Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2201/15.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: MOBILIDADE FUNCIONAL
RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
COMISSÃO
RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Nº do Documento: RP201607072201/15.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º243, FLS.221-244)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o A., a partir de julho de 2011, além das funções de assistente comercial passado também a desempenhar funções de consultor comercial, o que ocorreu até à denúncia do contrato em setembro de 2014, impõe-se concluir que não estamos perante uma situação de mobilidade funcional temporária (típica) tal como se encontra prevista no artigo 120.º, do CT, no entanto, também não estamos perante o exercício de funções compreendidas na atividade contratada, tal como se encontra definida no artigo 118.º, n.º 1, do C.T., pois as funções de consultor comercial não são afins ou funcionalmente ligadas às de assistente comercial, antes consubstanciam uma categoria profissional distinta, pelo que, estamos, assim, face a uma espécie de “mobilidade funcional atípica”.
II - Desta forma, e tendo em conta a previsão contida no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T., exercendo o A. também outras funções não compreendidas na atividade contratada, tem direito a auferir a retribuição correspondente a tais funções, ou seja, a retribuição base mensal de 748,00 que a Ré paga aos consultores comerciais, correspondente à respetiva categoria profissional.
III - Não se tendo apurado que o A. adotou qualquer comportamento (nomeadamente por inação) que tenha criado na Ré a confiança, a expetativa legítima de que o seu direito já não seria exercido e, porque como trabalhador da Ré, que foi, pôde exercer os seus direitos de crédito no prazo de um ano a partir da data da cessação do contrato de trabalho, não vislumbramos que com a propositura da presente ação tenha atuado com abuso do direito.
IV - Conforme resulta do artigo 264.º, do C.T. (artigo 255.º, do CT de 2003), <<a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo>> e, além desta retribuição, <<o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (…)>>.
V - A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior àquela que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, com exclusão do subsídio de alimentação ou de transporte por se encontrarem diretamente ligados a circunstâncias que não se verificam em tempo de féria.
VI- Auferindo o A. uma retribuição mista, composta por uma parte fixa e outra variável - as comissões - que consubstanciam uma parte considerável daquela e são auferidas na razão direta do número de clientes angariados pelo A., tais prestações retributivas são uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho, posto que estão diretamente ligadas à sua efetiva prestação e, assim, tal como ocorre com a retribuição de férias, também o subsídio de férias deve incluir a média das comissões auferidas pelo A. nos doze meses anteriores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2201/15.8T8VNG.P1
Comarca do Porto
5ª Secção de Instância Central do Trabalho, com sede em Vila Nova de Gaia
_________________________________

Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Desembargadora Fernanda Soares
Desembargador Domingos Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
B…, consultor comercial, residente em …, Vila Nova de Gaia,

intentou a presente ação de processo comum, contra

C…, Ldª, com sede em Lisboa

alegando, em síntese que:
Desempenhou as funções de assistente comercial desde a data da sua contratação em 01/03/2007 até julho de 2011, data em que foi promovido a consultor comercial, passando a exercer as funções inerentes a este cargo e que são as de promotor comercial, ao serviço da empresa D…, Ldª; no dia 22/12/2012, A. e Ré, junto daquela, celebraram um “acordo de cedência da posição contratual em contrato de trabalho”, passando o A., a partir de 01/01/2013 a prestar o seu trabalho para a Ré, o que fez até 05/09/2014, como promotor de vendas; reclamou o pagamento da retribuição que a Ré paga aos restantes trabalhadores com as mesmas funções, € 784,00; auferia a retribuição mensal base de € 495,00,a crescida de € 116,11 de subsídio de alimentação e comissões de valor variável; em 26/08/2014, comunicou à Ré a sua intenção de denunciar o contrato com efeitos a partir de 05/09/2014, data em que a relação laboral se extinguiu; os valores que recebia são desconformes com os praticados para a categoria profissional de consultor detida pelo A.; a Ré deve-lhe, assim, as diferenças retributivas no valor total de € 11.860,22, correspondentes aos anos de 2011 a 2014; reclama, ainda, as diferenças retributivas dos anos de 2007 a 2014, respeitantes aos subsídios de férias e de Natal, no montante global de € 2.244,77.
Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao A. as diferenças salariais apuradas no valor de € 11.860,22 e de € 1.959,84, respetivamente, acrescidas dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
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Realizou-se a audiência de partes e, não tendo sido possível conciliar as mesmas, a Ré contestou alegando, em sinopse, que:
O A. foi contratado como assistente comercial, sendo responsável por dar o devido seguimento administrativo aos contratos efetuados pelos consultores comerciais da empresa, elaborando a documentação necessária ao leiloamento de viaturas dos clientes da Ré, funções que desempenhou até à cessação da relação laboral em 05/09/2014; o A. não foi promovido, o que sucedeu é que em 2011, o volume de serviço que tinha como assistente comercial não era suficiente para ocupar a totalidade do seu tempo de trabalho e, por isso, acordaram que o A., continuando a prestar apoio administrativo aos consultores comerciais da Ré, passaria também a desenvolver contactos comerciais por si próprio, a desempenhar algumas tarefas desempenhadas pelos comerciais da Ré, passando a receber comissões em conformidade; não lhe é aplicável o CCT indicado pelo A. pois limita-se a leiloar viaturas a pedido dos respetivos proprietários e a diligenciar pelos cuidados necessários ao bom sucesso dos leilões que realiza; mesmo as funções desempenhadas pelos consultores comerciais não correspondem às funções de “promotor de vendas”, pelo que, o A. nunca poderia considerar-se para efeitos de aplicação da tabela salarial prevista no CCT, como promotor de vendas e, ainda, que nada deve ao A..
Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada improcedente, por não provada, devendo a Ré, em consequência, ser absolvida do pedido.
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O A. ofereceu resposta que não foi admitida.
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Foi proferido o despacho saneador de fls. 313 a 314.
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Procedeu-se a julgamento conforme resulta das atas de fls. 329 e segs..
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Foi, depois, proferida sentença (fls. 346 e segs.) que:
Julgou parcialmente procedente a presente ação e condenou a Ré a pagar ao A. as seguintes quantias:
“a) de € 10.879,00 a título de diferenças salariais pelas funções desempenhadas.
b) de € 1038,46 a título de diferenciais na retribuição de férias e subsídio de férias acrescidos de juros vencidos desde a data do respetivo vencimento (nos termos supra mencionados), à taxa legal e até integral pagamento da dívida, absolvendo no mais peticionado.”
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A , notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que conclui da seguinte forma:
1. Deve ser eliminado do ponto 12 dos factos provados o segmento “funções correspondentes à categoria de Consultor Comercial”, considerando-se prejudicado o ponto 15 da matéria de facto assente, na parte em que antes se extraía que as funções desempenhadas pelo A. até ao final do contrato eram de um Consultor Comercial. E deve ainda ser dado como provado o alegado sob os artigos 12.º e 16.º da contestação.
2. Sobre os factos referidos no número anterior, impunham decisão diversa os seguintes meios de prova, constantes de registo de gravação:
a. Depoimento da testemunha E…, na audiência de 6 de Outubro de 2015, ficheiro 20151006103055_14054571_2871615, entre 00:08:00 e 00:36:45, entre 01:05:15 e 01:05:36, entre 01:15:49 a 01:16:59 e entre 01:20:15 e 01:20:40;
b. Depoimento da testemunha F…, na audiência de 6 de Outubro de 2015, ficheiro 20151006120932_14054571_2871615, entre 00:08:45 e 00:18:00 e entre 00:22:04 e 00:23:14;
c. Depoimento da testemunha G…, na audiência de 13 de Outubro de 2015, ficheiro 20151013141640_14054571_2871615, entre 00:21:38 e 00:22:23, entre 00:33:34 e 00:34:54, entre 00:40:00 e 00:41:15 e entre 00:41:16 e 00:41:49;
d. Depoimento da testemunha H…, na audiência de 13 de Outubro de 2015, ficheiro 20151013154034_14054571_2871615, entre 00:08:27 e 00:09:04.
3. O Doc. n.º 3 da p.i. é inidóneo à demonstração da correspondência entre as funções exercidas pelo Recorrido e as de consultor comercial, a partir de Junho de 2011.
4. O facto vertido sob o ponto 12 (in fine) reveste teor conclusivo. E, da leitura da Sentença, ressalta que inexiste qualquer outro facto concreto, seja alegado pelo Recorrido, seja dado como provado, que desempenhe a função de individualização das funções correspondentes à categoria de consultor comercial.
5. É certo que a Recorrente reconheceu que, desde Junho de 2011, o Recorrido passou a desenvolver contactos comerciais por si próprio; porém, a realização desses contactos, por si só, não permite extrair a asserção (conclusiva, reitera-se) de que o Recorrido passou, a partir de Junho de 2011, a desempenhar funções “correspondentes” às do consultor comercial.
6. Deve dar-se como provado o alegado sob o artigo 43.º da contestação ou, rectius, a factualidade subjacente a essa alegação, isto é, que o Recorrido nunca reclamou os valores salariais praticados pela Recorrente para os seus consultores comerciais (cfr. gravação do depoimento da testemunha E…, na audiência de 6 de Outubro de 2015, entre 01:20:15 e 01:20:40 do seu depoimento, ficheiro 20151006103055_14054571_2871615).
7. Deve dar-se como provado o alegado no artigo 55.º da contestação ou, rectius, a factualidade subjacente a essa alegação, isto é, que o Recorrido nunca deixou de receber comissões por conta dos períodos em que gozou férias.
8. Sobre o facto referido no número anterior, impunham decisão diversa os seguintes meios de prova constantes do processo:
a. Recibos de vencimento juntos sob o Doc. n.º 4 da p.i.;
b. Depoimento da testemunha G…, prestado em 13 de Outubro de 2015, cfr. entre 00:22:25 e 00:26:25 e entre 00:41:59 e 00:43:06, ficheiro 20151013141640_14054571_2871615;
c. Depoimento da testemunha H…, prestado em 13 de Outubro de 2015, cfr. entre 00:00:57 e 00:02:09, ficheiro 20151013154034_14054571_2871615;
d. Depoimento da testemunha I…, prestado em 13 de Outubro de 2015, cfr. entre 00:05:53 e 00:07:14, ficheiro 20151013155026_14054571_2871615.
