Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
479/12.8TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: REPARAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS
JUROS DE MORA
DIREITOS INDISPONÍVEIS
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE JUROS
Nº do Documento: RP20230320479/12.8TTVNG.P1
Data do Acordão: 03/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 135º do Código de Processo do Trabalho manda o juiz fixar os juros de mora se forem devidos, sendo norma imperativa, havendo, por isso, lugar a pagamento de juros mesmo que não tenham sido pedidos.
II - Estando-se no âmbito de direitos indisponíveis, se o acordo alcançado em processo emergente de acidente de trabalho entre as partes [em rigor trata-se de acordo sobre factos, não transigência sobre direitos] é omisso quanto a juros de mora, não há renúncia ao seu pagamento.
III - Assim, se a sentença homologatória desse acordo também não se refere aos juros, é possível a reabertura da instância e, com observância do contraditório, proferir decisão a condenar no pagamento de juros, desde que não se verifique a prescrição deles.
IV - A prescrição da obrigação de juros inicia-se a partir do momento da exigibilidade da obrigação, o que no caso sucede com a homologação do acordo que fixa as prestações devidas aos beneficiários.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 479/12.8TTVNG.P1
Origem: Comarca doe Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Este processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, respeita a acidente de trabalho sofrido por AA, que faleceu.
BB, por si e em representação da filha de menor idade, CC, apresentou petição inicial impulsionando a fase contenciosa do processo, contra “A... Insurance Public Limited Company (PLC) – Sucursal em Portugal” e “B..., Lda.”
Foi depois determinada a intervenção das seguintes sociedades: “DD, C..., Lda.”, “D..., Lda.”[1] e “E..., Lda.”[2].
Foi proferido despacho a fixar pensão provisória a adiantar pelo Fundo de Acidentes de Trabalho.

Foi proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade da instância, consignando os factos assentes e elaborando base instrutória, e, seguida a demais tramitação processual cabida ao caso, na sessão de julgamento de 05/09/2019 foi consignado em ata o seguinte acordo:
As partes reconhecem que ocorreu um acidente de trabalho nos termos descritos na matéria assente e que foi causa da morte do sinistrado AA.
As Rés A... Insurance Plc-Sucursal em Portugal, “B...” e Interveniente “D..., Lda.” obrigam-se a liquidar as indemnizações legais nos seguintes termos:
a) A pensão da Beneficiária BB será objeto de remição, sendo levados em conta as pensões provisórias pagas pelo Interveniente FAT, sendo o Capital de Remição sobrante liquidado pelas referidas Rés e Interveniente nos seguintes termos:
- A... Insurance PLC- Sucursal em Portugal em 50%;
- B..., Lda. em 25%;
- D..., Lda. em 25%.
b) A pensão anual da beneficiária CC no valor de € 1.638,56 (mil seiscentos e trinta e oito euros e cinquenta e seis euros), atualizável desde o dia seguinte à data da morte, será paga nos seguintes termos:
- A... Insurance Plc - Sucursal em Portugal em 50%;
- B..., Lda. em 25%;
- D..., Lda. em 25%.
O subsídio de despesas de funeral no valor de € 3.689,17 (três mil seiscentos e oitenta e nove euros e dezassete cêntimos) e o subsídio de morte no valor € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) será suportado pela Ré A... Insurance Plc – Sucursal em Portugal.
O Subsidio de morte será liquidado no valor de 50% para a benificiária BB e no valor de 50% para a beneficiária CC; o subsídio de despesas de funeral será pago à beneficiária BB.
O reembolso das pensões adiantadas pelo FAT - Fundo de Acidentes de Trabalho será processado na proporção de 50% Ré A... Insurance Plc – Sucursal em Portugal, 25% Ré B... Lda. e 25% e Interveniente D..., Lda.
A Ré A... Insurance Plc – Sucursal em Portugal obriga-se a pagar o valor referido na cláusula anterior no prazo de 60 dias, desde a data de homologação do acordo.
Por seu lado a Ré B... Lda. e a Interveniente D..., Lda. obrigam-se a pagar ao FAT- Fundo de Acidentes de Trabalho em sete prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira 30 dias após a homologação do presente acordo.
Custas a cargo das Rés A... Insurance Plc-Sucursal em Portugal, B... e Interveniente D..., Lda., na proporção de 50% Ré A..., 25% Ré B... e 25% Interveniente D..., prescindindo beneficiárias, interveniente e Rés de custas de parte.
Foi ainda consignado em ata que a beneficiária CC declarou que se encontra a trabalhar desde 01/08/2019, tendo comunicado tal facto à segurança social pelo que recebeu uma carta com informação de que a pensão será suspensa. Mais declarou que não é sua intenção por ora inscrever-se no ensino superior.

