Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4132/19.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE MORTAL
CRIANÇA
BRINQUEDOS
DIREITO DOS CONSUMIDORES
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PRODUTOR/COMERCIANTE
PRODUTO INSEGURO OU DEFEITUOSO
UTILIZAÇÃO NORMAL
PRESUNÇÃO DE CONFORMIDADE
DIREITO DA UNIÃO
Nº do Documento: RP202205174132/19.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/17/2022
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito da responsabilidade decorrente da introdução no mercado de produtos defeituosos, considera-se defeituoso o produto que não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar.
II - Essa expetativa deve ser avaliada em função das circunstâncias previstas na lei e de outras que sejam pertinentes ao caso.
III - Entre elas, encontram-se as características do produto, a sua apresentação, as condições de utilização normais ou razoavelmente previsíveis, o momento da sua entrada em circulação, as instruções e avisos que o acompanham, bem como o tipo de consumidores que se espera venham a utilizá-lo.
IV - A utilização normal ou razoavelmente previsível não coincide necessariamente com uma utilização correta, tendo em conta o uso específico a que o produto se destina. Mas também não coincide com uma utilização qualquer, seja ela qual for, pois que o produtor não garante uma segurança absoluta, independentemente das condições e modo de utilização do produto.
V - Ignorando-se, num acidente mortal com um baloiço, a forma concreta como este último estava a ser usado quando esse acidente se deu, não se pode concluir que se tratou de uma utilização normal ou razoavelmente previsível e que, portanto, esse baloiço era um produto inseguro ou defeituoso, sob esse ponto de vista.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4132/19.3T8VNG.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- AA e esposa, BB, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra, X..., Ldª, alegando, em breve resumo, que lhe adquiriram um baloiço que não cumpria os necessários requisitos de segurança e, por assim ser, o seu filho, CC, faleceu quando o estava a utilizar.
Pretendem, assim, que a Ré seja condenada a indemniza-los pelos danos patrimoniais e não patrimoniais daí decorrentes quer para eles, quer para o seu referido filho, danos esses que discriminam e que computam no montante global de 246.870,98€, acrescidos de juros vincendos, desde a data da citação até integral pagamento.
2- Contestou a Ré, invocando a prescrição do direito indemnizatório invocado pelos AA., impugnando os factos por estes alegados quanto à responsabilidade pela ocorrência do acidente com o baloiço e quanto aos danos daí resultantes, e alegando que foi distribuidora, e não produtora do baloiço, e que a marca ... é detida, não por si, mas pela sociedade de direito holandês denominada “X1... B.V.”.
Por tais razões, sinteticamente expostas, pede a sua absolvição do pedido.
3- Os AA. responderam, considerando que não se verifica a prescrição invocada e que a Ré, ainda que não seja a efetiva produtora do baloiço, é “produtora aparente” para efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 383/89, de 06/11.
4- O Instituto da Segurança Social, I.P., deduziu pedido de reembolso, pedindo o reembolso, por parte da Ré, da quantia de 2.491,11€, que pagou ao A., a título de subsídio de doença, no período de 24 de Março a 3 de Junho de 2015, em que este esteve em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, devido à condição clínica em que ficou na sequência do evento em causa nos autos, acrescida de juros de mora à taxa legal.
5- A Ré contestou este pedido de reembolso, defendendo não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade pelo sucedido, como já referiu na contestação à petição inicial.
6- Terminados os articulados, foi elaborado despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pela Ré, se fixou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
7- Seguidamente, teve inicio a audiência final, no âmbito da qual os AA. desistiram do pedido de reembolso do custo dos baloiços que adquiriram à Ré, o que foi judicialmente admitido.
8- Terminada essa audiência, foi, depois, proferida sentença na qual se julgou a presente ação improcedente, por não provada e se absolveu a Ré do pedido.
9- Inconformados com esta sentença, dela recorrem os AA., terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“Os recorrentes discordam do julgamento da matéria de facto referente ao artigo 63º da p.i. e que mereceu a resposta de não provado, devendo ser dada como parcialmente Provada.
Sucede que ainda que tal sindicância de julgamento da matéria de facto não venha a ser secundada por este Tribunal de recurso, sobejam motivos para revogar a decisão de primeira instância apenas com a matéria de facto já apurada nos autos
Os autores alegaram que: “A morte por enforcamento do CC foi motivada numa primeira abordagem pela má conceção do balouço, bem como no facto da ré não ter avisado os autores da existência de defeitos no mesmo”
Os autores admitem como correto o raciocínio explanado na sentença posta em crise em que a ausência de comunicação por parte da ré aos autores na retirada do balouço do mercado tenha provocado a morte do seu filho, como se refere a fls. 16 da mesma:
Refira-se que não releva para o efeito a circunstância de o baloiço ter sido retirado do mercado e os AA. não terem disso sido avisados, na medida em que essa situação se deveu a um problema com os encaixes de suspensão do baloiço ao tecto, não havendo nenhuma ligação deste “problema” com o acidente sucedido com o CC, ou seja nenhum nexo de causalidade existe entre a circunstância que determinou a retirada do baloiço e o que veio a ocorrer com o filho dos AA..
O Tribunal deveria responder PROVADO à seguinte alegação factual: “A morte por enforcamento do CC foi motivada pela má conceção do balouço”,
Os elementos probatórios que o justificam são o visionamento das diversas fotografias junto aos autos do balouço, a prova pericial efetuada no processo, bem como a prova pericial efetuada em sede de inquérito criminal, também junta aos autos e nos depoimentos testemunhais de DD, bem como do de EE.
Todos estes elementos em articulação com a demais factualidade dada como provada nos pontos 11) 12) 13) 14) 16) 17) 18) 25) 26) 27) 30) 31) 40) 41) 42) 43) 51) 52) 53) 54) e 55) justificariam uma resposta diferente ao facto alegado no artigo 63º da p.i..
Ainda que o Tribunal não venha a considerar a alteração aqui preconizada ou não considere sequer que tal matéria seja suscetível de ser enquadrada como na constante dos factos provados, não pode deixar de considerar determinados segmentos dos depoimentos testemunhais acima transcritos, designadamente,
O Prof. DD na sessão do dia 9 de setembro, com início às 16h03, quando se assume a sua formação, a sua intervenção no processo coadjuvando um atleta da Seleção Nacional ... a “perceber” todas as potencialidades que aquele balouço apresentava, manifestando que não conseguiram alcançar todas as possibilidades.
Particularmente a parte em que refere que não permitiu que um atleta da Seleção Nacional ... efetuasse alguns movimentos, mesmo com a sua ajuda, porque ainda assim estaria a colocar em risco a sua vida.
Pelo que não se consegue entender o vertido na sentença quanto à ausência de perigosidade deste balouço em concreto, designadamente, quanto ao facto de poder existir o risco de estrangulamento.
No depoimento da testemunha EE que foi o criador do balouço em causa, quando é questionado sobre a possibilidade de estrangulamento, o mesmo manifesta que é um risco normal, não estando escondido.
Pelo que se reforça que o Tribunal deveria dar provimento parcial à alegação factual do artigo 63 quanto à má conceção do balouço nos termos que acima pugnou, demonstrado que está a questão do seu defeito nos termos e para os efeitos do disposto no D/Lei 383/89, ou pelo menos deveria considerar o balouço objeto dos presentes autos como perigoso o que não aconteceu.
Importa assinalar que não seria créivel que crível que o “homem médio”, no caso os autores, tivessem previsto na altura da aquisição do balouço, na sua montagem ou na altura em que o filho ali brincava que aquele balouço apresentava um risco de estrangulamento?
Não era previsível que isso pudesse ocorrer como de facto o Tribunal “a quo” veio a dar provimento com a sua resposta ao ponto 43 dos factos dados como provados.
Já o produtor do balouço teria que acautelar e prever essa perigosidade.
Sucede que a ré quando produziu o brinquedo não colocou a hipótese da própria estrutura de suporte poder funcionar como uma corda capaz de estrangular o utilizador.
