Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1610/12.9TBVFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS PROVENIENTES DE REVERSÃO FISCAL
ADMISSIBILIDADE DA RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RP201610111610/12.9TBVFR-A.P1
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 735, DE FLS 159-162)
Área Temática: .
Sumário: I - A expressão “contribuinte”, no artº 205º do Código dos Regimes Contributivos da Segurança Social, alcança entidades empregadoras e trabalhadores independentes, mas não alcança responsáveis subsidiários ou revertidos.
II - Neste sentido, a invocação da reversão fora do processo de execução fiscal só poderia colher se, ao mesmo tempo, ficasse constituída uma garantia real sobre os bens do devedor subsidiário, do mesmo modo que existe tal garantia sobre os bens dos devedores originários, por exigência legal do artº 788º nº1 CPCiv.
III – Todavia, a reversão fiscal consubstancia-se numa garantia de carácter pessoal, que não de carácter real, ou seja, é a própria reversão que constitui a garantia (pessoal, no caso, à semelhança da fiança legal), não acarretando consigo garantias reais sobre os bens do responsável revertido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: • Rec. – 1610/12.9TBVFR-A.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa.
Decisão recorrida de 6/5/2016.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial para Reclamação de Créditos nº1610/12.9TBVFR-A, da Instância Central da Comarca de Aveiro, 3ª Secção de Execução (Oliveira de Azeméis).

Nos autos principais, em que é Exequente B…, S.A., e são Executados C… e D…, foi penhorado o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 2712-G (freguesia de …), sendo que a E… beneficia de hipotecas a seu favor.

Foram reclamados os seguintes créditos:
1 – Pelo Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Aveiro, nos termos do disposto no artº 788º CPCiv, um crédito por contribuições dos próprios, por estarem inscritos como trabalhadores independentes e respectivos juros – da dívida da Executada C…, € 566,64, da dívida do Executado D…, € 570,55, e o demais por força de reversão decretada contra o Executado em razão de ser gerente de uma sociedade, e respectivos juros, no total de € 11 591,00.
2 – Pela E…, os créditos provenientes de dois mútuos bancários, garantidos por hipoteca e fiança, no valor respectivamente de € 50.229,14 (capital e juros vencidos) e € 15.049,68 (capital), quantia que está coberta por duas hipotecas constituídas a seu favor, sobre o prédio “fracção autónoma G, descrita na respectiva CRP sob o nº 2712 e inscrita na matriz sob o nº 5134.

O Exequente opõe-se ao reconhecimento e graduação do crédito da Segurança Social invocadamente revertido, por não ser de lhe atribuir qualquer garantia real incidente sobre o imóvel penhorado.

Saneador-Sentença
Na decisão proferida pelo Mmº Juiz “a quo, foram julgados verificados os créditos reclamados, que se graduaram em bloco, pela seguinte forma, relativamente ao imóvel penhorado nos autos principais, isto é, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 2712-G (freguesia de …):
1º. o crédito da E…, SA;
2º. o crédito de €566,64, e de €570,55, do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, indeferindo o demais reclamado por este credor;
3º. o crédito exequendo.
Porém, em futuros pagamentos, o agente de execução deverá dar cumprimento ao disposto no art. 796.º, n.º 3, do CPC (sem prejuízo da exclusão do n.º 4 do artigo 788.º, a quantia a receber pelo credor com privilégio creditório geral, mobiliário ou imobiliário, é reduzida até 50 % do remanescente do produto da venda, deduzidas as custas da execução e as quantias a pagar aos credores que devam ser graduados antes do exequente, na medida do necessário ao pagamento de 50 % do crédito do exequente, até que este receba o valor correspondente a 250 UC).

