Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
186/19.0T8OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO
PRÉDIOS CONFINANTES
CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20221108186/19.0T8OBR.P1
Data do Acordão: 11/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Na comunicação para o exercício do direito de preferência, no caso de prédios confinantes, são elementos do maior relevo para a formação da vontade de contratar a indicação do preço a pagar e a identificação do comprador;
II – Não se exige forma especial para esta comunicação e, por isso, pode ser feita por qualquer meio idóneo, nomeadamente por simples declaração verbal;
III – A preferência não é transmissível em vida, nem por morte, porque é atribuída intuitu personae, admitindo-se, porém, a possibilidade de os contraentes convencionarem a transmissibilidade quer da posição ativa, quer da posição passiva, quer de ambas as posições, por ato entre vivos e/ou por morte dos respetivos sujeitos;
IV – Porém, a transmissibilidade do direito de preferência pode resultar tacitamente da própria natureza do contrato. Assim, se se estabelece a preferência em benefício do dono do prédio vizinho pela conveniência da junção dos dois prédios, é de entender que este direito deve poder transmitir-se com o terreno vizinho, desaparecendo o carácter pessoal da preferência, para ficar relacionado com um prédio;
V – O princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais, verificando-se quando um determinado direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social;
VI – Agem em abuso do direito os autores que, ignorando a posição antes assumida pelos seus pais e sogros, então titulares do direito de preferência, que não mostraram interesse em comprar os terrenos em causa, tendo, inclusive, dito que não pretendiam mais terras, vêm intentar ação de preferência, fundando-se para tal em doação entretanto feita pelos seus pais e sogros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 186/19.0T8OBR.P1
Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro
Apelação
Recorrentes: AA e BB
Recorridos: CC e DD
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Os autores AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Oliveira do Bairro intentaram a presente ação de processo comum contra os réus EE e mulher FF, residentes na Avenida ..., Matosinhos, GG, residente na Estrada Municipal ..., ..., ..., ... HH, residente em ..., ..., ..., ..., Luxemburgo e CC e DD, residentes na Rua ..., ..., ..., Oliveira do Bairro.
Pediram que:
a) se declare que os autores são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no art. 1º da petição inicial;
b) se declare que os prédios identificados em 1º e 3º são confinantes entre si;
c) se declare que os prédios somam uma área inferior à unidade de cultura prevista para a região de Aveiro;
d) se declare que a ré compradora não tem nenhum prédio confinante com os dois que adquiriu pelo título de compra identificado no art. 3º da petição inicial, nem era arrendatária dos mesmos;
e) se reconheça aos autores o direito de preferência nas duas compras efetuadas em 23.2.2018 no Cartório Notarial de Oliveira do Bairro, a cargo da notária II, pela ré CC dos prédios inscritos na matriz rústica da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho de Oliveira do Bairro, sob os artigos ..., estando o primeiro descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o nº ... da freguesia ... e o segundo sem descrição predial, assim se substituindo os autores à referida compradora naquela transmissão;
f) se condenem os réus a tudo isso reconhecer, abrindo a compradora mão dos prédios e entregando-os aos autores, livres e devolutos.
Apresentaram contestação os réus CC e DD, tendo suscitado as exceções de caducidade do exercício do direito de preferência e de abuso do direito.
Formularam também subsidiariamente pedido reconvencional, pedindo, no caso da ação ser julgada procedente, que os autores/reconvindos sejam condenados no pagamento das despesas, emolumentos e impostos referentes à aquisição no valor de 955,02€, a acrescer ao preço devido e já depositado.
Foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Por fim, proferiu-se sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos formulados.
Inconformados com o decidido, interpuseram recurso os autores que finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª – N[a] sentença de que ora se recorre encontram-se enunciados os seguintes Factos Provados N) O) P) Q) R) S) T) U) os quais tiveram como alicerce a convicção do Tribunal formada nos depoimentos de JJ, KK, e, LL – os quais deu como credíveis.
2.ª – Os depoimentos de JJ (também ali designada por JJ), de KK, e, de LL, for[am] produzidos em sede de diligência datada de 23.11.2021 e gravados entre os parâmetros horários 11:43:09 e 12:03:47, e, 12:04:59 e 12:14:21, e, 14:21:53 e 14:32:27, respectivamente.
3.ª – JJ refere que esteve no terreno com o falecido MM onde este foi conversar com o NN na baliza temporal mediada entre as festas de Natal de 2017 e passagem de ano de 2017/2018 e a data de 23.02.2018 que é a da lavra [da] escritura de compra e venda dos artigos rústicos em causa nos autos.
4ª – KK refere que o falecido MM e a testemunha JJ se deslocaram a sua casa “para lhe oferecer o terreno” depois de terem estado a conversar com o NN (o que da conjugação dos dois depoimentos resulta que terá sido nesse alegado dia em que MM e JJ terão alegadamente ido ao terreno, alegadamente, falar com o NN).
5.ª – LL refere que tenha estado no terreno de NN, e com NN, uma semana ou dias depois de seus pais terem realizado a escritura de compra e venda dos terrenos objecto da preferência (a qual é datada de 23.02.2018 uma sexta-feira, o que coloca a baliza temporal em 02.03.2018 também uma sexta-feira).
6.ª – JJ refere que a proprietária dos terrenos em causa, seja a Dª GG na altura do natal de 2017 e da passagem de ano de 2017/2018 encarregou o Sr. MM para lhe vender os terrenos, e, este depois dessa data terá ido falar com o Sr. NN a casa deste e a um terreno onde este último andava nas couves (“couve coração” e “trinxuda”) “[…] virado de costas para nós e baixado […]” – enquadrando assim o local e ocasião onde alegadamente terá ido com o tal MM falar com o NN.
7.ª – NN por essa mesma altura (vã inglória do destino) do Natal de 2017 e passagem de ano de 2017/2018 padeceu de grave doença ao nível da coluna o que motivou a realização em 15.12.2017 de TAC denominada TC MULTICORTE da COLUNA LOMBO-SAGRADA, sendo que em resultado do mesmo foi submetido a cirurgia em 02.01.2018 em resultado de “recidiva de hérnia discal L4L5 esquerda” conforme declaração emitida pela Médica de Família Dra OO, e, nessa sequência já em 02.04.2018 em relatório de neurocirugia dos Hospitais ... se refere “[…] Em Dezembro recidiva de ciatalgia incapacitante à esquerda tendo feito RM Lombar urgente e mostra volumosa hérnia discal L4-5 esquerda e moderado aperto cincunferencial e foraminal L3-34 devido às alterações degenerativas e á fibrose epidural. Foi re-operado de urgência com excisão da hérnia discal L4-5 esquerda recidivada. Doente mantém lombalgia e irradiação das dores aos membros inferiores não conseguindo estar em pé mais de uma hora seguida. […]”, sendo que a mesma conclusão clínica é plasmada em sede de relatório médico emitido pela Dra. OO em 14.05.2018 e em resultado de tal maleita veio a ser conferida a NN a incapacidade permanente global de 28% – tudo conforme cópias desses mesmos documentos que ora se juntam sob os nºs 1, 2, 3, 4 e 5 cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.
8.ª – Os documentos em causa respeitam à reserva da vida privada de NN (que foi testemunha nos autos), que só após ter tido conhecimento dos depoimentos de JJ e de KK e da sua essencialidade/alicerce de toda a sentença em ter dado como provado os pontos N) O) P) Q) R) S) U) e subsequentemente o desfecho da presente demanda em sede de primeira instância.
9.ª – Não tinha sido invocado/alegado em sede de contestação, ou em quaisquer requerimentos, pelos RR que a testemunha JJ tivesse estado com a testemunha NN no terreno em causa (seja no do objecto do litígio e no terreno confinante à data propriedade do NN) sequer e muito menos naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, e, que na decorrência do depoimento daquela e da conjugação com o da testemunha KK que aquela e o falecido MM tivessem ido logo de seguida (depois de alegadamente terem estado com NN) se deslocado a casa da testemunha KK lhe oferecer o terreno em questão (o que de igual modo também não foi invocado/alegado em sede de contestação).
10.ª – Não foram invocados/alegados tais factos em sede de contestação, factos atinentes às testemunhas JJ, KK, e, LL, (nem qualquer outra altura do processo) pelo [que] não foi possível aos AA e ora recorrentes se defenderem de tal, pelo que, só após tomarem conhecimento do teor da sentença e do alicerce da mesma para a prova dos factos é que solicitaram a este último que lhes fizesse o especial favor de lhes facultar tais documentos.