Como se infere do manual de instruções de segurança do balouço junto a fls…(factos provados no ponto 25).
Em nenhuma dessas hipóteses aí previstas a ré colocou a hipótese da própria estrutura de suporte poder funcionar como uma corda capaz de estrangular o utilizador.
Apenas se refere a essa situação quando diz –“não atar quaisquer artigos na estrutura de suporte, tais como cordas, cabos, etc., pois pode representar perigo de estrangulamento para as crianças.”
No entanto, está-se a alertar para a possibilidade de apenas existir risco de estrangulamento atando-se outros objetos ao balouço e não com o seu suporte.
Não acautelando e observando o disposto no decreto-lei 43/2011 de 24 de março que estabelece as regras de segurança dos brinquedos disponibilizados no mercado, e transpõe a Directiva n.º 2009/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, relativa à segurança dos brinquedos, designadamente, no seu anexo I, no segmento que se ocupa das “Propriedades Físicas e Mecânicas, quando refere nos seus pontos, 1 - Os brinquedos e respectivos componentes, bem como as fixações, no caso de brinquedos montados, devem ter a resistência mecânica e, se for caso disso, a estabilidade necessárias para resistir às pressões a que são submetidos durante a utilização sem se quebrarem ou eventualmente deformarem, podendo assim dar origem a danos físicos.

3 - Os brinquedos devem ser concebidos e fabricados de modo a não apresentarem qualquer risco ou a apresentarem unicamente o risco mínimo inerente à utilização do brinquedo, susceptível de ser provocado pelo movimento das suas peças.
4:
a) Os brinquedos e respectivos componentes não devem apresentar qualquer risco de estrangulamento;
Verificadas todas as possibilidades de utilização do balouço em causa, após a abundante prova pericial, documental e testemunhal no processo, entendem os recorrentes que este brinquedo em concreto apresenta risco de asfixia e é objetivamente perigoso.
Suportada ainda no próprio reconhecimento da ré, não só porque o retirou do mercado, mas também porque do seu manual de instruções alerta para uma série de perigos que a sua utilização comporta.
Tendo presente a definição de defeito contida no artigo 4º do D/Lei 383/89 de 6 de novembro: Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação.
E considerando que, no que diz respeito;
-“a sua apresentação”;
i)Em momento algum os consumidores são alertados para o risco de estrangulamento;
ii)A própria ré nas suas imagens promocionais do produto incitava a que o mesmo não fosse usado apenas num movimento pendular (cfr. fotos juntas como doc…..).
-“a utilização razoável do produto”;
i) Resulta do senso comum que e perante o aludido diploma legal que a ré deveria prever que aquele balouço pudesse ser usado com algum “abuso”;
ii) A capacidade do balouço poder atingir certos limites potenciadores de riscos para o seu utilizador;
iii) Particularmente quando se destinava a ser usado por crianças.
-“o momento da sua entrada em circulação”;
i)Não obstante a morte do filhos dos autores tenha uma relação direta com a retirada do balouço do mercado, não se pode ignorar que essa factualidade demonstra que a própria ré assume que este artigo tem defeitos, tendo necessidade de o aperfeiçoar.
O facto do balouço dispor da marcação CE e ter submetido a diversos testes de segurança (pontos 23 e 24 dos factos provados) não é relevante para demonstrar a inexistência de defeitos do produto, pois dos milhares que a ré comercializa, bem como outras entidades semelhantes, todos eles são sujeitos previamente a esse tipo de testes, não se podendo, apenas por isso, assumir que quando colocados em circulação apresentem todas as condições de segurança, como, aliás, é o caso claro deste que após a sua colocação em circulação necessitou de ser retirado precisamente por ausência de motivos de segurança, tal como se verifica no ponto 26 dos factos provados.
Não se conseguindo compreender a asserção do Tribunal “a quo” manifestada em sentença, quando refere que não é possível concluir pela existência de um facto ilícito praticado pela ré, já que não está demonstrado que existisse um defeito no balouço que o tornasse inseguro.
Manifestamente existiu um facto ilícito por parte da ré na colocação no mercado de um artigo que se demonstra ser perigoso, encontrando-se assim preenchido tal requisito para efeitos de tipificação da sua conduta em sede de apuramento de responsabilidade civil.
Intuem os autores/recorrentes da sentença, ora posta em crise, que o Tribunal efetua uma “ligação” entre o desconhecimento da concreta manobra que o menor efetuaria e este requisito (facto ilícito) da responsabilidade civil, não lhe permitindo avançar para os requisitos seguintes.
No entanto, a conduta do CC não releva para efeitos de apuramento de facto ilícito por parte da ré, devendo ser analisada em momento posterior.
Ainda quanto à conduta do CC, recuperando o que é dito na sentença: “nada mais se sabe sobre o sucedido, nomeadamente que concreta manobra terá sido feita pelo menor para que o tecido do baloiço se enrolasse à volta do seu pescoço”
Não será necessário que o Tribunal tenha conhecimento de toda a dinâmica do sucedido para efeitos de apurar a responsabilidade civil, na sua vertente objetiva, nos termos em que a ação foi gizada.
Há já circunstâncias claras e incontroversas quanto ao que aconteceu e que o Tribunal parece ignorar;
-O menor não o estava a montar, transportar ou tropeçou no balouço.
-O menor estava a brincar com o balouço.
-Dessa utilização do balouço não o poderia estar a usar num movimento pendular ou noutros semelhantes(pois como se refere na sentença, ancorada na prova pericial e testemunhal dos autos, nesses movimentos não existia o risco de asfixia)
-O menor estava a brincar com aquele específico balouço e efetuava uma manobra que comportava um risco de asfixia.
-Aquele balouço tinha determinado tipo de características melhor definidas nos pontos 13, 14, 16, 17 e 52 a 55.
-O menor morreu asfixiado por enforcamento.
-Com o pano do balouço enrolado no pescoço (facto provado 48).
Ao longo da sentença, da qual se recorre, perpassa sempre a ideia de uma visão redutora do funcionamento de um balouço daquele tipo, da forma como uma criança se comporta com aquele tipo de balouço e da postura/comportamento dos Pais perante essa situação.
Há inúmeros segmentos da mesma onde se referem expressões completamente afastadas da realidade expectável perante os factos em questão, inferindo-se que na sua conceção o Tribunal “a quo” tem o entendimento que este específico balouço deve ser usado apenas num movimento pendular e na presença de um adulto.
O que dizer disto; “que concreta manobra terá sido feita pelo menor para que o tecido do baloiço se enrolasse à volta do seu pescoço, sabendo-se apenas que não poderia ser a de efectuar o movimento pendular normal que os baloiços efectuam, já que esta não teria tais consequências, e indiciando-se que fosse uma manobra que não seria suposto realizar (anote-se o que ficou dito na convicção do tribunal a propósito…) ...No caso, no manual de instruções vem recomendada a supervisão de adultos com crianças de qualquer idade e vêm inseridos vários conselhos de utilização “para reduzir a probabilidade de lesões graves ou fatais”, dos quais resulta uma sugestão de utilização do baloiço para os movimentos pendulares mais habituais e um alerta para não adoptar comportamentos que impliquem retorção das cordas.
Se tais instruções fossem seguidas, não haveria a possibilidade de a criança efectuar pelo menos aquelas manobras mais fora do habitual referidas no ponto 52 (que, anote-se, foram apuradas em perícia realizada a posteriori e precisamente para tentar encontrar todas as possibilidades por mais difícil de prever que fossem que permitissem identificar o movimento efectuado pelo CC) e, estando na presença de algum adulto, ainda que efectuasse, v.g., o movimento pendular baloiçando em posição invertida, com os pés e as mãos apoiados nas laterais do tecido, como referido no ponto 17, sempre não teria oportunidade para a partir daí efectuar outros movimentos anómalos e, acaso se cansasse e começasse, por exemplo, a não ter forças nas mãos para se segurar, logo poderia ser ajudada pelo adulto.