Depois de notificados o FAT e o MºPº para se proderem pronunciar, e a Interveniente “D..., Lda.” para informar se prestava o seu acordo, em 13/11/2019 foi proferida sentença homologatória do acordo, com o seguinte teor:
Nos presentes autos de acidente de trabalho, as Autoras BB e CC, e as Rés, A... Insurance Plc – Sucursal em Portugal, B..., Lda., e D..., Lda. (atualmente designada D...– Unipessoal, Lda.) vieram apresentar requerimento de transação, o qual se encontra transcrito em ata.
O referido ato de transação é válido quanto ao seu objeto e quanto aos sujeitos intervenientes – cfr. arts. 283º, nº 2, 289º, nº 1, “a contrario”, do C. P. Civil – vide art.º 1º, nº 2, alínea a), do C. P. Trabalho.
Notificados, o FAT e o Ministério Público não deduziram oposição à homologação do acordo.
Importa, por isso, homologar nos precisos termos a transação e declarar a extinção da instância – cfr. arts. 277º, al. d), 284º e 290º, nº 3, do diploma citado.
Termos em que decido homologar nos seus precisos termos o acordo que antecede, dado verificar-se a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais aplicáveis.
Fixo o valor da causa nos termos do art.º 120.º do Código de Processo do Trabalho (resultante da multiplicação da pensão pela taxa constante das tabelas práticas aplicáveis).
Custas nos termos legais, pelas entidades responsáveis, nos termos acordados.
Notifique.

Em 17/06/2020 foi calculado pela secretaria o capital de remição.

Mais tarde, em 07/06/2022, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Compulsados os autos, verifica-se que deles não constam os comprovativos de pagamento:
- dos juros devidos pela seguradora às beneficiárias BB e CC;
- do subsídio de despesas de funeral e subsídio de morte devidos pela seguradora às beneficiárias BB e CC;
- dos juros devidos pela D..., Lda. às beneficiárias BB e CC;
Quanto aos juros moratórios devidos à beneficiária CC, haverá que atender ao despacho proferido em 05/11/2020.
Assim, determino se notifique a Seguradora e a D..., Lda. para, em 10 dias, juntarem aos autos os comprovativos dos pagamentos em falta.
Notifique.

Em resposta, a Seguradora e a sociedade “D..., Lda.” informaram o seguinte:
− a primeira que no termo de transação de fls. , que colocou o fim aos presentes autos, não ficou consignada a obrigação do pagamento de juros de mora;
− a segunda que no termo de transação, que colocou o fim aos presentes autos, não ficou consignada a obrigação do pagamento de juros de mora.

