Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0737312
Nº Convencional: JTRP00041024
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
GRAVAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP200801240737312
Data do Acordão: 01/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 745 - FLS 188.
Área Temática: .
Sumário: I – A causa do registo imposto no art. 386º, nº4, do CPC é o facto de, previamente, não ser ouvida a parte contrária, visada com a medida requerida e que vem a ser decretada, destinando-se, pois, a possibilitar a essa parte o exercício do direito de defesa, fazendo actuar o contraditório.
II – Se o requerido for ouvido previamente (e sem prejuízo do tribunal, oficiosamente, ordenar a gravação), funciona o disposto no art. 304º, nº3 do CPC (aplicável aos procedimentos cautelares), sendo os depoimentos gravados apenas se, comportando a decisão recurso ordinário, alguma das partes, actuando o dispositivo e a sua auto-responsabilização, requerer a gravação.
III – Por decorrência do preceituado nos arts. 3º, nº3, 304º, nº3 e 386º, nº4, todos do CPC, os depoimentos prestados na oposição ao procedimento cautelar não têm de ser gravados, a não ser que alguma das partes o tenha requerido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1) – I – B………. e C………. requereram arresto contra “D………., Lda”, para garantir um crédito de € 645.736,24, correspondente a valores entregue a E………., agente da requerida, para serem aplicados na D………., Lda e cujo destino os requerentes alegaram desconhecer.
Produzida a prova com a gravação dos depoimentos, a requerida providência veio a ser indeferida, em primeira instância, mas este tribunal da Relação do Porto, em provimento de agravo dos requerentes, veio a ordenar que fosse decretado o requerido arresto.

II - Decretado o arresto e citada a requerida, veio esta deduzir oposição.
Diz que a requerida que foi alvo de uma intervenção judicial cujos termos correm no Julgado Mercantil nº . de Madrid e requer que se declare o tribunal incompetente nos termos do artigo 28º/2 do Regulamento CE nº44/2001, do Conselho, de 22.01.2000, e se ordene a remessa dos autos para ser apensados ao processo que corre nessa jurisdição.
Impugna a factualidade alegada no requerimento inicial, afastando qualquer relação entre a requerida e E………. antes de 01.03.2002, data em que celebrou com este um contrato ao abrigo do qual o mesmo poderia passar a promover pontualmente, com total autonomia, o negócio de venda a clientes de valores de coleccionismo, em especial filatelia, recebendo, como contrapartida, comissões com ele ajustadas em função das promoções conseguidas, tendo essa relação cessado em 19/11/2002, data em que as partes lhe puseram termo.
E durante esse período os requerentes apenas entregaram ao E………. valores no montante global de € 280.789,06, o qual não tinha com a requerida qualquer relação que autorizasse esta a dar-lhe ordens, instruções ou orientações nem aquele tinha poderes para representar esta.

Os requerentes e o E………. e mulher mantinham entre si uma sociedade irregular e foi no desenvolvimento da actividade desta que os requerentes foram entregando quantias diversas aos sócios que as geriam e dividiam entre todos as mais valias, em percentagem que a requerida desconhece.
Os actos praticados pelos requerentes nada têm a ver com a relação directa, interna ou causal que existiu entre o E………. e a requerida, mas antes com a relação que estabeleceram com esse E………. e mulher.

Os bens da requerida estão todos á ordem do administrador judicial, como já estavam á data da decretação do arresto, não existindo qualquer periculum in mora.
Mais dizem que os bens arrestados (imóveis) têm no seu conjunto um valor muito superior ao valor do alegado crédito dos requerentes, donde existir manifesta nulidade do arresto na parte em que excede o valor do crédito.
Termina a pedir a procedência da oposição e, em qualquer dos casos, se declara o arresto nulo.

III - Após, foi proferido despacho, pronunciando-se sobre a requerida incompetência do tribunal, suscitada pela requerida, que julgou improcedente essa excepção e bem assim a questão suscitada sobre a impossibilidade de apreensão do património da requerida.

Realizada a audiência de julgamento, com a presença dos mandatários das partes, sem que a prova testemunhal (oferecida pela requerida) fosse registada (gravação ou escrito), por tal não ser requerido pelas partes nem oficiosamente determinado, e decidida a matéria de facto provada e não provada, foi proferida decisão final a julgar improcedente a oposição feita pela requerida.