Note-se que algumas dessas asserções são falsas, pois como referiu a testemunha DD, a propósito da sua intervenção na prova pericial, cujas declarações foram aqui transcritas, que não permitiu sequer que um atleta da Seleção Nacional ... efetuasse algumas manobras ainda que com a sua ajuda, pois, mesmo assim, seriam perigosas.
Nessa visão e entendimento do Tribunal de que a única utilização daquele brinquedo era num movimento pendular e com a presença de um adulto, a ação seria julgada no saneador.
A antítese do entendimento dos recorrente com o Tribunal mede-se também na subsunção dos factos e das especificidades/virtualidades na utilização daquele balouço à expressão legal acima citada no D/Lei 383/89 quanto “à utilização razoável do produto”
Na página 18 da sentença, sublinhando-se essa parte do texto, refere-se “em condições de utilização normais ou razoavelmente previsíveis”
Percebendo-se pelo raciocínio plasmado na mesma que o Tribunal jamais se conseguiu afastar do seu entendimento que este balouço deveria ser usado sempre num movimento pendular típico.
Não releva o facto do manual de Instruções indicar que se recomenda a supervisão de adulto, pois daí não se pode esperar ou interpretar que as crianças teriam sempre que brincar com o balouço na presença de um adulto.
Se assim fosse o texto seria outro, designadamente, com o uso da palavra “presença” em detrimento de “supervisão”.
Também não seria usada a expressão “Recomenda-se” mas outra de maior imposição.
Evidentemente que esta supervisão se refere à necessidade de um apoio, de uma instrução, de algum controlo parental, mas nunca uma situação impossível de aplicação prática de que num balouço que é concebido para o interior das habitações, os Pais dos menores estivessem permanentemente a visionar os filhos a brincarem com os balouços.
Nunca a ré poderia sugerir essa circunstância, porque as características do balouço assim o ditam.
Recorde-se que se o mesmo, como refere o Manuel de Instruções, é “apenas para interior” e “adequado para crianças”, pelo que nunca seria de esperar que numa casa onde habitem crianças se possa pensar que os Pais iriam estar em permanente vigia, nomeadamente, na hora do sono!!!
Entendem os autores que este requisito do facto voluntário ilícito foi cometido pela ré e mal andou o Tribunal ao não o ter considerado e verificado.
Versando este recurso no Instituto da Responsabilidade objetiva do produtor, tal como refere a sentença, e aqui bem, prescinde-se do requisito da culpa, pelo que não importará teorizar sobre o mesmo.
Quanto ao requisito do dano, julgam os autores que não será necessário sequer estar a tumultuar este recurso com a sua invocação pois em momento algum do processo alguém defendeu a sua inexistência.
Resta, portanto, a verificação do último requisito, o nexo de causalidade entre o dano e o defeito que o produto apresentava, sendo que esse “nexo” está enunciado no artigo 1º do DL 383/89, quando prescreve: “O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”.
Nada mais sendo dito em tal comando legal, a apreciação jurídica desse nexo de causalidade, teremos que chamar à colação o disposto no artigo 563º do Código Civil onde se dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Consabido resulta que este preceito regula a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, sendo essencial que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.
Tal qual resulta do nosso ordenamento jurídico e particularmente da jurisprudência dos Tribunais Nacionais onde se adotou a sua formulação negativa (mais ampla) da teoria da causalidade adequada, na qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do efeito.
No caso concreto dos autos e tendo presente toda a matéria de facto dada como provada, a utilização que daquele brinquedo através das várias manobras que seriam possíveis de realizar eram aptas a produzir a morte por asfixiamento do CC.
Porque aquele balouço apresentava o defeito que acima já se evidenciou e que em algumas das manobras era passível de provocar a morte por asfixiamento aliado ao facto de naquele momento o menor estar a brincar com esse balouço e ainda que não se saiba a manobra em concreto que realizou é seguro que foi uma daquelas que tinha a virtualidade de produzir aquele desfecho porque o brinquedo assim o potenciava.
Face à teoria da causalidade adequada na vertente que acima se acaba de expor, será irrelevante saber se outras causas contribuíram para o acidente; se faltou força ao menor; ou qual das manobras indicadas no ponto 52 dos factos provados (ou eventualmente outras) é que o mesmo realizava, assumindo-se claro, que tal manobra foi realizada com aquele balouço em contexto de brincadeira e que o “defeito” daquele balouço podia ter como sua consequência a morte por asfixia do seu utilizador.
Entendem assim os autores que todos os requisitos previstos para a procedência da presente ação, contidos no Dec/Lei 383/89, se encontram verificados.
A sentença recorrida viola, entre outras disposições, por errada interpretação e aplicação, os artigos 413º, 607º nºs 4 e 5 do CPC e 376º e 396º do Código Civil.
Igualmente viola o disposto nos artigos 483º, 563º do Código Civil, os artigos 4º e 8º do D/Lei 383/89 de 6 de Novembro e ainda o disposto nos artigos 1, 3 e 4 do D/Lei 43/2011 de 24 de março”.
Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, se condene a Ré no pedido.
10- A Ré respondeu, defendendo, em síntese, a confirmação do julgado.
Isto porque, em síntese, não pode haver lugar à modificação da matéria de facto, como pretendido pelos Apelantes, porque a prova produzida não o consente e, por outro lado, porque não se encontram preenchidos os pressupostos para a sua responsabilização jurídica pelo evento corrido, seja por via do regime de responsabilidade civil aquiliana, previsto no Código Civil, seja por via do regime especial de responsabilidade civil (objetiva) do produtor, previsto no Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de novembro.
De qualquer modo, mesmo que assim não se entenda, defende a substancial redução dos valores indemnizatórios peticionados pelos AA. e a sua limitação, no máximo, ao dano morte, num montante nunca superior a 50.000,00€.
Por tais razões, sumariamente expostas, pede a improcedência deste recurso.
11- Recebido o mesmo nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito do recurso
A- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso em apreço, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do CPC], cinge-se a saber se:
1.º- Deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto; e,
2.º- Se estão reunidos os pressupostos para a responsabilização jurídica da Ré pelo pagamento da indemnização peticionada pelos AA. e, na afirmativa, em que termos e medida.