9. Deve ser dada nova redacção aos pontos 13 e 20 da matéria de facto assente, de forma a que deles passe a constar: “13. Passando a ter a si afeto uma carteira de clientes (maioritariamente stands) (artigo 16º da p.i.), sendo, todavia, em menor número e de menor dimensão”; “20. A Ré paga aos trabalhadores a que atribui a categoria profissional de consultores comerciais e exercem as funções inerentes a esse cargo um vencimento mensal de € 748 (artigo 17º da p.i.), tendo, todavia, tais consultores, nomeadamente J…, uma experiência profissional superior à do A. na área comercial e sector automóvel, e uma autonomia e responsabilidades acrescidas na orgânica da empresa”.
10. Sobre os factos referidos no número anterior, impunham decisão diversa os seguintes meios de prova, constantes de registo de gravação:
a. Depoimento da testemunha E…, prestado em 6 de Outubro de 2015, cfr. entre 00:57:57 e 00:59:05, entre 01:18:05 e 01:19:50 e entre 01:21:30 e 01:21:55, ficheiro 20151006103055_14054571_2871615;
b. Depoimento da testemunha G…, prestado em 13 de Outubro de 2015, cfr. entre 00:36:03 e 00:37:14 e entre 00:38:10 e 00:39:17, ficheiro 20151013141640_14054571_2871615.
11. Tal alteração impõe-se nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.T., que consagra, no processo do trabalho, um poder inquisitório do juiz, em consonância com o actualmente prescrito no artigo 5.º do C.P.C. sobre os poderes de cognição do tribunal.
12. Até final do contrato, o trabalhador aqui Recorrido continuou a exercer as funções de assistente comercial para que foi contratado (cfr. factos n.os 8, 9, 12 e 26); o que ocorreu foi que, a partir de Junho de 2011, o Recorrido passou a desempenhar, quando possível, algumas tarefas comerciais (cfr. factos n.os 12 e 29), mas que, pela sua natureza acessória e complementar às de assistência comercial ainda se situam no objecto da actividade contratada.
13. Assim, no caso dos autos, não se verifica qualquer problema de mobilidade funcional (ou ius variandi), pelo que não tem o artigo 120.º do C.T. qualquer aplicação à situação em apreço. Também não tem cabimento a aplicação do n.º 1 do artigo 267.º, ex vi do n.º 2 do artigo 118.º, ambos do C.T..
14. O disposto no n.º 5 do artigo 25.º do C.T. pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação.
15. O Recorrido apenas logrou provar que a Recorrente paga aos trabalhadores a que atribui a categoria profissional de consultores comerciais e que exercem as funções inerentes a esse cargo um vencimento mensal de € 748,00 (facto n.º 20). Não existe qualquer prova de que a prestação de trabalho do Recorrido e dos ditos consultores comerciais era a mesma.
16. Ao abrigo do n.º 1 do artigo 270.º e n.º 1 do artigo 23.º do C.T., só há exigência de igualdade retributiva, quando as prestações efectivas de trabalho sejam coincidentes neste tríplice aspecto: quanto à sua natureza, quanto à sua quantidade e quanto à sua qualidade.
17. O Recorrido exerceu, até ao termo da relação laboral, as funções inerentes à categoria de assistente comercial, sendo, aliás, o único trabalhador da Recorrente no desempenho dessas funções (factos provados n.os 6, 7, 8, 9, 12 e 26). Se o Recorrido desempenhava funções específicas e que mais ninguém fazia, então nenhum outro trabalhador lhe pode ser equiparado para efeitos retributivos.
18. O trabalho comercial desempenhado pelo Recorrido cingia-se ao “desenvolvimento de contactos comerciais por si próprio”, quando possível (cfr. factos n.os 12, 28 e 29), ou seja, não era da mesma natureza que o dos consultores comerciais. Inclusive, o acréscimo de funções que o Recorrido teve, em Junho de 2011, foi a forma que a Recorrente teve de dar cumprimento ao dever de ocupação efectiva.
19. Em termos de quantidade e qualidade, o trabalho comercial efectuado, a altura, pelo Recorrido também não é comparável ao dos consultores comerciais. Era humanamente impossível que, continuando a exercer as suas tarefas de base, o Recorrido pudesse vocacionar o mesmo tempo e apresentar o mesmo rendimento no âmbito dos contactos comerciais por si desenvolvidos.
20. Devem ainda valorar-se outros critérios que, objectivamente, permitem destrinçar a situação do Recorrido e dos consultores comerciais: a menor autonomia e responsabilidade assumida pelo Recorrido no seio da orgânica da empresa; o facto de os clientes acompanhados pelo Recorrido serem em menor número e importância; a menor experiência do Recorrido na área comercial e no sector automóvel (cfr. os factos cujo aditamento à decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.T., se defende no presente recurso).
21. Qualquer diferenciação salarial que possa ser imputada à Recorrente deve considerar-se materialmente fundada, porque assente em critérios objectivos, e, por conseguinte, não discriminatória;
22. Andou bem a Sentença apelada no entendimento que firmou acerca da aplicabilidade do IRCT invocado na p.i., pelo que nem sequer está em causa a discussão sobre montantes mínimos de retribuição que sejam devidos para a categoria profissional a cuja titularidade o Recorrido se arroga.
23. O trabalho comercial que o Recorrido passou a desenvolver, em 2011, foi valorizado, em sede de retribuição variável, na medida em que este passou a auferir comissões em função da cobrança de serviços aos clientes que acompanhava (facto provado n.º 14).
24. A circunstância de o Recorrido nunca ter reclamado qualquer alteração das condições salariais, conformando-se com a situação durante, pelo menos, três anos, até ao término voluntário do contrato (cfr. novo facto n.º 30), não deixa de configurar um abuso de direito, na modalidade de suppressio.
25. A Recorrente pagou comissões ao Recorrido no período de gozo de férias deste, pelo que não é devido qualquer valor a título de diferenças salariais na retribuição de férias.
26. Nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do C.C., era ao Recorrido que cabia fazer a prova dos factos constitutivos do seu pretenso direito, in casu, demonstrar quais os meses concretos em que a Recorrente lhe deveria ter pago comissões e não pagou.
27. Para efeitos do n.º 2 do artigo 264.º do C.T., os montantes médios das comissões não se integram no subsídio de férias, pelo que não é devido qualquer valor ao Recorrido a título de diferenças salariais no subsídio de férias.
28. Com efeito, as comissões que o Recorrido auferiu ao longo da relação laboral não constituem uma prestação correspondente à sua actividade ou modo específico da execução do trabalho.
29. Sem conceder, à luz do n.º 3 do artigo 261.º do C.T., o Tribunal a quo devia ter considerado, no cálculo da retribuição de férias e do subsídio de férias, a média dos montantes das comissões correspondentes aos últimos 12 meses (e não a média dos montantes das comissões recebidos no próprio ano a que as mesmas respeitam).
30. A Sentença viola, entre outras disposições, por errada interpretação ou aplicação, os artigos 23.º, 25.º, 118.º, 120.º, 261.º, 264.º, 267.º, 270.º do C.T., 72.º do C.P.T., 342.º do C.C. e 5.º do C.P.C..
Termos em que, e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, julgando-se, em consequência, a presente acção totalmente improcedente, por não provada, sendo a ora Recorrente absolvida do pedido.
V. Exas., como sempre, farão JUSTIÇA!”
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O A. apresentou resposta com as seguintes conclusões:
“1 - Pugna-se pela manutenção na integra da douta sentença porquanto fez uma correcta interpretação dos factos à lei estando devidamente fundamentada não existindo qualquer erro de julgamento.
2 – O ponto 12 da matéria de facto deve ser mantido tendo resultado provado à sociedade que o A/Apelado desempenhou as funções correspondentes à categoria profissional de consultor comercial.
3 – Mantendo o vertido no ponto 15 da matéria de facto.
4 – O depoimento da testemunha G… superior hierárquico directo do A/Apelado e também ele desempenhando funções de consultor comercial, confirmamos a natureza, qualidade e quantidade das funções desempenhadas.
5 – O doc. n.º 3 – fichas de visitas a clientes demonstram o momento a partir do qual o A/Apelado desempenhou as funções descritas e não foi impugnado pela R/Apelante.
6 – O facto vertido no art.º 43 da contestação nunca poderia ser dado como provado face ao depoimento da testemunha G… que pese embora ser funcionário da R/Apelante não deixou de afirmar que o A/Apelado colocou a questão da alteração salarial e respectiva categoria.
7 – O A/Apelado recebeu comissões durante 12 meses o que não é o mesmo que dizer que recebeu as comissões na retribuição de férias.
8 – O A/Apelado nunca gozou um mês ininterrupto de férias e as comissões pagas correspondiam às vendas por este efectuadas.
9 – Os recibos do A/Apelado comprovam o não gozo de férias ininterrupto e não têm a virtualidade de prova o pagamento das comissões na retribuição de férias.
10 – A retribuição de férias foi sempre paga pelo valor do salário base não tendo qualquer acréscimo correspondente ao valor médio das comissões.
11 – A redacção dos arts. 13 e 20 da matéria de facto resultam da prova produzida sendo que a adjectivação “maioritariamente stands” não tem a virtualidade de estabelecer “um menor número e menor dimensão”.
12 – O trabalhador J… não foi admitido como testemunha não tendo sido feita qualquer prova que ateste uma menor qualificação do seu desempenho profissional que nem sequer foi alegado.
13 – O vertido no art.º 72º do CPT não substitui a alegação e prova de novos factos.