2) - Inconformada com esta decisão, dela recorre a requerida.
Doutamente alegando, conclui:
A. A Recorrente interpõe, à cautela, o presente recurso que versará tão somente sobre a matéria de direito alegada em sede de Oposição, uma vez que, muito embora a Agravante pretendesse recorrer quanto à matéria de facto, tal não lhe é possível, pois que tendo requerido a confiança da gravação áudio da prova testemunhal que apresentou em audiência, a fim de preparar o seu recurso, foi informado pela secretaria do Tribunal de que a “Oposição não havia sido gravada”.
B. Encontra-se pendente recurso sobre despacho julgou improcedente a nulidade arguida de produção de prova com fundamento em violação do disposto no art. 386º do CPC.
C. Como é do conhecimento público, porque amplamente divulgado na imprensa, e como alegado pelos Requerentes, a sociedade F………., SA, foi alvo de uma intervenção judicial cujos termos correm no Julgado Mercantil, nº . de Madrid: NIC …………./2006.
D. Essa demanda é anterior aos presentes autos, como decorre da simples leitura da petição inicial de arresto, que invoca factos e acções da justiça espanhola no âmbito daqueles autos.
E. Como é do conhecimento público, nestes autos que correm no Julgado Mercantil de Madrid discute-se uma questão de fundo sobre a natureza jurídica da actividade da F………., SA, sendo aí, nessa sede, que estão a ser realizadas todas as diligências de instrução e prova quanto à questão central da actividade da empresa, bem como da avaliação e natureza dos seus activos, destino dos mesmos, etc., etc.
F. Decorre da factualidade invocada na p.i., e da considerada provada, que existe uma conexão estreita entre as acções em causa, a acção judicial que corre no Julgado Mercantil Número . em Madrid e esta outra, sendo manifesto que as mesmas, se julgadas em separado, podem produzir soluções jurídicas inconciliáveis, nos termos do artigo 28° do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, (JO L12, de 16.01.2001).
G. O Tribunal recorrido deveria ter-se declarado incompetente nos termos do disposto no artigo 28°/2, ordenando a remessa dos autos para o Julgado Mercantil de Madrid a fim de permitir a apensação de todas as acções, como, aliás, acontece com todas as acções judiciais interpostas naquela jurisdição e, em qualquer caso, ordenando a remessa dos autos da acção definitiva.
H. Esta questão foi alegada em sede de Oposição, mas o Tribunal a quo simplesmente omitiu qualquer pronúncia sobre a mesma, vício que constitui nulidade da decisão nos termos do art. 668°, nº 1, al. d) do CPC.
I. A sentença é igualmente nula, por excesso de pronúncia, e violadora da lei, pois que os Requerentes da providência cautelar peticionaram o arresto dentro de um valor do alegado crédito, e a decisão decretou o arresto de todos os bens da Requerida: todos os seus saldos bancários, todos .... sem qualquer limite.
J. Decretou ainda o arresto de duas fracções autónomas e do estabelecimento da Requerida, todo o seu recheio, mobiliário e bens móveis corpóreos.
K. Acresce que foi arrestada a quantia de €695.000,00 (!), quando o valor do alegado crédito é de €655.736,24.
L. Está arrestada quantia superior ao valor do alegado crédito e ainda outros bens (imóveis e móveis).
M. Ainda assim, entendeu por bem o Tribunal recorrido, apesar do alegado pela Requerida na sua Oposição, não reduzir o arresto, considerando, de forma liminar, que não se logrou provar que o valor dos imóveis arrestados é muito superior ao valor do crédito alegado.
N. O arresto da quantia de €695.000,00 por si só importaria o levantamento dos demais bens arrestados e determinaria a redução para a quantia arrestada no Banco, porquanto se encontra plenamente salvaguardado o alegado crédito dos Requerentes.
O. Não é lícito ao Tribunal decidir para além dos limites do direito a acautelar, o que fere a decisão recorrida de nula.
P. Por outro lado, é público e notório que o património da empresa está à guarda do Administrador Judicial nomeado no âmbito daquele processo judicial a correr termos em Madrid.
Q. O património da empresa F………., SA nem sequer é transaccionável - e, portanto, nem se justifica a providência - porquanto os seus bens estão todos à guarda do Administrador Judicial, que naturalmente não lhes dará descaminho .... e já estavam á data da sua decretação, não existindo, portanto, qualquer periculum in mora.
R. A F………., SA encontra-se em situação de concurso necessário declarada por um Tribunal do Comércio espanhol, motivo pelo qual, nos termos do art. 20º da Lei 22/2003, de 9 de Julho, Concursal”, e art. 3º, nº 1 do Regulamento C.E. nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio é à lei espanhola que compete determinar os pressupostos e efeitos dos concursos declarados em Espanha, e, portanto, haverá que observar ao que quanto à matéria disponha a Lei Concursal espanhola.
S. É ao Reino de Espanha, o “Estado de abertura”, e à legislação espanhola, designadamente a Lei 22/2003, de 9 de Julho, “Concursal”, que compete reger os termos do processo.
T. A Lei Concursal, prevê no seu art. 55, n° 1, que: “Declarado o concurso, não poderão iniciar-se execuções singulares, judiciais ou extrajudiciais, nem seguir-se coacções administrativas ou tributárias contra o património do devedor”. Neste sentido, o n° 2 determina que: “Os actos que se encontrem em execução serão suspensos desde a data da declaração do concurso, sem prejuízo do tratamento concursal que caiba promover aos respectivos créditos”; e por último, no n° 3 dispõe-se que: “Os actos praticados em desrespeito ao estabelecido nos nºs 1 e 2 anteriores serão nulos de pleno direito.”
U. Neste mesmo sentido, o art. 17°, n° 1 do referido Regulamento CE determina que: “A decisão de abertura de um processo referido no n.º 1 do artigo 3.º produz, sem mais formalidades, em qualquer dos demais Estados-Membros, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado de abertura do processo, salvo disposição em contrário do presente Regulamento".
V. Por outro lado, existe impossibilidade de travar arrestos e executar bens por parte dos órgãos judiciais de Estados distintos daquele em que foi declarado o concurso, com fundamento no interesse reiteradamente demonstrado pela legislação internacional de salvaguardar o princípio “par conditio creditorum”, já que, se se permitisse tal possibilidade, os credores estrangeiros que exibissem tal interesse e o vissem reconhecido em virtude de um título judicial executivo, estariam autorizados a conseguir a cobrança dos seus créditos através da virtualidade de tais execuções, e os credores nacionais veriam frustradas a suas expectativas para efeitos do devido cumprimento da legislação concursal.
W. Em conclusão, portanto, à luz da legislação nacional e internacional, os actos judiciais promovidos neste Tribunal deverão ser suspensos, porquanto a legislação vigente aplicável ao caso é a concursal espanhola.