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B- Fundamentação
B.1- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1) CC nasceu no dia .../.../2003 e era filho dos AA., tendo falecido no dia .../.../2015, cerca das 21h50m;
2) O agregado familiar dos AA. era constituído por estes, pelo filho CC e por outros dois filhos menores, residindo numa habitação sita em ..., Vila Nova de Gaia;
3) A R. é uma empresa sedeada em Portugal, que faz parte de uma multinacional inserida em dezenas de países, que se dedica ao fabrico e comercialização de uma grande variedade de artigos, com enfoque particular para o lar, designadamente mobiliário, louças, artigos de decoração, brinquedos, etc.;
4) Os AA. eram clientes da loja da Ré em Matosinhos;
5) Para fidelizar clientes a R. emitia um cartão denominado “...”;
6) A A., em data anterior a 1 de Julho de 2014, solicitou à R. a obtenção do aludido cartão na loja desta sita em Matosinhos;
7) Para o efeito, o funcionário da R. que a atendeu solicitou-lhe que preenchesse uma ficha, inserindo vários elementos identificativos, tais como nome completo, morada, telefone e endereço eletrónico, o que a A. fez;
8) A R. ficou com essa informação da A. na sua base de dados, emitiu e entregou-lhe o aludido cartão com o nº ...;
9) Com esse cartão os AA. adquiriram vários artigos nas lojas da R.;
10) Os AA. adquiriram dois baloiços com a referência ... e a designação comercial de “...” na loja da R. em Matosinhos, no dia 01/07/2014, e instalaram cada um deles em cada um dos quartos dos seus filhos;
11) Os baloiços “...” podiam ser usados no exterior e no interior das habitações, destinando-se essencialmente a ser usado em espaços interiores;
12) O grande enfoque comercial da R. na promoção do baloiço, nas fotos que exibia nos espaços públicos, bem como na sua página da internet, ocorria nos interiores das habitações;
13) Diferentemente dos baloiços tradicionais, que se caracterizam por ter uma base e suspensão em materiais diferentes, a base num material rígido, geralmente madeira ou borracha, e a suspensão num material flexível e moldável, geralmente corda ou corrente metálica, o baloiço “...” tem uma só peça de tecido toda em fibra de poliéster e era vendido com clipes de suspensão para colocar nas extremidades daquela peça, de modo a ser fixado no teto do interior das habitações;
14) O material referido no ponto anterior é leve e maleável e permite que toda a peça do baloiço seja manobrável, não tendo qualquer rigidez;
15) O baloiço em causa era vendido pela R. desde Abril de 2014;
16) Este baloiço não proporciona apenas que o utilizador o possa baloiçar num movimento pendular típico, sendo possível que aquele possa entrelaçar o tecido, escalar pelo tecido, efetuar torções ao tecido, apoiar-se no tecido e efetuar cambalhotas, e apoiar os pés na base ou na lateral do tecido, colocando-se, nomeadamente, de cabeça para baixo;
17) Na divulgação do baloiço em causa a R. utilizou imagens em que se viam crianças a baloiçar no movimento pendular típico, quer sentadas, quer de pé, e a baloiçar em posição invertida, com os pés e as mãos apoiados nas laterais do tecido;
18) O baloiço era adequado para crianças com mais de 3 anos e suportava o peso máximo de 70 kg;
19) O baloiço era vendido como um produto “...”, numa loja “X...”, marca que, entre outras características, é uma marca reconhecida por apenas vender nas suas lojas artigos de marca própria;
20) A marca ... é detida, em todas as suas variações, pela sociedade de direito holandês denominada “X1... B.V.”;
21) A etiqueta que acompanhava os baloiços no momento da sua aquisição continha o logótipo da marca ..., com o símbolo “R” de marca registada, e a expressão “...”;
22) A etiqueta aposta no baloiço “...” encontrava-se cosida no próprio baloiço, numa das suas cordas de suspensão e nela estavam identificados o nome do produto, o código do produto, o fornecedor (através do código) e a data de produção (semana e ano) do mesmo;
23) O baloiço “...” dispunha de marcação “CE”;
24) Para além de ter sido submetido a testes de segurança pelo grupo “X2...”, o baloiço foi testado por entidades terceiras independentes, tendo sido determinado que cumpria com a legislação e as regras de segurança aplicáveis, designadamente com a norma EN 71-8:2011 - Segurança de brinquedos - Parte 8: Jogos para uso doméstico;
25) No manual de instruções de segurança do baloiço “...” (incluído em todas as embalagens e disponível “online”) consta expressamente:
- “Recomenda-se a supervisão de adultos com crianças de qualquer idade”;
- “Para reduzir a probabilidade de lesões graves ou fatais, ensine as crianças a: (…) - sentarem-se no centro do baloiço com todo o peso no assento; (…) - não retorcerem as cordas ou fazer laços com elas sobre a barra ou viga de suporte,- não atar quaisquer artigos na estrutura de suporte, tais como cordas, cabos, etc., pois pode representar perigo de estrangulamento para as crianças.”;
26) Após a sua colocação no mercado, o grupo “X2...” chegou à conclusão de que “os elementos de suspensão do baloiço não cumprem todos os critérios de qualidade ...”, pelo que procedeu à comunicação da intenção da sua retirada de venda no dia 14 de Agosto de 2014 e, para tanto, diligenciou pela comunicação ao Instituto do Consumidor;
27) No dia 16 de Setembro de 2014 a R., na sequência de instruções do grupo “X2...”, retirou do mercado todos estes baloiços e efetuou um comunicado à imprensa nesse dia com o seguinte teor:
“X... retira de venda baloiço infantil ... e solicita aos seus clientes que o devolvam.
A segurança dos seus produtos é uma prioridade máxima para a X..., em especial no que se refere a produtos destinados a crianças. Por esta razão, a X... pede a todas as pessoas que tenham em casa o baloiço para crianças ..., que o deixem de utilizar e o devolvam na loja mais próxima onde serão reembolsados na totalidade. Esta medida vem no seguimento de alguns relatórios que demonstram que os elementos de suspensão do balouço ... não cumprem todos os critérios de qualidade X..., podendo causar acidentes.
Desenvolvemos os nossos artigos para criança com o objetivo de estimular a criatividade e de responder à necessidade de brincar. Quando brincam, as crianças não pensam em segurança e, por isso, temos de o fazer enquanto desenvolvemos os nossos artigos.
Na X..., só vendemos artigos que daríamos às nossas próprias crianças. No entanto, por vezes, apesar de testarmos os artigos de acordo com a legislação em vigor e com os nossos padrões de qualidade, cometemos erros.
Assim sendo, estamos agora a pedir aos nossos clientes que devolvam o baloiço ... para evitar futuros incidentes” refere FF, responsável pelos produtos de criança ....
O baloiço para crianças ... foi vendido desde Abril de 2014 em todos os mercados onde a X... está presente.
Todas as devoluções deste artigo devem ser feitas no balcão de apoio a cliente das lojas ..., não sendo necessária a apresentação do talão(recibo) de compra.
A X... lamenta esta situação e agradece a compreensão dos seus clientes.”;
28) Para além do comunicado à imprensa, a R. divulgou esta notícia através de avisos nas lojas e ainda pelos sites nacionais da “X...” também no dia 16 de Setembro de 2014;
29) A empresa “X3...” havia recebido relatórios de quatro incidentes a nível mundial (num total de 22.907 unidades vendidas e nenhum deles em território nacional) decorrentes de os encaixes de suspensão do baloiço ao teto terem partido durante a utilização, resultando duas pessoas lesionadas que inspiraram cuidados médicos;
30) Tendo-se concluído que, embora o baloiço tenha sido testado para cumprir com as normas de segurança e legislação aplicáveis, a fivela dos encaixes de suspensão poderia quebrar durante o uso normal do baloiço, de forma a tentar evitar a ocorrência de mais incidentes, o grupo “X2...” determinou, de imediato e a nível mundial, a suspensão de venda do baloiço e deu início ao processo de retoma dos baloiços já vendidos, tendo a nível mundial logrado obter uma taxa de retoma dos baloiços de cerca de 10%;
31) A R. tem um sistema informático que lhe permite verificar em detalhe o número exato de baloiços que tinha vendido e aqueles que ficavam bloqueados (seja nas lojas, nos armazéns ou em trânsito);
32) No território nacional a R. tinha conhecimento da existência de 539 baloiços, incluindo os vendidos e os que iriam ficar bloqueados;
33) Em Portugal, até 31 de Agosto de 2015, foram devolvidos pelos clientes 36 baloiços;
34) No processo de retoma do baloiço “...” foram adotados os procedimentos de comunicação em loja, na internet (no site da R. e na sua página de “Facebook”) e em diversos meios de comunicação nacionais;
35) Não foi efetuada uma comunicação especifica dirigida aos titulares do cartão “...” que haviam adquirido o baloiço, privilegiando a R., à data do acidente, nas situações de retoma de um produto, para além da especifica informação em loja e no seu “site”, a comunicação através de “press release” e anúncios na imprensa nacional;