11.ª – Com efeito só após 04.02.2022 é que os AA e ora recorrentes é que tiveram acesso aos documentos, pelo que lhes só é agora possível fazer junção dos mesmos aos autos, o que lhes é permitido por força do plasmado nos Art.s 651.º nº 1 CPC e 425.º e 423.º ambos, também, do CPC.
12.ª – Conforme resulta do disposto do Art. 651.º nº 1 do CPC as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
13.ª – Mais se lê no artigo 425.º do CPC que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso do recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
14.ª – Neste circunspecto, António Abrantes Geraldes, explicita que “em sede de recurso é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva e subjectiva), podendo, ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição, pág. 229.
15.ª – Existe, assim uma justificação objectiva e subjectiva da necessidade da junção dos documentos supra referidos por forma a que se obtenha uma boa decisão da causa, em abono do princípio da verdade e da boa fé processual, pois que os documentos em causa, porquanto cópia de documentos emitidos por entidades públicas fazem claudicar os depoimentos em crise.
16.ª - Do depoimento de JJ resulta que em relação à oferta do terreno a NN em primeiro que o MM tenha ido a casa deste último e passado uma semana (isto enquadrado entre 10.01.2018 a 14.01.2018) que lhe o ofereceu de novo na terra que aquele estava a trabalhar (no meio das couves) o que não pode ser continuado a ser tido como credível em virtude de NN ter sido sujeito a intervenção cirúrgica à coluna em 02.01.2018 e em Maio de 2018 ainda não conseguia estar de pé por [m]ais de uma hora.
17.ª – De acordo com os parâmetros do Homem Médio e as legis artis o internamento pode variar entre dois a cinco dias (pelo que se teria estendido pelo menos até 08.01.2018) o que aquando da tal data de cerca de 10.01.2018 (atendo às declarações de JJ) do alegado telefonema de ... a recusar a compra do terreno e a subsequente deslocação de MM a casa do NN este último ainda não estaria em condições de o receber por força da dita cirurgia, e, muito menos dois ou três dias depois (13.01.2018/14.01.2018) estaria em condições físicas de andar num terreno no meio das couves e baixado!!
18.ª – Do cotejo entre os documentos ora juntos e as declarações de JJ resulta à saciedade que esta última não pode estar a dizer a verdade.
19.ª – Resultando, ainda, do mesmo depoimento que a testemunha JJ muito embora estivesse perto de MM e de NN não ouviu a conversa, apenas viu movimentos de mãos e de cabeça, inventando de sua cabeça o que pensou que NN estivesse a dizer a MM.
20.ª – Por outo lado, resulta de tal depoimento que a testemunha apenas viu NN e que não foi capaz de reconhecer tal pessoa no Tribunal, o que só por si também faz claudicar a veracidade do seu depoimento.
21.ª – Referiu de igual modo que ela própria depois de ter estado com MM e NN no tal terreno, e este último rejeitar o terreno, se deslocaram a casa de KK no sentido de lhe oferecerem o terreno a 1,50€ o metro, ora não pode ser levado em linha de conta pois que do cotejo entre os documentos juntos (que atestam que NN estava impossibilitado de trabalhar em virtude de tamanha cirurgia) e o depoimento, e de acordo com o Homem Médio resulta de todo falso o referido por JJ.
22.ª – De referir que tal testemunha nunca refere em que momento temporal os AA se deslocaram a casa de MM, nem nunca refere expressa ou implicitamente que MM lhes tenha comunicado a estes ou a NN, o preço, as condições de pagamento, e o momento da escritura. Ainda levou a crer ao Tribunal que NN e os AA andariam de relações cortadas contudo tal colide com a verdade material e factual pois que aquele doa a estes em 26.04.2018 um terreno, um Pai desavindo com filhos não lhes doa terrenos.
23.ª – No que respeita a KK (depoimento gravado em 23.11.2021 baliza horária entre 12:04:59 e 12:14:21) resulta na essência que esta teve conhecimento da intenção de venda do terreno, a 1,50€ o metro, no dia em que JJ e MM se deslocaram a sua casa vindos de falar com NN no tal terreno, sendo que não pode o Tribunal valorar tal em virtude dos documentos ora juntos, pois que o depoimento em si mesmo [s]e trata de uma colagem ao de JJ por forma a contar uma estória que fizesse crer que assim se tivesse ocorrido tal comunicação.
24.ª – Da mesma forma não pode ser valorado em toda a sua extensão pois que se trata de uma colagem ao depoimento de JJ e se reportando apenas e tão só a factos que não poderiam ter acontecido em virtude de NN estar impedido de trabalhar por força da cirurgia e assim não se poder deslocar para fora de casa, atente-se que pretende fazer crer que tal passagem se situa em Janeiro de 2018 e em Maio desse mesmo ano NN ainda tem dificuldades em estar de pé por mais de uma hora.
25.ª – Por outro lado não resulta do seu depoimento que NN tenha tido conhecimento do negócio nem tão pouco os AA.
26.ª - No que respeita ao depoimento de LL (depoimento em 23.11.20211 na baliza horária entre 14:21:53 e 14:32:27) o mesmo por se reportar ao período temporal de uma semana depois de 23.02.2018 (altura em que NN estava a recuperar de uma cirurgia à coluna) e “plantar” NN no meio de um terreno a trabalhar quando este em maio de 2018 ainda não conseguia estar de pé por mais de uma hora, faz por si só claudicar a sua credibilidade, não podendo ser dado como provado que NN tenha dado tratamento deu aos prédios [sic] como sendo a terra dos pais da testemunha LL.
27.ª – Da análise e cotejo efectuados entre os documentos ora juntos e os depoimentos que supra se colocam em crise, resulta clamorosamente, que é falso o reproduzido pelas testemunhas JJ, KK e LL em sede de diligência.
28.ª – Lembra-se que NN havia sido intervencionado à coluna em 02.01.2018 pelo que em finais de Fevereiro início de Março de 2018 ainda se encontrava em convalescença, não sendo de todo verosímil que estivesse no terreno a trabalhar, muito menos em janeiro de 2018, até porque em Maio de 2018 é atestado medicamente que tem dificuldades em estar de pé por cerca de uma hora quanto mais trabalhar naqueles lugares de tempo.
29.ª – Importa assim valorar os depoimentos de forma diversa, por não corresponderem de todo à verdade, e, na sequência não dar como provados os pontos N) O) P) Q) R) S) T) U) da sentença ora em crise, e, não dando como provados tais pontos, impõe-se a prolação de uma nova decisão que importe no não conhecimento de qualquer negócio e declarar por verificada a preferência reclamada.
30.ª – Não obstante as conclusões supra expostas, ainda se dirá, sem prescindir e por dever de patrocínio, que mesmo que se mantivesse a matéria de facto inalterada, ainda assim a conclusão teria de ser precisamente a oposta à constante da douta sentença recorrida, que não fez uma correta apreciação jurídica da questão em causa.
31.ª – Não foi feita qualquer comunicação para a preferência apta a produzir efeito[s] jurídicos, nomeadamente a desencadear qualquer prazo. Apenas uma mera proposta de contrato.
32.ª – O art. 416.º, n.º1 do Código Civil, implica a transmissão dos elementos essenciais da alienação, designadamente da data da celebração do negócio, das condições de pagamento, da identificação do projectado comprador, etc. De todos os elementos condicionantes da vontade de contratar e preferir. O que nunca foi feito.
33.ª - Em nenhum lugar da matéria de facto, se dão como provados factos consubstanciadores da procedência da exceção de caducidade.
34.ª – O facto provado em R, é um facto impossível e contém uma contradição insanável nos termos em que está redigido, porque não se pode ter conhecimento de uma compra e venda, antes da mesma ocorrer.
35.ª – O facto provado em R, não pode ser “remendado” nem se pode ficcionar que se refere a um projeto integral da compra e venda, porque a ser assim, não haveria motivo para se dizer na douta sentença recorrida, que a notificação para preferir “(...) não se verificou totalmente (...)”.
36.ª – A obrigação de comunicar é infungível por natureza e a comunicação feita por terceiro (mesmo quando efetuada pelo próprio terceiro interessado em adquirir) não tem relevância jurídica.
37.ª – A obrigação de comunicar não se vale com rumores da terra; nem com comentários feitos com base nesses rumores; feitos apenas por um dos elementos de um casal; e em data também não apurada, como se refere em T) da matéria dada como provada.
38.ª[1] – Os elementos essenciais do negócio certamente também não foram alcançados entre Janeiro/2018 e 23/02/2018, pela consulta de uma escritura antes da mesma existir.