Em 07/09/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor (o despacho recorrido):
No que se refere aos juros, verifica-se que, efetivamente, nem o acordo celebrado entre as partes nem o despacho homologatório do mesmo se pronunciam quanto a eles.
Sucede que, a omissão cometida no despacho homologatório deverá ser corrigida, nada obstando à sua correção neste momento. Neste sentido, citamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/05/2014, proc. nº 121/12.7TTFIG-A.C1, acessível in www.dgsi.pt, que decidiu, em suma, que “se na sentença proferida não foram fixados juros de mora, havendo lugar a eles, sem que tenham sido concretamente pedidos, não havendo caso julgado sobre essa questão, a instância pode ser reaberta para a correspondente apreciação”.
Com efeito, o artigo 135º, do Código de Processo do Trabalho é uma norma especial no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora, pois que, em processos emergentes de acidentes de trabalho, os juros são devidos independentemente da culpa do devedor, não sendo convocáveis os critérios civilísticos de fixação dos juros previstos nos artigos 804.º e 805.º, do Código Civil.
Tal preceito possui carácter imperativo e impõe a fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, desde que não imputável ao credor.
Ora, haverá mora quando se possa considerar que as obrigações estão vencidas (em atraso).
Assim sendo, condeno a seguradora A... Insurance Plc – Sucursal em Portugal, B..., Lda. e D..., Lda., atualmente D...– Unipessoal, Lda., no pagamento:
A) À beneficiária BB dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados:
a. sobre o valor do capital de remição, desde o dia seguinte ao do falecimento do sinistrado (04/04/2012), até integral pagamento – artigo 56º, nº 2, da Lei n.º 98/2009. A beneficiária CC não terá direito a receber juros de mora nesta parcela, em face do despacho proferido em 05/11/2020.
B) Às beneficiárias BB e CC, dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados:
a. sobre o valor do subsídio por morte e do subsídio por despesas de funeral, desde a data da interpelação para pagamento, ou seja, desde a data da realização da tentativa de conciliação (08/10/2012), até integral pagamento.
Notifique.

Não se conformando com este despacho, dele veio a Ré Seguradora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[3]:
1ª O evento infortunístico sub judice, ou seja, a morte do sinistrado ocorreu no dia 04 de abril de 2012, e a sentença homologatória da transação de fls. foi proferida no dia 13 de novembro de 2019.
2ª Nos termos do disposto no artigo 613º, nº 1 do C.P.C., proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa.
3ª A retificação ou mesmo a reforma da sentença vêm previstas nos artigos 614º e 616º do C.P.C., mas ambas com requisitos específicos, que não se verificam.
4ª A condenação em juros de mora, por via de nova decisão proferida no mês de Setembro de 2022, não abrange os termos desses preceitos.
5ª Não ocorreu erro na norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, nem foi junto aos autos qualquer documento que implique decisão diversa da proferida.
6ª Assim, a douta sentença retificativa de fls., é nula, pois conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento – artigo 615º nº 1, alínea d) do C.P.C..
SEM PRESCINDIR
7ª Nos termos do disposto no artigo 135º do C.P.T., “Na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir, e fixa também, se foram devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
8ª A douta sentença homologatória de fls., proferida 13/11/2019, exarada termos de fls., é muito diferente da “sentença final” prevista no art.º 135º do C.P.T..
9ª Estando em causa uma “sentença final” na qual o Senhor Juiz ouve prova testemunhal, examina documentos, ouve as partes, acareou testemunhas, ouviu as alegações orais dos advogados e proferiu decisão por via dessa produção de prova, teriam de ser fixados juros, mesmo que não tivessem sido pedidos (e foram-no).
10ª Não é esta, contudo, a questão.
11ª A transação constante da “ata de audiência de discussão e julgamento” de 05/09/2019, não previu propositadamente a condenação em juros.
12ª A transação foi celebrada, com a opção pela não discussão das causas da ocorrência do sinistro, as quais poderiam levar à sua descaracterização.
13ª As Autoras não renunciaram a um direito, o qual foi exercido em tribunal, antes optaram por não discutir os termos da questão, o que poderia levar à descaracterização do acidente e ao não recebimento de qualquer indemnização.
14ª Não ocorreu qualquer tipo de omissão. Nada tem de ser suprido.
15ª As Autoras, exerceram um direito mas poderiam não ter, a final, direito ao recebimento de qualquer prestação. Optaram por uma solução segura.
16ª Não vem prevista no C.P.T. uma norma relativa a sentença homologatória de transação. Trata-se de um caso omisso, a suprir nos termos do disposto no art.º 1º, nº 2, alínea a) do C.P.T., que remete, para o disposto no art.º 290º, nº 4 do CPC.
17ª A sentença homologatória transitou em julgado, tendo as partes sido condenadas a cumpri-la “nos seus precisos termos” – sem a condenação em juros.
18ª Assim, não se tratou de uma omissão, por um lado, e, por outro, a questão mostra-se decidida e transitou em julgado.
19ª Deve, por conseguinte, ser revogada a decisão de fls., aliás muito douta, que condenou as partes no pagamento de juros.
AINDA SEM PRESCINDIR
20ª Mesmo que assim não se entenda, nada justifica uma insólita condenação em juros dez anos depois da data do sinistro mortal.
21ª Nos termos do disposto no artigo 625º, nº 1 do C.P.C., “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
22ª A sentença homologatória de fls., na qual veio decidida a condenação das partes sem a oneração da condenação em juros já transitou em julgado.
23ª Uma nova decisão que condene em juros, como a de fls., constitui uma decisão em contrário, de todo ineficiente, pois, nos termos do referido preceito “cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.”.
24ª Atento o disposto no art.º 179º da LAT e o artigo 310º, alínea d) do Código Civil, é manifesto que a obrigação do pagamento de juros, na situação sub judice, se encontra prescrita, prescrição que se invoca para os devidos efeitos.
25ª O evento morte do infeliz sinistrado AA ocorreu no dia 04 de abril de 2012, há mais de dez anos. A invocação da prescrição da obrigação do pagamento de juros faz todo o sentido, e tem plena razão de ser.
26ª Decorreram mais de cinco anos e até mais de dez anos sobre o evento principal – a morte do sinistrado, de modo que deve ser julgada prescrita a obrigação do pagamento de juros.
27ª Deve, assim, ser revogada a douta sentença retificativa de fls., por violação do disposto nos art.ºs artigo 310º, alínea d) do Código Civil, 290º, 613º, nº 1, 615º, nº 1, alínea d), 625º do Código de Processo Civil, art.º 135º do C.P.T. e art.º 179º da LAT que deveriam ter sido aplicados em conformidade com o alegado nas conclusões supra.
Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a decisão recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente recurso, com as legais consequências.