Conclusões do Recurso do Reclamante Instituto da Segurança Social
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença de fls. … e ss., proferido nos autos de Reclamação de Créditos supra identificados, que não reconheceu os créditos reclamados pelo ora apelante proveniente de reversão, porquanto entendeu que estes não gozam de garantia real, falha o pressuposto previsto no artigo 788/2 do Código de Processo Civil.
2. Porém, cremos que o Ilustre Tribunal a quo errou na interpretação das normas aplicáveis.
3. A sentença ora sub judice tem por base e estriba o seu entendimento na jurisprudência que se foi fixando na vigência do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, sem ter, no entanto, em atenção a alteração legislativa que operou com a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2011, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro.
4. Efectivamente, dispunha o ora revogado art. 11.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, que "os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo (…)" – sublinhado e negrito nosso - redação esta que levou a maioria da jurisprudência a entender que se encontrava excluído da privilégio conferido pela referida norma o património dos legais representantes do devedor e responsáveis subsidiários.
5. Sucede que o supra transcrito art. veio a ser revogado pela Lei n.º 110/2009, passando agora a positivar o art. 205.º, do Código de Regimes Contributivos, que “os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo(…)” – sublinhado e negrito nosso.
6. A substituição da expressão “entidade empregadora” (DL 103/80) por “contribuinte” (Lei 110/2009) manifesta assim a intenção do legislador de ampliar o âmbito de aplicação do privilégio, passando este a abranger não só o património da sociedade devedora, mas também o de qualquer devedor da Segurança Social a título originário ou subsidiário.
7. Acresce que o art. 185.º, do Código de Regimes Contributivos, sob a epigrafe “dívida à segurança social”, positiva que se deve considerar “dívidas à segurança social, para efeitos do presente Código, todas as dívidas contraídas perante as instituições do sistema de segurança social pelas pessoas singulares, pelas pessoas coletivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente as relativas às contribuições, quotizações, taxas, incluindo as adicionais, os juros, as coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contra-ordenações, custos e outros encargos Legais”.
8. Da conjugação dos referidos preceitos, incluídos no Parte III, do Código de Regimes Contributivos, referente ao incumprimento da obrigação contributiva, resulta claro, em nossa opinião, que pretendia o legislador romper com o conteúdo da sua antecessora, passando assim a ser permitido à Segurança Social procurar obter o pagamento coercivo da sua dívida, com as garantias resultantes do privilégio imobiliário geral, sobre qualquer devedor, independentemente de ser devedor principal ou advir de processo de reversão.
9. Ao esclarecer a questão, pretenderá assim o legislador evitar que muitos créditos da Segurança Social sejam frustrados devido à falta de património das sociedades devedoras originárias, o que, na grande maioria das vezes, acarretaria a inutilidade do privilégio imobiliário.
10. Acresce que, notificados os demais credores e o executado da reclamação de créditos, aqueles nada disseram e este veio reconhecer o direito a que se arroga o ora apelante.
11. Pelo exposto, e porque no domínio do regime da reclamação de créditos vigora o efeito cominatório pleno – cfr. art. 791.º, n.º 4, do nCPC – o silêncio dos demais intervenientes conduz ao reconhecimento iuris et de jure da existência do crédito e das respectivas garantias.
12. Inexistindo impugnação, é indiferente saber se a reversão da dívida é válida ou não; se a dívida é própria ou alheia; se responde como devedor originário ou como devedor subsidiário, devendo ser proferida sentença que conheça da sua existência e a gradue com o crédito do exequente.
13. Assim, ao pronunciar-se sobre a questão da validade da reversão da dívida reclamada, o Ilustre Tribunal a quo, violou o princípio do ne eta judex ultra petita partium.
14. Ademais, se é certo que o crédito da Segurança Social se constituiu em momento anterior a 1 de Janeiro de 2011, apenas após a penhora (ocorrida em 2013) se efectivou o privilégio, pelo que o seu alcance tem que ser aferido à luz da legislação em vigor em 2013.
15. Nestes termos, e ao ter decidido como decidiu, a Douta Sentença recorrida fez uma errada interpretação dos arts. 186.º, 204.º e 205.º, do Código dos Regimes Contributivos do Regime Previdencial do Sistema de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, e dos arts. 788.º, n.º 2, e 791.º, n.º 4, do CPC.

Factos Apurados
Encontram-se provados os factos relativos ao montante e natureza dos créditos reclamados e à tramitação processual, acima resumidamente expostos.