39.ª – O facto provado em R - impossível nos termos em que está redigido - pretende fazer equivaler o conhecimento “da compra e venda mencionada”, com uma mera proposta de contrato de compra e venda, o que se admite expressa e claramente na fundamentação da douta sentença recorrida.
40.ª – Não se apurou que os titulares do direito de preferência tenham tido conhecimento dos elementos essenciais do negócio mais de 6 meses antes da propositura da ação.
41.ª - O ónus da prova da caducidade cabia aos réus. Não o tendo provado, a ação não caducou.
42.ª – Nos termos do art. 420.º do Código Civil, neste caso, a transmissibilidade do direito de preferência está relacionada com a propriedade dos prédios e fim visado de emparcelamento, pelo que a sua doação - ao invés de implicar uma renúncia à preferência - implica a transmissão do direito de preferência para os autores.
43.ª – As consequências que daí advenham aos réus por não terem oferecido nos termos legais o direito de preferência – o que é um facto ilícito – são de sua culpa e responsabilidade.
44.ª – Em consequência do supra exposto, todos os considerandos que de acordo com a douta sentença recorrida fundamentariam um abuso de direito, estão errados.
45.ª - Não há qualquer “renovação” ou necessidade de renovação do direito de preferência, trata-se da obrigação de o mesmo ser concedido uma única vez de forma válida.
46.ª - Ocultando-se e sem se saber os elementos essenciais do negócio, nem sequer se pode falar de interesse ou desinteresse em contratar com relevância jurídica (essa resposta trata-se de mera declaração de ciência e não uma declaração de vontade).
47.ª – Não há qualquer renúncia à preferência por omissão ou inação, uma vez que a ação ou caducou ou não caducou. E o prazo de caducidade inicia-se nos termos legais.
48.ª - Nem sequer é legalmente possível neste caso uma renúncia antecipada à preferência.
49.ª – Os “usos da terra” – não provados sequer - não podem representar uma completa desobrigação do cumprimento de obrigações legais.
50.ª – A douta sentença recorrida violou o disposto pelas disposições legais supracitadas, que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas como supra exposto. Deve ser revogada, reconhecendo-se aos autores o peticionado direito de preferência.
Os réus CC e DD apresentaram contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) A douta sentença não merece a censura que lhes é infligida pelos recorrentes, constituindo um verdadeiro exercício de justiça material a que estes se convenceram poder obstar, considerando a ausência de comunicações escritas que facilitem a prova do não exercício do direito de preferência aqui em causa.
B) Embora em nada abalem os factos provados nem a respectiva motivação, é inadmissível a junção dos documentos que acompanham o recurso dos autores, devendo estes ser desentranhados.
C) Trata-se de documentos do foro médico, cujo visado é NN, pai/sogro dos recorrentes, que depôs em audiência final e que é proprietário dos terrenos adquiridos pelos recorrentes.
D) A junção dos documentos datados de 15/12/2017, 02/04/2018, 14/05/2018 e 03/02/2020, deveria ter ocorrido até ao encerramento da discussão, de acordo com o disposto no artigo 425º do CPC, e sendo o quinto posterior a esse momento, pois é datado 04/02/2022, é em todo o caso irrelevante, dado ser muito posterior aos factos e nada acrescentar em relação aos outros documentos.
E) As alegadas maleitas do foro lombar ou cervical de que pudesse padecer o pai/sogro dos recorrentes, eram com certeza conhecidas destes à época do negócio em causa e, senão antes, na pendência destes autos, dado que o próprio NN se referiu a eles na audiência final, como motivo para a doação aos autores porque “já não podia fazer nada” nos terrenos.
F) O que motiva a junção destes novos documentos em recurso não é o julgamento proferido em 1ª instância (artigo 651º, n.º 1, do CPC) mas sim as declarações proferidas por uma testemunha (JJ) na audiência final, a que os recorrentes assistiram, através do seu ilustre mandatário.
G) Já tinha sido alegado na contestação que a comunicação para preferência ocorreu mediante contactos pessoais com o referido NN, e não mediante correspondência escrita, inclusive com indicação do lapso temporal em que tais contactos ocorreram: “entre o mês de Janeiro e a da escritura pública de 23/02/2018” (facto provado R).
H) Portanto, quaisquer que fossem as circunstâncias concretas dos contactos com NN que as testemunhas viessem a relatar na audiência afinal, os recorrentes já estavam em condições, desde os articulados, de contraditar tais relatos até ao encerramento da discussão, juntando ou não tais documentos, mas sobretudo inquirindo a própria testemunha NN, por si arrolada, em audiência final, sobre o seu estado de saúde na época.
I) Não se pode esquecer que os recorrentes não se limitam a alegar que o alegado estado incapacitante de NN impossibilitava o contacto de MM consigo no seu terreno, com este a apanhar couves: mais do que isso, também o impossibilitava, segundo os recorrentes, de receber aquela pessoa mesmo que fosse em sua casa.
J) Se é assim, logicamente que os recorrentes não foram surpreendidos em audiência final, e muito menos no julgamento da causa, com uma impossibilidade que, na sua tese, já não pudessem ter antecipado, ou seja, a impossibilidade do seu pai/sogro ter tido contacto com MM, seja em casa ou fora de casa, razão pela qual a junção de tais documentos em recurso carece de fundamento legal, o que deve determinar a sua inadmissibilidade e consequente desentranhamento.
K) Independentemente da inadmissibilidade da junção de tais documentos, os recorrentes deturpam o seu teor e o depoimento das testemunhas para tentarem alcançar o resultado pretendido, que é a descredibilização absoluta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorridos.
L) No que concerne ao depoimento da testemunha JJ, na passagem áudio que os recorrentes invocam ela nunca diz que NN estava “a trabalhar” nas couves, ao contrário do que os recorrentes passam as suas alegações a repetir, mas apenas que “esse senhor estava lá com couve baixa, (…) virado de costas para nós e vergado no meio”.
M) Destas palavras pode retirar-se que JJ viu NN no seu terreno, aparentemente a apanhar uma ou mais couves, que podiam simplesmente ser para o seu consumo, e não “a trabalhar”.
N) Além disso, não é verdade que JJ tenha situado no tempo tal encontro de MM com NN logo nos primeiros dias de Janeiro de 2018, entre 10/01/2018 e 14/01/2018 (2º encontro, no terreno) e uma semana antes (1º encontro, em casa de NN), ao contrário do que os recorrentes forçam (v. conclusões 16ª e 17ª), para se aproximar o mais possível do dia 02/01/2018, que alegam ser o dia duma segunda cirurgia (apesar de não resultar dos documentos nenhuma cirurgia nessa data concreta).
O) De acordo com as transcrições já efectuadas antes das conclusões, que por economia se dão por reproduzidas, o que disse JJ, nomeadamente ao minuto 15:54 do seu depoimento, foi: “Não sei, podia ser Fevereiro, Março, por ali, eu não sei”, reportando-se ao ano de 2018, isto após ter dito que a proprietária D. GG, aqui ré, “veio por volta do Natal, ela veio cá passar o Natal e o Ano Novo, e eu penso que aquela ordem foi dada naquela altura” (minuto 14:57).
P) Seja como for, os documentos juntos em recurso, cujo teor e efeito probatório se impugna, podem até fazer crer que NN teria dificuldades acrescidas, mas de modo algum dizem ou sequer indiciam, e muito menos provam, que NN estivesse impossibilitado (muito menos de forma absoluta) de ir apanhar couves ao seu quintal.
Q) O documento n.º 3, de 02/04/2018, diz até que NN “Foi re-operado de urgência”, “mantém lombalgia e irradiação das dores aos membros inferiores, não conseguindo estar em pé mais de uma hora seguida” (ênfase nosso), do que decorre, a contrario, que conseguia estar de pé até uma hora, o suficiente para ir ao seu quintal apanhar uma couve ou mais.
R) Pelo exposto, é completamente infundado o descrédito a que os recorrentes vetam os depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorridos, em particular JJ, tentando com isso fazer esquecer as evidências em sentido totalmente contrário, anotadas na douta sentença, acerca da falta [de] credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorrentes, incluindo o de NN, e das declarações do autor, em audiência final.
S) Pelo exposto, deve ser indeferida a reapreciação da prova gravada e impugnação da matéria de facto defendida pelos recorrentes.
T) Defendem os recorrentes que a decisão recorrida sempre deveria ter sido em sentido contrário, mesmo sem alteração da matéria de facto.
U) No que concerne à comunicação para preferência, os recorrentes obliteram, além do mais, que foi demonstrado que NN, anterior proprietário, logo que confrontado por MM com a intenção de vender os imóveis pelo valor de 6.000,00€, declarou de forma peremptória e inequívoca “que não pretendia mais terras” (facto provado S)).
