9, Setembro-Dezembro 2009, pp. 30).
O mesmo autor continua a sua análise afirmando o seguinte: «[c]onsiderando o disposto no DL n.º 352/2007 e no relatório preambular da Portaria n.º 377/2008, há duas notas a destacar: a) um dos princípios basilares é que só há lugar à respectiva indemnização quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra (caso de impossibilidade de reconversão); b) ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico. Não entendo esta distinção nem para ela encontro justificação. Por isso, repito, os juízes não devem socorrer-se destas tabelas para fixar indemnizações». (cit., pp. 35 e 36).
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem fazendo uma abordagem semelhante da questão.
Diz-se o seguinte no sumário do acórdão do STJ, de 06.06.2013 (disponível em www.dgsi.pt, Processo n.º 303/2009.0TBVPA.P1.S1): «O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil; os que são seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele».
Por sua vez, diz-se o seguinte no sumário do acórdão do STJ, de 21.03.2013 (disponível em www.dgsi.pt, Processo n.º 565/10.9TBPVL.S1): «I – O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequências) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho. II – Constituiu dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art. 564.º, n.º 2, do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo de trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais. III – Este dano é distinto do dano não patrimonial (art. 496.º do CC) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida».
No mesmo sentido pode ler-se o acórdão do STJ de 21.01.2021.
Em linha com esta jurisprudência, que merece o nosso inteiro acolhimento, e à semelhança do que se fez na sentença recorrida, dedicaremos este ponto às consequências patrimoniais do dano biológico, relegando para outro ponto as suas consequências não patrimoniais.
No caso vertente apurou-se que, em consequência do acidente a autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 4 pontos (cfr. ponto 47 dos factos provados), com repercussão permanente na actividade profissional, na medida em que as sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, mas implicam esforços suplementares e diminuem-lhe a capacidade de ganho (cfr. pontos 38 e 39 dos factos provados).
É, assim, claro que, não estando impossibilitada de exercer a sua actividade profissional, a autora ficou efectivamente afectada ou diminuída enquanto “factor produtivo”.
De resto, como vem sendo afirmado consistentemente pela nossa jurisprudência, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, o dano de perda da capacidade produtiva é indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico para obter o mesmo resultado – vide, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 18.12.07 (Santos Bernardino), proc. 07B3715; de 17.01.08 (Pereira da Silva), proc. 07B4538; de 17.06.08 (Nuno Cameira), proc. 08A1266; de 10.07.08 (Salvador da Costa), proc. 082B111; bem como Conselheiro Sousa Diniz, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJ STJ, Ano IX, T. 1, p. 6 e seguintes).
Posto isto, resta determinar o respectivo valor indemnizatório, o que deverá ser feito com base na equidade, dentro dos limites tidos por provados, em conformidade com os critérios gerais já antes enunciados.
Mas porque o recurso à equidade não significa arbitrariedade, a nossa jurisprudência tem vindo a fazer um esforço de clarificação dos métodos a adoptar para alcançar aquele desiderato, procurando estabelecer critérios de apreciação e de cálculo deste dano que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio, direccionados para o cálculo de uma indemnização que seja equivalente ou que que se aproxime de um capital produtor do rendimento frustrado e que se extinga no final do período provável de vida activa do lesado.
Assim, tem vindo a formar-se um consenso generalizado acerca dos seguintes princípios e ideias:
a) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá (ou que apenas auferirá com um esforço acrescido) e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) as tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima (actualmente a esperança média de vida à nascença é, em Portugal, de cerca de 81 anos, quase 78 anos para os homens e mais de 83 para as mulheres), pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida.
No caso vertente, apurou-se que a autora nasceu no dia .../.../1971, pelo que tinha 45 anos de idade no momento do embate (cfr. ponto 44 dos factos provados). Mais se apurou que auferia um salário líquido mensal de 2.859,19€ e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos. Importa ainda considerar a esperança de vida da lesada e o facto de receber de uma só vez o montante indemnizatório que deveria ser fraccionado ao longo dos anos, devendo o mesmo, repete-se, ficar esgotado no termo do período para que foi estimado.
Tudo ponderado, mesmo sem considerar a necessidade do auxílio de terceira pessoa, a tempo parcial, para realizar as tarefas domésticas (que analisaremos separadamente), entende-se como ajustado fixar do montante indemnizatório a este título em 50.000,00€.
c. A recorrente ré pugnou ainda pela revogação da sua condenação no pagamento da quantia de €48.000,00 a título de danos futuros – por sessões de fisioterapia, consulta de ortopedia, despesas médias mensais com analgésicos ou com transporte –, afirmando que esta condenação não faz sentido perante a desnecessidade desses tratamentos (cfr. conclusão XVII). Mais afirmou que, ainda que assim não se considere, a necessidade daqueles tratamentos auxiliares apenas deverá ser considerada por um período máximo de 5 anos após o acidente (cfr. conclusão XVIII).
Por sua vez, a recorrente autora veio alegar que a formulação de um pedido de condenação genérica da ré (a pagar as quantias relativas ao acompanhamento médico regular, aos tratamentos de fisioterapia, às respetivas despesas de deslocação, às despesas com analgésicos e à ajuda de terceira pessoa nas lidas domésticas), pretendeu salvaguardar ambas partes relativamente à ocorrência de factos futuros que alterem essa necessidade ou os seus termos – alteração de custos, melhoras da autora, não recurso a tratamentos por esta (cfr. conclusões L) e N)). A não ser acolhido este propósito, o valor fixado deve ser alterado para 70.500,00€, tendo em conta que um dos pressupostos de que partiu o tribunal recorrido – o custo de 40,00€ para cada sessão de fisioterapia – contraria os factos provados sob o nº 43, dos quais resulta que cada tratamento de fisioterapia custa, actualmente, a quantia de 80,00€ (cfr. conclusão O)). Mais refere que a este valor deve acrescer a quantia de 7.797,00€ necessária para a aquisição do colchão referido no ponto 42 dos factos provados (cfr. conclusão P)), arredondando-se a soma para 78.000,00€.
Entende ainda a recorrente autora que o tribunal deverá pronunciar-se sobre e julgar procedente o pedido de condenação genérica da ré no pagamento da ajuda de terceira pessoa nas lides domésticas (cfr. conclusão S)).
A este respeito, diz-se o seguinte na decisão recorrida:
«Quanto aos demais danos futuros previsíveis temos o valor de um colchão apropriado no valor de 7.797,00€ e as despesas com a fisioterapia vitalícia à razão de cerca de 30 sessões por ano no valor de 40,00€ cada uma, despesas com analgésicos, que se estima em 5,00€ mês, e despesas com deslocações para a fisioterapia, o que se considera razoável fixar em 5,00 € por deslocação diária e duas consultas por ano de ortopedia, no valor de 80,00€ cada uma (arts. 564.º, n.º 2 e 566.º, n.º 3 do CPC), o que, tendo a A. actualmente 50 anos, para o período de 26 anos, totaliza aproximadamente 48.000,00€.»
Tendo sido eliminado o ponto 42 dos factos provados, por se julgar não provada a factualidade aí descrita, é evidente não estar a ré obrigada a pagar à autora o valor de 7.797,00€ ali referido.
Quanto aos demais danos, respeitantes a despesas futuras com analgésicos, consultas de ortopedia, sessões de fisioterapia e respectivas deslocações, relativamente aos quais foi deduzido um pedido de condenação genérica, os factos julgados provados confirmam a sua previsibilidade, ao contrário do que foi preconizado pela recorrente ré. Também não assiste razão a esta recorrente quando afirma que a necessidade dos tratamentos em causa apenas deve ser considerada por um período máximo de 5 anos após o acidente, pois este limite temporal não tem qualquer apoio nos factos apurados. Na verdade, como já vimos anteriormente, o que se apurou e ficou a constar do ponto 40 dos factos provados é que em virtude das lesões sofridas, a autora ficou a depender permanentemente de medicação regular e ficou a depender de acompanhamento médico, pelo menos de seis em seis meses, e de tratamentos de fisioterapia, nos termos e durante o período a definir pelo(s) médico(s) assistente(s).
De todo o modo, pelas mesmas razões, a liquidação efectuada na sentença recorrida afigura-se infundada.
Desde logo porque os factos apurados, tal como definidos por este Tribunal ad quem, não confirmam que a necessidade de acompanhamento médico e de tratamentos de fisioterapia seja vitalícia – sendo certo que, se o fosse, o limite temporal a atender não seria os 76 anos de idade da autora, como fez o Tribunal recorrido, mas sim a esperança média de vida desta que, como já referimos, é actualmente de 83 anos para as mulheres –, tal como não revelam que sejam necessárias 30 sessões de fisioterapia por ano.
Mas também porque a própria factualidade considerada pelo Tribunal a quo não demonstra que cada sessão de fisioterapia custe 40,00€ (revelando, quando muito, que esse custo foi, a partir de 2019, não inferior a 45,00€ por sessão) ou que haja alguma razão para fixar em 5,00€ mensais os custos das deslocações para os tratamentos de fisioterapia, sendo certo que o Tribunal recorrido não esclareceu com que critérios definiu estes valores. A própria estimativa dos custos com analgésicos em 5,00€ por mês afigura-se pouco sustentada, ainda que corresponda aproximadamente à média mensal dos custos com medicamentos efectivamente suportados pela autora entre Dezembro de 2018 e Março de 2022 (admitindo-se ter sido esse o critério utilizado pelo Tribunal a quo, mas não referido na sentença recorrida), pois desconhecemos se o tipo e a quantidade de medicação necessária se manterão inalterados durante toda a vida da autora.
Não obstante, os factos em apreço configuram, sem dúvida, danos patrimoniais futuros. Estes danos podem ser atendidos na fixação da indemnização, desde que sejam previsíveis, como se preceitua na primeira parte do n.º 2 do artigo 564.º do CC. Se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, por força da parte final da mesma norma. Dispõe, por sua vez, o artigo 566.º, n.º 3, do mesmo código que «se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Cremos não suscitar dúvidas o âmbito de aplicação de cada uma destas normas. Delas decorre que, na fixação da indemnização, apenas se atende aos danos futuros que forem previsíveis. Se estes já estiverem determinados, são desde logo considerados na indemnização a fixar (artigo 564.º, n.º 2, 1.ª parte). O mesmo sucede se não estiverem determinados nem forem determináveis, caso em que são logo fixados com recurso à equidade, dentro dos limites tidos por provados (artigo 566.º, n.º 3); foi, precisamente, este o procedimento adoptado a respeito do reflexo patrimonial futuro do dano biológico sofrido pela autora. Se não estiverem determinados, mas forem determináveis, deve relegar-se a sua fixação para momento posterior (artigo 564.º, n.º 2, parte final).
No caso vertente, não está ainda determinado, mas é determinável, o valor das despesas que a autora terá no futuro com analgésicos, consultas de ortopedia, sessões de fisioterapia e respectivas deslocações, pelo que a fixação do respectiva valor indemnizatório deverá ser relegado para futura liquidação.
De resto, o pedido em análise foi deduzido de forma genérica e a autora apenas o liquidou relativamente aos montantes que, entretanto, suportou até Março de 2022. Ora, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra 2019, p. 618), «[n]os termos do n.º 2 do art. 556.º, se a liquidação puder ser feita até ao início da discussão da causa, o autor deduzirá o incidente de liquidação nos termos dos arts. 358.º a 360.º. Quando não for possível fazer a liquidação na ação declarativa mas a decisão a proferir seja no sentido da condenação, o tribunal, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida, condenará no que vier a ser liquidado (art. 609.º, n.º 2), o que equivale a remeter para momento posterior a determinação do objecto ou da quantidade».
A situação é exactamente a mesma no que respeita ao pedido genérico de condenação da ré a pagar à autora as despesas relativas à ajuda de terceira pessoa nas lidas domésticas. Os factos descritos na segunda parte do ponto 25 («Devido às lesões sofridas a A. não consegue realizar tarefas domésticas como aspirar e limpar a sua casa»), no ponto 41 («A A. passou a ter dificuldade em realizar quaisquer tarefas domésticas que impliquem necessidade de movimentar a coluna, como fazer a cama, de tirar a loiça da máquina, de aspirar e limpar a casa e de passar a ferro») e 46 («No futuro, a A. carecerá do auxílio de terceira pessoa para limpeza e passar a ferro a tempo parcial»), configuram um dano patrimonial futuro, que não está ainda determinado (pois desconhece-se o custo dessa ajuda parcial, desconhecendo-se inclusivamente o número de horas necessárias por dia/semana/mês, que eventualmente devam acrescer às que já eram asseguradas por terceira pessoa antes do acidente), mas que é perfeitamente determinável, pelo que a fixação do respectivo valor indemnizatório deve ser relegado para futura liquidação. Foi, precisamente, por esta razão que, divergindo da opção da primeira instância, se optou por não integrar esta indemnização na que foi fixada a propósito da perda de capacidade aquisitiva.
d. A recorrente autora insurgiu-se igualmente contra a fixação em apenas 4.000,00€ da indemnização devida pelos danos não patrimoniais que sofreu, tendo em conta a gravidade dos factos provados com relevância na apreciação desta vertente do dano, pugnando pela sua fixação em 30.000,00€ (cfr. conclusões T) e U)).
Nestes termos, importa analisar, na sua globalidade, os danos de natureza não patrimonial de que a autora padeceu, padece e/ou irá continuar a padecer.
Tais danos encontram-se descritos nos pontos 13 a 41, 47 e 48 dos factos provados. Sem sermos exaustivos, destacamos aqui as dores que sofreu, globalmente avaliadas no grau 3 numa escala ascendente de 7, as dores de que vai continuar a padecer e as limitações físicas que essas dores lhe causam e que afectam negativamente diversas vertentes da sua vida: a sua actividade profissional; a execução das tarefas domésticas; a prática de exercício físico (cuja desvalorização foi avaliada no grau 1 numa escala ascendente de 7); a condução automóvel por períodos longos; a qualidade do seu descanso; a sua vida sexual; a estabilidade familiar; a sua vida social; o seu bem-estar emocional; etc.
Todos estes factos configuram danos não patrimoniais, quer se opte pela formulação negativa, que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial (cfr. De Cupis, Il danno, Teoria Generale della Responsabilità Civile, I, 2ª edição, Milano, 1966, p. 44 e seguintes), quer pela formulação positiva, segundo a qual, o dano não patrimo­nial ou dano moral, tem por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária.
Acresce que tais danos são indemnizáveis, porque têm a gravidade bastante para merecer a tutela do direito (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização por danos não patrimoniais não visa ressarcir, tornar indemne, o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, mas que, por isso mesmo, deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico (vide Ac. STJ, de 16/12/93, CJ, Tomo 3, p. 183).
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado – art. 494º ex vi art. 496º, nº3, ambos do Código Civil –, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc.
Em concreto, importa situar os danos em apreço no contexto da vida da autora, destacando-se o facto de, no momento do embate, ser ainda uma pessoa muito jovem e saudável.
Tudo ponderado, atendendo ainda à prática da jurisprudência, fixa-se a indemnização devida por estes danos em €20.000,00.
e. Por fim, veio a recorrente ré pugnar pela alteração da sentença recorrida também no que concerne aos juros de mora, ali fixados a partir da citação, alegando que as indemnizações relativas a danos não patrimoniais e as fixadas com base na equidade, como sucede com a indemnização pelo dano biológico, são determinados de forma actualizada, não sendo nessa medida devidos juros de mora sobre as mesmas desde a data da citação, mas apenas da data em que as mesmas são fixadas, aplicando-se o mesmo raciocínio quanto às despesas futuras, ainda não suportadas, ou quanto às despesas que apenas foram suportadas após a data da citação (cfr. conclusões XIX e XX).
e.1. A questão (substantiva) assim colocada está directamente relacionada com o início da contagem dos juros de mora (dies a quo). Mas a sua apreciação suscita uma questão (adjectiva) prévia: saber se o tribunal podia condenar em juros de mora sem ter sido formulado o respectivo pedido na petição inicial.
Na presente acção, a autora pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia (já liquidada) de 99.935,58€, assim decomposta:
- A quantia de 7.797,00€, correspondente ao montante necessário para adquirir um colchão;
- A quantia de 1338,58€, correspondente às despesas já efectuadas com medicamentos e outros tratamentos;
- A quantia de 300,00€, correspondente às despesas já efectuadas com deslocações para estes tratamentos;
- A quantia de 60.500,00€ para compensação do dano patrimonial biológico decorrente do défice funcional permanente de que ficou a padecer;
- A quantia de 30.000,00€ para compensação dos danos não patrimoniais.