36) Através do seu sistema informático, inserindo a referência do baloiço em causa, a R. teria conhecimento dos seus clientes que adquiriram tal produto com o cartão de fidelidade aludido;
37) A morada, o endereço eletrónico e o número de telemóvel ... que a A. indicou no momento em que solicitou o cartão eram os mesmos existentes à data em que ocorreu a retirada do baloiço do mercado, como ainda o são atualmente;
38) A A. recebia mensagens de telemóvel e correio eletrónico enviados pela R. com a comunicação de campanhas publicitárias;
39) Os AA. não foram alertados para a aludida retirada do mercado do baloiço, nem tomaram conhecimento desta mesma retirada, pois não consultaram os avisos no sítio da internet da R. nem tiveram acesso ao comunicado de imprensa;
40) Após terem sido alterados os seus elementos de suspensão, o baloiço “...” voltou a ser colocado no mercado em Portugal, tal como nos demais países;
41) Em Portugal, o baloiço voltou a estar disponível nas lojas entre Abril de 2016 e Agosto de 2018;
42) CC e os seus irmãos usavam os baloiços, efetuando as brincadeiras próprias de crianças da sua idade;
43) Os AA. não tinham consciência de que o baloiço em causa não cumprisse com critérios de segurança, fosse no momento da aquisição, fosse no período em que os seus filhos os usavam;
44) A A. é professora e no ano lectivo de 2014/2015 estava deslocada na zona de Lisboa, onde exercia a sua profissão;
45) No dia .../.../2015 a A. estava na zona de Lisboa e o A. jantou com os três filhos na sua residência na Rua ..., em ...;
46) Cerca das 21h30, depois do jantar, o A., acompanhado do filho GG, estava na cozinha a recolher da mesa a louça usada e a efetuar a sua limpeza, bem como a da cozinha;
47) O CC já se tinha recolhido para o quarto, pois no dia seguinte tinha aulas;
48) Alertado, cerca de 10 minutos depois, pelo filho mais velho, que entretanto fora para o seu quarto, de que o CC estava “parado”, o A. deslocou-se ao quarto deste e encontrou-o com o pano do baloiço enrolado no pescoço com uma ou duas voltas e com o braço esquerdo pendurado, estando suspenso pelo pano entrelaçado no pescoço, com os pés assentes no chão e os joelhos ligeiramente fletidos;
49) O A. imediatamente o retirou dessa posição, colocando-o no chão inanimado, e tentou efetuar manobras de reanimação;
50) O A. ligou para a emergência médica através do número 112, tendo comparecido no local os Bombeiros, uma patrulha da G.N.R. e uma equipa do I.N.E.M. que incluía a Médica HH, a qual aí constatou o óbito do CC;
51) A morte de CC foi devida a asfixia mecânica por enforcamento;
52) As seguintes manobras eram possíveis de efetuar com o baloiço instalado no quarto do CC:
a) movimento pendular de baloiçar com o corpo do utilizador sentado na base;
b) torção das laterais do tecido com o corpo do utilizador sentado na base;
c) movimento pendular de baloiçar com o utilizador apoiado na base pelos pés, numa posição vertical;
d) entrelaçar os braços nas suspensões;
e) efetuar “mortal” atrás com recurso a impulso do corpo e braços;
f) escalar pelas suspensões através de braços entrelaçados;
g) entrelaçar os membros inferiores e efetuar movimentos pendular e/ou de torção;
h) rotação com braços entrelaçados nas suspensões;
i) uso da peça única do tecido (assento e suspensão) como corda;
53) As manobras referidos no ponto anterior, alíneas a), b) e c), no caso de mal executadas, comportam apenas risco de queda ou de embate com algum objeto circundante e, no caso da alínea c), de lesões nos membros superiores e/ou inferiores do utilizador;
54) As restantes manobras, no caso de não serem bem executadas, são suscetíveis de provocar lesões, incluindo fraturas, no corpo do utilizador, podendo as suspensões torcer e enrolar à volta do pescoço deste;
55) A manobra referida no ponto 52, al. a), não é suscetível de causar asfixia mecânica por enforcamento;
56) O CC era uma criança alegre e divertida e estava habitualmente bem-disposto, sendo um jovem ativo;
57) Praticava a modalidade de hóquei em patins no “...”, com talento;
58) Era um aluno que tirava notas de 5 à disciplina de educação física e notas de 4 às restantes disciplinas;
59) Era estimado no seu círculo íntimo de familiares e por amigos, colegas da escola e colegas do hóquei em patins;
60) Tinha uma relação de cumplicidade com os pais e com os irmãos, com um sentimento recíproco de afeto, estando consciente do carinho que estes familiares lhe devotavam, usufruindo desse carinho com alegria;
61) Os AA. amavam o filho CC e a sua morte causou-lhes uma profunda tristeza e um abalo incapaz de ser reparado;
62) Perderam a alegria de viver, sentindo por vezes que a vida não tem sentido;
63) Tentam dar sentido à vida através da existência dos seus filhos, irmãos do CC, o que por vezes não é suficiente;
64) Ainda choram pelo filho CC, não passando um dia sem que se recordem e falem dele e não conseguindo minimizar o sofrimento;
65) O A. marido recorreu a acompanhamento psiquiátrico, tendo-lhe sido prescrita medicação antidepressiva, e ainda hoje continua a ser acompanhado clinicamente;
66) O A. marido exercia a profissão de motorista da CP de longo curso, tendo estado em situação de Incapacidade Temporária Absoluta desde o dia 24 de Março de 2015 até ao dia 3 de Junho de 2015, apresentando dificuldades de focagem e de manutenção da atenção e da concentração em tarefas continuadas;
67) Quando regressou ao serviço, o A. marido foi colocado a efetuar apenas operações de transporte de comboios na oficina, ficando impedido de efetuar deslocações de médio e longo curso, por não ter ainda condições clínicas para o exercício da sua atividade habitual;
68) Esta situação deixou-o frustrado e triste, por não poder exercer as suas funções habituais, o que o realizava;
69) O A. marido recorreu a consultas médicas de psiquiatria nos serviços de assistência médico-social do Sindicato dos Bancários do Norte, no que despendeu a quantia de 210,00€;
70) Os AA. pagaram à “F..., Ldª”, em 18/03/2015, a quantia de 1.625,00€, respeitante ao preço do funeral do filho CC;
71) Na sequência do facto referido no ponto 66, o Instituto da Segurança Social pagou ao A. marido, beneficiário da Segurança Social, inscrito sob o nº ..., o montante de 2.491,11€, a título de subsídio de doença, no período decorrido entre 24/03/2015 e 03/06/2015.
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B.2- “Os restantes factos alegados nos articulados com interesse para a decisão da causa resultaram não provados, sendo que quanto aos arts. 63º, 70º (desportista federado), 71º, 91º (em regime de competição), 100º, 104º, 105º, 114º, 115º (quanto à A. mulher), 116º (tendo-lhes sido diagnosticado depressão profunda e quanto à A. mulher na parte restante), 117º e 126º (consultas médicas de psiquiatria em centros de saúde) da petição inicial nada resultou provado e quanto aos restantes factos resultou provado apenas (ou em contrário) o que ficou a constar da matéria de facto”.
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B.3- Análise dos fundamentos do recurso
Como já dissemos, nele estão em causa essencialmente duas problemáticas: saber, por um lado, se deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto; e, por outro lado, se estão preenchidos os pressupostos para a responsabilização jurídica da Ré pelo pagamento da indemnização peticionada pelos AA. e, nesse caso, em que medida.
Vejamos, então:
No que concerne à requerida modificação da matéria de facto, pretendem os AA. que, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, se julgue demonstrada parcialmente a afirmação por eles produzida no artigo 63.º da petição inicial; isto é, que se julgue demonstrado que a morte por enforcamento do seu filho “foi motivada numa primeira abordagem pela má conceção do balouço”.
Ora, esta “má conceção” não é um facto. Ou seja, não é um evento naturalístico que seja apreensível pelos sentidos[1]. É, antes, um juízo conclusivo que aqui é usado na sua vertente jurídica e ao qual só se pode chegar depois de aplicado e interpretado o pertinente enquadramento normativo. Nessa medida, não pode ser objeto de prova, já que, como é sabido, as provas apenas se destinam a demonstrar factos e não juízos jurídicos (artigo 341.º do Código Civil).
Como tal, é manifesta a inviabilidade da requerida modificação da matéria de facto.
Até porque, a ter lugar, com ela ficaria solucionado, em grande medida, o presente conflito.
Daí que não se admita o referido pedido.
Avancemos para a análise das questões substantivas.
Trata-se de saber, em primeiro lugar, se estão, ou não, reunidos os pressupostos para reconhecer aos AA. o direito indemnizatório de que os mesmos se arrogam titulares sobre a Ré.