14 – A douta sentença aplicou correctamente o vertido nos arts. 118º, 120º e 267º do CT, sendo amplamente a aplicação de um outro (art. 118º do CT ou 120º do CT) para a necessidade de pagamento da retribuição correspondente à categoria de consultor comercial.
15 – As funções desempenhadas pelo consultor comercial e pelo assistente comercial encontram-se claramente definidas.
16 – Tais funções encontram-se perfeitamente hierarquizadas na R/Apelante que actualmente nem sequer tem a função de assistente comercial.
17 – A categoria de assistente comercial formalmente desaparece da organização da empresa com a saída do A/Apelado, contudo desde 2011 que esta categoria e funções já haviam desaparecido.
Sem Prescindir
18 – O A/Apelante logrou provar de forma inequívoca e pese embora os entraves colocados, nomeadamente com o impedimento de se ouvir a testemunha J…, foi objecto de discriminação, violando-se assim o disposto no art. 270º, n.º 1 e 23º do CT.
19 – O A/Apelado provou que desempenhou as funções da mesma natureza, qualidade e quantidade foi a R/Apelante que não logrou provar quais as funções de caracter administrativo (assistente comercial) que o primeiro manteve após Junho de 2011.
20 – A R/Apelada não pagou quaisquer comissões ao A/Apelado na retribuição de férias.
21 – Não se trata da falta de pagamento das comissões, mas da falta de pagamento da média dessas comissões na retribuição de férias.
22 – Como também se trata da inclusão dessa média de comissões no subsídio de férias.
Termos em que, confirmando-se “in totum” a Douta Sentença, farão V. Exas. Inteira e sã JUSTIÇA.”
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O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 448 e segs. no sentido de que a apelação merece parcial provimento.
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A Ré e o A. vieram responder a este parecer concluindo como nas respetivas alegações de recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Questões a decidir:
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pela Ré recorrente, quais sejam:
1ª – Alteração da matéria de facto – pontos 12 e 15, 13 e 20 dos factos provados; dar-se como provado o constante dos artigos 12º, 16º, 43º, 55º da contestação.
2ª – Inexistência de mobilidade funcional e de violação do princípio da igualdade.
3ª – Inexistência do direito a receber diferenças salariais.
4ª – Se o A. agiu com abuso do direito (suppressio).
5ª – Se a Ré pagou ao A. comissões no período de gozo de férias não lhe sendo devido qualquer valor a título de diferenças salariais na retribuição de férias.
6ª – Se o A. não tem direito a receber a média das comissões que auferiu no subsídio de férias.
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III – Fundamentação
a) Factos provados:
1. A Ré é uma sociedade comercial que tem por atividade a prestação de serviços de leiloeira de viaturas (artigo 1º da contestação).
2. Nessa medida, os clientes angariados pela Ré contratam-na para que esta leiloe as viaturas que tais clientes pretendem vender (artigo 2º da contestação).
3. Sendo os veículos leiloados apenas a empresas ou comerciantes, profissionais do ramo automóvel (artigo 3º da contestação).
4. Leiloadas as viaturas, a totalidade do preço alcançado é entregue aos respetivos proprietários, sendo depois faturados os serviços prestados pela Ré (artigo 4º da contestação).
5. A clientela da Ré – potenciais vendedores e compradores – é angariada pelos seus comerciais (Consultores Comerciais), através de contactos diretos efetuados por estes, traduzindo-se os seus esforços na contratação dos serviços da Ré – e não na aquisição e revenda de viaturas (artigo 5º da contestação).
6. O A. foi contratado, em 01.03.2007, pela empresa D…, Lda., para desempenhar as funções de Assistente Comercial (artigo 7º da p.i).
7. A 1 de julho de 2009, o A. e aquela empresa celebraram um contrato de trabalho sem termo, cujo objeto se consubstancia no exercício de funções inerentes à categoria profissional de Assistente Comercial, já anteriormente detida pelo A. e que são essencialmente de cariz administrativo (artigo 8º da p.i.).
8. No exercício de tais funções, o A. era responsável por dar o devido seguimento administrativo aos contactos efetuados pelos Consultores Comerciais da empresa, elaborando a documentação necessária ao leiloamento de viaturas dos clientes da Ré, como seja a introdução dos elementos relativos às viaturas a levar a leilão, no sistema informático, envio dos resultados do leilão para os proprietários dos veículos leiloados e envio do catálogo para a base de dados (artigo 8º da contestação).
9. O A. desempenhou aquelas funções desde a data da sua contratação até ao final do contrato, ocorrida em 05 de Setembro de 2014 (artigo 10º da contestação)
10. Nos termos da cláusula 1º, ponto 2 do contrato referido no ponto 7, o A. poderá desempenhar outras tarefas para as quais detenha qualificação adequada e que não impliquem uma desvalorização profissional, desde que essas, se considerem afins ou funcionalmente ligadas à atividade ou categoria profissional daquele.
11. Em 2011, face à redução drástica do volume de negócios, houve a necessidade de redução do pessoal bem como de concentrar em determinados trabalhadores outras tarefas para além das que lhe estavam atribuídas (artigo 12º da contestação).*
12. Assim, em julho de 2011, o A., continuando a prestar apoio administrativo aos consultores comerciais, passou também a desenvolver contactos comerciais por si próprio junto dos proprietários dos veículos/potenciais compradores para que estes tentem vender os seus veículos ou comprar outros através da prestação de serviços de leilões, funções correspondentes à categoria de Consultor Comercial (artigo 11º da p.i. e 13º e 38º da contestação) – considerada não escrita a frase sublinhada a negrito.
13. Passando a ter a si afeto uma carteira de clientes (maioritariamente stands) (artigo 16º da p.i.)
14. Tendo a partir dessa data passado a receber comissões em função da cobrança de serviços aos clientes por si angariados (artigo 14º da contestação).
15. O A. desenvolveu o seu trabalho ao serviço da Ré, desempenhou as funções descritas no ponto 12 até ao final do contrato (artigo 26º da p.i e 47º da contestação).
16. No dia 22 de dezembro de 2012 o A. e a R., junto da anterior entidade empregadora daquele, celebraram um “Acordo de Cedência da Posição Contratual em Contrato de Trabalho”, conforme teor de documento junto a fls. 27 e ss (artigo 12º da p.i.).
17. Mediante o qual o A. passaria, a partir de 1 de janeiro de 2013, a prestar o seu trabalho à R., nos mesmos termos e condições que o havia prestado à sua anterior entidade empregadora (artigo 13º da p.i.).
18. E vendo também reconhecida a sua antiguidade ao serviço (artigo 14º da p.i.).
19. No desempenho das suas funções o A. auferia a retribuição base mensal, à data da cessação do seu contrato de trabalho, de € 495,00 (quatrocentos e noventa e cinco euros), acrescida de subsídio de alimentação de € 116,11 (cento e dezasseis euros e onze cêntimos) e comissões de valor variável (artigo 21º da p.i.).
20. A Ré paga aos trabalhadores a que atribui a categoria profissional de consultores comerciais e exercem as funções inerentes a esse cargo um vencimento mensal de € 748 (artigo 17º da p.i.).
21. O horário de trabalho praticado pelo A. é de 40 horas semanais, distribuídos de segunda a sexta, das 09 horas às 18 horas (artigo 20º da p.i.).
22. Em 26 de agosto de 2014, o A. comunicou à R., por escrito, a sua intenção de denunciar o contrato de trabalho (artigo 22º da p.i.).
23. Produzindo aquela denúncia efeitos a partir do dia 05 de setembro de 2014 (artigo 23º da p.i.).
24. A Ré não se dedica à indústria, compra e venda de veículos automóveis ou reparação automóvel (artigo 30º da contestação).
25. A Ré não constrói veículos automóveis, não os vende nem tem uma oficina onde aqueles são reparados (artigo 31º da contestação).
26. O A. era o único trabalhador da Ré que no período em causa desempenhava as funções de Assistente Comercial (artigo 44º da contestação).
27. Ao longo da sua relação laboral, o A. auferiu as comissões infra discriminadas:

(artigo 47º da p.i.)
*este facto, embora não traduza bem o alegado no artigo 12º da contestação, esclarece o motivo porque o Autor terá desempenhado outras funções para além das que foi contratada e, por essa razão, afigura-se importante para a decisão da causa, sendo certo que sobre o mesmo incidiu discussão conforme se pode ver pelo depoimento gravado das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento (v.g nomeadamente, depoimento de G… e E…). Por entendermos que o mesmo poderá ser relevante para a boa decisão da causa, ao abrigo do artigo 72º, nº 1 do CPT, será incluído na decisão da matéria de facto.
*
*
b) - Discussão
Apreciando as questões suscitadas pela Ré recorrente:
1ª questão
Alteração da matéria de facto – pontos 12 e 15, 13 e 20 dos factos provados e dar-se como provado o constante dos artigos 12º, 16º, 43º e 55º da contestação.
A Ré recorrente interpôs o presente recurso visando a reapreciação da prova gravada.
Conforme o disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:
<<1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.
Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do N.C.P.C..
Lidas as alegações, constatamos que a recorrente indicou os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados – 12 e 15, 13 e 20 dos factos provados e dar-se como provado o constante dos artigos 12º, 16º, 43º e 55º da contestação –; os meios probatórios que impunham decisão diversa, ou seja, os depoimentos das testemunhas com indicação das passagens da gravação em que se funda e os documentos que identifica e, ainda, a decisão que, no seu entender devia ter sido dada, ou seja, a redação alterada dos factos dados como provados e os artigos da contestação que deviam ter sido considerados provados.
Assim sendo, a recorrente cumpriu o ónus que sobre si impedia e este Tribunal pode proceder à reapreciação da prova.