V) Esse absoluto desinteresse de NN em mais terras, ficou igualmente patente no seu próprio depoimento em audiência final, no qual asseverou que nem nas terras dele próprio tinha já interesse, e por isso as deu ao genro autor, porque já não as podia trabalhar – veja-se as transcrições do seu depoimento efectuadas antes das conclusões, que aqui se dão por reproduzidas, e cujas gravações sempre o Tribunal ad quem certamente ouvirá, mormente as seguintes passagens:
[2:20] Advogado dos autores (Adv AA): Senhor NN. Portanto, o senhor fez doação de três terrenos, está aqui provado, ao seu genro e à sua filha, não é?
NN (NN): Sim sim, desde que eu fui operado, não pude fazer mais nada.
[2:35] Advogado (Adv AA): Olhe, e já agora, antes do senhor fazer a doação, o seu genro e a sua filha já faziam, amanhavam aqueles prédios?
NN: Não, não faziam. Antes de eu fazer a doação ainda não faziam. Eu só dei os terrenos depois de ser operado porque o médico disse para eu não fazer mais nada porque fui operado duas vezes à coluna.
[6:05] NN (…) Ó homem eu dou-te os terrenos, eu não quero, não preciso, eu não posso fazer mais nada, eu dou-te os terrenos.
W) Este depoimento é também consentâneo com a resposta que deu aos réus vendedores, através de MM, vertida no facto provado S) (que “não pretendia mais terras”), confirmando a verosimilhança do depoimento das testemunhas arroladas pelos recorridos, em particular de JJ, o que é coisa diferente de retirar da doação uma renúncia ao direito de preferência, como os recorrentes querem fazer crer que se fez na douta sentença.
X) No que respeita à caducidade, também não merece censura o entendimento vertido na douta sentença, segundo o qual o direito de acção caducou, se não antes, no dia 23/08/2018, seis meses após a escritura de compra e venda, porque era conhecida dos então proprietários.
Y) Isso não é contrariado com o ataque dos recorrentes ao texto do facto provado R), que consiste em os pais/sogros dos autores “não poderem ter conhecimento duma compra e venda antes dela ocorrer”, sendo evidente que esse facto provado se refere à escritura pública apenas quanto à data em que ela se realizou, de 23/02/2018, aí mencionada como limite temporal, ao passo que antes disso, entre o mês de Janeiro e essa data da escritura, se refere ao conhecimento “da compra e venda” enquanto negócio projectado e oferecido aos pais/sogros dos autores.
Z) Sem esquecer que o próprio autor, como se disse, admitiu na audiência final que “teve conhecimento do negócio até duas a três semanas da escritura”, embora tenha depois tentado remediar esse seu “descuido com a verdade”, como lhe aponta a douta sentença.
AA) Sobre a dita “transmissibilidade do direito de preferência”, é outra falsa questão aventada pelos recorrentes, dado que não se pode transferir um direito ao adquirente se esse direito já se esgotou na esfera jurídica dos alienantes, como é o caso, dado que estes manifestaram o seu desinteresse pelo negócio.
BB) Por fim, também andou bem a douta sentença ao considerar procedente o abuso do direito dos autores, tendo em conta os factos provados e o contexto em que ocorreram, mormente os pais/sogros dos autores não quererem adquirir mais terras, referirem-se às terras objecto de preferência como sendo dos réus, “não podendo os autores agir como se nada [os seus sogros/pais] soubessem (quando sabiam) e como que beneficiassem de uma renovação do direito de preferência, sem qualquer consideração pela actuação do seu pai/sogro, como que se a doação limpasse o desinteresse manifestado pelo anterior proprietário”.
Pretendem assim que seja declarada inadmissível a junção de documentos no recurso dos autores e que a sentença recorrida seja confirmada.
O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
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QUESTÃO PRÉVIA
Nas suas alegações de recurso, os autores/recorrentes vieram juntar cinco documentos de natureza médica, todos referentes à testemunha NN, mais concretamente:
1- relatório de TC Multicorte da Coluna Lombo-Sagrada efetuado em 15.12.2017 pelo Sr. Dr. PP;
2- relatório de neurocirurgia efetuado pelo Sr. Dr. QQ e datado de 2.4.2018;
3- relatório médico efetuado pela Sr. Dr.ª OO em 14.5.2018;
4- atestado médico de incapacidade multiuso, datado de 3.2.2020, onde se confere a incapacidade permanente global de 28% a NN;
5- relatório médico, emitido pela Sr.ª Dr.ª OO a pedido do utente em 4.2.2022, onde se consigna que “este foi submetido a 02/01/2018 a Recidiva de Hérnia discal L4L5 esquerda.”
Os recorrentes fundamentam a junção de toda esta documentação médica, relativa a NN, apenas em fase de recurso pelo facto de só após o desfecho da demanda em 1ª Instância se terem apercebido da essencialidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas JJ e KK para a sentença recorrida, designadamente no que concerne à alegada oferta do terreno por parte do MM (em representação dos donos) ao NN.
Vejamos então.
Dispõe o art. 651º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil que «as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância
Por seu turno, o art. 425º estabelece que «depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 813), em anotação ao citado art. 651º, escrevem:
“No recurso de apelação, é legítimo às partes fazer acompanhar as alegações de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), ou quando tal apresentação apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido. A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.”
“No que tange à parte final do nº 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ 26-9-12, 174/08, RP 8-3-18, 4208/16 e RL 8-2-18, 176/14).”
Regressando ao caso dos autos, o que se verifica é que a documentação médica cuja junção se pretende respeita à testemunha NN que depôs na audiência de julgamento realizada no dia 23.11.2021 e é pai da autora e sogro do autor, sendo que nesse momento todos os problemas de saúde de que este eventualmente padeceria a nível lombar eram do conhecimento dos recorrentes.
Aliás, todos os quatro primeiros documentos se reportam a datas anteriores à audiência de julgamento e o quinto, embora seja um relatório médico datado de 4.2.2022, refere-se a uma situação clínica ocorrida com a testemunha NN em 2.1.2018.
Por isso, nenhum dos cinco documentos se recorta como tendo natureza superveniente.
Aliás, não é a superveniência o fundamento invocado pelos recorrentes para a junção dos documentos, mas antes a necessidade dessa junção imposta pelo teor da sentença proferida pela 1ª Instância.
Só que esse fundamento não é colocado na sentença propriamente dita, mas sim no relevo que para a mesma tiveram os depoimentos produzidos pelas testemunhas JJ e KK.
E se assim é, os autores, confrontando-se com os depoimentos destas duas testemunhas, deveriam desde logo ter providenciado pela junção da referida documentação aos autos até ao encerramento da discussão, requerendo, a esse propósito, o que tivessem por conveniente, nomeadamente prazo para a sua obtenção.
O que não podem é pretextar surpresa relativamente ao decidido quanto à importância que foi conferida àqueles dois depoimentos testemunhais, tanto mais que do seu conteúdo, e em particular no que concerne ao da testemunha JJ, era manifesta essa importância, atendendo a que esta como cuidadora de MM, representante dos donos dos prédios vendidos, afirmou ter acompanhado as diligências e contactos tidos por este com vista a essa venda, designadamente junto do NN.
Certo é que em sede de contestação os réus nada referiram quanto à forma como a testemunha JJ teve conhecimento dos factos relevantes para a ação em que interveio a testemunha NN, mas também é certo que logo nessa peça processual se alegou que a este os terrenos foram “oferecidos” verbalmente por MM entre o mês de janeiro e uma a duas semanas antes da escritura de 23.2.2018.
Por conseguinte, a concreta forma como se processaram eventuais contactos havidos entre a testemunha NN e o representante dos donos dos terrenos – MM – quanto à venda destes sempre se trataria ab initio de questão factual da maior relevância, relevância que ainda mais se acentuou depois de prestado depoimento por parte da testemunha JJ, de tal modo que os autores logo deveriam ter diligenciado pela junção da prova documental aqui em causa, em vez de terem aguardado a prolação da sentença que se vem a traduzir num resultado que, perante a prova produzida em audiência, nada teve de surpreendente.
Deste modo, não pode a junção de documentos pretendida pelos autores fundar-se nas disposições conjugadas dos arts. 651º, nº 1 e 425º do Cód. do Proc. Civil.
Assim, decide-se ordenar o desentranhamento dos documentos juntos em fase de recurso, determinando-se a sua restituição aos autores.
