Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1805/09.2T3AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: RECOLHA DO PERFIL DE ADN
BASE DE DADOS
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP201606151805/09.2T3AVR.P1
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 682, FLS.171-210)
Área Temática: .
Sumário: I – A necessidade de recolha, nos termos da Lei nº5/2008 de 12/2, do perfil de ADN, deve ser objecto de fundamentação específica, e justificada á luz dos critérios de culpa, necessidade e proporcionalidade, gerando nulidade a omissão de tal fundamentação.
II – Se dos factos e da personalidade do arguido não se vislumbram indícios de perigo de continuação de actividade criminosa nem de uma tendência criminosa, nem se vislumbram outros receios que permitam inferir a necessidade de recolha e conservação desses dados de ADN, a mesma não é justificada pelo que não deve ser ordenada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 1805/09.2T3AVR.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 15 de junho de 2016, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 1805/09.2T3AVR, da 1ª Secção Criminal (J5) – Instância Central de Aveiro, Comarca de Aveiro, em que é assistente B…, são demandantes civis B…, C…, D…, E…, F… e “G…, LDA.” e é arguida e demandada civil H…, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos [fls. 3022-3024]:
«(…) Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, decide o Tribunal coletivo:
A) – Condenar a arguida, H…, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, em concurso efetivo, de dois crimes de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 3 (três) anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
B) – Suspender a execução da referida pena única de prisão pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, com sujeição a regime de prova e condicionada à obrigação, cujo cumprimento deverá comprovar nos autos, de:
a) - no prazo de 30 (trinta) dias, restituir à sociedade "G…, S.A." a quantia de 23.366,91 € e respetivos juros de mora e a B…, C…, D…, E… e F… da quantia de 36.299,78 € e respetivos juros de mora, sem prejuízo da sua cobrança coerciva eventualmente promovida pelos demandantes no âmbito da execução dos pedidos de indemnização civil;
b) - no prazo de 6 (seis meses), pagar aos demandantes B…, C…, D…, E… e F… as indemnizações por danos morais arbitradas a cada um infra descriminadas e respetivos juros de mora;
C) – Condenar a arguida no pagamento de taxa de justiça, que se fixa em 5 UC, bem como nos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º, n.ºs 1, 2 e 3, e 514º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais);
D) – Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado no processo principal (n.º 1805/09.2T3AVR) e, consequentemente, condenar a demandada/arguida a pagar:
a) - aos demandantes B…, C…, D…, E… e F… a quantia de 36.299,78 €, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 28.06.2006 até integral pagamento;
b) - a B… a quantia de 4.000,00 €, a C… a quantia de 5.000,00 €, a D… a quantia de 3.000,00 €, a E… a quantia de 4.000,00 € e a F… a quantia de 2.000,00 €, acrescidas de juros de mora, calculados, à taxa legal, a partir da presente decisão até integral pagamento;
E) – Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado no processo apenso (n.º 167/12.5T3AVR) e, consequentemente, condenar a demandada/arguida a pagar à demandante sociedade "G…, S.A." a quantia de 23.366,91 €, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 11.11.2005 até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado, designadamente pelos demandantes B…, C…, D…, E… e F…;
(…)»
2. Inconformada, a arguida recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
«I. No que concerne à acusação deduzida a fls. 630 e ss. do processo n.º 167/12.5T3AVR, entretanto apensado ao processo 1805/09.2T3AVR, (designado processo principal), estamos perante uma inexistência de queixa, por força da ausência de legitimidade da participante "G…, S.A." devendo, em consequência, ser declarado extinto o procedimento criminal instaurado contra a recorrente, o que desde já se invoca, sem conceder, a título de questão prévia.
II. Mesmo que assim não se entenda, atentos, entre o mais, os factos constantes do ponto 153 FP, e tendo a participação criminal sido apresentada em Março de 2011, tal acto foi praticado quando já se encontrava prescrito o direito de queixa. (cfr. art. 115º n.º 1 do Código Penal) - prescrição que igualmente se invoca, sem conceder.
III. No que se refere ao depósito do precatório-cheque referente à caução, (processo apenso) o Tribunal a quo apreciou e interpretou erradamente os factos constantes dos autos e, em consequência: (i) Julgou incorrectamente os factos que deu como provados nos pontos 20 (na parte em que refere "que o montante por ele titulado não lhe pertencia", 21 (na parte em que refere "e que tinha de entregar o remanescente à sociedade G…, Lda., o que não fez, usando-o antes em proveito próprio", 22, 23 e 24.