Os Factos e o Direito
O recurso do Apelante ISS comporta a apreciação da matéria relativa ao não reconhecimento, pela sentença recorrida, dos créditos reclamados provenientes de reversão fiscal (por não possuírem garantia real), com violação, no entender do Apelante, do disposto no artº 205º Código dos Regimes Contributivos do Sistema de Segurança Social (Lei nº 110/2009 de 16/9), bem como do disposto no artº 791º nº4 CPCiv, pois que a inexistência de impugnação à reclamação apresentada implica efeito cominatório incidente sobre a existência do crédito e respectivas garantias.
Passemos assim à apreciação de tal questão.
I
Em causa, no presente processo a exegese do disposto no artº 205º do Código de Regimes Contributivos da Segurança Social (Lei nº 110/09, de 16/9), nos termos do qual, “os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte, à data da instauração do processo executivo (…)”.
Deve afirmar-se que o diploma em causa revogou in totum as normas do D-L nº103/80 de 9/5 (cf. artº 5º nº1 al.b), normas essas que criaram o privilégio imobiliário geral da Segurança Social incidente sobre o património das “entidades patronais” devedoras.
A douta sentença recorrida alinhou diversos argumentos para rebater a tese da ora Apelante, tese essa segundo a qual um crédito sobre uma empresa, revertido em execução fiscal contra os gerentes ou administradores goza de privilégio creditório imobiliário geral sobre os bens dos gerentes revertidos.
O primeiro desses argumentos é o de que a expressão contribuinte foi pensada pelo legislador para abranger os “trabalhadores independentes”, nanja os “responsáveis subsidiários”.
O apoio deste raciocínio é feito, porém, com base em doutrina e jurisprudência incidente sobre a legislação anterior ao Código de 2009, incluindo o Ac.R.G. 10/4/2012, pº 178258/08.6YIPRT-B.G1, relatado pela Desª Mª da Purificação Carvalho, na base de dados oficial.
De todo o modo, conclui-se, “no diploma (de 2009, nota do presente relator) a palavra contribuinte refere-se sempre àquele que se insere na designada relação jurídica contributiva: em nenhum momento este diploma se refere ao responsável subsidiário ou ao revertido”.
Aqui, tem inteira razão a douta sentença recorrida. Percorrido todo o diploma em causa, a expressão contribuinte só pode ter o alcance que lhe é dado no artº 150º nº2 CRCSS, ou seja, de que “os trabalhadores independentes são, no que se refere à qualidade de contribuintes, equiparados às entidades empregadoras”.
Aliás, no artº 200º nº4 als. a) e b) CRCSS distinguem-se perfeitamente, de um lado, “o contribuinte”, do outro lado, “os membros dos órgãos sociais do contribuinte devedor”.
Portanto, desde logo o primeiro argumento apresentado tem a nossa concordância – a expressão “contribuinte”, no Código dos Regimes Contributivos, alcança entidades empregadoras e trabalhadores independentes, mas não alcança responsáveis subsidiários ou revertidos.
II
Os segundo e terceiro argumentos retiram-se da própria natureza do instituto da reversão fiscal:
- a relação jurídico-tributária estabelece-se apenas entre o devedor originário e a administração fiscal – daí que o gerente revertido seja um “responsável pelo pagamento da dívida”, mas não um “contribuinte”;
- a reversão fiscal é um meio que permite definir a responsabilidade subsidiária tributária dos administradores; produz efeitos processuais, mas não produz efeitos substantivos; com a reversão fiscal não há transmissão da dívida tributária e respectiva garantia, mas somente um procedimento que visa efectivar a responsabilidade do devedor subsidiário pelo seu pagamento.
Tem inteira razão o Mmº Juiz “a quo”.
Nos termos do artº 22º nº3 LGT, a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária e como se estipula no seu artigo 23º nº1, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão no processo de execução fiscal, e apenas no processo de execução fiscal, nos termos e condições previstos nos nºs 2 a 5 do preceito.
Os revertidos são executados em processo tributário no caso de substituição tributária (hipótese diversa da analisada nos autos), ou em caso de insuficiência de bens do devedor – artºs 153º nº2, 159º e 160º LGT.