Custas pelo incidente anómalo a cargo dos autores/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça no mínimo – cfr. art. 7º, nº 8 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa.
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APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – A reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
II – A notificação para preferência;
III A caducidade;
IV A transmissibilidade do direito de preferência;
V O abuso do direito.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida [por transcrição]:
A) Encontram-se inscritos a favor dos autores os seguintes prédios rústicos.
a. Terra de cultura nas ..., União das Freguesias ..., ... e ..., com a área de 1.300m2, a confrontar do norte com limite da Freguesia, do sul com RR, do nascente com SS e do poente com TT, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo ... (anterior art.º 873 da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o n.º ... da freguesia ..., mediante a AP. ... de 2018/05/15;
b. Terra de cultura nas ..., União das Freguesias ..., ... e ..., com a área de 750m2, a confrontar do norte com limite da Freguesia, do sul com UU, do nascente com VV e do poente com WW, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo ... (anterior artigo ... da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o n.º ... da freguesia ..., mediante a AP. ... de 2018/05/15;
c. Terra de cultura nas ..., União das Freguesias ..., ... e ..., com a área de 1.300m2, a confrontar do norte com limite da Freguesia, do sul com UU, do nascente com XX e do poente com SS, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo ... (anterior artigo ... da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o n.º ... da freguesia ..., mediante a AP. ... de 2018/05/15;
B) Esses prédios foram transmitidos aos autores por doação dos pais da autora mulher, NN e YY, por escritura outorgada a 26 de Abril de 2018, de folhas 129 a 131 do livro de notas para escrituras diversas nº 80-G, do Cartório Notarial de Oliveira do Bairro;
C) Por escritura pública de compra e venda outorgada a 23 de Fevereiro de 2018 no Cartório Notarial de Oliveira do Bairro:
a. A ré GG (ali representada pelo réu EE), vendeu à ré CC o imóvel correspondente a Terra de cultura, sita nas ..., freguesia ..., ... e ..., concelho de Oliveira do Bairro, a confrontar do norte com ZZ, sul AAA, nascente XX e poente BBB, inscrita na matriz rústica sob o artigo ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob a ficha três mil trezentos e oitenta e três e registada a favor da vendedora mediante a AP. ... de 1999/08/13, a qual esteve inscrita na matriz rústica da extinta freguesia ... sob o artigo ...;
b. O réu EE, agindo por si e ainda em representação das rés GG e HH, vendeu à mesma ré CC o prédio correspondente a Terra de cultura, com mil quatrocentos e noventa metros quadrados, sita nas ..., União das Freguesia ..., ... e ..., deste concelho, a confrontar do norte com SS, sul AAA, nascente CCC e poente RR, inscrita na matriz rústica sob o artigo ..., sem descrição na Conservatória do Registo Predial;
D) O preço de cada uma das referidas compras e vendas foi de 3.000,00€ (três mil euros), totalizando o preço global de 6.000,00€;
E) Os dois prédios referidos em C) são contíguos entre si;
F) Os prédios referidos em A) são contíguos entre si;
G) De acordo com o teor de inscrição matricial e o teor de descrição predial o prédio dos autores inscrito na matriz sob o artigo ... da União das Freguesias ..., ... e ... confina do lado norte com o prédio vendido sob o art.º 4001 da mesma matriz;
H) De acordo com o teor de inscrição matricial e o teor de descrição predial os restantes dois prédios dos autores, que são os inscritos sob os artigos ... e ..., confinam do lado norte com o prédio vendido sob o artigo ...;
I) De acordo com a inscrição matricial e a descrição predial, cada um dos prédios é composto de terra de cultura;
J) De acordo com o teor de inscrição matricial e teor de descrição predial os três prédios dos autores têm a área declarada de 3350m2;
K) A ré CC não era, na data de celebração da escritura pública referida em C), proprietária, comproprietária ou arrendatária de terreno agrícola confinante com aqueles que declarou comprar naquela escritura;
«»
L) O prédio identificado em C) a. tem a área de 2.000m2;
M) O prédio identificado em C) b. tem a área de 2.000m2;
N) Os vendedores identificados em C), por altura das Festas de Natal e Ano Novo de 2017 encarregaram MM, residente no ... pessoa considerada no local, de diligenciar por arranjar um comprador para os prédios rústicos que são objecto da presente acção;
O) Foi o valor de 6.000,00€ que MM indicou, em nome dos herdeiros de EE, pelos terrenos;
P) Os réus vendedores, identificados em C) comunicaram aos ainda proprietários dos prédios identificados em B) a sua intenção de vender os prédios identificados em C);
Q) Comunicaram o preço, especificando-se que foi indicado o preço de 1,50€ por metro quadrado;
R) NN e YY, pais da autora e sogros do autor, tiveram conhecimento da compra e venda mencionada entre o mês de Janeiro e a data da escritura pública de 23/02/2018;
S) Nem estes, nem outros manifestaram intenção de comprar os terrenos, tendo inclusivamente NN declarado que não pretendia mais terras;
T) NN dirigiu-se a LL, filho do réu DD, referindo-se aos prédios em discussão como “a terra do teu pai”;
U) Os autores, após a escritura de compra e venda de 23/02/2018, em data não concretamente apurada, foram a casa de MM perguntar se o negócio com os réus contestantes já tinha sido formalizado, porque estavam interessados em comprar os terrenos em causa e tinham sabido que os referidos sogros e pais tinham manifestado desinteresse e descartado a respectiva compra;
V) A presente acção foi proposta no dia 20/03/2019;
W) O preço da venda está depositado.
«»
X) Os reconvintes pagaram o valor de 434,02€ pela outorga da escritura de compra e venda mencionada em C);
Y) Os reconvintes pagaram a quantia de 175,00€ pelo registo dos prédios mencionados em C), após a compra e venda aí igualmente mencionada;
Z) No contexto do descrito em X), os reconvintes liquidaram, a título de imposto de selo, a quantia de 48,00€ e a título de I.M.T., a quantia de 300,00€.
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Os factos não provados são os seguintes [por transcrição]:
I. Os autores só tiveram conhecimento da compra e venda mencionada no dia 02/01/2019, quando o autor se deslocou ao Cartório Notarial de Oliveira do Bairro;
II. O autor deslocou-se ao referido Cartório Notarial logo após ter sido alertado por pessoa que o informou da referida compra e venda;
III. No contexto de N) a Q), a identificação dos compradores;
IV. No descrito em T), e YY;
V. No descrito em U), semanas após a escritura de compra e venda mencionada, mas ainda antes da escritura de doação de 26/04/2018;
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – A reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto
1. Os autores/recorrentes insurgem-se contra as alíneas N), O), P), Q), R), S), T) e U) da factualidade assente entendendo que as mesmas não podem ser dadas como provadas.
Nesse sentido indicam largos excertos do depoimento prestado pela testemunha JJ, que os recorrentes entendem ter faltado à verdade ao tribunal, bem como dos depoimentos das testemunhas KK e LL.
Indicam também a prova documental que acompanhou as suas alegações de recurso, mas esta, pelas razões que atrás se expuseram, não foi admitida, por desrespeitar o disposto nos arts. 651º, nº 1 e 425º do Cód. de Proc. Civil, e, por isso, não poderá ser valorada.
Atendendo a que na impugnação da decisão de facto foram respeitados os ónus previstos no art. 640º, nºs 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil ir-se-á proceder então à sua apreciação.
2. O Mmº Juiz “a quo” fundamentou pela seguinte forma a sua convicção relativamente à factualidade impugnada:
“No que respeita aos factos descritos de N) a W)[2], a sua demonstração decorre essencialmente da valoração positiva da prova produzida pelos réus em detrimento da prova produzida pelos autores.
O testemunho de JJ mostrou-se isento e credível, com evidenciada razão de ciência da factualidade que descreveu ao Tribunal. Com efeito, a testemunha não é do ... mas há muito que cuidava da casa e do quotidiano da falecida testemunha MM (testemunha arrolada na contestação e que acabou por não prestar depoimento por falecimento), acompanhando-o na sua vida diária dentro e fora de casa e com o mesmo privando.
Nessa medida e como por si explicitado de forma desinteressada, JJ tem conhecimento directo do quadro factual da tentativa da venda e do resultado negativo das abordagens feitas. Nenhum dos confinantes se mostrou interessado.
Trata-se de um testemunho que viveu os factos com a testemunha MM e que com ele conversava sobre esses factos. Há partilha e vivência conjuntas, pelo que a testemunha relata o que experienciou, assim como aquilo que ia sendo transmitido por MM. Não se [trata] de este contar a história à testemunha, de a viverem conjuntamente. Disso é exemplo a conversa com NN. É certo que a testemunha ficou afastada e não ouviu a conversa, mas sabia o motivo porque MM se dirigiu a NN (no local das terras), porque veio embora e da necessidade de auscultar outros confinantes ou interessados.