A Interveniente “D...– Unipessoal, Lda.” (antes designada por “D..., Lda.”) apresentou requerimento em que declarou aderir ao recurso da Seguradora.

As Autoras apresentaram resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que igualmente se transcrevem:
1. As Apeladas vêm apresentar as suas contra alegações, entendendo que a sentença proferida foi proferida de forma exímia, respeitando a lei adjetiva e substantiva, pelo que deverá ser mantida!
2. Dada a natureza indisponível dos direitos emergentes de acidente de trabalho e a oficiosidade de processamento da respetiva ação, a instância pode ser reaberta para conhecimento de direitos que, não tenham sido apreciados na ação.
3. Prescreve o art.º 614º do CPC que o juiz pode, oficiosamente e a todo o tempo, retificar “erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto” – art.º 667º n.ºs 1 e 2 (parte final).
4. Ora, sendo a fixação dos juros um regime imperativo e não tendo estes sido fixados em sentença, cabe ao juiz, a todo o tempo, retificar esta omissão que ao mesmos tempo é um lapso manifesto.
5. Pelo que, bem andou o tribunal ao retificar a sentença.
6. Não obstante, estabelece o art.º 179º da LAT que as prestações estabelecidas por decisão judicial, prescrevem no prazo de 5 anos a partir da data do seu vencimento.
7. Ora, a sentença homologatória foi proferida a 13/11/2019.
8. Pelo que, ainda não decorreu o prazo prescricional de 5 anos desde que foram fixadas as prestações por decisão judicial.
9. Assim, inexiste a invocada prescrição.
10. Pelo que, se deve manter a douta sentença retificativa bem proferida.
Terminam dizendo dever manter-se e confirmar-se a sentença recorrida.

Em 24/10/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor:
- Requerimento de 26/09/2022:
Salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que a decisão não padece de nulidade, tendo em conta o carácter imperativo e oficioso do artigo 135.º, do Código de Processo do Trabalho nela expressamente invocado e para que se remete, pelo que se julga improcedente a invocada nulidade.
Por a decisão ser recorrível (cfr. artigo 79º, alínea b) do CPT), ter sido interposto em tempo (cfr. artigo 80º, nº 1 do CPT) e por quem para tal tem legitimidade, admito o recurso interposto pela Seguradora, o qual é de apelação (cfr. artigo 79º-A, nº 1, alínea a) do CPT), a subir imediatamente e nos próprios autos (cfr. artigo 83º-A, nº 1 do CPT).
Considerando que a Recorrente requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso em questão, determina-se que, nos termos do disposto no artigo 83º, nº 4 do Código de Processo do Trabalho, a Recorrente, no prazo de 10 dias, preste caução, por meio de garantia bancária ou depósito bancário, no valor total em que foi condenada.
Notifique.