Mais pediu a condenação da ré a pagar-lhe os juros de mora vincendos sobre a referida quantia de 99.935,58€, desde a citação para esta acção até integral pagamento.
A autora pediu ainda a condenação da ré a pagar-lhe as quantias relativas a acompanhamento médico regular da especialidade de ortopedia (pelo menos uma vez por ano), a sessões de tratamentos de fisioterapia (pelo menos duas vezes por ano, numa quantidade de sessões que o médico ortopedista vier a determinar) e respectivas despesas de deslocação e compensação das dores que as mesmas provocarão, ajuda de terceira pessoa nas lides domésticas, bem como as decorrentes do uso frequente de analgésicos, atentas as dores de que com regularidade é acometida, em montantes a liquidar em momento posterior, sem fazer qualquer pedido relativo a juros de mora sobre tais quantias.
Posteriormente, a autora veio ampliar o pedido em 4.552,39€, correspondente às despesas com tratamentos médicos e fisioterapia entretanto suportados por si, passando assim o pedido «a ser de €104.487,97, que a Ré deve ser condenada a pagar ao A., acrescida de juros vencidos desde a citação sobre €99.935,58 e sobre €4.552,39 desde a data da notificação do processo até integral e efectivo pagamento, mantendo-se o pedido de condenação do Réu em prestação de facto, melhor descrita na p.i.» (sendo certo que esta referência à condenação em prestação de facto só pode dever-se a manifesto lapso).
Tendo em conta o pedido assim deduzido e o limite da condenação consagrado no artigo 609.º do CPC, nada obstava a que o Tribunal recorrido condenasse a ré a pagar juros de mora a partir da citação no que concerne às parcelas indemnizatórias contidas no pedido líquido inicialmente deduzido.
O mesmo não sucede relativamente às quantias indemnizatórias contidas no pedido genérico inicialmente formulado, entretanto liquidadas pelo Tribunal a quo. Ao fazê-lo, este Tribunal a quo violou o referido limite da condenação.
Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (cit., p. 728), são as partes que, «através do pedido (art. 3.º, n.º 1), circunscrevem o thema decidendum, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede de sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação corresponder ao tipo de acção em causa) em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».
Os princípios da iniciativa ou impulso processual da parte e da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão, ínsitos no limite da condenação imposto pelo artigo 609.º do CPC, são os fundamentos estruturais do AUJ n.º 9/15, de 14.05.2015, proferido no âmbito do processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, igualmente violado pela sentença recorrida, onde se fixou a seguinte jurisprudência obrigatória: «Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros». Como se afirma nesse acórdão, «não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado».
Acrescenta-se ainda na fundamentação deste AUJ ser «certo que a obrigação de indemnização por equivalente, como dívida de valor, não sujeita, por isso, ao princípio nominalista, é calculada (e actualizada) tendo em conta a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (art. 566º, nº 2, do CC) e que os juros, no caso da responsabilidade civil extracontratual, também podem cobrir, com função idêntica, este último período de tempo, desde a citação (art. 805º, nº 3, do CC).
Todavia, apesar desta possível margem de coincidência (que esteve na base do citado AUJ nº 4/2002), mantêm-se os demais traços distintivos acima referidos: a obrigação de indemnização por equivalente visa reparar os danos efectivamente sofridos pelo lesado; com a sua liquidação, através da teoria da diferença, converte-se, no fundo, numa obrigação pecuniária e é sobre o respectivo montante, assim liquidado, e para reparar o atraso na sua satisfação, que se aplicam os juros de mora.»
De resto, a condenação em juros de mora não pedidos pelo autor, relativamente aos quais o réu não teve, naturalmente, a oportunidade de se pronunciar, configura uma decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório.
É certo que os juros de mora constituem um mero desenvolvimento do pedido de condenação no capital. Por isso mesmo, o autor tem a possibilidade de ampliar o pedido de forma a contemplá-los, mesmo sem o acordo da parte contrária, até ao encerramento da discussão na 1.ª instância, ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC. Mas se não o faz, sibi imputet!