Na senda do que se expõe, para prova do facto descrito em U), valora-se o relato da testemunha quanto ao facto de os autores procurarem saber se a venda tinha sido efectuada e de o falecido MM se dirigir a JJ e dizer que a moça depois de casada não faltam [pretendentes].
Em momento algum do depoimento de JJ se notou qualquer interesse ou falta de espontaneidade. Tratou-se de um testemunho claro, espontâneo e desprendido.
Testemunho corroborado pelo depoimento de KK, também ele isento e credível. Sem prejuízo, o relato em apreço é tido em linha de conta por si só para prova de que MM, em nome dos proprietários/vendedores referidos em C), procurou junto dos confinantes vender os prédios em litígio nos autos, no seu conjunto, por 6.000,00€ (1,50€ por metro quadrado, ou seja a multiplicar por 4000m2, conforme caderneta predial).
LL mereceu um juízo de credibilidade favorável. Filho dos réus compradores e conhecido dos pais e sogros dos autores, manifestou claramente o tratamento que NN deu àqueles prédios como a terra dos pais da testemunha.
Por sua vez, as testemunhas NN, DDD e EEE não mostraram relatos convincentes, nem verosímeis, sendo que, além do mencionado, os seus testemunhos foram contrariados pela prova acima valorada.
NN, pai da autora e sogro do autor, mostrou-se pouco à vontade na versão que trouxe a juízo, tal evidenciando-se na sua postura como no discurso pouco espontâneo. Não convence que não soubesse que prédios o “DD” tenha comprado, nem que tenham existido conversas entre si e o seu genro (o autor), quando da doação mencionada em B). O próprio LL trabalhava nas terras dos sogros e pais dos autores, assim como o “DD” lavrou as terras que comprou à frente de todos.
Este depoimento e as declarações de parte do autor mostram-se orientadas pelo interesse que este tem no desfecho da acção.
Nesse contexto, não pode deixar de salientar o evidente descuido com a verdade (usualmente mencionado como “fugiu-lhe a boca para a verdade”), quando o autor menciona que teve conhecimento do negócio até duas a três semanas da escritura e tenta remediar com a salvaguarda de que podem ter sido duas, três semanas, ou mais. Estranho é que não saiba referir quando soube e alegue na petição inicial que soube no dia 02/01/2019 – aliás, facto não provado.
Repare-se que de quatro pessoas ouvidas – autor, o seu sogro e dois indivíduos da terra – não houve uma que falasse com verosimilhança ao Tribunal sobre o conhecimento da compra e venda por parte do autor. Nenhum especificou concretamente o contexto temporal, nem entre eles houve menção consentânea. Tal descredibiliza em absoluto a prova do autor. Não que lhe competisse provar o dia em que conheceu, mas porque lhe competia uma prova mais escorreita da sua versão.
(…)”
3. Ouvimos na íntegra os depoimentos que foram produzidos pelas testemunhas JJ, KK e LL.
JJ foi cuidadora durante cerca de nove anos de MM, que entretanto faleceu. Referiu que a D.ª GG disse ao Sr. MM para vender os terrenos e este entrou em contacto com o Sr. NN, que tinha um terreno lá à beira, pegado. O Sr. MM contou-lhe que foi oferecer o terreno ao Sr. NN e este disse-lhe que não queria o terreno. Disse-lhe que a idade vai andando, tenho muito terreno e já só cultivei metade do que tinha. Acrescentou ainda que a filha e o genro não se importam nada com isso e não falam para mim. Por isso, o Sr. MM, ao chegar a casa, vinha triste por ele não querer o terreno. A testemunha esclareceu que não conhece o Sr. NN, viu-o de costas numa outra ocasião. É que dois ou três dias depois foi com o Sr. MM ao terreno do Sr. NN e este andava lá com couve baixa e estava virado de costas para eles e vergado ao meio. A testemunha ficou no terreno da D.ª GG e o Sr. MM foi lá novamente falar com ele. Não ouviu o que disseram, mas viu que o Sr. NN se levantou, gesticulou, virou-se para trás e abanou a cabeça a dizer que não. O Sr. MM quando chegou à beira da testemunha disse-lhe que ele definitivamente não quer o terreno, anda de mal com a filha e o genro e não está para gastar mais dinheiro e que eles não se importam com isso. Uns dias depois o genro do Sr. NN foi falar com o Sr. MM por causa do terreno. E o Sr. MM disse à testemunha – depois da moça casada não faltam pretendentes, ele agora já queria o terreno. Só que o terreno já estava vendido porque a D.ª CC já tinha dado um sinal ao Sr. MM. Esclareceu também que estes contactos foram feitos depois da D.ª GG ter vindo cá passar o Natal e o Ano Novo, mas não sabe dizer as datas.
KK disse que o Sr. MM e a senhora que tomava conta dele lhe foram oferecer o terreno, embora não tivesse terra nenhuma encostada, depois de o terem oferecido ao Sr. NN. O Sr. MM disse-lhe que tinha ordens para vender o terreno a 1,50€ o metro e contou-lhe que o Sr. NN não quis a terra, que já tinha terras e doença que chegassem para ele. Esclareceu, no entanto, que não ouviu essa conversa.
LL é filho dos réus CC e DD. Disse que ninguém estava interessado no terreno e o seu pai comprou-o. Referiu que na altura em que foi feita a escritura – fevereiro de 2018 -, uns dias depois, fez um trabalho de lavoura para o Sr. NN. Falaram sobre a terra de cima, tendo a testemunha esclarecido que não tinha sido ele o comprador, mas sim os seus pais. O Sr. NN nenhuma reação teve face a esta notícia.
Procedemos também à audição do depoimento prestado pela testemunha NN, que é pai da autora e sogro do autor. Disse que só deu os terrenos ao seu genro e à sua filha depois de ser operado, porque o médico lhe disse para não fazer mais nada. Foi operado duas vezes à coluna. Afirmou que nunca ninguém lhe perguntou se estava interessado na compra dos terrenos que ficavam ao lado. Nunca ninguém lhe disse nada. Mais adiante afirmou que depois da doação que fez é que o genro começou a ver se comprava ali terrenos. Nunca soube que ele precisava dos terrenos, nem sabia que ele tinha interesse neles. Disse não conhecer o Sr. MM.
4. Deverá a Relação alterar a decisão factual se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. art. 662º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.
Sucede que a Relação, nesta reapreciação, goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais.
Como tal, a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levam a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância.[3]
5. Ora, da valoração que fazemos da prova testemunhal que atrás se deixou sintetizada entendemos que não há motivo para divergir da convicção probatória que foi formada pelo Mmº Juiz a quo e que este justificou, de forma detalhada, na passagem da sentença recorrida que se deixou transcrita.
Com efeito, também a este tribunal de recurso se afigura que o depoimento prestado pela testemunha JJ, cuidadora de MM, entretanto falecido, que enquanto representante dos donos dos terrenos diligenciou pela sua venda, se mostrou isento e credível.
É que esta acompanhou, com proximidade, os contactos feitos pelo MM junto dos proprietários confinantes, onde se incluía a testemunha NN, e foi muito clara ao afirmar que ninguém se mostrou interessado.
Manifesto é que esta testemunha não tem qualquer interesse no desfecho da demanda, sendo que o seu depoimento se mostra também corroborado pelo da testemunha KK que afirmou ter sido igualmente contactada pelo MM com vista à aquisição dos terrenos, depois do desinteresse evidenciado pelo NN. Foi, de resto, esta testemunha que, concretizando, afirmou que o MM tinha ordens para vender os terrenos ao preço de 1,50€ o metro.
Neste contexto probatório, sempre se sublinhando a autonomia decisória de que disfruta a Relação, entendemos que inexistem motivos que nos levem a dissentir do modo como a 1ª Instância formou a sua convicção.
No entanto, a redação da alínea R) - NN e YY, pais da autora e sogros do autor, tiveram conhecimento da compra e venda mencionada entre o mês de Janeiro e a data da escritura pública de 23/02/2018 –, que se liga às antecedentes alíneas P) e Q), não se nos afigura feliz, uma vez que NN e YY entre o mês de janeiro de 2018 e a data da escritura pública – 23.2.2018 – tiveram conhecimento não da compra e venda que se viria a concretizar nesta última data, mas sim da intenção de venda dos prédios por parte dos respetivos proprietários.