Depois de prestada caução, em 27/01/2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:
Julgo válida a caução prestada pela seguradora/recorrente.
Em consequência, atribui-se ao recurso efeito suspensivo.
Notifique.

Remetido o processo a este Tribunal da Relação, o Sr. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser confirmado o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso da Ré, sendo escrito essencialmente o seguinte:
2. Efetivamente, do acordo homologado por sentença, em 05/07/2019, não foram as Rés condenadas no pagamento de juros de mora nos termos do disposto no art.º 135º do CPT.
Estes eram obrigatoriamente devidos, não podendo as Autoras dispor ou a eles renunciar – art.ºs 12º, 13º e 78º da Lei 98/2009, de 04 de setembro.
Entretanto a sentença homologatória transitou em julgado.
Porém, não quanto a condenação em juros, que nem sequer foram considerados.
Por isso, aparentemente, poderá a sentença ser agora completada com esta condenação, legalmente obrigatória.
3. Não podendo falar-se, ainda, de prescrição, pois, as prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações – art.º 179º da Lei 98/2009, de 04/09.
Ora, as demais quantias foram fixadas há menos de cinco anos, e a condenação em juros não havia sequer sido fixada.
Assim, e, nos temos do citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/05/2014, proc. nº 121/12.7TTFIG-A.C1, acessível in www.dgsi.pt, “se na sentença proferida não foram fixados juros de mora, havendo lugar a eles, sem que tenham sido concretamente pedidos, não havendo caso julgado sobre essa questão, a instância pode ser reaberta para a correspondente apreciação”.
Não vendo razões para alterar este entendimento, deverá manter-se a douta Decisão recorrida, para a qual se remete.

Procedeu-se a exame preliminar, tendo o desembargador relator consignado que o referido na sentença proferida em 13/11/2019, quanto ao valor da ação, corresponde a enunciar como é obtido o valor da ação, em abstrato, mas sem expressar/concretizar qual o valor em concreto, como impõe o nº 1 do art.º 296º do Código de Processo Civil [que estabelece que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda, o que não se satisfaz com o enunciar dos critérios de obtenção do valor da ação, ou indicar o seu valor em abstrato]; no entanto, porque em 17/06/2020 foi calculado o capital de remição (no fundo a multiplicação da pensão pela taxa constante das tabelas práticas aplicáveis), entende-se estar fixado o valor da ação com um valor certo, que é de € 35.325,10, que como tal é o valor que se considera como sendo o fixado à ação.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[4], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se, nada constando no acordo escrito pelas partes, nem nada referindo a sentença que o homologou em 13/11/2019, quanto a juros de mora, se podia em 07/09/2022 o tribunal a quo, por sua iniciativa, condenar as entidades responsáveis no seu pagamento.
**
A factualidade a considerar para apreciação do presente recurso é a contida no relatório que antecede, que expôs o desenvolvimento processual relevante, nenhuma outra importando discriminar com vista ao exame da questão suscitada.