Na sentença recorrida, entendeu-se que não; que, em termos de segurança, não se provou qualquer defeito no baloiço onde o filho dos AA. se acidentou e veio a falecer, nem, menos ainda, que este óbito tivesse resultado de qualquer imperfeição ou desconformidade daquele tipo existente nesse mesmo baloiço e, portanto, não pode a Ré ser responsabilizada pelas consequências danosas daí decorrentes. Isto, quer nos situemos no plano da responsabilidade civil delitual baseada na culpa, quer convoquemos o regime da responsabilidade objetiva do produtor.
Já para os AA., a resposta deve ser exatamente a contrária; o baloiço em questão não era seguro e, por isso mesmo, ocasionou a morte do seu filho, o que lhes confere o direito a ver reparados os danos daí decorrentes.
Direito que a Ré continua a refutar, por considerar, também ela, que não estão aqui reunidos os pressupostos para lhe impor qualquer indemnização a favor dos AA.; particularmente, os referenciados na sentença recorrida.
Será, pois, neste plano que começaremos por centrar a nossa análise.
Dispõe o artigo 483.º, do Código Civil, o seguinte:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
Por sua vez, estabelece o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 69/2005, de 17 de março [que estabelece as garantias de segurança dos produtos e serviços colocados no mercado, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2001/95/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Dezembro, relativa à segurança geral dos produtos (artigo 1.º)], que, [s]ó podem ser colocados no mercado produtos seguros”.
E, se o não forem, prescrevem os artigos 1.º e 8.º, do Decreto Lei n.º 383/89, de 06 de novembro[2] [que traspôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 85/374/CEE, em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos], que “[o] produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”, sendo “ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”.
Da articulação destas normas, decorre que, em qualquer um destes regimes (de responsabilidade extracontratual por culpa ou objetiva), a responsabilização pela introdução no mercado de um produto que padeça de falta de segurança carece, antes de mais, da ocorrência de um facto ilícito. Mais concretamente, a ocorrência de um defeito nesse produto, que provoque danos a outrem, nos planos já assinalados.
Ora, o que se continua a discutir neste recurso, como já vimos, é a questão de saber se o baloiço onde o filho dos AA. se acidentou era, ou não, um produto defeituoso; isto é, um produto inseguro e, por isso mesmo, capaz de causar alguns dos ditos danos aos seus utilizadores.
No artigo 3.º, als. a), b), c) e j), do Decreto-Lei n.º 69/2005, alinham-se algumas definições que ajudam a integrar este conceito.
Assim, para efeitos de aplicação de tal diploma, considera-se:
“a) «Produto» qualquer bem, novo, usado, recuperado ou utilizado no âmbito de uma prestação de serviços, destinado aos consumidores ou susceptível de, em circunstâncias razoavelmente previsíveis, por eles ser utilizado, mesmo que lhes não seja destinado, fornecido ou disponibilizado, a título oneroso ou gratuito, no âmbito de uma actividade profissional, com excepção dos bens imóveis;
b) «Produto seguro» qualquer bem que, em condições de utilização normais ou razoavelmente previsíveis, incluindo a duração, se aplicável a instalação ou entrada em serviço e a necessidade de conservação, não apresente quaisquer riscos ou apresente apenas riscos reduzidos compatíveis com a sua utilização e considerados conciliáveis com um elevado nível de protecção da saúde e segurança dos consumidores, tendo em conta, nomeadamente:
i) As características do produto, designadamente a sua composição;
ii) A apresentação, a embalagem, a rotulagem e as instruções de montagem, de utilização, de conservação e de eliminação, bem como eventuais advertências ou outra indicação de informação relativa ao produto;
iii) Os efeitos sobre outros produtos quando seja previsível a sua utilização conjunta;
iv) As categorias de consumidores que se encontrarem em condições de maior risco ao utilizar o produto, especialmente crianças e os idosos;
c) «Produto perigoso» qualquer bem não abrangido pela definição de «produto seguro» a que se refere a alínea b);
(…)
j) «Uso normal ou razoavelmente previsível» a utilização que se mostra adequada à natureza ou características do produto”.
E, acrescenta o n.º 2 do artigo 4.º, que, sem prejuízo do disposto no seu n.º 4, ou seja, sem prejuízo da eventual adoção de medidas restritivas ou proibitivas de comercialização de produtos que preencham os requisitos legais e regulamentares de segurança, se considera “conforme com a obrigação geral de segurança o produto que estiver em conformidade com as normas legais ou regulamentares que fixem os requisitos em matéria de proteção de saúde e segurança a que o mesmo deve obedecer para poder ser comercializado”.
Por seu turno, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 383/89, que:
“1- Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação.
2- Não se considera defeituoso um produto pelo simples facto de posteriormente ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado”.
Como acabamos de ver, o legislador, a propósito do que deve considerar-se um produto inseguro ou defeituoso optou, como refere JOÃO CALVÃO da SILVA[3], por uma “formulação aberta e elástica”.
Formulação na qual, desde logo, não se podem considerar integradas as desconformidades contratuais de ordem funcional. O produto defeituoso pode ter associadas este tipo de desconformidades, mas, neste âmbito, não é ele que releva. Aqui, o valor a atender é o da segurança do produto[4].
Segurança com que legitimamente se pode contar, diz a lei. O que significa, por um lado, que essa segurança não tem de ser absoluta, mas apenas a legitimamente esperada, e, por outro lado, que ela varia também em função de múltiplas e heterogéneas circunstâncias[5], algumas das quais já referidas, como sejam a apresentação do produto, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita, o momento da sua entrada em circulação, as suas características, as instruções e avisos que o acompanham e o tipo de consumidores que se espera venham a utilizá-lo, entre outras; sejam elas de natureza intrínseca ou extrínseca ao produto[6].
Pois bem, começando pela apresentação, o que está em causa, essencialmente, são as condições objetivas de exibição do produto aos seus potenciais adquirentes. Seja a sua aparência externa, o conjunto de informações e advertências que lhe são associadas ou outros dados de natureza objetiva que contribuam para esses potenciais adquirentes formarem a sua representação acerca da aptidão e segurança do produto. São esses elementos que geram os estímulos tendentes à sua aquisição e, nessa medida, é em função deles que os consumidores geram as suas expetativas também no campo da segurança.
Por outro lado, no que diz respeito à utilização, já vimos que a lei alude, por mais de uma vez, a uma utilização previsível ou razoavelmente previsível. O que não significa necessariamente uma utilização correta do produto, tendo em conta a sua aptidão funcional. Como refere, JOÃO CALVÃO da SILVA[7], “o legislador não se ateve apenas ao uso específico a que o produto se destina; quis que o produtor, ao conceber, fabricar e comercializar um produto, tivesse em conta não só a utilização conforme ao fim ou destino dele pretendido em condições normais, mas também a outros usos razoavelmente previsíveis que do mesmo possam ser feitos”. O que naturalmente pode incluir os usos incorretos, sob o ponto de vista funcional, mas previsíveis. Ou seja, como refere VERA LÚCIA PAIVA COELHO[8], “deverão ser tidos em conta comportamentos razoavelmente previsíveis relacionados com o seu uso incorreto, desvios ou abusos, principalmente, quando esses produtos se destinam a um público inexperiente, como é o caso das crianças, cuja probabilidade de existir um uso incorreto é mais elevada”.
Nem podia ser de outro modo, visto que uma das circunstâncias a atender para aferir se um produto é seguro são “[a]s categorias de consumidores que se encontrarem em condições de maior risco ao utilizar o produto, especialmente crianças e os idosos” (artigo 3.º, n.º 1, al. b), iv, do Decreto Lei n.º 69/2005 .
Em qualquer caso, que importa reter é que, como refere MARIA da GRAÇA TRIGO, “a falta de segurança integra uma vertente objetiva (a aptidão do bem para causar danos) e outra subjetiva (as expetativas legitimas do consumidor)”[9], sendo em função desses aspetos que se há-de concluir se um produto é seguro ou, pelo contrário, é defeituoso, na aceção já referenciada.