Justifica-se, por isso, alterar a redação desta alínea, de modo a que esta espelhe com mais rigor a realidade factual.
Manter-se-ão, assim, no elenco dos factos provados as alíneas N), O), P), Q), S), T) e U), pelo que improcede o recurso interposto pelos autores no tocante à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, alterando-se, todavia, a alínea R), que permanecerá na factualidade assente com a seguinte redação:
- NN e YY, pais da autora e sogros do autor, tiveram conhecimento da intenção de venda dos prédios identificados em C) entre o mês de Janeiro e a data da escritura pública de 23/02/2018.
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IIA notificação para preferência
1. O direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito de gozo sobre uma coisa[4]. Com a consagração deste direito visa-se, de um modo geral, solucionar conflitos de direitos reais, facilitando a reunião, na mesma esfera jurídica, das coisas ou direitos que geram os conflitos em causa.[5]
É o que sucede no caso de emparcelamento de prédios rústicos previsto no art. 1380º, nº 1 do Cód. Civil.
Dispõe-se o seguinte neste preceito:
«Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.»
São pressupostos do direito real de preferência atribuído por este preceito: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.[6]
O objetivo visado pelo art. 1380º é o de fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rentáveis. Após o exercício do direito de preferência, o proprietário do conjunto poderá, designadamente, proceder a uma reconversão cultural, operação que, dadas as exíguas dimensões dos terrenos confinantes, não teria viabilidade económica em relação a cada um deles isoladamente.[7]
Porém, é de referir que, no tocante aos pressupostos deste direito real de preferência, o art. 18º, nº 1 do Dec. Lei nº 384/88, de 25.10, veio prescrever que «os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura», sendo, a partir de então, entendimento praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência que o direito de preferência recíproco é de conceder aos proprietários de terrenos confinantes, sempre que um deles (seja o terreno alienado, seja o terreno do preferente) tenha área inferior à unidade de cultura, podendo o outro ter área superior.[8]
É certo que este diploma foi, entretanto, revogado pela Lei n.º 111/2015, de 27.8, que veio estabelecer o novo Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, mas mantém-se plenamente válida aquela orientação doutrinal e jurisprudencial.[9]
Prosseguindo, impõe-se também salientar que sendo vários os proprietários com direito de preferência, o nº 2 do art. 1380º do Cód. Civil diz-nos que esse direito cabe: a) no caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem; b) nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona.
Por outro lado, o nº 4 do art. 1380º do Cód. Civil determina que seja aplicável ao direito de preferência aí previsto o disposto nos arts. 416º a 418º e 1410º do mesmo diploma, com as necessárias adaptações.
Tal significa que o vendedor está obrigado a comunicar o projeto de venda aos proprietários dos prédios confinantes e estes, caso não lhes seja dado conhecimento do negócio, têm o direito de haverem para si o prédio alienado, desde que o requeiram dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação e depositem o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da ação – cfr. arts. 416º, nº 1 e 1410º, nº 1 do Cód. Civil.
2. No caso dos autos, resulta da matéria de facto dada como assente que os dois prédios vendidos, contíguos entre si, têm ambos a área de 2.000m2 – cfr. als. C), E), L) e M) – e que os prédios pertencentes aos autores, também contíguos entre si, têm as áreas, respetivamente, de 1.300m2, 750m2 e 1.300m2, perfazendo a área total de 3.350m2 – cfr. als. A), B), F) e J).
Existe confinância entre os prédios dos autores e os prédios vendidos, todos eles compostos de terra de cultura – cfr. als. G), I) e H) – e essa confinância, uma vez que todos os prédios têm área inferior à unidade de cultura para a região de Aveiro (Norte do Tejo) que é de 2 hectares, ou seja, 20.000m2 - cfr. Portaria nº 202/70, de 21.4. – é relevante para os efeitos do direito de preferência previsto no art. 1380º, nº 1 do Cód. Civil.
Por esse motivo, aquando da venda dos prédios descritos em C), impunha-se que os vendedores, ao abrigo dos arts. 416º e 1380, nº 1 do Cód. Civil, procedessem à respectiva comunicação aos proprietários confinantes, onde então se incluíam os pais e sogros dos autores.
Do disposto no nº 1 do referido art. 416º decorre que o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.
Para MENEZES CORDEIRO (in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, Tomo II, 2010, Almedina, págs. 497/498[10]) a comunicação do projeto de negócio existente deve ser feita nos seguintes termos:
“- a proposta, devidamente caracterizada enquanto tal e sobre a qual exista um acordo de princípio, embora, não o contrato; não chegam intenções não definitivas nem projectos hipotéticos;
- com o clausulado completo ou, pelo menos, com todos os elementos essenciais que relevem para a formação da vontade de preferir ou não preferir; a falta de factores relevantes ou o facto de, depois da comunicação, se concluir o negócio com o terceiro, mas em condições diferentes, invalida a comunicação feita;
- identificando a pessoa do terceiro interessado, nessa qualidade; também aqui a comunicação será ineficaz se, depois, o negócio definitivo for celebrado com pessoa diferente da indicada na comunicação;
- pedindo uma resposta, quanto ao exercício do direito de preferência: de outro modo, poderá passar por uma mera informação;
- e chegando a comunicação ao conhecimento efectivo do preferente.”
No caso específico da preferência do confinante são elementos do maior relevo para a formação da vontade de contratar o preço a pagar e a identificação do comprador, sendo que quanto a este segundo elemento sempre será de sublinhar que o preferente pode não desejar ter como confinante um vizinho com quem não se entenda ou de quem tenha má impressão, ou, pelo contrário, ter satisfação em que certa pessoa passe a ser seu vizinho.[11]
Acresce ser ainda de salientar que não é exigida forma especial para a comunicação e, por isso, esta pode ser feita por qualquer meio idóneo, nomeadamente por simples declaração verbal – cfr. ANTÓNIO AGOSTINHO GUEDES, “Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 98.[12]
MENEZES CORDEIRO (in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, Tomo II, 2010, Almedina, pág. 499 e nota 1809), por seu lado, refere também que a regra de princípio é a da liberdade de forma, mas quando o contrato definitivo deva constar de documento, a comunicação deveria ser feita por escrito, por aplicação do art. 410º, nº 2 do Cód. Civil. Com efeito, embora não exista a exigência da forma escrita é altamente recomendável ao obrigado à preferência que a ela recorra, pois, de outro modo, em caso de litígio terá graves dificuldades probatórias.
3. Retornando ao caso dos autos, verifica-se que, no tocante à notificação para preferência, apenas se deu como provado que os réus vendedores, identificados em C), comunicaram aos ainda proprietários dos prédios identificados em B) a sua intenção de vender os prédios identificados em C) – al. P) – e que comunicaram o preço, especificando-se que foi indicado o preço de 1,50€ por metro quadrado – al. R).
Ora, não é suscetível de oferecer dúvidas que esta comunicação verbal, na sua singeleza e de acordo com o que atrás se expôs em 2, não pode ser encarada como uma verdadeira notificação para preferência, conforme se prevê no art. 416º, nº 1 do Cód. Civil.
Para que tal ocorresse seria necessário que essa comunicação contemplasse todos os elementos essenciais do negócio, decisivos para a formação da vontade de preferir ou não preferir, onde teriam de figurar, para além do preço, as condições do pagamento deste e também a identificação do projetado comprador, o que não se verificou.
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III A caducidade
1. Na sentença recorrida o Mmº Juiz a quo considerou que o direito de ação caducou, se não antes, no dia 23.8.2018, dia em que se completaram seis meses após a escritura de compra e venda, conhecida que esta era dos então proprietários e, por esse motivo, julgou improcedente a ação.
Este entendimento teve a discordância dos autores/recorrentes em sede recursiva, onde sustentam que não estão provados factos que permitam consubstanciar a procedência da exceção de caducidade.
Vejamos.
2. Do art. 1410º, nº 1 do Cód. Civil flui que a ação de preferência tem que ser intentada no prazo de seis meses, a contar da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, devendo este depositar o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da ação.
Em termos fácticos, relativamente aos autores apenas está provado que estes, após a escritura de compra e venda de 23.2.2018, em data não concretamente apurada, foram a casa de MM perguntar se o negócio com os réus contestantes já tinha sido formalizado, porque estavam interessados em comprar os terrenos em causa e tinham sabido que os referidos sogros e pais haviam manifestado desinteresse e descartado a respetiva compra – cfr. alínea U).
Sucede que do teor deste ponto factual, relevante quanto à questão da caducidade, decorre que a deslocação dos autores a casa de MM, para apurar da formalização do negócio, se verificou em data não concretamente apurada.