Termos em que, deve ser revogada a decisão recorrida e ser proferida outra que dê provimento ao recurso, nos seus termos.
Assim se fazendo justiça.”

Os agravados responderam em defesa da manutenção da decisão recorrida.

3) – Após prolação da decisão sobre a oposição à providência e da interposição do recurso sobre essa decisão, veio a requerida arguir a nulidade processual consistente na omissão do registo (gravação) da prova na audiência de julgamento da oposição.

Após audição da parte contrária, foi julgada improcedente a arguida nulidade.

Discordando de tal decisão, agravou a requerida.
Encerra as suas muito doutas alegações a concluir:
A. O despacho recorrido desatendeu a arguição de nulidade da produção de prova com o fundamento de que a sessão de prova relativa à oposição apenas tinha que ser gravada se tal tivesse sido requerido e que, ainda que assim não fosse, a parte tomou conhecimento do facto durante a sessão, pelo que há muito havia decorrido o prazo para eventual arguição de nulidade.
B. Nos termos do artigo 386° do CPC, em sede de providência cautelar decretada sem audição da contra-parte, os depoimentos das testemunhas são sempre gravados, quer se tratem dos prestados quando da decretação da providência quer os prestados em sede de Oposição, independentemente de qualquer requerimento nesse sentido.
C. A ideia não é simplesmente a de permitir a uma das partes ter acesso à matéria de facto mas igualmente a de permitir que, uma vez gravada a primeira parte do julgamento (pedido cautelar), deva igualmente ficar gravada a segunda parte (oposição), mantendo a unidade do acto processual, precisamente porque a decisão da Oposição se insere, e complementa, a decisão cautelar, constituindo “complemento e parte integrante da inicialmente proferida” (cfr. art° 388° do CPC).
D. Por outro lado, a norma do nº 4 do artigo 386° do CPC prevê textualmente que são sempre gravados os depoimentos prestados em procedimentos em que o requerido não haja sido ouvido, não distinguindo, nesses procedimentos, as fases que são obrigatoriamente gravadas e as que não são. A ideia da lei é que são todas as fases.
E. Através da oposição garante-se a posteriori o contraditório e o direito de defesa conferindo-se ao oponente a possibilidade de alegar factos novos ou produzir novos meios de prova susceptíveis de conduzir ao afastamento ou à redução da medida cautelar decretada. Esta oposição tem, assim, a mesma natureza e obedece ao mesmo formalismo da oposição que teria sido pertinente deduzir, no momento próprio, se o requerido tivesse sido previamente ouvido (artigo 385°).
F. Se então tivesse existido gravação da prova, também quanto à matéria da Oposição a mesma existiria.
G. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que passa pela reapreciação da prova gravada, não pode ser parcelar. A prova produzida é incindível.
H. O objecto da gravação da prova é uno: é toda a prova da audiência. Se uma parte requerer a gravação da audiência, toda a audiência é gravada e não somente a parte da audiência que diz respeito às testemunhas arroladas por essa parte.
I. Aqui, identicamente, quando a lei estatui a gravação dos depoimentos... não estatui metade! São todos.
J. Prevendo a lei que os depoimentos são gravados quando uma das partes assim o requer, não se entende que esta norma tenha o sentido de apenas abranger os depoimentos das testemunhas oferecidas por essa parte. Identicamente no nosso caso, em que a lei dispensa as partes de o requerer.
L. E assim é porque a gravação dos depoimentos se situa num plano em que não está na disponibilidade das partes ordená-la, ou não, uma vez que está em causa (não só a questão do contraditório) mas também a da boa administração da justiça, o que transcende os fundamentos do caso concreto.
M. Quanto à questão de ter estado presente na audiência, tal não constitui fundamento daquele indeferimento: ter estado na audiência, falando para o microfone, presente na sala, não tem a parte que presumir/saber que, ou se, o mesmo está desligado/ligado.
N. O acto de gravação (ou de falta dela) é um acto processual que passa despercebido ao mandatário da parte, ou pode passar despercebido. Em todas as salas de audiência os microfones estão na sala, instalados.
O. Não é exigível ao mandatário que, para além do seu trabalho em sala esteja atento ao funcionário judicial para verificar se o mesmo carregou, ou não, nos botões da gravação.
P. De tal sorte que se não apercebeu da não gravação e dela só deu conta quando pediu as correspondentes cassetes à secretaria para instruir o recurso.”

Os agravados contra-alegam pelo improvimento do agravo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

4) Dado que, a proceder o agravo do despacho que julgou improcedente a arguida nulidade por omissão da gravação dos depoimentos, prejudica o conhecimento do agravo da decisão que julgou improcedente a oposição, importa daquele conhecer primeiramente.
Atento o teor das conclusões das alegações e o disposto nos arts. 684º/3 e 690º/1 e 3, do CPC[1], cabe averiguar e decidir se, ao não se proceder à gravação dos depoimentos na audiência que julgou a oposição à providência de arresto, foi cometida nulidade que determine a repetição da audiência, para registo dos depoimentos aí prestados.

5) – A factualidade a atender é a que descrita vem no relatório, em 1) – I e III.

6) - Na decisão recorrida, neste aspecto, ponderou-se: o “procedimento cautelar especificado de arresto, foi inicialmente decidido sem audição da parte contrária e como tal os depoimentos das testemunhas dos requerentes foram gravados, em cumprimento do preceituado no n.º 4 do artigo 386° do C.P.C. - imposição legal que visou salvaguardar o princípio do contraditório, em excepção à regra consagrada nos artigos 522°-A e 522º-B do C.P.C., já que a parte contrária não se encontra presente para saber o que foi dito e assim se poder defender.
Uma vez decretado o arresto (na sequência de decisão do V. Tribunal da R. do Porto - fls. 122), notificada a requerida deduziu a mesma oposição, na sequência do que foi designado dia para a audiência final, onde foram ouvidas as testemunhas arroladas pela opoente, sem gravação dos depoimentos, já que não foi requerida pela parte nem determinada oficiosamente, nos termos do artigo 522º- B do CPC.. Sendo certo também que nesta fase, em que todas as partes estão presentes está salvaguardado o contraditório e como tal já não há razão para o regime excepcional acima descrito e constante do n.º 4 do artigo 386° do C.P.C. (neste mesmo sentido se pronunciou o Prof. J. Lebre de Freitas in CPC anot., vol. 2°, ed. de 2001 em anot. ao artigo 386° do C.P.C., p. 34).
Temos assim que nenhuma nulidade foi cometida. Mais e ainda que o tivesse sido, porque a requerente esteve presente na audiência final onde presenciou a não gravação dos depoimentos, então sempre esta mesma arguição seria extemporânea. Já que a prova foi produzida em 21/05/2007 - cfr. fls. 223 e segs. e só agora em 18/06/2007 a requerente veio arguir a mesma (cfr. artigos 201º e 205º do C.P.C.)”.

O arresto, procedimento especificado, é decretado, verificados os respectivos requisitos – existência de um direito (o fumus boni iuris) de crédito e o periculum in mora (a aferir em termos de verosimilhança ou forte probabilidade), sem audiência do requerido (arts. 619º/1 do CC e 406º/1 e 408º/1).
Na situação, foi decretado o arresto em bens alegadamente da requerida (ora, agravante) sem sua prévia audição, como determina a lei, com a finalidade de conferir maior eficácia à actividade jurisdicional.
Estabelece o artigo 386º/4 que, nos procedimentos cautelares (não especificados ou especificados – artigo 392º), “são sempre gravados os depoimentos prestados quando o requerido não haja sido ouvido antes de ordenada a providência cautelar”.
O que sucedeu, in casu.
Presume-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Se pretendesse que os depoimentos fossem sempre gravados, desnecessária seria a referência à não audição prévia do requerido. Havendo essa referência, é de concluir que toda a prova produzida (depoimentos) com audiência prévia do requerido não tem de ser (embora possa ser) gravada.

A causa do registo é o facto de, previamente, não ser ouvida a parte contrária, visada com a medida requerida e que vem a ser decretada. Destina-se a possibilitar a essa parte poder defender-se, fazer actuar o contraditório.
Possibilita à parte, contra quem a providência é requerida, exercer eficazmente o direito de defesa, já que, antes não teve, como acontece e deve suceder normalmente (artigo 3º/2), a possibilidade de o fazer e, desse modo, permite-lhe conhecer, apreciar e reagir contra os depoimentos, que serviram de fundamento à decisão de decretamento da medida agressiva do seu património, bem como recorrer das decisões (em sede de matéria de facto) de que discorde[2].
De outro modo, não tendo sido ouvida previamente à decisão e não tendo possibilidade de conhecer e contrariar os depoimentos que levaram o tribunal a formar convicção pela verificação dos requisitos do arresto, ficaria a parte impedida de eficazmente se defender duma medida tão agressiva como o arresto.
O que já não sucede quando o requerido é previamente ouvido, podendo, nessa situação, defender-se, organizar meios de prova e, mesmo, requerer o registo da prova, de modo a poder influenciar o desfecho da lide a seu contento.
Desta forma, se a providência é decidida sem audição do requerido, na audiência a prova é oficiosamente registada, são gravados os depoimentos prestados. Mas se o requerido é ouvido previamente, funciona o disposto no artigo 304º/3 (aplicável nos procedimentos cautelares), sendo os depoimentos gravados apenas se, comportando a decisão recurso ordinário, alguma das partes requerer a gravação. Funciona o dispositivo e a auto-responsabilização das partes. Tudo sem prejuízo do tribunal, oficiosamente, ordenar a gravação.
Como se afirma nos acs. da RL, de 15/0/99[3] e 15/12/2000[4], os depoimentos prestados na oposição ao procedimento cautelar não têm de ser gravados, a não ser que alguma das partes o tenha requerido. É a decorrência das regras dos arts. 3º/3, 304º/3 e 386º/4. Sem razão se mostra a reacção da agravante.

Acresce que, como se adianta na decisão recorrida, e analisando-se a falta da gravação, se imposta por lei, em nulidade processual secundária, por omissão de formalidade legal prescrita (artigo 201º/1), desde que tenha influência no exame e decisão da causa (e a falta da gravação, se legalmente devida, pode ter essa interferência na decisão), porque a parte esteve presente (representada pelo seu Ex.mo mandatário), presenciando a omissão da formalidade, deveria ser nesse acto, antes de concluída a audiência, que a recorrente devia arguí-la (artigo 205º/1), o que não fez.
Se passou despercebido à parte a não realização da gravação, é facto que não pode deixar de lhe ser imputado, não se tratando de omissão de que não pudesse aperceber-se, usando da devida diligência (não são só as testemunhas que falam para o microfone, mas também os ex.mos advogados …) – artigo 205º/1, in fine.
Passado esse momento, ficaria sanada qualquer nulidade por omissão de registo dos depoimentos, nulidade que, como supra se refere, não existiu.
Improcede o agravo.

7) – Quanto ao recurso da decisão que julgou improcedente a oposição.
7.1) – A decisão que decretou o arresto assentou na factualidade seguinte:
1 - No âmbito do processo de que estes autos são apenso, os requerentes peticionaram da ora requerida a quantia de € 645.736,24, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral reembolso.
2) Peticionaram, ainda, uma indemnização de € 10.000.00, a título de danos não patrimoniais sofridos.
3) E, ainda, o reembolso das quantias despendidas para obtenção das cópias dos cheques juntos à acção principal, a liquidar em sede de execução de sentença, porquanto ainda não totalmente liquidadas.
4) O E………. intitulou-se agente da aqui Requerida, nessa qualidade angariando clientes e, junto dos aqui Requerentes, aconselhando, prestando informações, recolhendo e entregando montantes pecuniários, recebendo e transmitindo ordens de devolução e creditação de dividendos, anunciando que a D………., Lda remunerava as aplicações financeiras da forma mais rentável do mercado.
5) Os aqui requerentes entregaram por sucessivas vezes ao Réu E………. quantias para que este as aplicasse na D………., Lda aqui Requerida.
6) Das entregas efectuadas no decurso dos anos de 2000 a 2003 foi ao Réu E………. entregue a quantia global de € 645.736,24, com a finalidade de ser aplicada na D………., Lda o que este não fez, desconhecendo os Requerentes o destino que o referido E………. deu àquele dinheiro, que foi creditado em conta de que era titular, desconhecendo os Requerentes o destino que o Réu E………. deu àqueles seus dinheiros depois de deles se apropriar.
7) Foi veiculado pela comunicação social que a sociedade F………., S.A., com sede em Madrid tem as contas bancárias bloqueadas e está a ser alvo de investigação criminal.
8) Foi noticiado que os clientes investidores da F………., S.A. em Espanha, que assim o pretenderem, poderão solicitar à aqui Requerida a entrega dos selos correspondentes ao seu investimento, os quais lhes serão enviados de Madrid. Mais foi noticiado que poderá ser decretada a insolvência da F………., SA em Espanha e também da aqui Requerida.
9) A D………., Lda, ora Requerida, é detida maioritariamente pela F………., S.A. e por uma sociedade denominada G………., Ld.ª, conforme melhor se infere quer da cópia da certidão comercial, quer da cópia da acta da assembleia geral de 28 de Fevereiro de 2005.
10) Em acta de assembleia geral de 28/02/2002 as sócias da D………., Lda, ora Requerida, foram representadas naquela assembleia geral, respectivamente, por H………. e por I………. .
11) Foi noticiada a detenção em Espanha no decurso da investigação criminal que está em curso, contra F………., S.A, de H………. e I………. .
12) A Requerida tem como património livre e desonerado três fracções autónomas na cidade do Porto, no local onde funciona a sua sede.
13) F ai noticiado que a legal representante da aqui Requerida disse que a D………., Lda não aceitará resoluções de contrato com o consequente resgate do capital tendo os investidores que aguardar que os contratos se vençam nas datas que neles estão previstas.

E, ainda,
A requerida D………., Lda, com data de 01/03/2002, celebrou com o co-R., na acção principal, E………., um contrato ao abrigo do qual este passou a promover a venda pela sociedade F………., S.A., de valores de coleccionismo, em especial filatelia, recebendo, como contrapartida, comissões com ele ajustadas em função das promoções conseguidas, e em que a requerida invoca ser “titular de direitos de comercialização de diversos contratos de compra e venda de valores filatélicos, arte e objectos de coleccionismo que são oferecidos pela F…………, S.A. aos investidores em Portugal”, tendo a requerida interesse, para potenciar as possibilidades de comercialização daqueles contratos, em ter agentes em diferentes pontos do território e, neste âmbito tendo sido celebrado aquele contrato com o E………. .

7.2) – A essa factualidade acresce a que, em sede de oposição, se apurou:
1 - A requerida D………., Lda, pelo menos a partir de uns dias antes do dia 01/03/2002, conheceu o co-R., na acção principal, E………., com quem, então, nesta data, celebrou um contrato ao abrigo do qual este passou a promover a venda pela sociedade F………., S.A., de valores de coleccionismo, em especial filatelia, recebendo, como contrapartida, comissões com ele ajustadas em função das promoções conseguidas.
2 - A requerida no âmbito da sua actividade conta com diversos agentes em Portugal que, neste mercado, contactavam clientes e promoviam por conta da F………., S.A., a celebração de diversos contratos ao abrigo dos quais esta sociedade vendia a esses clientes valores filatélicos e de coleccionismo.
3 - Competia à requerida promover as vendas e igualmente encontrar no mercado português outras pessoas que, nos mesmos termos, desempenhassem o papel de promotores das vendas da F………., S.A.
4 - Vindo os clientes angariados a celebrar com a F………., S.A., os negócios jurídicos que entendiam, assinando os respectivos contratos, pagando o respectivo preço e recebendo os valores filatélicos adquiridos.
5 - O contrato celebrado com o co-R. referido em 1- esteve em vigor pelo menos até 19/11/02.
6- Entre 15/03/2002 e 15/11/2002 os requerentes entregaram ao co-R. E………. a quantia de € 272.966,98.

8) – Da questão da incompetência do tribunal, em resultado da aplicação do artigo 28º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000.
Na oposição (e insistindo em recurso), a agravante alega que a requerida foi objecto de uma intervenção judicial (processo de insolvência, regulado pela alegada Lei Concursal Espanhola, nº 22/2003, de 09/07) cujos termos correm no Julgado Mercantil, nº ., de Madrid, e que entre a acção que corre nesse Julgado Mercantil e esta existe uma estreia conexão, pelo que, nos termos do artigo 28º do citado Regulamento (CE), requer se declare incompetente o tribunal (nacional) em que o procedimento é requerido e se ordene a apensação da acção a esse outro processo que corre no tribunal de Madrid – ver pontos 1 a 11 do articulado da oposição.
Nota-se que os processos de falência estão excluídos do âmbito do Regulamento (CE) 44/2001, como decorre do seu artigo 1º, sendo antes de aplicar as normas do Regulamento (CE) 1346/2000, do Conselho, que também regulam em matéria de competência do tribunal para esses processos.
Nem (na realidade do alegado) entre a acção, aqui em causa, e a que corre no Tribunal Mercantil de Madrid, existe a relação de conexão prevista no artigo 28º/3 do citado Regulamento (CE) 44/2001 – “consideram-se conexas as acções ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente”.

Não é a requerida no procedimento – sociedade de direito português, com sede e actividade em Portugal – que foi objecto (nem deveria ser – artigo 3º/1 do Regulamento (CE) 1346/2000) de uma intervenção judicial (processo de insolvência – nada consta deste processo nesse sentido) no Tribunal Mercantil de Madrid, mas antes a sociedade de direito espanhol, denominada F………., SA, com sede em Madrid, detentora de parte (quota) do capital social da requerida no procedimento cautelar.
Não vemos como as decisões proferidas (ou a proferir) em ambos os processos (naquele de que se extrai este recurso e naqueloutro que corre em Madrid) possam se contraditórias ou inconciliáveis, se julgadas separadamente.
Têm partes, objecto e finalidade diversos.
A pretensão e decisão cautelar não afectam (directamente) a sociedade que, em Espanha, foi objecto de intervenção judicial. São pessoas colectivas (sociedades comerciais) distintas, com patrimónios diferentes, respondendo cada uma perante os seus credores. Apenas que a sociedade de direito espanhol detém (a maior) parte do capital social da requerida.
A sociedade visada no procedimento é a “D………., Lda”, sociedade de direito português e não a sociedade espanhola.
Nenhuma razão concorre para o tribunal se declarar incompetente nem para se abster de ordenar actos de apreensão dos bens da requerida, que constituem a garantia dos seus credores (e não dos credores a “F………., SA”).

Sucede que, como se verifica do despacho de fls. 192/193 (com certidão a fls. 95/96 destes autos), a questão foi expressamente decidida no tribunal recorrido, julgando-se improcedente a alegada excepção de incompetência bem como a relativa à impossibilidade de apreensão do património da requerida, pois não é esta a visada pelo procedimento de falência a correr no tribunal de Madrid.
Decisão que, notificada às partes, por registo de 24/04/2007, por estas não foi impugnada. Pelo que se fixou como coisa decidida.
Improcede a questão (conclusões B a G).

8.1) - Da alegada nulidade por omissão de pronúncia.
A nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 668º (aplicável aos despachos, ex vi artigo 666º/3) é a sanção pela violação do disposto no art. 660º, nº 2, do C.P.C., preceito que impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e que, por outro lado, só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso.

Há omissão de pronúncia quando o juiz deixa de proferir decisão sobre questão que devia resolver, omitindo-se o dever de solucionar o conflito nos limites pedidos pelas partes. E as questões a que alude o mencionado normativo centram-se nos pontos fáctico-jurídicos que estruturam as posições das partes na causa, designadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções.
Essa nulidade só ocorre quando a decisão não conhece de algumas das questões colocadas pelas partes e não quando não aprecia todos os argumentos, razões ou fundamentos invocados.

Alega a agravante verificar-se a mencionada nulidade porque, tendo aquela suscitado a incompetência do tribunal, por tal competência dever recair no Julgado Mercantil, nº . de Madrid, onde pende processo contra F………., S.A., e o tribunal recorrido se não ter pronunciado sobre a questão.
Pelo que atrás se afirma, torna-se claro que o tribunal recorrido pronunciou-se expressamente sobre a questão, para a fazer improceder, por entender (e bem) que, no procedimento, a requerida não é essa sociedade, com sede em Espanha, mas D……….., Lda, sociedade de direito português e com sede em território nacional.
Não ocorre a alegada nulidade (conclusão H).

8.2) Da nulidade por excesso de pronúncia.
Afirma ainda a agravante que houve excesso de pronúncia, na decisão que determinou o arresto, ao decretar o arresto de “todos os saldos bancários, todos …. Sem qualquer limite”, quando o requerente pediu o arresto dentro de um valor do alegado crédito.

Há excesso de pronúncia quando o juiz decide sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se o âmbito da solução do conflito nos limites por elas pedido. O excesso de pronúncia determinante da nulidade em causa refere-se aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do litígio, centram-se nos pontos fáctico-jurídicos que estruturam as posições das partes na causa.

Pelos requerentes do arresto foi pedido, no requerimento inicial, o arresto de três fracções autónomas e do estabelecimento da requerida, sito à Rua ………., …, .º, Porto, e “dos saldos e/ou valores de qualquer conta de depósitos, á ordem ou a prazo ou aplicações financeiras que a Requerida possua em cada uma das instituições bancárias com sede em Portugal, solicitando-se a V. Exa. que tendo em conta os art.ºs 861-A e 856.º ambos do C.P.C., que tais diligências de apreensão seja efectuadas por eio do Banco de Portugal – Departamento de Supervisão Bancária, sito na Rua ………., ., …. Lisboa o qual, por seu turno, comunicará às sedes dos respectivos bancos, com menção expressa que a Requerida tem contas e aplicações financeiras no J……….”.

Na sequência da decisão deste tribunal da Relação, que, dando provimento ao agravo dos requerentes da providência, decidiu pela verificação dos fundamentos da medida conservatória requerida, foi decretado o arresto dos, além das fracções autónomas identificadas, “saldos ou valores em contas de depósito à ordem ou a prazo, ou aplicações financeiras que a requerida possua em instituições bancárias a identificar pelo requerente” incluindo os saldos ou valores em contas de depósito à ordem ou a prazo, ou aplicações financeiras no J………. .

O tribunal em nada excedeu o requerido. Limitou-se a proferir decisão, dentro dos limites que lhe foram solicitados pelos requerentes, nada decidindo para além do requerido, portanto, decidindo a pretensão nos limites da sua formulação.
Não se verifica a nulidade prevista no artigo 668º/1, al. d), improcedendo a questão da nulidade por excesso de pronúncia (conclusões I e J).

8.3) – Do excesso de garantia, por terem sido arrestados bens de valor muito superior ao necessário a assegurar a satisfação do crédito reclamado.
É reclamado o crédito de € 645.736,24, acrescido de juros à taxa legal desde a citação (Fev./2005), na acção principal, € 10.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais e o valor das despesas despendidas com a obtenção das cópias de cheques para juntar ao processo, em montante a liquidar.

Alegou a requerida, na oposição, que os imóveis arrestados têm um valor patrimonial superior ao alegado crédito, donde a nulidade do arresto na parte que excede o valor do crédito.
A decisão recorrida não reduziu o âmbito do arresto por não se ter provado que o valor dos imóveis fosse superior ao do crédito reclamado.

A agravante renova, em recurso, que o valor patrimonial dos imóveis arrestados é manifestamente superior ao do crédito reclamado e que estão arrestados ainda, além do estabelecimento, com o recheio que o integra, € 695.000,00 existentes em conta da requerida, no J………., só de si suficiente para salvaguardar o crédito dos agravados, não sendo lícito decidir para além dos limites do crédito a acautelar.

Na verdade não se provou, como expressamente consta da decisão sobre a matéria de facto, que os bens imóveis (fracções autónomas) arrestados tenham um valor patrimonial superior ao do crédito reclamado e não é manifesta essa superioridade, que deva ter-se por assente.

Na oposição pode o requerido factos novos ou oferecer novos meios de prova que possam determinar a redução do arresto, que deve ser reduzido aos justos limites, se tiver sido requerido em mais bens que os suficientes para a segurança normal do crédito (arts. 388º/1, al. b), e 408º/2).
Como garantia do crédito do requerente, o arresto deve limitar-se aos bens suficientes à sua segurança, não podendo exceder o que for necessário à satisfação efectiva desse direito, só sendo legítima a agressão do património do devedor na medida do que for absolutamente necessário à satisfação do direito do credor.

Na verdade, verifica-se de fls. 142 do processo cautelar o arresto da citada quantia de € 695.000,00, valor que face ao valor do crédito indiciariamente admitido (nos montantes atrás referidos) não bastará para o satisfazer, pelo acréscimo de juros, e não se olvidando que, na não satisfação voluntária, definido o direito, acrescerão despesas de cobrança (consideráveis – veja-se o valor das despesas previsíveis em execução conforme previsão do artigo 821º/2).
Sabendo-se qual o valor patrimonial tributário dos imóveis (valor que não sobreleva ao valor do crédito dos agravados), desconhece-se qual o valor real dos bens (o valor que têm no mercado), portanto, se o seu valor basta ou não para salvaguardar o crédito reclamado.
Desconhecendo-se esse valor, cuja prova cabia à requerida/oponente, não se afigura legítimo extrair conclusão pela sua suficiência para garantir a satisfação do crédito.
Nessa situação se mantendo a decisão e improcedendo as conclusões K) a O).

8.4) – Da inexistência do periculum in mora e necessidade de suspensão dos actos de apreensão dos bens da requerida.
“O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do vendedor” (artigo 406º/1).
“O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, …” (artigo 407º/1).
Constituem requisitos do arresto a) existência de um crédito e b) o justo ou justificado receio de perda da garantia patrimonial (se não for adoptada uma medida conservatória do património do devedor).
O arresto visa ‘garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução’[5].
Assegurar transitoriamente a realização ou a eficácia de um direito ameaçado e garantir que a sentença a proferir se não torne numa decisão puramente platónica.
Dada a natureza das providência cautelares e a sua finalidade, de evitar a lesão ou a continuação de lesão de um direito, a medida cautelar é tanto mais eficaz quanto mais cedo puder ser deferida, o que implica que as providências cautelares sejam precedidas, não de um apuramento exaustivo dos factos, mas de uma apreciação sumária (a summaria cognitio) da situação, podendo mesmo serem decretadas sem prévia actuação do contraditório, a ter lugar posteriormente.
O “receio” de perda da garantia, para ser considerado “justo”, há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a prestação a que tem direito; decisivo é que o credor fique ameaçado de lesão por acto do devedor e seja razoável e compreensível o seu receio de ver frustrado o pagamento do seu crédito, receio que há-de resultar dos factos provados, pelos indícios suficientes da dificuldade ou impossibilidade da cobrança do crédito, no caso de se não conceder a tutela provisória.

Reconhecidos os requisitos determinantes do arresto, por decisão deste tribunal de Relação, conforme certidão de fls. 104 e seguintes, alega a agravante inexistir periculum in mora pois que o património da empresa F………., S.A. está à guarda do Administrador Judicial nomeado no âmbito do processo judicial a correr termos em Madrid, pelo que não há perigo de descaminho de tais bens (situação já existente à data em que a providência foi decretada).

Despiciendo é o apelo ao artigo 17º/1 do Regulamento (CE) 1346/2000, pois que, com o arresto, não se afastam os efeitos nem o âmbito de aplicação do (alegado) “concurso” declarado pelo Tribunal do Comércio espanhol.
Essa F………., SA, é a sociedade de direito espanhol, com sede em Madrid, e não a requerida neste procedimento cautelar.
São os bens dessa sociedade que estão apreendidos e à ordem do Administrador Judicial nomeado no âmbito do processo “concursal”, regulado pela Lei Concursal (do Reino de Espanha) nº 22/2003. Os bens aí apreendidos são os que integram o património daquela F………., S.A. e não da D………., Lda”, aqui agravante.

Nem, como atrás se referiu e já decidido estava, ocorre impedimento à apreensão, por arresto ou outra diligência judicial, dos bens da requerida, com o que não sai violado o princípio “par conditio creditorum”, garantia a preservar, no caso, para os credores da F………., S.A. e não da requerida. A apreensão dos bens desta não atinge directamente os créditos daqueles nem viola um tal princípio. O património desta (requerida) responde pela satisfação dos seus credores que podem não ser os (ou também os) credores da “F………., S.A.”.
Por outro lado, quem dirige a requerida é a sua administração e não há nota que os bens da requerida estejam (nem poderão estar – só por via da insolvência daquela outra sociedade) apreendidos e à ordem do administrador da insolvência. Bem da “falida” (desconhece-se se é este o estado da “F………., S.A.”) é a sua participação social no capital da requerida e não os valores em depósito ou os bens móveis e imóveis, propriedade desta e arrestados.
Estes continuam na disposição da requerida.
O mesmo é dizer, no círculo do risco de extravio afirmado na decisão que ordenou o decretamento do arresto, não estando, por via da constituição da Administração da insolvente, afastado o perigo de descaminho, o periculum in mora.
O agravo não merece provimento, improcedendo as conclusões P) a W).

9) – Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos agravos e manter as decisões recorridas.
Custas de ambos os agravos pela agravante.

Porto, 24/01/2008
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira

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[1] Diploma legal a que se referem as disposições citadas sem outra referência.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil III, Procedimento Cautelar Comum, pág. 227.
[3] Na CJ/1999/2/107.
[4] Em dgsi.pt, proc. 00033518; ver, também, Lebre de Freitas, em CPC Anotado II, 34, e Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 284.
[5] M. Teixeira da Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 235.