As legítimas expetativas do consumidor, no entanto - é bom precisá-lo –, não se reconduzem àquelas que o lesado ou um consumidor concreto tem a propósito da segurança do produto. São, antes, as expetativas do público a que o produto se destina[10], resultantes exatamente das mesmas circunstâncias objetivas. Quer isto dizer, por outras palavras, “que o sujeito das expectativas de segurança não é o consumidor concreto, mas o público em geral, isto é, a segurança esperada e tida por normal nas concepções do tráfico do respectivo ramo de consumo”[11].
Por outro lado, há que atender ainda ao que resulta do já citado artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 69/2005, segundo a qual, como vimos, se considera, em princípio, “conforme com a obrigação geral de segurança o produto que estiver em conformidade com as normas legais ou regulamentares que fixem os requisitos em matéria de proteção de saúde e segurança a que o mesmo deve obedecer para poder ser comercializado”.
O que para os brinquedos, como o era o baloiço em apreço, tem particular relevância, uma vez que há essas normas.
Referimo-nos, por exemplo, ao Decreto-Lei n.º 43/2011, de 24 de março[12], que transpôs para a nossa ordem jurídica a Diretiva n.º 2009/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, e que, no seu artigo 13.º, estabelece os seguintes requisitos essenciais de segurança:
“1- Os brinquedos colocados no mercado devem cumprir, durante o período da sua utilização previsível e normal:
a) Os requisitos essenciais de segurança previstos nos nºs 2, 3 e 4, no que diz respeito ao requisito geral de segurança;
b) Os requisitos específicos de segurança previstos no anexo ii ao presente decreto-lei.
2- Os brinquedos, incluindo as substâncias químicas que estes contêm, não podem pôr em perigo a saúde e a segurança dos utilizadores ou de terceiros, quando forem utilizados para o fim a que se destinam ou quando deles for feita uma utilização previsível, tendo em conta o comportamento das crianças.
3- A capacidade dos utilizadores e, quando especificado, dos respetivos supervisores, deve ser tida em conta, especialmente no caso de brinquedos que se destinam a crianças com menos de 36 meses ou a outros grupos etários específicos.
4- Os rótulos apostos em conformidade com o artigo 15.º, bem como as instruções de utilização que acompanham os brinquedos, devem chamar a atenção dos utilizadores ou dos respetivos supervisores para os perigos e os riscos de danos inerentes à sua utilização e para os meios de os evitar”.
E nos artigos 14.º, 15.º e 16, prescrevem-se os termos em que devem ser elaborados e afixados os avisos.
Sendo que, no Anexo II, a propósito das propriedades físicas e mecânicas [ponto I, 4, a)], se estabelece, como requisito específico de segurança, que, “[o]s brinquedos e respetivos componentes não devem apresentar qualquer risco de estrangulamento”.
Ora, é perante estas regras e noções que nos devemos interrogar sobre se o concreto baloiço de que temos estado a falar podia ser considerado, à data da sua introdução no mercado, como um produto inseguro, capaz de, em circunstâncias normais ou razoavelmente previsíveis, ocasionar o dano que se veio a verificar em relação ao filhos dos AA..
Comecemos por atentar nas características, potencialidades e no modo como era apresentado este baloiço:
Trata-se, em primeiro lugar, de um baloiço diferente dos tradicionais. Enquanto estes se caracterizam por ter uma base e suspensão em materiais diferentes, a base num material rígido, geralmente madeira ou borracha, e a suspensão num material flexível e moldável, geralmente corda ou corrente metálica, o baloiço “...” tem uma só peça de tecido, toda em fibra de poliéster, e era vendido com clipes de suspensão para colocar nas extremidades daquela peça, de modo a ser fixado no teto do interior das habitações.
Era divulgado pela Ré com imagens em que se viam crianças a baloiçar no movimento pendular típico, quer sentadas, quer de pé, e a baloiçar em posição invertida, com os pés e as mãos apoiados nas laterais do tecido. Isto, bem entendido, crianças com idade superior a 3 anos e não mais de 70 kg, pois que era adequado só para crianças que se situassem dentro desses parâmetros.
Além disso, acompanhavam o dito baloiço algumas recomendações importantes: por um lado, “a supervisão de adultos com crianças de qualquer idade” e, por outro lado, que, para reduzir a probabilidade de lesões graves ou fatais, as crianças deviam ser ensinadas a: “(…) - sentarem-se no centro do baloiço com todo o peso no assento; (…) - não retorcerem as cordas ou fazer laços com elas sobre a barra ou viga de suporte,- não atar quaisquer artigos na estrutura de suporte, tais como cordas, cabos, etc., pois pode representar perigo de estrangulamento para as crianças”.
Estas recomendações eram importantes porque este baloiço, como se veio a apurar, não permitia ao seu utilizador apenas realizar o movimento pendular típico; seja sentado, de pé ou mesmo de cabeça invertida. Permitia-lhe igualmente efetuar outras manobras. Mais concretamente, permitia-lhe realizar, entre outras, as seguintes manobras:
a) movimento pendular de baloiçar com o corpo do utilizador sentado na base;
b) torção das laterais do tecido com o corpo do utilizador sentado na base;
c) movimento pendular de baloiçar com o utilizador apoiado na base pelos pés, numa posição vertical;
d) entrelaçar os braços nas suspensões;
e) efetuar “mortal” atrás com recurso a impulso do corpo e braços;
f) escalar pelas suspensões através de braços entrelaçados;
g) entrelaçar os membros inferiores e efetuar movimentos pendular e/ou de torção;
h) rotação com braços entrelaçados nas suspensões;
i) e, o uso da peça única do tecido (assento e suspensão) como corda.
Estas manobras comportam riscos muito variados:
Assim, as manobras referidas nas alíneas a), b) e c), no caso de mal executadas, comportam apenas risco de queda ou de embate com algum objeto circundante e, no caso da alínea c), de lesões nos membros superiores e/ou inferiores do utilizador;
As restantes manobras, no caso de não serem bem executadas, são suscetíveis de provocar lesões, incluindo fraturas, no corpo do utilizador, podendo as suspensões torcer e enrolar à volta do pescoço deste.
Ora, sabendo nós que o filho dos AA. faleceu, justamente, por ter o pano do baloiço enrolado ao pescoço, a questão que se coloca é a de saber se esse resultado derivou de uma utilização normal ou razoavelmente previsível desse mesmo baloiço ou se, pelo contrário, não é possível estabelecer esse nexo. Na primeira hipótese, aquele era um risco que a Ré devia ter prevenido, devendo ser responsabilizada civilmente por ter introduzido no mercado um produto perigoso; isto é, inseguro. Na segunda, pelo contrário, não pode haver lugar a essa responsabilização.
Pois bem, considerando o conjunto dos factos provados, temos para nós que esta última é a solução correta.
Na verdade, não ficou demonstrada a concreta manobra que levou à asfixia do filho dos AA., nos termos já explicitados. E, não havendo essa prova, não se pode concluir, com segurança, se houve, ou não, uma utilização normal ou razoavelmente previsível do baloiço em questão. Isto é, não se pode concluir que estamos perante um produto inseguro ou defeituoso, sob esse ponto de vista. Matéria que aos AA. competia demonstrar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Não significa isto, obviamente e como já referimos, que nas manobras normais ou razoavelmente previsíveis passíveis de ser executadas neste baloiço só estejam incluídas aquelas que a Ré sugeria. Como já vimos, também nesse conceito devem ser incluídas as manobras incorretas. Mas – e este é o ponto decisivo – manobras incorretas razoavelmente previsíveis. A lei, como dissemos, alude sempre a este requisito. Mesmo no domínio dos brinquedos em que prescreve a ausência de qualquer risco de estrangulamento (no Anexo II, Ponto I, 4 a), do Decreto-Lei n.º 43/20119), fá-lo por referência aos requisitos essenciais de segurança, nos quais se determina que os brinquedos “não podem pôr em perigo a saúde e a segurança dos utilizadores ou de terceiros, quando forem utilizados para o fim a que se destinam ou quando deles for feita uma utilização previsível, tendo em conta o comportamento das crianças”.
