Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
247/21.6Y3VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: ESTABELECIMENTO DE APOIO SOCIAL
COM FINS LUCRATIVOS
CENTRO DE BABYSITTING
EXERCÍCIO
EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE
QUADRO LEGAL
Nº do Documento: RP20220713247/21.6Y3VNG.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL; CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; MANTIDA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Independentemente do conceito de babysitting por ser tido ou não como inovador, é em face do quadro legal em vigor e respetiva regulamentação que deve ser exercida a atividade - ou seja, existindo quadro normativo que define quais as atividades que podem ser desenvolvidas e a respetiva regulamentação, é em face desse que deve enquadrar-se uma qualquer atividade que se pretenda exercer;
II - Em face do disposto no Decreto-Lei n.º 64/2007, com as alterações posteriores, assim o Decreto-lei n.º 33/2014, de 4 de março, referindo-se no seu artigo 3.º que se consideram “de apoio social os estabelecimentos em que sejam prestados serviços de apoio às pessoas e às famílias, independentemente de estes serem prestados em equipamentos ou a partir de estruturas prestadoras de serviços que prossigam os objetivos do sistema de ação social definidos na Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social”, a verdade é que, resultando é certo do n.º 1 do artigo 4.º o elencar expresso de várias das respostas nesse âmbito, em que se inclui a creche – alínea a) –, resulta porém, do seu n.º 2, que se consideram “ainda de apoio social os estabelecimentos em que sejam desenvolvidas atividades similares às referidas no número anterior ainda que sob designação diferente”;
III - Por decorrência do referido em I e II, não pode dizer-se que inexiste regulamentação para a atividade que a arguida denominou por Babysitting.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 247/21.6Y3VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia
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Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira (1ª Adjunta)
Paula Leal de Carvalho (Presidente Secção)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. Inconformada com a decisão do Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social que lhe aplicou a coima de €20.000,00 pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 11.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 64/2007, de 14 de março, e 39.º-B, alínea a), e 39.º-E, alínea a), do Decreto-lei n.º 33/2014, de 4 de março, apresentou a arguida, AA, impugnação judicial.

1.1. Seguindo o recurso os seus termos, depois de realizada que foi a audiência de julgamento foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente, por não provado, o recurso interposto por AA, e, em consequência, mantenho nos seus precisos termos a decisão proferida pelo Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social, que aplicou àquela uma coima de € 20 000 pela prática de uma contraordenação p.ª e p.ª pelo art.º 11.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 64/2007, de 14 de março, e pelos art.ºs 39.º-B a) e 39.º-E a), estes do Decreto-lei n.º 33/2014, de 4 de março.
Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três U.C.
Comunique ao Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social.
Proceda-se ao depósito da presente sentença na secretaria.
Registe e notifique.”

2. Inconformada, apresentou a Arguida recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões (transcrição):
“I - O modus operandi da arguida não permite enquadrar a sua atuação na definição legal de creche.
II - A A Recorrente, com o NISS ..., era proprietária de um estabelecimento denominado “A...”, sito na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia, que como o próprio nome indica é um centro de babysitting.
III - A Portaria 262/2011 de 31 de Agosto, que estabelece as normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento de Creche
IV - Não sendo de todo, esta a resposta social, dada pelo estabelecimento aqui em crise.
V - Antes de iniciar a atividade, a ora Recorrente questionou os serviços da Segurança Social
VI - Às suas questões a Segurança Social respondeu, por escrito que a atuação configurada pela arguida não carecia de qualquer licenciamento e que a atividade de babysitting não está ainda regulada em Portugal
VII - Os serviços oferecidos por um Centro de Babysitting, são substancialmente diferentes dos oferecidos por uma Creche.
VIII - A Arguida, desenvolveu este projecto, com a plena consciência de que não incorria em qualquer violação normative.
IX – Não pode o tribunal socorrer-se da definição de “babysitting” que consta do dicionário para justificar a sua decisão.
X - O próprio tribunal recorrido acaba por reconhecer que existe uma diferença entre um centro de babysitting e uma creche, e na falta de legislação sobre babysitting recorre ao dicionário em clara violação do princípio da legalidade.
XI -A verdade é que estamos perante um conceito inovador – babysitting - pouco conhecido, que entendemos exige uma disciplina normativa, específica, mas que, até à presente data, ainda não foi regulado.
XII - Estamos perante uma situação jurídica em que inexiste legislação.
XIII - Não há na lei, regulamentação que verse e regule esta matéria – OS CENTROS DE BABYSITTING, constituindo este facto, um vazio legal, uma lacuna na lei.