Ora, o ónus da prova da verificação da exceção perentória de caducidade, que operaria seis meses a contar da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, cabe aos aqui réus, conforme dispõe o art. 342º, nº 2 do Cód. Civil.
Contudo, da factualidade considerada assente resulta que essa prova não foi feita e, por essa razão, diferentemente do que se entendeu na sentença recorrida, impõe-se concluir que o direito dos autores à ação de preferência não se mostra caducado.
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IV - A transmissibilidade do direito de preferência
1. Os prédios identificados na alínea A), confinantes com os prédios vendidos em 23.2.2018, foram transmitidos aos autores por doação dos pais da autora mulher, NN e YY, por escritura outorgada a 26.4.2018 no Cartório Notarial de Oliveira do Bairro – cfr. al. B).
2. Preceitua o art. 420º do Cód. Civil que «o direito e a obrigação de preferência não são transmissíveis em vida nem por morte, salvo estipulação em contrário
A solução desta norma assenta na ideia de que, por via de regra, a preferência é atribuída intuitu personae, admitindo-se, porém, a possibilidade de os contraentes convencionarem a transmissibilidade quer da posição ativa, quer da posição passiva, quer de ambas as posições, por ato entre vivos e/ou por morte dos respetivos sujeitos - cfr. ANTÓNIO AGOSTINHO GUEDES, “Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 108.[13]
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 396), considerando igualmente que, na grande maioria dos casos, a preferência é concedida intuitu personae, vêm sustentar, porém, que “a transmissibilidade do direito de preferência pode resultar tacitamente da própria natureza do contrato. Assim, se se estabelece a preferência em benefício do dono do prédio vizinho pela conveniência da junção dos dois prédios, ou do dono de uma fábrica vizinha, pela necessidade que ela tem do terreno, deve entender-se que o direito deve poder transmitir-se com o terreno vizinho ou com a fábrica. O seu carácter pessoal desaparece, para ficar relacionado com um prédio.”
3. Por conseguinte, adotando-se esta posição e tendo em atenção que estamos perante um caso em que o direito de preferência previsto no art. 1380º do Cód. Civil é estabelecido em benefício do dono do prédio vizinho pela conveniência que há na junção dos prédios, face à sua área e à sua confinância, ter-se-á que concluir que a doação efetuada em 26.4.2018 implicou a transferência do direito de preferência para os autores, tal como estes defendem nas suas alegações de recurso.
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V O abuso do direito
1. Todavia, apesar de tudo o que se tem vindo a expor nos pontos II, III e IV em sentido favorável à pretensão recursiva, a procedência da ação proposta pelos autores sempre dependerá da apreciação da questão do abuso do direito, que o Mmº Juiz a quo, na sentença recorrida, considerou verificado.
2. Dispõe o art. 334º do Cód. Civil, sob a epígrafe «abuso do direito» que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
Para que haja abuso do direito exige-se que o excesso seja manifesto. Os tribunais só podem, por isso, fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. MANUEL DE ANDRADE refere-se aos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (in “Teoria Geral das Obrigações”, pág. 63) e às “hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, embora lealmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição”.
Ora, para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade. Já no que respeita ao fim social ou económico do direito, deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., págs. 298/9.
O fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na satisfação do interesse do respetivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos. O agir de boa-fé envolve a atuação nas relações em geral e em especial no quadro das relações jurídicas, honesta e conscienciosamente, isto é, numa linha de correção e probidade, não procedendo de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável tolera. Os bons costumes são, por seu turno, o conjunto de regras de comportamento relacional, acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis conforme as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade em determinado tempo.
O abuso do direito constitui, pois, uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas. Funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica.
No abuso do direito há uma atuação humana estritamente conforme com as normas imediatamente aplicáveis, mas que, tudo visto, se apresenta ilícita por contrariedade ao sistema, no seu todo - Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “in Agendo””, Almedina, 2006, pág. 33.
Por seu lado, para ALMEIDA COSTA (in “Direito das Obrigações”, Almedina, 11º ed., pág. 83) o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. Ocorrerá tal figura de abuso quando um determinado direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social.
3. Regressando agora ao caso concreto e, em sintonia com a sentença recorrida, entendemos que a conduta desenvolvida pelos autores ao pretenderem fazer valer o seu direito de preferência, através da propositura da presente ação, configura abuso do direito.
Se é manifesto que os vendedores não procederam à notificação para o exercício do direito de preferência com respeito pelo disposto no art. 416º do Cód. Civil, tal como se expôs em II, temos, porém, a assinalar que estes, através do seu representante – MM – não deixaram de comunicar, se bem que de forma imperfeita, aos ainda proprietários dos prédios identificados em B) – os pais e sogros dos autores – a sua intenção de vender os prédios, o que sucedeu entre o mês de janeiro e a data da escritura – 23.2.2018 – cfr. als. N) a R).
Acontece que os pais e sogros dos autores, perante este contacto, não manifestaram intenção de comprar os terrenos e, inclusive, NN sublinhou que não pretendia mais terras – cfr. al. S) – situação que, naturalmente, criou nos réus vendedores a convicção de que nenhum obstáculo, da parte dos confinantes proprietários dos prédios referidos em B), existiria à venda dos prédios mencionados em C).
Se os autores, por via da doação que lhes foi feita pelos pais e sogros cerca de dois meses após a escritura de compra e venda realizada em 23.2.2018 e com base na qual agora pretendem preferir, ignorando em absoluto a posição de total desinteresse que relativamente a essa venda havia sido tomada pelos seus pais e sogros, afigura-se-nos que agem excedendo os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes.
Na sequência do que se referiu na sentença recorrida, também não se pode esquecer que estamos num meio rural, informal nos contactos e algo atávico, onde a palavra verbalmente dada, sem suporte escrito, não pode ser desprezada.
Diferente seria a situação se a venda dos terrenos concretizada em 23.2.2018, por escritura pública, não tivesse sido antecedida por qualquer contacto entre os vendedores, representados por MM, e os pais dos autores, enquanto proprietários confinantes. Aí sim, tendo ocorrido a doação, em 26.4.2018, o direito de preferência dos autores não poderia deixar de operar.
Mas, conforme se vem salientando, não é esse o caso.
Os autores, desprezando a posição assumida pelos seus pais e sogros, então titulares do direito de preferência, que não manifestaram intenção de comprar os terrenos aqui em causa, tendo, inclusive, NN afirmado que não pretendia mais terras, vieram agora intentar a presente ação de preferência, fundando-se na referida doação, o que, a nosso ver e pelo que se deixou expendido, não pode deixar de ser visto como exercício abusivo desse direito.
Há, assim, que confirmar a sentença recorrida, embora apenas com base na verificação de uma situação de abuso do direito por parte dos autores, com o que improcederá o recurso por estes interposto.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos autores AA e BB e, em consequência, embora por razões não inteiramente coincidentes, confirma-se a sentença recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo dos autores/recorrentes.

Porto, 8.11.2022
Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
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[1] Corrigiu-se aqui um manifesto lapso verificado na numeração das conclusões.
[2] Onde se incluem todos os que foram impugnados.
[3] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 823 e 825.
[4] Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direitos Reais”, Almedina, 1978, pág. 539.
[5] Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Direitos Reais”, II vol. 1979, pág. 1109.
[6] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 270/271.
[7] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, vol. III, 2ª ed., pág.271.
[8] Cfr., por ex., ANTUNES VARELA, “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, 127º, nºs 3838-3849, págs. 294 a 310, 326 a 335, 365 a 378; HENRIQUES MESQUITA, “Direito de Preferência – Alienação de prédios minifundiários”, CJ, Ano XVI, tomo II, págs. 35 a 39; Ac. STJ de 3.10.2013, proc. 217/1997.E1.S1, relator Tavares de Paiva; Ac. Rel. Porto de 19.1.2015, proc. 1789/13.2TBVCD.P1, relator Caimoto Jácome, disponíveis in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ac. Rel. Porto de 21.10.2019, proc. 2065/17.7T8LOU.P1, relator Joaquim Moura, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Com vastas referências jurisprudenciais.
[11] Cfr. Ac. Rel. Porto de 10.10.2006, p. 0625102, relator Vieira e Cunha, disponível in www.dgsi.pt.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 373.
[12] Cfr. também o referido Ac. Rel. Porto de 10.10.2006, onde se apela ao disposto no art. 219º do Cód. Civil (e a demais jurisprudência aí citada).
[13] Cfr. também MENEZES CORDEIRO, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, Tomo II, 2010, Almedina, pág. 509.