Pontos 12 e 15, 13 e 20 dos factos provados e artigos 12º, 16º, 43º e 55º da contestação:
Destes pontos da matéria de facto provada consta:
12. Assim, em julho de 2011, o A., continuando a prestar apoio administrativo aos Consultores Comerciais, passou também a desenvolver contactos comerciais por si próprio junto dos proprietários dos veículos/potenciais compradores para que estes tentem vender ou seus veículos ou comprar outros através da prestação de serviços de leilões, funções correspondentes à categoria de Consultor Comercial (artigo 11º da p.i. e 13º e 38º da contestação).
13. Passando a ter a si afeto uma carteira de clientes (maioritariamente stands) (artigo 16º da p.i.)
15. O A. desenvolveu o seu trabalho ao serviço da Ré, desempenhou as funções descritas no ponto 12 até ao final do contrato (artigo 26º da p.i e 47º da contestação).
20. A Ré paga aos trabalhadores a que atribui a categoria profissional de consultores comerciais e exercem as funções inerentes a esse cargo um vencimento mensal de € 748 (artigo 17º da p.i.).
E dos artigos da contestação:
12. O que sucedeu – como o Autor bem sabe – é que, em 2011, o volume de serviço que tinha como Assistente Comercial não era suficiente para ocupar a totalidade do seu tempo de trabalho;
16. Reitere-se: o Autor não passou a desempenhar exclusivamente as funções de comercial; passou, isso sim, quando possível, a desempenhar algumas tarefas desempenhadas pelos comerciais da Ré, sem nunca deixar de exercer as suas funções de Assistente Comercial;
43. É falso que tenha o Autor reclamado qualquer outro valor que não aquele que recebia deixando-se impugnado os artigos 17.º e 18.º da petição inicial.
55. Já quanto à remuneração de férias, bem pode ver-se pelos factos relatados pelo Autor que todos os meses este recebeu valores a título de comissão, pelo que, tanto quanto se vê, não existem quaisquer valores em falta.
*
Na motivação, a Exm.ª juiz fez constar que:
“O depoimento das testemunhas da Ré, E…, diretor até Setembro de 2014 e G…, coordenador comercial desde 01.04.2002 e superior hierárquico direto do A., face às funções ali exercidas, foram determinantes para o esclarecimento do objecto social da Ré e da actividade por esta desenvolvida – prestação de serviços de leiloeira de viaturas – factos 1 a 5, 24 e 25.
Os factos descritos no artigo 6, 7, 10, 16, 17, 18 consideram-se assentes por acordo das partes, mostrando-se ainda junto aos autos cópia do contrato celebrado entre o A. e a sua anterior entidade patronal (fls. 23 a 26) bem como o acordo de cedência da posição contratual do empregador no âmbito do contrato de trabalho celebrado com o A (fls. 27 e 28).
Também o documento de fls 29, cujo teor não foi posto em causa pela Ré demonstra o modo e a data como o contrato cessou (factos 22 e 23).
Os recibos de vencimento juntos a fls. 90 a 111 e 138 a 161 demonstram o vencimento auferido pelo A. ao longo da sua relação laboral assim como o subsidio de alimentação (circunstancialismo assente por acordo das partes) bem como o facto de lhe serem pagos com carácter regular valores variáveis a título de comissão e descriminados no facto 27.
Também o horário de trabalho invocado pelo A. (facto 21) nunca foi posto em causa pela Ré.
Não tendo também sido questionado que o A. foi contratado para exercer as funções de assistente comercial, com um cariz essencialmente administrativo e de apoio aos consultores comerciais (facto 8), ficou claro do depoimento testemunhal, nomeadamente, de G…, coordenador comercial e superior hierárquico direto do A. que este a partir de determinada altura (2011) e sem deixar de exercer as funções de assistente comercial e que se traduziam, genericamente, num apoio à equipa comercial, passou a fazer contactos comerciais, visitas a clientes. Esta testemunha foi clara a distinguir o conteúdo de ambas as funções de assistente comercial, com cariz meramente administrativo e de consultor comercial, de cariz comercial e a esclarecer o porquê do A. ter a passado também a desempenhar funções desta natureza. Para o efeito, explicou que em 2011 ocorreu um período de recessão com a redução drástica do volume de negócios e consequente redução da equipa (chegando a ter tido 3 consultores comerciais a seu cargo e um assistente), passando a existir apenas dois elementos (o próprio, enquanto comercial e o A, como assistente), passando o A. a ter uma carteira de clientes adstrita e a fazer contactos comerciais com clientes, tendo desenvolvido as suas funções nestes termos até ao final do contrato, muito embora a testemunha se mantivesse como seu superior hierárquico. Referiu ainda que a questão da alteração da categoria e/ou remuneração do A. foi colocada ao Eng. E…, mas que este manteve a situação como estava. Referiu ainda que os consultores comerciais tinham sempre o mesmo salário base, sendo que a eventual diferença de remuneração auferidas no fim do mês ocorria por causa da diferente carteira de clientes, que influía no valor da comissão.
Os documentos juntos as autos a fls. 34 a 86 e 116 a 134 – “fichas de clientes” – demonstram esse mesmo trabalho desenvolvido pelo A num período de 2011 de contato com clientes. De realçar ainda que do depoimento de F…, consultor comercial da Ré desde Outubro de 2014, após a cessação da relação laboral do A., resultou que vários clientes identificados naqueles documentos passaram a fazer parte da sua carteira, enquanto consultor. Do seu depoimento assim como do de H…, também consultou comercial desde outubro de 2014 conjugado com o teor do doc. 6 junto com a p.i. [recibo de vencimento de J… (consultor comercial contemporâneo ao A., conforme depoimento das testemunhas G… e E…)] resultou que o salário base do consultor comercial é de € 748, na medida em que correspondia ao vencimento base auferido por cada um deles.
Também I…, coordenadora administrativa desde dezembro de 2006 referiu que o A. foi contratado para exercer funções de assistente comercial nunca tendo deixado de desempenhar tais funções, garantindo ainda ter sido o único assistente comercial. Porém, também disse que a partir de determinada altura, houve uma alteração de funções do A., tendo-lhe sido atribuído clientes, recebendo comissões em função do número de clientes que tinha e consoante o valor dos objectivos de vendas atingidos, resultando a sua razão de ciência do facto de ser a mesma a calcular os valores que lhe eram devidos a título de comissões.
E…, na altura director da Ré, sem negar que o A. tivesse feito contactos comerciais, nem que as fichas de clientes juntas aos autos resultassem de contactos desenvolvidos por este, pretendeu desvalorizar o exercício de tais funções, referindo que este sempre foi assistente comercial, nunca tendo sido promovido a consultor comercial, que dependeria sempre de acto da administração. Porém, esclareceu que quem coordenava o trabalho do A. era o G…, assumindo que este poderia tê-lo mandado visitar clientes e admitindo que houve uma redução de quadros a partir de determinada altura, tendo determinados colaboradores assumido/acumulado outras tarefas para além das habituais funções desempenhadas, referindo, contudo, tratar-se de algo momentâneo.
Cremos que não obstante esta testemunha não se querer comprometer e pretender mesmo desvalorizar o trabalho desenvolvido pelo A. ao nível comercial a partir de determinada altura, argumentando que o mesmo nunca deixou de exercer as funções para o qual foi contratado, como assistente comercial, tal não põe em causa a demais prova produzida, nomeadamente, o depoimento de G… que segundo aquela testemunha, enquanto coordenador do A, seria o que melhor estaria em condições para esclarecer o trabalho desenvolvido por este.
Assim de toda a prova produzida, testemunhal e documental, concluiu o Tribunal que o A., a partir de 2011, e embora continuando a exercer funções de carácter administrativo, passou a exercer funções de carácter comercial, tendo para o efeito lhe sido atribuída uma carteira de clientes.”
*
Como já referimos, a Ré recorrente entende que deve ser eliminado do ponto 12 dos factos provados o segmento “funções correspondentes à categoria de Consultor Comercial”, por ser conclusivo considerando-se prejudicado o ponto 15 na parte em que antes se extraía que as funções desempenhadas pelo A. até ao final do contrato eram de um Consultor Comercial e que deve ser dada uma nova redação aos pontos 13 e 20 da matéria de factos provada.
Mais alega que deve ser dado como provado o alegado nos artigos 12.º, 16º, 43º e 45º, todos da contestação.
Apreciando:
Ouvimos todos os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de discussão e julgamento, analisámos os documentos juntos aos autos e, desde já, avançamos que no que concerne ao ponto 12 da matéria de facto apurada assiste razão à recorrente.
Na verdade, o constante do mesmo: “funções correspondentes à categoria de Consultor Comercial”, é matéria conclusiva que, por isso, não deve figurar no elenco dos factos provados.
Discutindo-se na presente ação se o A. exercia funções correspondentes à categoria profissional de consultor comercial e se foi promovido a esta categoria, tal matéria é conclusiva e, por isso, deve ser dada como não escrita[1].
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de setembro de 2009, e a propósito do n.º 4, do artigo 646.º, do anterior C.P.C., tal ocorre “[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum. Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objecto de prova. Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.”
Assim sendo, a citada matéria dada como provada constante do ponto 12, considera-se como não escrita (artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do C.P.C.).
No que concerne ao ponto 15 do elenco dos factos provados, uma vez que este remete para o ponto 12, ou seja, nele se refere que o A. desempenhou as funções descritas no ponto 12 até ao final do contrato, estas funções são as que constam do ponto 12 alterado.
Procede, assim, no que concerne ao ponto 12 a pretendida alteração.
Pontos 13 e 20 da matéria de facto provada:
A recorrente alega que do ponto 13 deve passar a constar além de passando a ter a si afeto uma carteira de clientes (maioritariamente stands), ainda, sendo, todavia, em menor número e de menor dimensão.
E, do ponto 20, ainda, tendo, todavia, tais consultores, nomeadamente J…, uma experiência profissional superior à do A. na área comercial e sector comercial, e uma autonomia e responsabilidades acrescidas na orgânica da empresa.
Diga-se, desde já, que “ser em menor número e de menor dimensão e ter uma experiência superior e uma autonomia e responsabilidades acrescidas” é também matéria conclusiva. Devia ter sido alegado e provado, por um lado, o número e a dimensão concretas dos clientes, dos stands do A., para depois se poder concluir se aqueles eram ou não em menor número e dimensão e, por outro, factos concretos que traduzissem a experiência, autonomia e responsabilidade dos consultores, nomeadamente, de J… para se poder concluir pela sua superioridade e acéscimo em relação à do A. que, como resulta do ponto 12, em julho de 2011 passou também a desenvolver contactos comerciais.
No entanto, sempre diremos que a testemunha E…, ex-diretor da Ré, disse que foram dados ao A. objetivos de determinados clientes por força da redução; que em 2012 solicitavam a todos que contactassem os clientes; que os contactos do A. em número não eram iguais e eram menos importantes em termos de carteira em relação aos consultores; que havia consultores com salários diferentes, dependia da experiência e da responsabilidade e carteira de clientes e que eram uns 6/7 consultores comerciais com experiência de anos diferente da do A..
Por sua vez a testemunha G…, coordenador comercial da Ré e superior hierárquico do A. referiu que em 2011 houve recessão e redução da equipa, sendo apenas os dois, ele e o A. como assistente comercial e dividiam as tarefas, ambos exerciam funções de assistente e consultor; que o A. deve ter angariado clientes na época das duplas funções; que “a carteira de clientes que lhe foi atribuída não sabe” e, ainda, que ele (testemunha) tinha uma carteira e o A. outra diferente, a dele de oferta de grande volume, a do A. de comerciantes de automóvel de um volume menos significativo; que o J… era consultor comercial e estes tinham o mesmo salário base, o resto é que era diferente pois dependia das carteiras de clientes atribuídas e que os consultores da Ré tinham larga experiência, o A. era assistente comercial de início, não tinha a mesma experiência.
Ora, destes depoimentos não se retiram factos concretos mas apenas afirmações genéricas e conclusivas – contactos em número não igual e menos importantes; carteira de grande volume e de um volume menos significativo; experiência de anos diferente da do A.; larga experiência e não tinha a mesma experiência – que não suportam a pretendida alteração nem o apelo que a recorrente faz ao disposto no artigo 72.º, do C.P.T.. Este normativo tem como pressuposto que no decurso da produção da prova surjam factos concretos, embora não articulados, e não afirmações genéricas e conclusivas que, como já referimos, não devem constar do elenco dos factos apurados.
Na verdade, desde logo por falta de factos concretos que a suportem, não foi feita prova bastante de que a carteira de clientes do A. era em menor número e de menor dimensão nem que tais consultores como J… têm uma experiência profissional superior à do A. na área comercial e sector automóvel, e uma autonomia e responsabilidades acrescidas na orgânica da empresa mas tão só o que consta dos pontos em análise.
Improcede, assim, nesta parte, a pretendida alteração, devendo os pontos 13 e 20 da matéria de facto apurada manterem a sua redação.
*
Artigos 12 e 16 da contestação:
A recorrente entende que a matéria constante destes artigos da contestação deve ser dada como provada, ou seja, que: o que sucedeu – como o Autor bem sabe – é que, em 2011, o volume de serviço que tinha como Assistente Comercial não era suficiente para ocupar a totalidade do seu tempo de trabalho e reitere-se: o Autor não passou a desempenhar exclusivamente as funções de comercial; passou, isso sim, quando possível, a desempenhar algumas tarefas desempenhadas pelos comerciais da Ré, sem nunca deixar de exercer as suas funções de Assistente Comercial.
Ora, além de, em parte, o alegado ser conclusivo, como bem refere o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, estes dois artigos traduzem a mesma realidade, ou seja, que a Ré não tendo em 2011 um volume de serviço como assistente comercial para ocupar a totalidade do tempo de trabalho do A., este, passou também a exercer tarefas desempenhadas pelos seus consultores comerciais.
Acontece que, esta matéria concretizada já consta do elenco dos factos provados nos pontos 11 e 12 nos seguintes termos:
11. Em 2011, face à redução drástica do volume de negócios, houve a necessidade de redução do pessoal bem como de concentrar em determinados trabalhadores outras tarefas para além das que lhe estavam atribuídas (artigo 12º da contestação).*
12. Assim, em julho de 2011, o A., continuando a prestar apoio administrativo aos Consultores Comerciais, passou também a desenvolver contactos comerciais por si próprio junto dos proprietários dos veículos/potenciais compradores para que estes tentem vender os seus veículos ou comprar outros através da prestação de serviços de leilões, funções correspondentes à categoria de Consultor Comercial (artigo 11º da p.i. e 13º e 38º da contestação) – considerada não escrita a frase sublinhada a negrito.
Assim sendo, é manifestamente desnecessário o aditamento pretendido pela recorrente.
Artigos 43º e 55.º da contestação:
A Ré recorrente alega que “deve dar-se como provado o alegado sob o artigo 43.º da contestação ou, rectius, a factualidade subjacente a essa alegação, isto é, que o Recorrido nunca reclamou os valores salariais praticados pela Recorrente para os seus consultores comerciais e que deve dar-se como provado o alegado no artigo 55.º da contestação ou, rectius, a factualidade subjacente a essa alegação, isto é, que o Recorrido nunca deixou de receber comissões por conta dos períodos em que gozou férias.”
Acontece que, o que consta dos artigos em análise é o seguinte:
43. É falso que tenha o Autor reclamado qualquer outro valor que não aquele que recebia deixando-se impugnado os artigos 17.º e 18.º da petição inicial.
55. Já quanto à remuneração de férias, bem pode ver-se pelos factos relatados pelo Autor que todos os meses este recebeu valores a título de comissão, pelo que, tanto quanto se vê, não existem quaisquer valores em falta.
Ora, a Ré só pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto alegada e não “factualidade subjacente a essa alegação”. Dito de outra forma, não pode vir agora, em sede de recurso, pretender que sejam dados como provados factos que não alegou de forma direta.
Acresce que, a matéria contida nestes artigos é também conclusiva, traduz a impugnação do alegado pelo A., pelo, que, pelas razões já supra enunciadas não deve, desde logo, ser levada ao elenco dos factos provados.
Improcede, assim, esta alteração/aditamento à matéria de facto pretendida pela recorrente.
Concluindo, procede a alteração da matéria de facto apenas no que concerne ao ponto 12 da matéria de facto apurada.
*
Questões 2ª e 3ª:
Inexistência de mobilidade funcional e de violação do princípio da igualdade.
Inexistência do direito a receber diferenças salariais.
Alega a recorrente que não ocorreu qualquer mobilidade funcional; que o disposto no n.º 5, do artigo 25.º do CT pressupõe a alegação e prova por parte do trabalhador, de factos que constituam fatores característicos de discriminação e o recorrido apenas logrou provar que a recorrente paga aos trabalhadores a que atribui a categoria profissional de consultores comerciais e que exercem as funções inerentes a esse cargo um vencimento mensal de € 748,00; não existe qualquer prova de que a prestação de trabalho do recorrido e dos ditos consultores comerciais era a mesma quanto à sua natureza, quantidade e qualidade e, ainda, que o trabalho comercial que o recorrido passou a desenvolver em 2011 foi valorizado em sede de retribuição variável, na medida em que este passou a auferir comissões em função da cobrança de serviços aos clientes que acompanhava.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“De todo o modo e não obstante, importa apurar se mesmo assim o A. não tem direito a receber a partir de julho de 2011 retribuição diversa da até então recebida em virtude de desempenhar funções correspondentes a uma categoria superior – de consultor comercial e mesmo atendendo ao facto de não ter sido formalmente promovido.
E cremos que sim.
É certo que o A. foi contratado para desempenhar funções de cariz administrativo, como assistente comercial, tendo-as exercido até ao final do contrato. Porém, apurou-se que, a partir de determinada altura da sua relação laboral, mais propriamente, a partir de julho de 2011, a par das funções de assistente comercial, desempenhou também funções de consultor comercial – desenvolvimento de contactos comerciais junto dos proprietários/potenciais compradores para que estes tentem vender os seus veículos ou comprar outros através da prestação de serviços de leilões da Ré, sendo-lhe para o efeito atribuída uma carteira de clientes (factos 12 e 13).
Mais ficou provado que os trabalhadores que exercem essas funções e que detém essa categoria auferem um vencimento mensal de € 748 (facto 20).
Da factualidade supra descrita resulta que, não obstante o A. desempenhar funções correspondentes à categoria de consultor comercial, auferia uma retribuição como assistente comercial, sendo remunerado abaixo do valor auferido por aqueles que apenas desenvolviam contactos comerciais e detinham aquela categoria.
Nos termos do artigo 118º do CT, o trabalhador deve, em princípio exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado. Por outro lado, a actividade contratada compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
E nos autos, não está em causa o dever do Autor desempenhar as respectivas funções, por força da situação económica da Ré vivida no momento com a consequente necessidade de reduzir pessoal, conforme referiram as testemunhas já citadas.
A questão que se coloca é, uma vez a desempenhar aquelas funções, ainda que mantendo o exercício daquelas para as quais foi contratado, que vencimento tem o Autor direito a auferir, ainda que tal não tenha determinado qualquer mudança de categoria profissional.
Nos termos do artigo 120º do CT, o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na sua actividade contratada (nº 1), não implicando tal a mudança de categoria correspondente ao exercício dessas mesmas funções (nº 5). Porém, tem o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas (nº 4) e aqui se insere a retribuição correspondente ao exercício das funções como consultor comercial e cujo valor é superior à que auferia enquanto assistente comercial. Tal conclusão também emerge do disposto no artigo 267º, nº 1; 270º, parte final do CT e que estabelece o “ princípio de que para trabalho igual ou de valor igual, salário igual”, assim como o disposto no artigo 59º, nº 1, al. a) da Constituição da Republica Portuguesa.