A Recorrente alega ser nula a decisão recorrida por via do disposto no art.º 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil (que estabelece ser nula a sentença ou despacho[5] quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
É que, o art.º 613º, nº 1 do Código de Processo Civil estabelece que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo, porém, como acrescenta o nº 2, lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos que está previsto nos artigos seguintes.
Assim, ressalvadas as situações de retificação de erros materiais, supressão de nulidades e reforma da sentença nos termos expressamente previstos, não poderá ser reaberta a instância, não podendo o juiz rever a sentença proferida.
Quanto ao vício de que padece a decisão proferida após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo, a mesma, diferentemente do defendido pela Recorrente, e tal como refere o acórdão do STJ de 06/05/2010[6], será juridicamente inexistente, pois, sendo proferida quando não há poder para tal, não pode valer como decisão jurisdicional[7].
Ora, se nos quedarmos pelas regras do processo civil acabadas de referir, diríamos, na verdade, desde já que, in casu, a decisão proferida pelo tribunal a quo em 07/09/2022 não se enquadra nas previstas no nº 2 do art.º 613º, nº 1 do Código de Processo Civil, as decisões possíveis de tomar porque não colidem com o esgotamento do poder jurisdicional, não se podendo falar em “correção” como é dito na decisão, e como tal diríamos resultar com evidência que a mesma padece do vício da inexistência jurídica.
Importa, porém, ter presente o regime do Código de Processo do Trabalho e da LAT [8], e só depois se poderá dizer se efetivamente assim é.
Vejamos então.
O art.º 135º do Código de Processo do Trabalho dispõe que na sentença final o juiz … fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso.
Pode dizer-se que tem sido entendimento pacífico na jurisprudência[9], que deste art.º 135º do Código de Processo do Trabalho – norma imperativa – resulta que na sentença, o juiz, além do mais, fixa também, se forem devidos (leia-se se houver mora), juros de mora pelas prestações em atraso mesmo que não tenham sido pedidos, consagrando um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações, e que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804º e 805º do Código Civil.
A questão posta neste recurso trata-se de saber se, havendo um acordo entre as partes, que contempla as prestações devidas aos beneficiários na sequência de acidente de trabalho, sem prever o pagamento de juros, que foi homologado por sentença que não faz também ela qualquer referência ao pagamento de juros de mora, pode depois, no caso quase 3 anos depois, ser proferida decisão a condenar no pagamento desses juros.
No acórdão do TRC de 02/05/2014, citado mais que uma vez nos autos[10], foi sumariado o seguinte:
I- Dada a natureza indisponível dos direitos emergentes de acidente de trabalho e a oficiosidade de processamento da respetiva ação, nada obsta a que a instância possa ser reaberta (para acolher a imperatividade legal) para conhecimento de direitos que, por qualquer razão, não tenham sido apreciados na ação e sobre os quais não haja formação de caso julgado.
II- Por conseguinte, se na sentença proferida não foram fixados juros de mora, havendo lugar a eles, sem que tenham sido concretamente pedidos, não havendo caso julgado sobre essa questão, a instância pode ser reaberta para a correspondente apreciação.
III- Há sempre lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e de indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor.
IV- Mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar juros de mora sobre o valor da pensão anual, não sobre o capital de remição, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento da pensão atribuída até à data da entrega do capital de remição.
Subjacente a este aresto está o seguinte:
- em 1ª instância foi proferida sentença, na qual se fixou aquele grau de desvalorização, sendo a seguradora condenada a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente a uma pensão anual, “com início em 21/03/2011, bem como a quantia de € 10,00 a título de despesas de transportes;
- foi ordenado o cálculo do capital da remição;
- no dia agendado para entrega do capital da remição, o sinistrado requereu o pagamento de juros de mora, fazendo-o posteriormente em requerimento endereçado ao tribunal a quo;
- perante esse requerimento, a seguradora defendeu que na sentença não existia qualquer condenação em juros de mora;
- foi proferido despacho a determinar o pagamento de juros;
tendo o tribunal ad quem considerado que a instância, em processo emergente de acidente de trabalho, pode ser reaberta para apreciação da questão dos juros de mora (sem pedido formalmente deduzido oportunamente), no âmbito de um incidente atípico, não havendo qualquer obstáculo formal ou material a que seja proferida uma nova decisão [não estava em causa a correção da sentença antes proferida, por lapso ou nulidade por omissão de pronúncia] sobre um pedido não antes formulado e apresentado depois da sentença proferida.