Aplicando estas considerações ao caso concreto, não restam dúvidas de que a condenação da ré a pagar as quantias que se vieram a liquidar posteriormente não podem contemplar juros de mora, sob pena de violação do limite da condenação. O tribunal estava vinculado ao pedido, tal como foi formulado e delimitado pela autora, não podendo decretar um efeito que, apesar de legalmente previsto, não foi abrangido por aquele pedido.
Mas é igualmente manifesto que os montantes relativos às despesas médicas e medicamentosas já pagas e oportunamente liquidadas vencem juros de mora nos seguintes termos:
- A contar da citação da ré para a acção, no que concerne às despesas pagas antes da propositura da acção (15.02.2019), no valor global de 738,50€, conforme pedido na petição inicial;
- A contar da notificação à ré do requerimento de ampliação do pedido (a qual, tendo sido feita por comunicação electrónica de 24.03.2022, se presume feita no dia 28.03.2022), no que concerne às despesas pagas entre a propositura da acção e a dedução deste pedido de ampliação, no valor global de 4522,39€, conforme pedido naquele requerimento.
Na verdade, no que respeita a estas parcelas indemnizatórias, como melhor se fundamentará no ponto seguinte, nem sequer se coloca a questão de estarmos operante uma indemnização actualizada à data da sentença, visto que o seu valor corresponde exactamente às quantias desembolsadas pela autora em data anterior, sendo, por isso, aplicável a norma do artigo 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do CC.
e.2. A questão adjectiva do limite da condenação não se coloca relativamente aos juros moratórios sobre as parcelas indemnizatórias relativas ao dano patrimonial decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e aos danos não patrimoniais, os quais foram contemplados no pedido inicial, como vimos. Importa, nestes termos, definir o dies a quo destes juros moratórios.
De harmonia com o preceituado nos artigos 804.º e 806.º do CC, os juros de mora destinam-se a reparar os danos causados ao credor pelo retardamento culposo da prestação pecuniária devida.
Nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1, do mesmo código, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Mas a mora não depende de interpelação nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo 805.º, designadamente se a obrigação provier de facto ilícito. Neste caso, o devedor constitui-se em mora no momento da prática do facto ilícito. Esta regra especial está em consonância com o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CC (nos termos do qual, «[s]em prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Por força da 1.ª parte, do n.º 3, do artigo 805.º, do CC, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Porém, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, a 2.ª parte deste mesmo n.º 3 preceitua que o devedor se constitui em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da 1.ª parte.
Este segmento normativo, acrescentado ao texto primitivo do artigo 805.º, n.º 3, do CC, pelo DL n.º 262/83, de 16 de Junho, suscitou muitas dúvidas de interpretação, designadamente no que respeita à sua articulação com a norma já citada do artigo 566.º, n.º 2, do CC – e que vieram a dar origem ao acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ) n.º 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I Série A, nº. 146, de 27 de Junho –, pois enquanto esta apontava para o vencimento de juros a partir da data da sentença que fixa a indemnização, actualizada à data da mesma, aquela aponta para o vencimentos dos juros a partir da citação.
Como se afirma no ac. do STJ, de 04.11.2021 (proc. n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1, rel. Maria João Vaz Tomé), «[a] contagem de juros de mora desde a citação tem em vista a mesma finalidade que a atualização da indemnização à data da sentença: “imputar ao lesante o risco da depreciação monetária” ou da erosão do valor da moeda – porquanto, desde o início de vigência do DL n.º 200-C/80, de 24 de junho, os juros de mora têm também a função de compensar a desvalorização monetária. Interpretado à luz dos princípios gerais que regem a obrigação de indemnização e o respetivo cálculo, o preceito do art. 805.º, n.º 3, do CC, deve, pois, ser considerado como concretização da teoria da diferença. Tem por objetivo a consagração de um critério abstrato de cálculo dos danos sofridos pelo lesado, decorrentes da demora no pagamento, ulteriores à citação e anteriores à liquidação, sem afastar a teoria da diferença».