Ora, no caso, como já referimos, não sabendo nós que tipo de manobra foi realizada pela criança que se acidentou e que levou à sua asfixia, também não podemos concluir que essa criança estava a fazer um uso normal ou razoavelmente previsível do baloiço em questão.
De resto, como se provou, esse baloiço, além de ter aposta a marcação “CE”, que constitui uma presunção de conformidade (artigo 18.º, n.º 1 e 19.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 43/2011), foi ainda submetido a testes de segurança pelo grupo “X2...”, bem como testado por entidades terceiras independentes, tendo-se aí concluído que o mesmo “cumpria com a legislação e as regras de segurança aplicáveis, designadamente com a norma EN 71-8:2011 - Segurança de brinquedos - Parte 8: Jogos para uso doméstico”. Legislação e regras de segurança que, como já sublinhámos, pressupõem sempre “uma utilização que se mostre adequada à natureza ou características do produto”, o que não sabemos se era o caso, dado que mais nenhum facto pertinente para esta matéria se provou, para além do estado em que a criança foi encontrada já inanimada.
Daí que só se possa concluir que não está demonstrada a ocorrência de qualquer facto ilícito que à Ré seja imputável. E, faltando este pressuposto, que é comum aos dois tipos de responsabilidade que começámos por enunciar, falece a base para as acionar, sem necessidade de apreciar qualquer outro dos demais requisitos.
Ou seja, em resumo, por falta de prova da natureza defeituosa ou insegura do dito baloiço, a pretensão indemnizatória dos AA. e o presente recurso só podem ser julgados improcedentes e confirmada a sentença recorrida.
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III- Dispositivo
Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso e confirmar a sentença recorrida.
*
- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão pagas pelo Apelantes - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Porto, 17/5/2022
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda [(vencida, conforme declaração de voto anexa)
Votei no sentido da procedência do recurso interposto pelos Autores pelas seguintes razões essenciais:
I- A tutela do consumidor assumiu na ordem jurídica interna e na União Europeia uma importância e preocupação crescente em vários domínios, de tal forma que um dos objectivos do legislador europeu consiste precisamente em assegurar um elevado nível de defesa (art. 169.º Tratado de Funcionamento da U.E.), reafirmando essa defesa na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia-CDFUE (art. 38.º) e concretizando-a através de directivas.
II- Nesta matéria de segurança dos brinquedos, o legislador comunitário manifestou efectiva preocupação pela protecção das crianças (consagrada posteriormente no art.º 24.º da CDFUE) preconizando assegurar um elevado nível de protecção do interesse público como a saúde e a segurança, e nessa medida estabeleceu, como obrigação dos operadores económicos, o cumprimento da legislação comunitária e a responsabilidade daqueles pela conformidade dos brinquedos (considerando 9 da Directiva 2009/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 18.06.2009, transposta para a ordem interna pelo Dec.-Lei n.º 43/2011 de 24.03).
III- O objectivo da Directiva 2009/48/CE, segundo o considerando 48, é garantir um nível elevado de segurança dos brinquedos tendo em vista assegurar a saúde e a segurança das crianças.
IV- O referido Decreto-Lei n.º 43/2011, de 24 de março, reconhece, no preâmbulo, as crianças como particularmente vulneráveis e tem em vista a assegurar que os brinquedos que estão destinados às crianças obedecem aos requisitos de segurança específicos, estabelecendo, nessa conformidade, no artigo 13.º o seguinte
“1- Os brinquedos colocados no mercado devem cumprir, durante o período da sua utilização previsível e normal:
a) Os requisitos essenciais de segurança previstos nos nºs 2, 3 e 4, no que diz respeito ao requisito geral de segurança;
b) Os requisitos específicos de segurança previstos no anexo ii ao presente decreto-lei.
No Anexo ii, relativamente às propriedades físicas e mecânicas [ponto I, 4, a)], consignou-se, como requisito específico de segurança, que, “[o]s brinquedos e respetivos componentes não devem apresentar qualquer risco de estrangulamento”.
V- O juiz nacional deve cumprir o princípio da interpretação conforme às normas do Direito da União Europeia e, com esse desiderato, resulta do considerando 29 da Directiva 2009/48/CE que o legislador, com base no princípio da precaução, para além dos requisitos de segurança específicos, consagrou uma cláusula geral de segurança para evitar riscos dos brinquedos actuais ou que virão a ser fabricados, não cobertos por aqueles requisitos específicos previstos no Anexo II. Portanto, só quando não estiver coberto por algum ou alguns requisitos específicos, é que se exige uma avaliação da segurança do brinquedo de acordo com a utilização previsível deste mas mesmo assim sempre “atendendo ao comportamento habitual das crianças que normalmente não possuem o grau de discernimento do utilizador adulto”.
VI- No caso em apreciação, o menor, de 11 anos de idade, foi encontrado com o pano do baloiço enrolado no pescoço com uma ou duas voltas e com o braço esquerdo pendurado, estando suspenso pelo pano entrelaçado no pescoço, com os pés assentes no chão e os joelhos ligeiramente fletido; faleceu devido a asfixia mecânica por enforcamento; o baloiço “...” tem uma só peça de tecido toda em fibra de poliéster e era vendido com clipes de suspensão para colocar nas extremidades daquela peça, de modo a ser fixado no teto do interior das habitações; o material é leve e maleável e permite que toda a peça do baloiço seja manobrável, não tendo qualquer rigidez.
VII-Tendo em conta o material leve e flexível do brinquedo em causa (baloiço), bem como as manobras que permitia a criança fazer, para além do movimento pendular, não prevenia, salvo o devido respeito, o risco específico acima referido de estrangulamento pois a norma prevê expressamente a ausência de qualquer risco de estrangulamento.
VIII- Não estando assegurado esse requisito específico, o brinquedo é considerado inseguro à luz do quadro legal aplicável, não sendo, por isso, necessário saber qual a manobra em concreto realizada pelo menor, por não ser enquadrável na cláusula geral de segurança, a qual exigia uma avaliação da segurança do brinquedo de acordo com a utilização previsível.
IX- A presunção de conformidade do brinquedo, salvo o devido respeito, foi ilidida por não obedecer a um requisito específico de segurança.]
Lina Batista
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[1] Eventos que se traduzem em “fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos, incluindo as atuações dos seres humanos, sem excluir as do foro interno” - Ac. STJ de 23/04/2009, Processo n.º 674/04.3TBCMN.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[2] Referiremos este diploma sempre com a redação já decorrente do Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de abril, que é a aqui aplicável.
[3] Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 2ª Edição, Almedina, pág.196.
[4] Neste sentido, por exemplo, Ac. STJ de 09/09/2010, Processo n.º 63/10.0YFLSB e Ac. STJ de 02/06/2016, Processo n.º 2213/10.8TVLSB.L1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, Vera Lúcia Coelho, Responsabilidade do produtor por produtos defeituosos “Teste de resistência” ao DL n.º 383/89, de 6 de novembro, à luz da jurisprudência recente, 25 anos volvidos sobre a sua entrada em vigor, pág. 20, com referência a MICHEL CANNARSA, La responsabilité du fait des produits défectueux, cit., p. 184 (nota de rodapé n.º 81), em Revista Eletrónica de Direito, consultável em https://cije.up.pt/.
[6] Neste sentido, por exemplo, Ac. RC, de 18/09/2018, Processo n.º 2411/10.4TBVIS.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Ob cit., pág. 193.
[8] Ob cit, pág. 23.
[9] Responsabilidade Civil, Temas Especiais, UCP, pág. 107.
[10] João Calvão da Silva, ob cit., pág. 189.
[11] Ac. RP, de 20/11/2017, Processo n.º 0725464, consultável em www.dgsi.pt.
[12] Alterado, até à data em que ocorreu o acidente em apreço (09/03/2015), pelo Decreto-Lei n.º 11/2013, de 25 de janeiro.