IV. O acórdão recorrido desconsiderou por completo ou valorou erroneamente provas que impunham decisão diversa daquela que foi proferida, designadamente (i) o documento de fls. 379 e 380 dos autos, (ii) a declaração emitida por entidade bancária em 29.4.2015, junta aos autos em audiência de julgamento, e (iii) o fax datado de 24.1.2007, constante de fls.362 a 364 dos autos) e identificado no ponto 153 FP.
V. Os elementos constantes dos autos impõem que se considere que (i) a recorrente levantou a quantia referente à caução prestada no processo movido por I… à sociedade G…, Lda. (processo nº 456/2000 e que veio a ser renumerado 71/09.4T4AGD) com autorização e conhecimento da mesma, e que (ii), depois de paga a caução que foi prestada no processo nº 586/04.7TAAGD movido por J… à G…, Lda., ficou com o remanescente desse valor em cumprimento de um acordo feito com a referida sociedade (acordo de acerto de contas e pagamento de honorários que se encontravam em dívida pela sociedade).
VI. O teor do acordo que a recorrente fez com a sociedade, quanto à utilização, entre o mais, do valor remanescente da caução para pagamento de honorários, despesas e encargos que lhe eram devidos pela mesma e apurados até 31.12.2008, resulta do doc.0 de fls. 379 e 380 dos autos, comunicação que o acórdão recorrido não podia ter desconsiderado, como fez, dado que o envio da mesma foi devidamente documentado com o documento de fls. 380 (relatório de envio), e a sua existência não é aleatória nem inconsistente, pois consiste numa resposta a carta remetida pela própria sociedade (cf. ponto 154 FP).
VII. Por outro lado, não foi sequer indagado, muito menos demonstrado, que a sociedade G…, Limitada, dispusesse de sistema certificado de registo de comunicações, para que o Acórdão recorrido possa valorar positivamente, como valorou, que "não existem quaisquer documentos recebidos nesta data ou em datas próximas, via fax e remetidas pela arguida”
VIII. Resulta ainda comprovado nos autos que a sociedade G…, Lda., ou quem quer que fosse, nunca interpelou a recorrente, para que lhe devolvesse o valor em causa — nem antes, nem depois da cessação do mandato (cf. Ponto 158 FP).
IX. Mesmo que persistisse alguma dúvida sobre a existência do acordo, a retenção da quantia por parte da recorrente nunca poderia importar o cometimento de algum ilícito penal, visto que:
(i) Comprovadamente, a recorrente tinha em seu poder tal quantia com o conhecimento e consentimento da sociedade G…, Lda. (agora S.A.);
(ii) Comprovadamente a sociedade G…, Limitada nunca interpelou (em qualquer momento) a recorrente para a entregar (o que não se compadece com um juízo de razoabilidade e de normalidade), e;
(iii) Comprovadamente, a recorrente tem em seu poder a quantia em causa, como se retira do documento datado de 29.4.2015 (declaração bancária) e junto aos autos no decurso da audiência de julgamento, a fls., pelo que não se "apropriou" nem o "utilizou em proveito próprio" como refere o Acórdão sob recurso.
X. Pelo que, não se verifica in casu qualquer apropriação na acepção da "teoria do acto manifesto de apropriação" defendida por Eduardo Correia e acolhida de modo dominante na jurisprudência: a recorrente não levou a cabo actos manifesta e objectivamente idóneos a inverter o título de posse.
XI. Nem, muito menos, se verifica qualquer ilicitude no seu comportamento atento o conhecimento e o consentimento da sociedade G…, Limitada, quanto à posse do dinheiro por parte da recorrente e à ausência de qualquer interpelação para entrega - tudo o que afasta o preenchimento do tipo legal de crime pelo qual foi condenada.
XII. O facto constante do ponto 40 FP está em manifesta contradição com o facto constante dos pontos 149, 153, 155, 157 e 158 FP.
XIII. O Acórdão recorrido deveria ter dado como provados os factos constantes das alíneas jj) (até ao vocábulo "Lda."), II), nn), oo), pp) e qq) da factualidade não provada.
XIV. Quanto ao depósito do precatório-cheque referente à indemnização devida pela expropriação (processo principal), o Tribunal a quo apreciou e interpretou erradamente os factos constantes dos autos.