XIV - Estando nós perante uma lacuna, esta deverá ser integrada de acordo com estipulado no Artigo 10.º do Código Civil.
XV - Entendemos que, neste caso em concreto, não terá pois aplicação a Portaria n.º 262/2011, de 31 de Agosto, que estabelece as condições de funcionamento e instalação das creches.
XVI - Por o nosso caso em concreto, não substanciar uma situação análoga.
XVII - E, não tendo assim o Instituto da Segurança Social legitimidade para o presente procedimento contraordenacional.
XVIII - o DL 64/2007 não pode ser chamado à colação neste caso concreto.
XIX - Não havendo legislação que verse sobre a matéria aqui em crise, também não há norma incriminadora, logo não podemos concluir que foi praticada qualquer contraordenação.
XX - Uma vez que em matéria contraordenacional vigora o princípio da legalidade, de acordo com o qual só será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática, vidé Artigo 2º do DL 433/82 de 27/10.
XXI - O princípio da legalidade, tem inscrição constitucional, de acordo com o preceituado no Artigo 29° da Constituição da República Portuguesa.
XXII - Estando este preceito inserido no capítulo dos direitos fundamentais dos cidadãos, e que significa, no conteúdo essencial, que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (NULLUM CRIMEN, NULLA POENE SINE LEGE).
XXIII - O princípio da legalidade exige que uma infracção esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os actos ou omissões que determinam responsabilidade penal e as respectivas consequências.
Nestes termos e no mais que doutamente vier a ser suprido, deve a sentença ser revogada proferindo-se decisão que absolva a arguida.
Assim se fazendo, como sempre JUSTIÇA”

2.1. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta ao recurso, na qual formulou as conclusões que se seguem:
“1º Não se pode confundir o exercício de uma profissão com a exploração de uma estrutura residencial que funciona como uma creche;
2º Nem se pode transformar esta estrutura residencial que funciona como uma creche numa outra realidade pelo simples facto de se lhe atribuir um nome ou denominação social diferente;
3º No caso “sub judice”, como defende a arguida e, ora, recorrente, apelidando tal estrutura de Centro Babysiting;
4º Se assim fosse, e a imaginação humana é fértil, estava encontrado o caminho para transformar do D.L do Decreto-Lei 64/2007, de 14 de Março, em letra morta;
5º Que jamais seria aplicado.
6º A materialidade fáctica dada como assente mostra-se clara, precisa e concisa e correctamente subsumida ao Direito aplicável;
7º Não se detecta qualquer um dos vícios elencados no nº2 do artigo 410º do C.P.P.
Assim,
8º O recurso é restito à matéria de Direito (art.51º, nº1, da Lei 107/09, de 14/9); e,
9º De Direito não merece provimento.
10º A arguida cometeu sem margem para dúvidas a contra-ordenação que lhe foi imputada e pela qual foi condenada
Pelo que,
11º Se V. Exas. negarem provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a douta sentença recorrida, farão inteira e sã Justiça.”

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exª Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, parecer esse sobre qual a Recorrente não emitiu pronúncia.
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II. Objeto do recurso
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto (emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum) previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), bem como verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do mesmo Código, o Tribunal da Relação conhece, neste âmbito, apenas da matéria de direito, como resulta do artigo 51.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (RJCOL)[1].
Com a mencionada delimitação, tendo também em conta as conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a decidir passa por saber se ocorre o preenchimento dos elementos que integram a prática da contraordenação imputada.
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III. Fundamentação:
A) Na decisão recorrida foi considerado, como “factos provados”, o seguinte:
“1) A Recorrente, com o NISS ..., é proprietária de um estabelecimento de apoio social, com fins lucrativos, denominado “A...”, sito na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia, que prossegue a resposta social de creche;
2) Em 14 de novembro de 2017, pelas 10h, ocorreu uma ação inspetiva no estabelecimento da Recorrente, que se encontrava a funcionar sem alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento;
3) Na data referida em 2) frequentavam a resposta social dez crianças, a saber: BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK;
4) Pelos serviços prestados os utentes pagavam uma mensalidade que oscilava entre o valor mínimo de € 80 e um valor máximo de € 130;
5) A Recorrente nunca efetuou qualquer diligência, junto dos Serviços da Segurança Social, no sentido de legalizar aquela sua atividade;
6) Em data que não foi possível apurar, a Recorrente procedeu ao encerramento voluntário do estabelecimento em causa;
7) A Recorrente não agiu com o cuidado e o dever a que estava obrigada e que lhe era exigível em função das circunstâncias do caso em apreço, não tendo observado as regras inerentes ao exercício da atividade social de creche, sujeita ao prévio licenciamento e/ou autorização provisória de funcionamento, e prosseguiu a referida atividade social ilicitamente.”

Por sua vez, sob a menção «factos não provados», fez-se constar:
“a) A Recorrente tivesse criado um pack de horas que poderiam ser utilizadas ao longo de tempo indeterminado, fixando um preço base de € 2 por hora;
b) Os referidos packs fossem de quatro horas, oito horas, quarenta horas ou oitenta horas e tivessem associado, respetivamente, o preço de seis euros, dez euros, oitenta euros e cento e trinta euros;
c) Houvesse dias em que não era solicitado à Recorrente que tomasse conta de nenhuma criança.”
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B) Conhecimento do recurso:
Como se referiu anteriormente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal da Relação conhece, neste âmbito, apenas da matéria de direito.
Sendo assim, porque não se evidencia a ocorrência de vícios que justifiquem a nossa intervenção nos termos que antes aludimos, que de resto não são invocados pela Recorrente, a única questão a decidir passa por saber se se ocorre o preenchimento dos elementos do tipo legal contraordenacional cuja prática foi imputada, sendo que, concluindo o Tribunal a quio ser esse o caso, dessa conclusão diverge a Recorrente, para o que invoca, em face das conclusões apresentadas, designadamente o seguinte:
- O modus operandi da arguida não permite enquadrar a sua atuação na definição legal de creche, tratando-se antes, como o próprio nome indica, de um centro de babysitting, sendo que, estabelecendo a Portaria 262/2011 de 31 de agosto as normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento de Creche, não é tal portaria aplicável, por não se tratar de todo esta a resposta social, dada pelo estabelecimento, pois que os serviços oferecidos por um centro de Babysitting são substancialmente diferentes dos oferecidos por uma Creche;
- Tendo questionado, antes de iniciar a atividade, os serviços da Segurança Social, às questões que colocou foi respondido por escrito que a atuação configurada não carecia de qualquer licenciamento e que a atividade de babysitting não está ainda regulada em Portugal, sendo que desenvolveu este projeto com a plena consciência de que não incorria em qualquer violação normativa;
- Não pode o tribunal socorrer-se da definição de “babysitting” que consta do dicionário para justificar a sua decisão, sendo que o próprio tribunal acaba por reconhecer que existe uma diferença entre um centro de babysitting e uma creche, mas na falta de legislação sobre babysitting recorre ao dicionário em clara violação do princípio da legalidade;
- Estamos perante um conceito inovador – babysitting - pouco conhecido, mas que até à presente data ainda não foi regulado, pois que inexiste legislação, constituindo este facto um vazio legal, uma lacuna na lei que, enquanto tal, deverá ser integrada de acordo com estipulado no Artigo 10.º do Código Civil, sendo que no caso não se trata de situação análoga;
- O DL 64/2007 não pode ser chamado à colação neste caso concreto;
- Não o Instituto da Segurança Social legitimidade para o presente procedimento contraordenacional.
- Não havendo legislação que verse sobre a matéria, também não há norma incriminadora, logo não podemos concluir que foi praticada qualquer contraordenação, uma vez que em matéria contraordenacional vigora o princípio da legalidade, de acordo com o qual só será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática, vidé Artigo 2º do DL 433/82 de 27/10 (o princípio da legalidade exige que uma infração esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os atos ou omissões que determinam responsabilidade penal e as respetivas consequências), sendo que o princípio da legalidade tem inscrição constitucional, de acordo com o preceituado no Artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa (estando este preceito inserido no capítulo dos direitos fundamentais dos cidadãos, e que significa, no conteúdo essencial, que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa.
Por sua vez, defendendo o julgado, o Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal a quo, na resposta que apresentou, sustenta que não se pode confundir o exercício de uma profissão com a exploração de uma estrutura residencial que funciona como uma creche, nem se pode transformar esta estrutura residencial que funciona como uma creche numa outra realidade pelo simples facto de se lhe atribuir um nome ou denominação social diferente, no caso, apelidando tal estrutura de Centro Babysiting, sendo que, se assim fosse, estava encontrado o caminho para transformar do D.L do Decreto-Lei 64/2007, de 14 de Março, em letra morta, pelo que a arguida cometeu a contraordenação que lhe foi imputada e pela qual foi condenada.