Assim, tendo o A. exercido a partir de julho de 2011 e até ao final do contrato ocorrido em 05 de Setembro de 2014, funções de consultor comercial e sendo pago aos trabalhadores que exerciam as funções correspondentes a essa categoria a retribuição mensal de € 748 (facto 20), terá direito às diferenças salariais entre o vencimento auferido de (€ 495 – facto 19) e esse valor, durante aquele período, o que equivale à quantia de € 10.879,00 [2011- diferença de € 253 x 7 meses; 2012- diferença de € 253 x 14; 2013- diferença de € 253 x 14 meses; 2014- diferença de € 253 x 8 meses].” – fim de citação.
Como já referimos, a recorrente não se conforma com esta decisão.
Vejamos, então, se lhe assiste razão:
Cumpre dizer, desde já, que o A., na sua p. i. alegou que desempenhou as funções de assistente comercial desde a data da sua contratação até julho de 2011, data em que foi promovido a consultor comercial, passando a exercer as funções que a este cargo são inerentes. Mais alegou que auferia, à data da cessação do contrato de trabalho, uma retribuição mensal de € 495,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 116,11 e comissões de valor variável, valores desconformes aos praticados para a categoria profissional de consultor comercial detida pelo A.; para a a mesma categoria e carga horária, a Ré remunera o A. de forma diferente, sendo claramente discriminativa e, ainda, que a categoria do A. e as funções desempenhadas são em tudo idênticas devendo ser remuneradas da mesma forma.
É esta a causa de pedir que sustenta o pedido do A. no sentido da condenação da Ré a reconhecer ao A. o direito a ser-lhe atribuída a retribuição igual à do consultor comercial desde 2011 até 2014 e a pagar-lhe as correspondentes diferenças salariais no valor total de € 11.860,22 e diferenças na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, no valor de € 1.959,84.
Posto isto, é forçoso concluir que o A. não alegou qualquer mudança temporária ou acréscimo de funções mas tão só uma promoção da categoria de assistente comercial para consultor comercial.
Acontece que, a sentença recorrida, além do mais, pronunciou-se sobre a mobilidade funcional prevista no artigo 120.º, do C.T., razão pela qual, este Tribunal face àquela pronúncia e ao objeto do presente recurso pode e deve pronunciar-se sobre tal questão.
Assim:
Resulta do artigo 118.º, do C.T. que o trabalhador deve exercer funções correspondentes à atividade para que foi contratado e que compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas e para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional, sendo aquelas segundas, designadamente, as compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
Por outro lado, conforme resulta do artigo 120.º, do C.T., sob a epígrafe mobilidade funcional:
<<1. O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.
(…)
3. A ordem de alteração deve ser justificada, (…) e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos.
4. O disposto no n.º 1 não pode implicar diminuição da retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas.
5. Salvo disposição em contrário, o trabalhador não adquire a categoria correspondente às funções temporariamente exercidas. (…)>>.
Este normativo consagra o denominado jus variandi “que constitui um desvio ao princípio geral pacta sunt servanda”[2]. <<Trata-se da faculdade reconhecida ao empregador de impor temporariamente ao trabalhador funções que extravasam do objecto do contrato, funções, pois, “não compreendidas na actividade contratada”>>[3].
Acresce que, exercendo o trabalhador, por imposição do empregador, temporariamente, funções não compreendidas na atividade contratada, dúvidas não existem de que terá direito às condições mais favoráveis inerentes às funções exercidas, nomeadamente, à correspondente retribuição (n.º 4, do artigo 120.º, do CT).
Acontece que, da matéria de facto apurada resulta que o A. foi contratado em 01/03/2007 para desempenhar as funções de assistente comercial, funções que desempenhou até ao final do contrato, em 05/09/2014.
Mais se apurou que:
11. Em 2011, face à redução drástica do volume de negócios, houve a necessidade de redução do pessoal bem como de concentrar em determinados trabalhadores outras tarefas para além das que lhe estavam atribuídas.
12. Assim, em julho de 2011, o A., continuando a prestar apoio administrativo aos consultores comerciais, passou também a desenvolver contactos comerciais por si próprio junto dos proprietários dos veículos/potenciais compradores para que estes tentem vender os seus veículos ou comprar outros através da prestação de serviços de leilões.
13. Passando a ter a si afeto uma carteira de clientes (maioritariamente stands).
Significa isto que o A., a partir de julho de 2011, além das funções de assistente comercial passou também a desempenhar funções de consultor comercial, o que ocorreu até à denúncia do contrato em setembro de 2014.
Desta forma, impõe-se concluir que não estamos perante uma situação de mobilidade funcional temporária (típica) tal como se encontra prevista no citado normativo, uma vez que, desde logo, a Ré não estabeleceu a duração previsível da alteração que, como se apurou, perdurou de 2011 até 2014.
No entanto, também não estamos perante o exercício de funções compreendidas na atividade contratada, tal como se encontra definida no artigo 118.º, n.º 1, do C.T.[4], pois as funções de consultor comercial não são afins ou funcionalmente ligadas às de assistente comercial, antes consubstanciam uma categoria profissional distinta. Deparamo-nos, assim, face a uma espécie de “mobilidade funcional atípica”, posto que o A. passou também a exercer funções de consultor comercial, ou seja, funções correspondentes a outra categoria profissional e não afins ou funcionalmente ligadas àquela atividade contratada, sendo certo que, na ausência de IRCT aplicável nem podemos afirmar que tais categorias estão compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
Como refere Romano Martinez[5], <<a alteração fundada em ius variandi pode ser total, passando o trabalhador a exercer a tempo inteiro uma nova actividade, ou parcial. Neste último caso, o trabalhador, em parte, continua a desenvolver a actividade correspondente à sua categoria. (…)>>.
Acresce que, face à ausência daquele requisito de transitoriedade, cumpre questionar se o trabalhador não adquire o direito a aceder à categoria de consultor comercial, “a partir do momento em que o exercício de funções, ao abrigo do ius variandi, perde a natureza transitória”[6].
Ora, como já referimos, o A. foi contratado para desempenhar as funções de assistente comercial e, no exercício das mesmas, era responsável por dar o devido seguimento administrativo aos contactos efetuados pelos consultores comerciais da empresa, elaborando a documentação necessária ao leiloamento de viaturas dos clientes da Ré, como seja a introdução dos elementos relativos às viaturas a levar a leilão, no sistema informático, envio dos resultados do leilão para os proprietários dos veículos leiloados e envio do catálogo para a base de dados.
E, em julho de 2011, o A., continuando a prestar apoio administrativo aos consultores comerciais, passou também a desenvolver contactos comerciais por si próprio junto dos proprietários dos veículos/potenciais compradores para que estes tentem vender os seus veículos ou comprar outros através da prestação de serviços de leilões, passando a ter a si afeto uma carteira de clientes (maioritariamente stands).
Mais se apurou que a Ré paga aos trabalhadores a que atribui a categoria profissional de consultores comerciais e exercem as funções inerentes a esse cargo um vencimento mensal de € 748,00.
Já o A., à data da cessação do contrato de trabalho, auferia a retribuição base mensal de € 495,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 116,11 e de comissões de valor variável.
Desta forma, e tendo em conta a previsão contida no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T., exercendo o A. também outras funções não compreendidas na atividade contratada, tem direito a auferir a retribuição correspondente a tais funções, ou seja, a retribuição base mensal de 748,00 que a Ré paga aos consultores comerciais, correspondente à respetiva categoria profissional.
Assiste ao A. o direito a auferir a retribuição correspondente às funções de consultor comercial que exerceu de 2011 até 2014 por força do disposto no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T. e não do disposto no artigo 267.º do mesmo Código, uma vez que este respeita ao exercício de funções a que alude o n.º 2, do artigo 118.º, ou seja, a funções que estão compreendidas na atividade contratada (as que lhe são afins ou funcionalmente ligadas), sendo que, como já referimos, as desempenhadas pelo A. não revestem esta natureza.
Resta dizer que não existe qualquer fundamento legal para se apelar ao disposto nos artigos 270.º e 23.º a 25.º, todos do C.T. e 59.º, da CRP, ou seja, ao princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual porque, como já ficou dito, a obrigação de pagamento da retribuição deriva do disposto no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T., por força do exercício das citadas funções não compreendidas na atividade contratada.
Face ao que ficou dito, e porque não têm assento na matéria de facto apurada, não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que o A. passou a desempenhar, quando possível, algumas tarefas comerciais que pela sua natureza acessória e complementar às de assistência comercial ainda se situam no objeto da atividade contratada e que, por isso, não se verifica qualquer situação de mobilidade funcional e não tem aplicação o disposto no artigo 120.º, do C.T..
Já no que concerne ao disposto nos artigos 25.º e 267.º, ambos do C.T. já referimos que não têm aplicação no caso em apreciação.
Resta dizer que, ao contrário do alegado pela recorrente, o facto de o A. ter passado a auferir comissões, não põe em causa o seu direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas, ou seja, àquelas comissões mas também à respetiva remuneração base paga pela Ré aos consultores comerciais.
Em suma, o A. tem direito a receber as diferenças salariais entre o vencimento que auferiu e aquele que a Ré pagava aos consultores comerciais, no montante global de € 10.879,00, tal como consta da sentença recorrida.
Improcedem, por isso, as enunciadas conclusões da recorrente.
4ª questão
Se o A. agiu com abuso do direito (suppressio).
A recorrente alega que o facto de o A. recorrido nunca ter reclamado qualquer alteração das condições salariais, conformando-se com a situação durante, pelo menos, três anos, até ao término voluntário do contrato, não deixa de configurar um abuso de direito na modalidade de suppressio.
Vejamos:
Na verdade, <<é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito>> - artigo 334.º, do C.C..
O abuso do direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Como consta do estudo do Professor Menezes Cordeiro[7]:
Os comportamentos típicos abusivos são:
a) venire contra factum proprium;
b) inalegabilidade;
c) suppressio;
d) tu quoque;
e) desequilíbrio.
O venire contra factum proprium configura a existência de dois comportamentos da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo, sendo que a primeira — o factum proprium — é contraditada pela segunda — o venire.
Como se escreveu no acórdão desta Relação de 23/03/2015 (ao que julgamos inédito):
<<Segundo JOÃO BAPTISTA MACHADO,[8] a confiança digna de tutela deve radicar numa conduta de alguém, titular de um direito, que, de facto, possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada conduta futura, de tal modo que a situação de confiança gerada pela anterior conduta do titular do direito conduz, objectivamente, a uma expectativa legítima de que o direito já não será exercido, expectativa que determina aquele contra quem o direito vem a ser invocado a agir, exclusivamente com base na situação de confiança, contra o interesse do titular do direito. Para que «a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro»; para que «se verifique uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o “investimento” [da] contraparte é preciso que esse “investimento” haja sido feito apenas com base na dita confiança», sem o que não se justifica a necessidade de fazer intervir a protecção da confiança; por outro lado, nos casos em que «a base da confiança é uma aparência, ou seja, nos casos em que a intenção aparente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real [...], a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa-fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico», exigindo-se da «contraparte que reivindica a protecção da sua boa-fé cuidados tanto maiores quanto mais vultosos forem os “investimentos” (iniciativas, actos de disposição, decisões) feitos com base na confiança. Sobretudo quando circunstâncias particulares façam suscitar dúvidas sobre a verdade da situação aparente».
Da tipologia do abuso de direito sobressai o venire contra factum proprium, que "se traduz, de um modo geral, na pretensão de alguém extinguir certa relação subjectiva, recorrendo ao direito de anular, resolver, revogar ou denunciar o negócio que lhe serviu de fonte, depois de fazer ver à parte contrária (...) que não exercia tal direito"[9].>>
Por outro lado, como refere o Professor Menezes Cordeiro na obra supra citada, a suppressio “visa o comportamento do agente, cuja inacção deveria ser penalizada; ela visa proteger o beneficiário, na sua confiança de que não haverá exercício. (…)
Teríamos, no fundo, uma espécie de venire, em que o factum proprium seria constituído por uma simples inacção (…):
- um não-exercício prolongado;
- uma situação de confiança, daí derivada;
- uma justificação para essa confiança;
- um investimento de confiança;
- a imputação da confiança ao não-exercente.”
Antes de mais, como se salienta, desde logo, no acórdão desta Relação de 10/03/2014[10] <<é certo que o abuso de direito não se pode sustentar, apenas, na falta de reação ou reclamação do trabalhador durante um prolongado período de tempo, já que o contrato de trabalho se reveste de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais, especificidade esta que, aliás e aliada ao interesse da pacificação laboral no decurso da relação, estão presentes na razão de ser do regime especial de prescrição dos direitos de natureza laboral (….)>>.
Ora, no caso dos autos, não se apurou que o A. tenha adotado qualquer comportamento (nomeadamente por inação) que tenha criado na Ré a confiança, a expetativa legítima de que o seu direito já não seria exercido. O A. era trabalhador da Ré e, como tal, pôde exercer os seus direitos de crédito no prazo de um ano a partir da data da cessação do contrato de trabalho, pelo que, não vislumbramos que com a propositura da presente ação tenha atuado com abuso do direito.
O não exercício é permitido e deste não deriva, sem mais, uma situação de confiança que também não apresenta justificação. Não estamos perante um não exercício que convença um homem normal, colocado na posição da Ré, de que não mais haveria exercício do direito.
Repetimos, o A. podia exercer os seus direitos no prazo de um ano após a cessação do seu contrato de trabalho, o que fez, e não se provou qualquer facto do qual se possa retirar uma justificada situação de confiança no não exercício por parte da Ré.
Em suma, como consta do acórdão desta Relação de 17/06/2013, relatado pelo saudoso Desembargador Ferreira da Costa e disponível em www.dgsi.pt; “a suppressio, enquanto modalidade do abuso do direito, respeita àquelas situações em que uma posição jurídica que não tenha sido exercida em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé.
III – O abuso do direito, na modalidade da suppressio, não tem aplicação, em princípio, em matéria de créditos laborais, dado que estes se encontram sujeitos a prescrição.”
Concluímos, assim, pela não atuação do A. com abuso do direito.
Improcede esta conclusão da recorrente.

Questões 5ª e 6ª:
Se a Ré pagou ao A. comissões no período de gozo de férias não lhe sendo devido qualquer valor a título de diferenças salariais na retribuição de férias.
Se o A. não tem direito a receber a média das comissões que auferiu no subsídio de férias.
Alega a recorrente que pagou comissões ao recorrido no período de gozo de férias deste, pelo que, não é devido qualquer valor a título de diferenças salariais na retribuição de férias; que os montantes médios das comissões não se integram no subsídio de férias, não constituem uma prestação correspondente à sua atividade ou modo específico da execução do trabalho, pelo que, não é devido qualquer valor ao recorrido e, ainda, que sem conceder, o tribunal a quo devia ter considerado a média dos montantes das comissões correspondentes aos últimos 12 meses e não a média dos montantes das comissões recebidos no próprio ano a que as mesmas respeitam.
A este propósito, decidiu a sentença recorrida que, tendo em conta o conceito de retribuição que abrange todas as prestações regulares e periódicas, que as comissões pagas ao A. constituem uma prestação correspondente à sua atividade, que a lei estabelece uma presunção do carácter retributivo de qualquer prestação paga pelo empregador ao trabalhador e por se tratar de uma atribuição patrimonial regular e periódica, paga durante todos os meses de atividade do ano (11 meses), o A. tem direito a receber a quantia total de € 1.038,46, a título de diferenças de comissões não pagas nas retribuições de férias e nos subsídios de férias.
Apreciando:
Resulta da matéria de facto provada que no desempenho das suas funções o A. auferia a retribuição base mensal, à data da cessação do seu contrato de trabalho, de € 495,00 (quatrocentos e noventa e cinco euros), acrescida de subsídio de alimentação de € 116,11 (cento e dezasseis euros e onze cêntimos) e comissões de valor variável, tendo a partir de 2011 passado a receber comissões em função da cobrança de serviços aos clientes por si angariados e auferido as supra descritas no ponto 27 do elenco dos factos provados de 2007 a 2014.
Cumpre dizer, desde já, que não resultou provado como era pretensão da recorrente e lhe incumbia fazer, que pagou ao A. comissões nas férias.
Acresce que, a retribuição do trabalho é “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”[11], integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente (artigos 249.º, do CT de 2003 e 258.º, do CT de 2009), presumindo-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.º 3, do artigo 258.º, do C.T.).
Por outro lado, <<a retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável>> - artigo 261.º, do C.T. de 2009 (artigos 251.º e 252.º, do CT de 2003).
Na verdade, muitos trabalhadores, nomeadamente, os vendedores, além da retribuição mensal certa, auferem um acréscimo remuneratório variável constituído por uma determinada percentagem sobre o valor das vendas efetuadas, ou seja, pelas chamadas comissões.
<<Estamos, pois, perante casos típicos de retribuição mista, constituída por uma retribuição base certa (por exemplo, 700 € mensais) e por uma parte variável representada pelas aludidas comissões>>[12].
Ou, como refere Lobo Xavier[13] <<as comissões ou percentagens referem-se a negócios realizados, representando uma fracção do custo desses mesmos negócios. Porque se não confundem com a participação nos lucros, antes representando encargos ou despesas com o pessoal com influência no apuramento dos lucros líquidos, as comissões são geralmente encaradas como integrando a retribuição, constituindo uma parte variável da mesma. Tratam-se, no fundo, de uma forma de retribuir o trabalho em função do desempenho: assim, nas comissões de vendas, o empregador, em vez de atribuir uma quantia fixa ao trabalhador, remunera o trabalho de acordo com o número ou o volume de negócios realizados pelo trabalhador>>.
Assim sendo, tendo em conta a matéria de facto apurada e o que ficou dito supra sobre o conceito de retribuição, também nós entendemos que as comissões pagas ao trabalhador constituem uma prestação complementar e fazem parte da sua retribuição a par da retribuição base [14].
Por outro lado, conforme resulta do artigo 264.º, do C.T. (artigo 255.º, do CT de 2003), <<a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo>> e, além desta retribuição, <<o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (…)>> - sublinhado nosso.
Assim sendo, facilmente se conclui que a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior àquela que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, com exclusão do subsídio de alimentação ou de transporte por se encontrarem diretamente ligados a circunstâncias que não se verificam em tempo de férias[15].
<<A retribuição a pagar pelo período de férias equivale à que o trabalhador normalmente aufere, na totalidade (artigo 255.º/1). No caso de haver retribuição variável (por exemplo comissões), o valor correspondente, para este efeito, é determinado de acordo com o art. 252.º/2: calcula-se a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos meses. Desse cálculo apenas poderão ser excluídas prestações que, pela sua razão de ser, estejam incindivelmente ligadas ao serviço efectivo (como, em muitos casos, o subsídio de refeição)[16].
O subsídio de férias, por seu turno, tem um processo de cálculo próprio: é constituído pela retribuição base – definida pelo art. 250.º/2-a) – e pelas “demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho” (art. 255.º/2). Esta enigmática formulação legal permite, apesar de tudo, alcançar algum resultado aplicativo: pelo menos as “anuidades” e “diuturnidades”, que correspondem à antiguidade de serviço, estão seguramente excluídas; o mesmo acontecerá com diversos subsídios (de transporte, de estudos, de refeição, etc.) que, tendo carácter retributivo, não se relacionam com o “modo específico” de prestação de trabalho>>[17].
Com a entrada em vigor do CT de 2003, deixou de existir a equiparação entre o subsídio de férias e a retribuição de férias para efeitos do respetivo cálculo.
Na verdade, cumpre, agora, averiguar quais as prestações que são contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Assim, dúvidas parece não existirem de que aquelas prestações se referem às específicas condições da execução do trabalho, tais como a penosidade, o trabalho suplementar e noturno; já não consubstanciam aquele modo específico aquelas que respeitam ao trabalhador e respetivo desempenho, como é o caso dos prémios e gratificações. E que dizer das comissões?