XV.O acórdão recorrido julgou incorrectamente os factos que deu como provados nos pontos 35 (na parte em que refere "e fez seu o montante nele titulado de 36.299,78€”), 37, 38, 39, 47 e 87 da factualidade provada,
XVI. Desconsiderou, ou valorou erroneamente provas que impunham decisão diversa daquela que foi proferida, designadamente:
(i) os documentos juntos a fls. 672 e ss dos autos, que é também o no 2 e ss. da petição inicial da acção de honorários identificada no ponto 128 FP,
(ii) o doc. n.º 34 junto à petição inicial;
(iii) a declaração emitida por entidade bancária em 29.4.2015 e junta aos autos em audiência de julgamento.
XVII. O acórdão recorrido, conferiu indevida relevância probatória às comunicações electrónicas, constantes de fls. 798 e 799 dos autos.
XVII. O Acórdão recorrido deveria a ter dado como provados os factos constantes das alíneas z), aa), bb), cc), dd), ee), e hh) da factualidade não provada.
XIX. Efectivamente, os elementos constantes dos autos impõem que se considere:
(i) que a recorrente levantou a quantia em causa com autorização e conhecimento dos demandantes e
(ii) que procedeu ao seu depósito em conta por si titulada com autorização e conhecimento dos demandantes,
(iii) mais tendo sido acordado que a recorrente ficaria na posse de tal quantia até que os demandantes acordassem numa forma de repartição do dinheiro entre si.
XX. Resulta da prova carreada para os autos a inexistência de acordo entre os demandantes no que se refere a vários assuntos familiares, no que se inclui a divisão do valor da indemnização da expropriação, e de cuja concretização dependia a entrega desse valor por parte da recorrente aos demandantes.
XXI. Não tendo a recorrente recebido qualquer indicação para efectuar a divisão e entrega de tal valor, o mesmo permaneceu depositado em conta por si titulada, mantendo-se, ainda hoje, na sua posse.
XXII. O Tribunal errou ao dar como provado nos pontos 47 e 87 FP, - que a avença incluía os honorários relativos à sociedade G…, Lda. e aos membros da família K…,- quando é certo que os elementos valorados pelo Acórdão de que se recorre não permitem: de modo alguma dar como provado tais factos e os elementos constantes dos autos, impõem conclusão oposta constantes desses mesmos pontos 47 e 87 FP.
XIII. Ou seja, que, ao contrário do decidido, o contrato de avenca dizia respeito apenas a questões atinentes à sociedade G…, Lda., e foi sempre, pago por esta sociedade e nunca pela mencionada L…, Lda..
XIV. Entender a questão dos honorários da recorrente nos termos constantes da decisão (pontos 47 e 87 FP), não faz qualquer sentido, quer do ponto de vista dos usos e costumes do meio forense, quer se atendermos a critérios de razoabilidade e bom senso.
XXV. Não se concebe como razoável e consonante com a prática e os usos forenses que pelo valor contratado na avença - valor que tendo começado em 250 € mensais, nunca ultrapassou os 505€ mensais, incluindo IVA, despesas de deslocação e de expediente — cf. pontos 132 e 134 FP, a recorrente aceitasse ser paga por todo o "trabalho jurídico relativo ao laboratório e os negócios/assuntos com relevância jurídica da família K…”
XXVI. Depois a tese sufragada no acórdão recorrido para a valoração positiva dada aos pontos 47 e 87 da factualidade dada como provada, para além de totalmente infundamentada (e baseada apenas nos depoimentos comprometidos dos demandantes, com evidente interesse no desfecho dos autos — excepção feita à F…, que reconheceu desde logo serem devidos honorários à recorrente no processo de expropriação), surge, incontornavelmente descabida e desacreditada, se atentarmos também nos documentos juntos pelos demandantes, já em audiência de julgamento em 7 de Abril de 2015, constantes de fls. 1696 e ss..
XXVII. A conclusão do Acórdão quanto aos pontos 47 e 87 é ainda contrariada pelas próprias palavras dos demandantes, apostas na carta de resposta enviada pela assistente à recorrente (doc. de fls. 672 e ss) no seguimento da nota de honorários que esta apresentou, que o pagamento dos honorários devidos pelos processos aí referidos, está fora do âmbito do contrato de avença celebrado entre a recorrente e a sociedade G…, Lda..
XXVIII. Se os demandantes nada devessem à recorrente não teriam reconhecido, como reconheceram no art. 2730 da contestação apresentada na acção de honorários, que lhe solicitaram a apresentação da sua nota de honorários.
XXIX. A retenção da quantia por parte da recorrente nos termos supra expostos nunca poderia importar o cometimento de algum ilícito penal, pois não se verifica in casu qualquer apropriação na acepção da "teoria do acto manifesto de apropriação" defendida por Eduardo Correia e acolhida de modo dominante na jurisprudência: a recorrente não levou a cabo actos manifesta e objectivamente idóneos a inverter o título de posse.