Com relevância para apreciação da questão que aqui se coloca, constata-se que o tribunal a quo fez constar da sentença o seguinte (transcrição):
“(…) Fechado que foi o parêntesis, diremos que o Decreto-lei n.º 64/2007, de 14 de março, alterado pelo Decreto-lei n.º 33/2014, de 4 de março, define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social. Nestes serviços estão abrangidas as creches (cfr. o art.º 4.º n.º 1 a) do referido diploma legal), sendo certo que estas, para poderem iniciar a atividade, têm de possuir a respetiva licença de funcionamento (art.º 11.º n.º 1).
Por seu turno o art.º 3.º da Portaria n.º 262/2011, de 31 de agosto, define creche como sendo um equipamento de natureza socioeducativa, vocacionado para o apoio à família e à criança, destinado a acolher crianças até aos 3 anos de idade, durante o período correspondente ao impedimento dos pais ou de quem exerça as responsabilidades parentais. Por outro lado, o art.º 8.º da mesma Portaria estipula que o horário de funcionamento da creche deve ser o adequado às necessidades dos pais ou de quem exerça as responsabilidades parentais, não devendo a criança permanecer na creche por um período superior ao estritamente necessário.
Face à matéria de facto tida por assente (sem prejuízo das considerações já avançadas em sede de apreciação crítica da prova) e uma vez que não se provou que as crianças identificadas como frequentadoras do espaço explorado pela Recorrente tinham idade superior a três anos, forçoso se torna concluir que a atividade em questão e que foi objeto de ação inspetiva pelos serviços competentes da Segurança Social não pode deixar de ser considerada como de creche.
Sendo as coisas assim, provou-se que a Recorrente, em 14 de novembro de 2017, explorava, de forma lucrativa, a atividade profissional de creche sem possuir, como devia, alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento. Mostram-se, assim, preenchidos os elementos típicos objetivos da contraordenação que lhe é imputada. Quanto ao elemento subjetivo, igualmente o mesmo está preenchido (cfr. o n.º 7) dos factos provados).”
Em face da fundamentação antes citada, desde já avançamos que não nos merece censura a solução a que chegou o Tribunal recorrido, como melhor explicaremos de seguida.
Em primeiro lugar, e com relevância, importa esclarecer que, de facto, não é a propriamente a denominação que se dá a um estabelecimento que define a natureza deste, isto para dizermos que não assume relevância especial a circunstância de no caso se ter apelidado de “Centro de Babysiting”. Na verdade, o que releva efetivamente é a atividade efetivamente desenvolvida / perseguida, sendo que, no caso, em face do que se provou, claramente que estamos perante uma resposta social prestada naquele centro, apesar da sua denominação, pois que era frequentado por dez crianças – sendo pago pelos utentes, pelo serviço prestado, uma mensalidade que oscilava entre o valor mínimo de €80 e um valor máximo de €130 –, o que permite, salvo o devido respeito, chamar à discussão o disposto na Portaria n.º 262/2011, de 31 de agosto, quando define creche, como o refere a sentença, como sendo um equipamento de natureza socioeducativa, vocacionado para o apoio à família e à criança, destinado a acolher crianças até aos 3 anos de idade, durante o período correspondente ao impedimento dos pais ou de quem exerça as responsabilidades parentais.
De resto, a propósito do argumento da Recorrente de que estamos perante um conceito inovador – babysitting – pouco conhecido, mas que até à presente data ainda não foi regulado, pois que inexiste legislação – constituindo este facto um vazio legal, uma lacuna na lei –, como ainda de que os serviços oferecidos por um centro de Babysitting são substancialmente diferentes dos oferecidos por uma creche, importa esclarecer, mais uma vez, por um lado, que, existindo quadro normativo que define quais as atividades que podem ser desenvolvidas e a respetiva regulamentação, é em face desse que deve enquadrar-se uma qualquer atividade que se pretenda desenvolver e, por outro lado, no que ao caso importa, em face precisamente daquele quadro legal, sequer se pode dizer que inexiste regulamentação para a atividade que a arguida denominou por Babysitting, pois que, salvo o devido respeito, existem termos na língua portuguesa, tão rica que reconhecidamente é (e que afinal é aquela que é a nossa e deve assim ser usada), que podem ser utilizados, como o sejam precisamente o de creche, cujo enquadramento legal consta da decisão recorrida, mas também, esclareça-se, ainda outros, como o será, pela sua proximidade ao termo usado pela Arguida, o de “ama”, mesmo quanto a esta, seja exercida na residência ou numa instituição de enquadramento, existe afinal regulamentação específica[2], seja quando exercida na residência, seja no âmbito de uma instituição de enquadramento, caso este em que se designa por creche familiar, também existe enquadramento legal.