Por isso, como se acrescenta no mesmo acórdão, «[s]e o juiz calcula o montante indemnizatório com base em valores atualizados, em critérios contemporâneos da decisão, não se afigura teleologicamente adequada a aplicação retroativa do corretor monetário. Por conseguinte, a sua intervenção apenas se justifica a partir da data da sentença do Tribunal de 1.ª Instância que, no que toca ao cálculo da correção monetária, constitui, nos termos do art. 566.º, n.º 2, a mais recente que pode e deve ser tida em conta».
É, precisamente, esta a jurisprudência obrigatória fixada pelo AUJ acima citado: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Porém, decorre desta jurisprudência obrigatória e dos respectivos fundamentos que a fixação dos juros moratórios a partir da data da sentença que procede à actualização da indemnização pressupõe que tal sentença contenha alguma expressão que revele ter procedido a esse cálculo actualizado, designadamente a referência ao critério de cálculo plasmado no artigo 566.º, n.º 2, do CC, e à consideração da desvalorização do valor da moeda, inexistindo fundamento legal para concluir pela presunção natural de que o juiz da primeira instância procedeu à actualização da compensação a que se reporta o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência. Neste sentido se pronunciou o ac. do STJ, de 16-02-2004 (proc. n.º 04B2616, rel. Salvador da Costa), no qual se afirma que «[u]ma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização».
Por isso, acrescenta-se no mesmo acórdão, que «[s]e na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, designadamente à consideração da desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolacção, queda na espécie inaplicável a interpretação da lei decorrente daquele Acórdão».
No mesmo sentido se pronunciou o ac. do TRP, de 02-12-2004 (proc. n.º 0436044, rel. Fernando Batista), e o ac. do TRG, de 12.01.2017 (proc. n.º 1881/13.3TJVNF.G1, rel. Anabela Miranda Tenreiro).
No caso concreto, a sentença recorrida não faz qualquer menção reveladora de ter actualizado os montantes indemnizatórios que arbitrou. Não faz, designadamente, qualquer referência à desvalorização do valor da moeda e nem sequer invoca o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Pelo contrário, ao invocar expressamente o disposto no artigo 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do CC (a par dos artigos 806.º, n.º 1, e 559.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo código), o teor da referida sentença é claro no sentido de não ter procedido à actualização, entre a data do evento danoso (o acidente) e a data em que a mesma foi proferida, de nenhum dos montantes indemnizatórios que arbitrou.
Nestes termos, sem prejuízo do que ficou exposto a respeito do limite do pedido, nenhuma censura merece a opção de determinar o vencimento dos juros de mora a contar da citação, por se mostrar congruente com a não actualização da indemnização.
Sucede que este Tribunal ad quem alterou os valores indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal a quo, nos termos já expostos, e, não estando vinculado à opção adoptada pela primeira instância, optou por actualizar o valor da indemnização devida pelos danos não patrimoniais à da sentença da recorrida, por ser a data mais recente a que podia atender, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CPC. Deste modo, sobre essa parcela indemnizatória apenas incidem juros de mora desde a data da referida sentença. Mas não fez igual opção relativamente aos danos patrimoniais relacionados com a afectação da capacidade aquisitiva da autora, cujo cálculo se baseou, como vimos, na situação existente antes da propositura da acção. Assim sendo, sobre esta parcela indemnizatória incidem juros de mora desde a data da citação da ré para esta acção.
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IV. Decisão
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam parcialmente procedentes ambos os recursos, consequentemente, revogam parcialmente a sentença recorrida e condenam a ré a pagar à autora:
1. A quantia global de 75.260,89€, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva aplicável aos juros civis, calculados nos seguintes termos:
a) Sobre a quantia de 50.738,50€, desde a data da citação da ré para a presente acção até integral pagamento;
b) Sobre a quantia de 4.522,39€, desde a data da notificação à ré do requerimento de ampliação do pedido até integral pagamento;
c) Sobre a quantia de 20.000,00€, desde a data da notificação à ré do requerimento de ampliação do pedido até integral pagamento.
2. A quantia que se vier a apurar em liquidação posterior relativamente às despesas da autora com acompanhamento médico, tratamentos de fisioterapia, respectivas despesas de deslocação, medicação e ajuda de terceira pessoa, a tempo parcial, nas lides domésticas.

Custas dos recursos por ambas as partes, em igual proporção (artigo 527.º do CPC).

Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 10 de Janeiro de 2023
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró
João Proença