Em consonância, também o acórdão desta Secção Social do TRP de 10/03/2014[11], no qual se entendeu que o caráter oficioso da ação para efetivação de direitos emergentes de acidentes de trabalho (art.º 26º. nº 3 do Código de Processo do Trabalho) e o carácter indisponível dos direitos em causa (art.ºs 12º e 78º da LAT), levam a que decisão homologatória do acordo obtido na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho não obsta a que o sinistrado venha, posteriormente, reclamar o pagamento de juros de mora que não havia peticionado nessa tentativa de conciliação.
De resto, no acórdão desta Secção Social do TRP de 30/09/2013[12], considerou-se até que «atento a natureza oficiosa das ações emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional e o carácter indisponível dos direitos em questão, justifica-se a prolação de despacho que, mesmo depois da prolação da sentença, procede à condenação da Ré seguradora extra vel ultra petitum»[13].
Em suma, como estamos no domínio de direitos indisponíveis o serem ou não devidos juros de mora não depende da sua previsão no acordo alcançado, o que quer dizer que é irrelevante não haver previsão do pagamento de juros no acordo alcançado, pois não pode haver renúncia ao seu pagamento, pelo que desde a data da prolação sentença até à prescrição do pagamento dos juros é sempre possível ser proferida nova decisão a apreciar (no âmbito de incidente anómalo, mesmo que iniciado oficiosamente) se são ou não devidos juros de mora, e determinar o seu pagamento.
E no caso foi processado “incidente anómalo”, tendo designadamente sido observado o contraditório.
Sendo assim, concluímos que neste caso não houve esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo quanto à fixação dos juros de mora, podendo ser proferida, como foi, a decisão objeto de recurso.
A questão está então, como questionado pela Recorrente, em saber se verifica a prescrição.
A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no art.º 310º, al. d) do Código Civil, segundo a qual os juros legais prescrevem no prazo de cinco anos, acrescentando o nº 1 do art.º 306º do Código Civil que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
A Recorrente reporta a contagem do prazo de 5 anos à data da ocorrência do acidente.
Todavia, se a obrigação de juros só se constitui com a obrigação principal, o prazo de 5 anos referido só começa a correr, em face do disposto no referido nº 1 do art.º 306º do Código Civil, a partir do momento da exigibilidade da obrigação[15].
Sendo assim, só quando o acordo foi homologado a obrigação se torna exigível, só estando a partir desse momento definido o que é devido.
Deste modo, porque in casu a sentença homologatória do acordo foi proferida em 13/11/2019, é claro que não se verifica a prescrição.
Improcedem pois todos os argumentos da Recorrente, improcedendo o recurso.
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Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida (proferida em 07/09/2022).
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).
Valor do recurso: € 5.368,57[16] (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 20 de março de 2023
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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[1] Que passou a designar-se por “D...– Unipessoal, Lda.”.
[2] Tendo entretanto sido declarada a sua insolvência.
[3] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[4] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[5] O disposto no art.º 615º é aplicável aos despachos por via do nº 3 do art.º 614º, ambos do Código de Processo Civil.
[6] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 4670/2000.S1.
[7] O acórdão do TRG (secção cível) de 02/06/2016 [consultável em www.dgsi.pt, processo nº 128/12.4RTBVLN.G2], considerou haver nulidade por excesso de pronúncia, à luz do disposto no art.º 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, de acordo com a interpretação extensiva dessa disposição legal (mas com voto de vencido de um dos membros do coletivo quanto à fundamentação, por considerar verificar-se o vício da inexistência jurídica).
[8] Lei dos Acidentes de Trabalho, o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais aprovado pela Lei nº 98/2009, de 04 de setembro.
[9] Vd. jurisprudência citada por Abílio Neto, in “Código de Processo do Trabalho Anotado” – 4ª edição – janeiro 2010, Ediforum, págs. 263-267.
[10] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 121/12.7TTFIG-A.C1.
[11] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2263/12.0TTPNF.P1 (no qual é citado outro acórdão em sentido idêntico, proferido pelo mesmo coletivo em 06/01/2014, processo nº 1142/12.5TTGMR.P1, ao que se supõe não publicado).
[12] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 237/11.7TTVNF.P1.
[13] Estava em causa despacho a determinar o pagamento de indemnização por período de ITA já depois de proferida sentença.
[14] Sendo assim, em rigor o acordo será sobre os factos, decorrendo deles os direitos conferidos pelo legislador (indisponíveis).
[15] Vd. a propósito o acórdão do TRE de 11/04/2019, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 224/17.1T8MMN-A.E1.
[16] O valor que foi aceite em primeira instância como sendo aquele em causa no recurso (cfr. despachos de 14/12/2022 e 27/01/2023, e “seguro-caução” junto em 03/01/2023).