Aliás, ainda que assim não fosse, sequer poderíamos dizer, sem mais, que não existiria previsão legal, pois que, em face do disposto no Decreto-Lei n.º 64/2007, com as alterações posteriores, assim Decreto-lei n.º 33/2014, de 4 de março, referindo-se no seu artigo 3.º que se consideram “de apoio social os estabelecimentos em que sejam prestados serviços de apoio às pessoas e às famílias, independentemente de estes serem prestados em equipamentos ou a partir de estruturas prestadoras de serviços que prossigam os objetivos do sistema de ação social definidos na Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social”, a verdade é que, resultando é certo do n.º 1 do artigo 4.º o elencar expresso de várias das respostas nesse âmbito, em que se inclui a creche – alínea a) –, resulta porém, assim do seu n.º 2, que se “Consideram-se ainda de apoio social os estabelecimentos em que sejam desenvolvidas atividades similares às referidas no número anterior ainda que sob designação diferente”.
Diga-se, por último, que não tem sequer virtualidade para os efeitos que se pretendem o argumento da Recorrente de que não possa o tribunal socorrer-se da definição de “babysitting” que consta do dicionário para justificar a sua decisão, pois que, tendo-se utilizado um termo linguístico de língua estrangeira, nada impede, antes se compreendendo, que se procure também o seu significado na língua mátria, muito embora, repita-se, sequer a resposta à questão dependa propriamente disso e sim, diversamente, da subsunção da atividade exercida ao quadro legal e regulamentar vigentes, subsunção esta que, como o dissemos anteriormente, encontramos, precisamente, tal como Tribunal a quo, no conceito de creche, não nos merecendo assim reparo a sentença quanto a esta questão.
Sendo assim, carece de qualquer fundamento a invocação pela Recorrente do princípio da legalidade, pois que, pressupondo esse, é certo, em traços breves, que só possa ser punido o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática, como o refere, no entanto, como vimos anteriormente, não é esse o caso, o que dispensa outras considerações da nossa parte neste âmbito.
Em face do exposto, não se colocando outras questões, em termos de se justificar a nossa apreciação, resta concluir pela improcedência do recurso.

Perante a afirmada improcedência, a Recorrente é condenada no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (artigos 513.º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74.º, n.º 4 do RGCO e 59.º e 60.º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8.º, n.º 4 e 5 e Tabela III do RCP).
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Sumário:
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em considerar não provido o recurso interposto, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente/arguida, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Porto, 13 julho de 2022
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Paula Leal de Carvalho
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[1] Que aprovou o regime jurídico do procedimento aplicável às contraordenações laborais
[2] De acordo com a definição do Decreto-Lei n.º 115/2015, de 22 de junho, assim constante do seu artigo 3.º, “a ama é a pessoa que, mediante pagamento pela atividade exercida, cuida na sua residência de crianças até aos três anos de idade ou até atingirem a idade de ingresso nos estabelecimentos de educação pré-escolar, por tempo correspondente ao período de trabalho ou impedimento da família” (constando porém do artigo 5.º, que “O número de crianças a fixar por ama é determinado em função das condições pessoais, familiares e habitacionais da ama, não podendo exceder o limite de quatro crianças”), podendo ainda, como resulta do n.º 1 do seu artigo 40.º, tal atividade ser desenvolvida no âmbito de uma instituição de enquadramento, designando-se neste caso por creche familiar, caso em que a respetiva regulamentação ocorreu com a Portaria n.º 232/2015, de 6 de agosto, em cujo preâmbulo se refere desde logo que, “neste contexto, a creche familiar é entendida como o conjunto de amas que estão enquadradas por instituições particulares de solidariedade social ou instituições legalmente equiparadas, assim como pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, desde que disponham de creche”, bem como que “a creche familiar constitui, assim, uma forma de organização de amas que corresponde a mais uma resposta destinada ao cuidado de crianças até aos três anos de idade ou até atingirem a idade de ingresso no estabelecimento de educação pré-escolar, por tempo correspondente ao período de trabalho ou impedimento dos pais ou de quem exerce as responsabilidades parentais” (constando do artigo 2.º que as amas com autorização para o exercício da atividade que exerçam a sua profissão no âmbito de uma instituição de enquadramento, configuram uma creche familiar, resultando depois do artigo 3.º que “são instituições de enquadramento de amas, desde que disponham de creche: a) A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; b) As instituições particulares de solidariedade social ou as instituições legalmente equiparadas, mediante acordos de cooperação celebrados com os competentes serviços da segurança social”.