Trata-se pois de uma realidade exclusiva do processo de execução fiscal.
Neste sentido, a invocação da reversão fora do processo de execução fiscal só poderia colher se, ao mesmo tempo, ficasse constituída uma garantia real sobre os bens do devedor subsidiário, do mesmo modo que existe tal garantia sobre os bens dos devedores originários, até pela exigência legal do artº 788º nº1 CPCiv.
Ora, a reversão fiscal consubstancia-se numa garantia de carácter pessoal, que não de carácter real, como se escreveu no Ac.S.T.A. 19/10/2011, pº 0571/11, relatado pelo Consº Lino Ribeiro, na base de dados oficial:
“Independentemente da posição que se tome quanto à natureza jurídica da responsabilidade dos gestores prevista no artigo 24º da LGT, não há qualquer dúvida que se trata de uma garantia de natureza pessoal. Do que resulta dos artigos 22º, 23º e 24º da LGT é que, além do devedor originário ou principal, o administrador, director e gerente ficam responsáveis pelo cumprimento da obrigação tributária. Mas daí não resulta que o credor tributário fica com o direito de se fazer pagar, de preferência a quaisquer outros credores, pelo valor ou rendimento dos bens daqueles responsáveis. Trata-se, pois, de uma garantia obrigacional, porque tem em vista assegurar as obrigações tributárias da sociedade, independentemente da sua violação, e de uma garantia pessoal, porque a obrigação principal é garantida através de uma nova prestação, garantia esta que não é oponível erga omnes, mas somente entre as partes envolvidas.”
“(…) A acessoriedade e a subsidiariedade em relação à obrigação do devedor principal também conferem à responsabilidade do gestor prevista no artigo 24º da LGT uma função garantística: o responsável fica pessoalmente obrigado perante o Fisco ao cumprimento da obrigação tributária da empresa que gere. Tal responsabilidade não se traduz, porém, na afectação dos seus bens ao pagamento preferencial dos créditos tributários. A responsabilidade tributária apenas confere ao credor o direito de se pagar pelos bens do responsável caso o património do devedor originário se revele insuficiente e não o direito de se pagar preferencialmente sobre os demais credores.”
Ou seja: para a administração fiscal, é a própria reversão que constitui a garantia (pessoal, no caso, à semelhança da fiança legal), não acarretando consigo garantias reais sobre os bens do responsável revertido.
Para finalizar, a invocação do efeito cominatório pleno referido na 1ª parte do disposto no nº4 do artº 791º CPCiv, não faz, a nosso ver, e salvo o devido respeito, qualquer sentido: em primeiro lugar, porque existiu efectiva impugnação da reclamação de créditos, por banda do Exequente; em segundo lugar, porque sempre seriam aplicáveis as excepções ao efeito cominatório da revelia, vigentes em processo declarativo, ou seja, sempre o juiz teria de julgar os factos assentes segundo o direito aplicável (artº 567º nºs 1 e 2 CPCiv).
Sem necessidade de outros considerandos, por supérfluos, merece plena confirmação a parte impugnada da douta sentença recorrida.

Resumindo a fundamentação:
I - A expressão “contribuinte”, no artº 205º do Código dos Regimes Contributivos da Segurança Social, alcança entidades empregadoras e trabalhadores independentes, mas não alcança responsáveis subsidiários ou revertidos.
II - Neste sentido, a invocação da reversão fora do processo de execução fiscal só poderia colher se, ao mesmo tempo, ficasse constituída uma garantia real sobre os bens do devedor subsidiário, do mesmo modo que existe tal garantia sobre os bens dos devedores originários, por exigência legal do artº 788º nº1 CPCiv.
III – Todavia, a reversão fiscal consubstancia-se numa garantia de carácter pessoal, que não de carácter real, ou seja, é a própria reversão que constitui a garantia (pessoal, no caso, à semelhança da fiança legal), não acarretando consigo garantias reais sobre os bens do responsável revertido.
Dispositivo (artº 202º nº1 C.R.P.):
Na total improcedência do recurso, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 11/X/2016
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença