Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1366/16.6T8AGD-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PETIÇÃO INICIAL
TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
DOCUMENTO COMPROVATIVO
Nº do Documento: RP201911041366/16.6T8AGD-D.P1
Data do Acordão: 11/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I -Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
II - A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC)
III - Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da ação, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
IV - Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1366/16.6T8AGD-D.P1
4ª Secção
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Águeda
Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargadora Fernanda Soares
2º Adjunto: Desembargador Domingos Morais

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório:
Nos autos de embargos de terceiro que é embargante B…, S.A. e embargados C… e D…, S.A., a embargante formulou como pedido:
“Nestes termos, devem os presentes embargos de terceiro ser admitidos e, produzidas as provas, ser julgados procedentes, e, em consequência, ser ordenado o levantamento da penhora efectivada sobre os bens da embargante junto da sede da mesma.
Mais se requer, a suspensão do processo, ao abrigo do disposto no artigo 356º do Código de Processo Civil ”.
Por comunicação electrónica remetida em 18.12.2018, a embargante foi notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida e de uma multa de igual montante, com expressa referência ao artigo 570º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil.
Em 21.01.2019, foi proferido o despacho:
“De acordo com o nº5 do art. 570º, aplicável por força do nº3 do art. 145º do Código de Processo Civil, notifique o embargante para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa processual em falta, acrescida de multa de valor ao da taxa de justiça inicial, com os limites fixados na referida disposição legal”.
Em 04.02.2019, a Embargante, notificada em conformidade com o mesmo despacho, veio requerer a respectiva notificação de guia cível para pagamento apenas do valor da taxa de justiça, invocando que as penalidades processuais podem ser imputadas na conta de custas finais.
Em 06.02.2019, pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho que se transcreve, sem notas de rodapé:
“Requerimento com a refª 8291376: Veio a Embargante B…, SA requerer a emissão de uma guia singular para efeitos de liquidação da taxa de justiça, na medida em que, sustenta, as penalidades devem ser consideradas na conta final.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Pese embora a tramitação seguida e reconhece-se, o teor do nosso despacho de 21.01.2019, após uma análise mais detida dos autos, estando em causa, efectivamente, uma (nova) dedução de embargos de terceiro (vide apenso A) e não uma oposição à execução mediante embargos (art. 728° e ss. do Código de Processo Civil), importa considerar que, ao contrário do que se vem entendendo quanto a estes últimos (…), o articulado inicial apresentado não constitui uma “contestação” à execução.
Hoje qualificados como incidentes da instância, por força dos embargos de terceiro intervém na lide um terceiro para defesa da posse ou de um direito incompatível com a realização ou âmbito de uma determinada diligência (art. 342° e ss. do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do n° 2 do art. 1° do Código de Processo do Trabalho).
Ainda que apresentem algumas especificidades (tendo uma fase introdutória e uma fase contraditória), iniciam-se com a apresentação de uma verdadeira petição inicial com vista à verificação e efectivação de uma determinada pretensão que é invocada pelo embargante (…) e, embora configurem uma forma de defesa ou oposição à diligência realizada, não se erigem como uma resposta a dada pretensão contra si formulada.
Conforme entende o Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa (…), “a estrutura dos embargos de terceiro é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que corre por apenso à acção ou ao procedimento de tipo executivo, com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante.
Apesar de regulados em sede de incidentes da instância, configuram-se como uma verdadeira acção declarativa, autónoma e especial, conexa com determinado procedimento de tipo executivo”.
Sinteticamente, entende o Tribunal Constitucional (…), “os embargos de terceiro, apesar de regulados em sede de incidentes da instância, configuram-se como verdadeira acção declarativa, autónoma e especial enxertada numa execução, visando acautelar não só a posse mas qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial ordenada”.
Assim, importava que a Embargante, ab initio, procedesse ao pagamento da taxa de justiça devida (art. 145°, n° 1 do art. 539° e n° 3 do art. 552°, todos do Código de Processo Civil, aplicável por o força da al. a) do n° 2 do art. 1° do Código de Processo do Trabalho, bem como n° 4 do art. 7° do Regulamento das Custas Processuais), o que não fez.
Ora, a não comprovação do pagamento da taxa de justiça constitui fundamento de recusa da petição inicial pela Secretaria, nos termos da ai. f) do art. 558° do Código de Processo Civil.
Assim, dado que a Embargante não comprovou (mesmo na sequência das anteriores notificações) ter liquidado, em tempo, da taxa de justiça inicial devida, não se admite a petição inicial, ordenando-se a respectiva restituição.
Em consequência de todo o exposto fica prejudicada a apreciação do requerido pela Embargante em termos de emissão de guia autónoma para liquidação da taxa de justiça devida.
*
Custas do desentranhamento a cargo da Embargante, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal (n.ºs 4 e 8 do art. 7° do Regulamento das Custas Processuais).
*
Notifique.”, (sublinhado nosso).
Notificada do mesmo despacho, a embargante interpôs o presente recurso. Terminou as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. Vem a douta sentença ora em crise proferida correr no sentido de “Assim, dado que a Embargante não comprovou (mesmo na sequência das anteriores notificações) ter liquidado, em tempo da taxa de justiça inicial devida, não se admite a petição inicial, ordenando-se a respectiva restituição.”.
2. Ora, pelo acervo da douta sentença ora em crise supra exposto, fácil é de compreender onde mal andou o douto Tribunal a quo, perante a errada decisão de tramitação processual, após decisão de que a peça processual do recorrente deveria ser tramitada como uma petição inicial.
3. E as omissões processuais várias que se sucedem nesse mesmo sentido.
4. Encontra-se cristalizado que, para todos os devidos efeitos jurídicos, a peça processual do recorrente assume-se, juridicamente, como uma petição inicial.
5. Recorde-se que em momento processual anterior ao presente despacho ora em crise, sempre o douto Tribunal tramitou a mesma como se de uma contestação se tratasse, imputando ao recorrente penalidades processuais, no valor de € 816,00, que depois ao “corrigir” o seu lapso, ainda que tacitamente, dá as mesmas como não imputáveis.
6. Sanado tal erro pelo douto Tribunal a quo pela simples referência de que “Pese embora a tramitação seguida e reconhece-se, o teor do nosso despacho de 21.01.2019, após uma análise mais detida dos autos, estando em causa, efectivamente, uma (nova) dedução de embargos de terceiro (vide apenso A) e não uma oposição à execução mediante embargos (art. 728° e ss. do Código de Processo Civil), importa considerar que, ao contrário do que se vem entendendo quanto a estes último, o articulado inicial apresentado não constitui uma “contestação” à execução.”,
7. É que na verdade, aquando da notificação proferida por este douto Tribunal — despacho 21.01.2019— ao abrigo da tramitação processual das Contestações, acompanhada que vinha de guia processual, veio o recorrente oferecer requerimento, no mesmo indicou expressamente que era sua intenção liquidar a taxa de justiça requerendo a imputação das penalidades processuais na conta de custas final.
8. Determinando a aplicação do regime das petições iniciais, verdade é que não poderia o douto Tribunal a quo, ter decidido conforme o veio a fazer.
9. O primeiro erro do douto Tribunal a quo, prende-se com o facto de que a secretaria não recusou a peça processual, ab initio.
10. A verdade relevante, é que a secretaria não deu cumprimento ao disposto no artigo 558.° CPC, ao invés, aceitou a petição inicial, e tramitou-a, assim tendo de se dar por sanado o vício que poderia levar à aplicação do disposto no artigo 558.° CPC.
11. “III - Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada — v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.” in Ac. 5087/15.9T8LOU-A.P1, TR do Porto, disponível para consulta em http: / /www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7 121 657f9 1 e80257cda00381 fdf/ef4 c7ecbef88b2d3 802581 f3004eee98?OpenDocument.
12. Assim, desde logo se critica e se afasta a decisão do douto Tribunal a quo, no quanto diz respeito ao desentranhamento da petição inicial.
13. E não se venha dizer que o recorrente teve oportunidade de liquidar a taxa de justiça e não o fez, porquanto tal tramitação procedeu-se ao nível da configuração da petição inicial como contestação, e mesmo nessa senda o recorrente foi claro,
14. Quer pagar a taxa de Justiça, quer imputar as penalidades processuais na conta de custas, requereu ao douto Tribunal que procedesse à emissão de guia para o efeito.
15. Tudo o que o douto Tribunal a quo, não fez.
16. Pelo que desde já se requer, em conformidade, que este douto Tribunal superior se pronuncie no sentido de censura perante a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, e substitua a decisão em crise por outra que aceite a peça processual do recorrente.
17. Pelo que tramitando a peça processual do recorrente como uma petição inicial, impunha-se conceder ao recorrente (autor) o beneficio concedido pelo disposto no artigo 560.° CPC, o que aliás melhor resulta do acervo jurisprudencial mencionado nas alegações: “V - Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.”.
18. “Na verdade, não recusando a secretaria o recebimento da petição e não sendo rejeitada a sua distribuição, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade de o autor lançar mão do benefício estabelecido no art. 560°.
Ora, o autor não pode ser prejudicado por tais omissões da secretaria (art. 157°, n°6 do NCPC) — neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 31/5/2005, proferido no âmbito do processo 1601/05, acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2006, proferido no processo 0622181, e de 9/10/2006, proferido no âmbito do processo 0654628, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, proferido no âmbito do processo 2288/09.2TBTVD.L1-1, todos referidos no citado Ac. Da Relação de Coimbra de 16-10-2014, proc. n° 73/14.1TTCBR-A.C1, Relator: Jorge Loureiro.
A não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, conforme a actuação/omissão da secretaria, uns teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável — a proibição de prejuízos para as partes dos erros e omissões da secretaria (art. 157°/6 do NCPC) e as exigências decorrentes do princípio da igualdade (art. 130 da CRP) impedem a adopção de um sistema dualista do tipo acabado de referir.”
19. Omissões outras importam considerar, nomeadamente,
20.0 douto Tribunal a quo, ao ter fixado o regime aplicável a peça processual como de petição inicial, ao aperceber-se da não liquidação da taxa de justiça, deveria “...proferir despacho a ordenar que o processo aguarde que o autor ou o requerente o junte, sem prejuízo do disposto no artigo 281, n°1, do CPC, ou seja, da deserção e da extinção da instância”, ao ter omitido a prática de tal acto que lhe incumbia promover, estamos perante uma nulidade de conhecimento oficioso, que determina a nulidade não só do acto omitido, como de todo o demais processado subsequente.
21.0 que acarreta a invalidade e nulidade de todo o processado subsequente, cfr. art°s. 194° e 195° do CPC, pois que qualquer outro entendimento não pode deixar de representar uma violação do direito de acesso à JUSTIÇA melhor consagrado na Lei Fundamental, ao abrigo do previsto nos artigos 12°, 13°, 18°, 200, 202° e 203° todos da Lei Fundamental”.
Os embargados (exequente e executada) não apresentaram contra-alegações.
Em 19.03.2019, foi proferido despacho a admitir o recurso interposto pela Ré.
Foi fixado o valor processual em 26.800,00.
Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.
Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” do artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho.
Uma vez realizada a Conferência cumpre decidir.
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede.
2. Objeto do recurso:
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635, nº4 e 639, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- nulidade processual;
- saber se a não admissão da petição inicial se impunha por falta de pagamento atempado da taxa de justiça inicial devida.
3. Fundamentação:
3.1. De facto:
Os factos relevantes são os que se descreveram no relatório deste acórdão.
3.2. De direito:
3.2.1. Nulidade processual:
A este propósito, em suma, concluiu a embargante:
- deveria ter sido proferido despacho a ordenar que o processo aguarde que o autor junte documento comprovativo da liquidação da taxa de justiça, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, n°1, do Código de Processo Civil, ou seja, da deserção e da extinção da instância e ao ter omitido a prática de tal acto estamos perante uma nulidade de conhecimento oficioso, que determina a nulidade do demais processado subsequente.
Desde já se refere que estamos perante uma nulidade processual e não perante qualquer nulidade da decisão recorrida.
Ora, o meio processual próprio para a Apelante se insurgir contra a invocada omissão era dela reclamando perante o Tribunal a quo.
Na verdade, importa aqui atender ao disposto no artigo 199º do Código de Processo Civil e em especial ao seu nº 3, onde se estabelece que as nulidades processuais têm que ser arguidas perante o juiz que as comete, só podendo ser arguidas perante o tribunal superior “se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo”.
Ocorre referir o aforismo: “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
Deveria, por conseguinte, a Apelante quando notificada da decisão em causa, porque se trata de uma nulidade processual, tê-la arguido perante o tribunal a quo.
De todo o modo, é negativa a resposta à questão sobre se existiu a invocada nulidade processual.
Preceitua o artigo 195º, nº1 do Código de Processo Civil que a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Ora, em concreto, não se nos afigura que a lei imponha a prolação da decisão que a Apelante refere ter sido omitida – no sentido do prosseguimento dos autos ficar dependente do impulso processual da mesma, traduzido na junção do documento comprovativo da liquidação da taxa de justiça -, antes se impondo a prolação de decisão, uma vez constatada a não comprovação do pagamento da taxa de justiça, desde logo atentas as consequências legalmente previstas para o efeito, ainda que a secretaria não tenha recusado o recebimento da petição inicial de embargos de terceiro e não tenha sido rejeitada a sua distribuição.
Questão diversa é a de saber se tal decisão devia ser no sentido da não admissão do mesmo articulado mas essa é a 2ª questão objecto do presente recurso.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso da Apelante.
3.2.2. Por força dos nºs 3 e 4 do artigo 552º do Código de Processo Civil, o Autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou comprovar este electronicamente nos termos que estão regulamentados, ou seja, através do envio simultâneo com a peça, do ficheiro digital anexo do documento comprovativo de ter feito a autoliquidação.
O artigo 570º, nº1 do Código de Processo Civil manda aplicar à contestação, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 552º do mesmo código.
E caso assim não suceda?
Acompanhamos a fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.10.2014 (Relator Desembargador Jorge Loureiro, in www.dgsi.pt), citado pela embargante, “A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do art. 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (art. 558º/f do NCPC).
Do acto de recusa cabe reclamação para o juiz e da decisão deste que confirme a recusa cabe recurso para a Relação, nos termos previstos no art. 559º do NCPC.
Não sendo a petição recusada pela secretaria e fora dos casos previstos no nº 5 do art. 552º do NCPC, a falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência que deve ser recusada a distribuição da petição – art. 207º/1 do NCPC.
Por outro lado, “O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.” – art. 560º NCPC”, (sublinhado nosso).
Caso seja o Réu a assim não proceder, estabelece o nº 3 do artigo 570º do Código de Processo Civil que, «Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5UC».
Apesar da redacção pouco clara deste preceito, a verdade é que da sua conjugação com o disposto no artigo 145º nº 3 do Código de Processo Civil não pode deixar de se entender que o legislador pretendeu possibilitar à parte a junção do documento em falta dentro dos 10 dias subsequentes à apresentação da contestação e não que a secretaria deva efectuar a notificação dentro desse prazo.
Acompanhando agora o Acórdão da Relação do Porto de 23.11.2017 (Desembargadora Francisca Mota Vieira, in www.dgsi.pt) citado também pela embargante “(…) existe, em tal domínio, um especial regime (nomeadamente em termos de sancionamento) para o caso da apresentação da petição inicial e que o faz divergir algo do regime previsto para os demais articulados ou peças processuais cuja apresentação está também condicionada ao pagamento de taxa de justiça (ou até em relação aos actos sujeitos ao pagamento de taxa subsequente).
É compreensível que se ordene o desentranhamento da petição inicial quando a parte não junte o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do pedido de apoio judiciário, isto porque o autor sempre terá possibilidade de apresentar nova petição, podendo, inclusive, valer-se do benefício que lhe é facultado pelo art.560º do CPC., de modo a que a acção se possa considerar proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
E é compreensível que o regime previsto para a petição inicial, não tenha sido transposto para os restantes articulados, designadamente, contestação, pois tal solução colidiria, de forma manifesta, com o prazo peremptório de 30 dias previsto no art. 569º do CPC para a sua dedução (sem prejuízo do disposto no art. 145º nº 5 do Cód. do Proc. Civil), decorrido o qual, estava precludido o direito de contestar, criando-se uma situação irreversível”, (sublinhado nosso).
Em concreto, como concluiu a embargante e resulta do relatório que antecede, a secretaria não recusou o articulado – a petição inicial - da embargante, como previsto no artigo 558°, alínea f) do Código de Processo Civil. Ao invés, aceitou o mesmo articulado e tramitou-o.
Fê-lo, é certo, no pressuposto de se tratar de um articulado de contestação, começando por notificar a embargante para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida e de uma multa de igual montante, com expressa referência ao artigo 570º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil.
Ainda no mesmo pressuposto, foi proferido pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo o despacho a que alude o artigo 570º, nº5 do Código de Processo Civil, convidando a embargante a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com os limites fixados na mesma disposição legal.
A Embargante, notificada em conformidade com o mesmo despacho, veio requerer a respectiva notificação de guia cível para pagamento apenas do valor da taxa de justiça, invocando que as penalidades processuais podem ser imputadas na conta de custas finais.
Pelo Tribunal a quo foi considerado prejudicado o conhecimento de tal questão, reconhecendo ser o articulado inicial da embargante “uma verdadeira petição inicial”, considerando que importava à embargante, ab initio, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida e não tendo a mesma comprovado a respectiva liquidação, decidindo pela a sua não admissibilidade e determinando a respectiva restituição.
Entendemos porém que o circunstancialismo descrito implicava uma decisão diferente.
Os embargos de terceiro são uma “(…) verdadeira acção declarativa autónoma e especial enxertada numa execução (…)”, sendo o articulado inicial uma petição inicial. Para além de o reconhecer – e bem - assim, devia o Tribunal a quo atender às consequências legalmente previstas para a falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça juntamente com a petição inicial e também à tramitação levada a cabo anteriormente.
Com efeito, não tendo a petição inicial de embargos de terceiro sido recusada pela secretaria – não obstante não ter sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça -, servindo-nos novamente da fundamentação do supra citado acórdão da Relação de Coimbra de 16.10.2014, “(…), por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC que o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, deve dar-se a oportunidade ao autor para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
Na verdade, não recusando a secretaria o recebimento da petição e não sendo rejeitada a sua distribuição, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade de o autor lançar mão do benefício estabelecido no art. 560º.
Ora, o autor não pode ser prejudicado por tais omissões da secretaria (art. 157º, nº6 do NCPC) – neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 31/5/2005, proferido no âmbito do processo 1601/05, acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2006, proferido no processo 0622181, e de 9/10/2006, proferido no âmbito do processo 0654628, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, proferido no âmbito do processo 2288/09.2TBTVD.L1-1
A não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, conforme a actuação/omissão da secretaria, uns teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável – a proibição de prejuízos para as partes dos erros e omissões da secretaria (art. 157º/6 do NCPC) e as exigências decorrentes do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) impedem a adopção de um sistema dualista do tipo acabado de referir” (realce e sublinhado nossos).
Julga-se assim procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que o Tribunal recorrido notifique a embargante para no prazo de dez dias efectuar o pagamento da taxa de justiça, em falta.
4. Decisão:
Por tudo o exposto, julga-se procedente a apelação, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, e revogando a decisão recorrida, determinam que o tribunal recorrido ordene a notificação da embargante para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça em falta.
Sem custas.

Porto, 04 de Novembro de 2019.
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
Domingos Morais