Serão estas prestações uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho?
Pese embora algumas divergências existentes na doutrina e jurisprudência mais recentes, parece-nos que as comissões também consubstanciam uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Na verdade, o A. aufere uma retribuição mista, composta por uma parte fixa e outra variável - as comissões - que consubstanciam uma parte considerável daquela (cfr. facto supra sob o n.º 27) e são auferidas na razão direta do número de clientes angariados pelo A., ou seja, quantos mais clientes angariar mais comissões receberá, razão pela qual somos levados a concluir que tais prestações retributivas são uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho, posto que estão diretamente ligadas à sua efetiva prestação.
Neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho[18], quando refere, a propósito do artigo 255.º, n.º 2, do CT de 2003 (com redação idêntica à do artigo 264.º, do C.T. de 2009), que <<o subsídio de férias compreende a retribuição base (…) e ainda as prestações complementares que sejam contrapartida do modo específico de execução da actividade laboral em causa (por exemplo, os valores pagos ao abrigo dos regimes de isenção de horário de trabalho, de trabalho nocturno ou de turnos, os subsídios de função, e, no caso de retribuição variável, as comissões de vendas>>, posição mantida na 3ª edição da mesma obra, ao abrigo do CT de 2009, páginas 578 e 659.
Assim sendo, tal como ocorre com a retribuição de férias, também o subsídio de férias deve incluir a média das comissões auferidas pelo A. nos doze meses anteriores, tal como se decidiu na sentença recorrida[19].
Este valor deveria ser calculado tendo em conta o disposto nos artigos 252.º, n.º 2, do CT de 2003 e 261.º, n.º 2, do CT de 2009, ou seja, considerando-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos doze meses.
A sentença recorrida considerou as médias apuradas relativamente aos doze meses respeitantes a cada ano de 2008, 2009, 2010, 2012 e 2013.
Acontece que, não se apuraram as datas do gozo das respetivas férias por parte do A., pelo que, a melhor solução será proceder ao cálculo daquela média atendendo às comissões auferidas pelo A. ao longo do ano do vencimento do direito às férias, sendo certo que devem ser gozadas no ano do vencimento do respetivo direito[20].
Na verdade, o direito a férias vence-se no dia 01 de janeiro de cada ano e, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior (artigos 237.º, n.º 1, do CT de 2009 e 211º e 212º, do CT de 2003).
Pelo exposto, a Ré deve ao A. a título de diferenças na retribuição de férias e respetivos subsídios de férias, a quantia global de € 1.038,46 tal como ficou a constar da sentença recorrida.
Improcedem, assim, mais estas conclusões da recorrente.
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Pelo exposto, impõe-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.
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IV – Sumário
1. Tendo o A., a partir de julho de 2011, além das funções de assistente comercial passado também a desempenhar funções de consultor comercial, o que ocorreu até à denúncia do contrato em setembro de 2014, impõe-se concluir que não estamos perante uma situação de mobilidade funcional temporária (típica) tal como se encontra prevista no artigo 120.º, do CT, no entanto, também não estamos perante o exercício de funções compreendidas na atividade contratada, tal como se encontra definida no artigo 118.º, n.º 1, do C.T., pois as funções de consultor comercial não são afins ou funcionalmente ligadas às de assistente comercial, antes consubstanciam uma categoria profissional distinta, pelo que, estamos, assim, face a uma espécie de “mobilidade funcional atípica”.
2. Desta forma, e tendo em conta a previsão contida no n.º 4, do artigo 120.º, do C.T., exercendo o A. também outras funções não compreendidas na atividade contratada, tem direito a auferir a retribuição correspondente a tais funções, ou seja, a retribuição base mensal de 748,00 que a Ré paga aos consultores comerciais, correspondente à respetiva categoria profissional.
3. Não se tendo apurado que o A. adotou qualquer comportamento (nomeadamente por inação) que tenha criado na Ré a confiança, a expetativa legítima de que o seu direito já não seria exercido e, porque como trabalhador da Ré, que foi, pôde exercer os seus direitos de crédito no prazo de um ano a partir da data da cessação do contrato de trabalho, não vislumbramos que com a propositura da presente ação tenha atuado com abuso do direito.
4. Conforme resulta do artigo 264.º, do C.T. (artigo 255.º, do CT de 2003), <<a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo>> e, além desta retribuição, <<o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (…)>>.
5. A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior àquela que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, com exclusão do subsídio de alimentação ou de transporte por se encontrarem diretamente ligados a circunstâncias que não se verificam em tempo de féria.
6. Auferindo o A. uma retribuição mista, composta por uma parte fixa e outra variável - as comissões - que consubstanciam uma parte considerável daquela e são auferidas na razão direta do número de clientes angariados pelo A., tais prestações retributivas são uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho, posto que estão diretamente ligadas à sua efetiva prestação e, assim, tal como ocorre com a retribuição de férias, também o subsídio de férias deve incluir a média das comissões auferidas pelo A. nos doze meses anteriores.
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*
V - DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, na total improcedência da apelação, acorda-se em manter a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Ré recorrente.
*
Porto, 2016/07/07
Paula Maria Roberto (vencida quanto à 6ª questão conforme voto anexo)
Fernanda Soares
Domingos Morais
___________
[1] Nesse sentido Acórdão do STJ de 22/11/2007, processo 07S2889, www.dgsi.pt.
[2] Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, pág. 389
[3] Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, pág. 794.
[4] A categoria, como refere Leal Amado, “converte-se numa forma de exprimir o núcleo central (e apenas esse núcleo duro ou central) do objecto do contrato, pois agora este será formado, em princípio, pelas tarefas compreendidas na categoria e pelas <<funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas>>”.
[5] Direito do Trabalho, 3ª edição, idt, Almedina, pág. 727.
[6] Acórdão do STJ de 30/01/2002, CJ, Ano XXVII, Tomo I, pág. 158.
[7] Do Abuso do Direito: Estado das Questões e Perspectivas (Revista da Ordem dos Advogados, ano 2005, II, Setembro de 2005).
[8] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, p. 416 e segs.
[9] ANTUNES VARELA, Centros Comerciais (Shoping Centers), Natureza Jurídica dos Contratos da Instalação dos Lojistas, 1995, pág. 90.
[10] Processo nº 1105/11.8TTBRG.P1, in www.dgsi.pt.
[11] - Cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 11ª, Ed., Almedina, 2002, pág. 439.
[12] Leal Amado, Comissões, Subsídio de Natal e Férias (Breve Apontamento à Luz do Código do Trabalho), Prontuário de Direito do Trabalho, 76-77-78, Coimbra Editora, pág. 235.
[13] Iniciação ao Direito do Trabalho, 3ª edição, Verbo, Lisboa-São Paulo, 2005, págs. 336 e 337.
[14] Neste sentido, cfr. o acórdão do STJ de 16/01/2008, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Neste sentido, os Professores Leal Amado, Júlio Gomes e Monteiro Fernandes, obras já citadas.
[16] A este propósito cfr. o o Ac. do STJ de 27/05/2010, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, pág. 418.
[18] Direito do Trabalho, Parte II, 2006, Almedina, pág. 497 e 498.
[19] Neste sentido, cfr. o Ac. da RL de 09/03/2006, CJ, 2006, 2.º, pág. 136.
[20] Neste sentido, cfr. o Acórdão do STJ de 24/01/2007, disponível em www.dgsi.pt.
[21] O sumário é da exclusiva responsabilidade do relator.
_____________
Voto (n.ºs 1 e 4, do artigo 663.º, do C.P.C.).
*
Vencida no que respeita à questão da integração das comissões no subsídio de férias e pelas seguintes razões:
Conforme resulta do artigo 264.º, n.º 2, do C.T., <<o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (…)>>.
Ora, salvo o devido respeito, são contrapartida do modo específico da execução do trabalho as prestações que se reportam à própria prestação do trabalho, às suas especiais exigências, ou seja, aquelas que dizem respeito a circunstâncias objetivas como as temporais ou espaciais, tais como, a penosidade, o trabalho noturno ou em turnos rotativos, mas já não aquelas que respeitam ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (prémios, gratificações e comissões)[1].
As comissões <<constituem um modo de determinar o quantum retributivo devido ao trabalhador, estimulando-o a melhorar continuamente a sua performance; mas as comissões não se projectam num qualquer modo específico de execução da actividade laboral por parte do trabalhador-vendedor, nem visam compensar qualquer especificidade atinente às circunstâncias objectivas (temporais, espaciais, ambientais, etc.) em que se desenvolve a prestação laboral deste trabalhador>>[2].
Como se decidiu no acórdão desta Relação e secção de 14/10/2013, disponível em www.dgsi.pt:
<<Já quanto ao subsídio de férias o legislador abandonou a tradição da equiparação do seu valor ao valor da retribuição de férias e utilizou uma formulação enigmática[5] susceptível de trazer problemas aplicativos e determinando que, muitas vezes, a referida equiparação se não verifique.
E é justamente o caso em que a retribuição é composta, também, por comissões nas vendas. Estas, constituindo “um modo de determinar o quantum retributivo devido ao trabalhador, estimulando-o a melhorar continuamente a sua performance”, não são contrapartida “do modo específico da execução do trabalho”[6].>>
Pelo que ficou dito, entendo que as comissões não consubstanciam prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho e, em consequência, as mesmas apenas fazem parte integrante da retribuição de férias mas já não do respetivo subsídio, razão pela qual, consideraria procedente esta questão.

Paula Maria Roberto
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[1] Neste sentido, cfr. Leal Amado, “Comissões, Subsídio de Natal e Férias”, PDT n.º 76-77-78, 2007, pág. 229 e segs. e Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, Romano Martinez e outros, 2013, 9ª edição, Almedina, pág. 598.
[2] Professor Leal Amado, obra citada, pág. 241.