XXX. Dada a relação, nuns casos de causalidade, noutros de prejudicialidade, entre os factos provados, considera ainda a recorrente que, caso o Tribunal venha a considerar, como se espera, que os factos constantes dos pontos nos pontos 21 (na parte em que refere "e gue tinha de entregar o remanescente à sociedade G…, Lda., o que não fez, usando-o antes em proveito próprio", 225 23 e 24 da factualidade provada, 35 (na parte em que refere "e fez seu o montante nele titulado de 36.299,78€), 37, 38, 39, 47 e 87 foram erradamente considerados dado como provados, tal implicará necessariamente que se considere igualmente como não provada a matéria de facto constante dos pontos 40, 41, 42, 53, 54, 56, 58, 59, 60, 62, 63, 64, 65, 67, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 84, 85, 90, 91, 92, 93, 94, 95., 96, 97, 98, 101, 102,103, 104, 105, 107, 109, 110, 113, 114, 115 117 e 118 FP da FP, tendo em conta toda a argumentação supra alegada, alegação que, por economia, se dá aqui por integralmente reproduzida.
XXXI. Relativamente ao enquadramento jurídico constante da decisão, pode dizer-se que, relativamente ao crime de abuso de confiança imputado à recorrente, falta o requisito de entrega e, faltando este elemento típico, não lhe pode ser imputada a prática de qualquer crime de abuso de confiança.
XXXII. Mas, se tal não fosse suficiente, faltariam ainda outros elementos típicos, desde logo a apropriação ilegítima de coisa móvel alheia.
XXXIII. A recorrente entende assistir-lhe um direito legal de retenção e um direito de compensação — art. 755º nº 1, alínea c) do Código Civil e art. 96º n.º 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados - estando, também essa questão a ser discutida na acção ordinária (acção de honorários) que, sob o processo n.º 2374/121T2AVR, corre termos na Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.
XXXIV. Quanto à matéria de direito e fundamentação jurídica, o tribunal recorrido decidiu erradamente a questão prévia invocada pela recorrente, quanto à extemporaneidade do pedido de indemnização civil: formulado no processo principal pela assistente, uma vez que fez uma incorrecta interpretação das normas jurídicas que aplicou, nomeadamente do artigo 77.º n.º 1 do Código de Processo Penal.
XXXV. O tribunal recorrido deveria ter interpretado a antedita norma noutro sentido, pois, das disposições conjugadas dos artigos 77.º nº 1, 283º n.º 1, 284º n.º 1 e 285º nº 1, todos do C.P.P., o prazo para o assistente deduzir pedido de indemnização civil é de 10 dias (e não de 20) — independentemente da natureza do ilícito criminal em causa, e bem assim, do facto do assistente deduzir, ou não, acusação. - o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente é, assim, manifestamente extemporâneo e, como tal, teria - terá de ser rejeitado.
XXXVI. Quanto à determinação da natureza e medida da pena, o tribunal recorrido violou o artigo 77.º n.º 1, do Código Penal e o n.º 2 do art.0 374.º do Código de Processo Penal, padecendo, consequentemente, da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP.
XXXVII. É incontornável a ausência de fundamentação do acórdão, quanto à determinação da natureza e medida da pena única, aqui cabendo também uma fundamentação deficiente, que integra, também neste caso, a nulidade de sentença prevista no artigo 379.º n.º 2 b) do CPP, conforme pugnado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
XXXVIII. A aplicação e a interacção das regras do art. 77º nº 1 do CP (avaliação em conjunto dos factos e da personalidade), convocam critérios de proporcionalidade material na fixação da pena única dentro da moldura do cúmulo, que não foram atendidos no acórdão recorrido ao fixar uma pena única de quatro anos e seis meses de prisão, pelo que, também neste ponto se verifica a violação do disposto no artigo 77.º n.º 1 do CP, devendo, também por esta razão, ser revogado.
XXXIX. O acórdão recorrido viola o disposto no artigo 51.º n.º 1 e 2 do Código Penal, ao suspender a pena de prisão aplicada, por período de tempo igual ao da sua duração, mediante regime de prova e sob condição de, "em prazo não superior a 30 dias", a recorrente "comprovar nos autos a entrega das quantias de 23.366,91€ (à sociedade "G…, SA) e de 36.299,78€ (a B…, o C…, a E… e a F…), acrescidas dos respetivos juros de mora", e, no prazo de "6 meses comprovar o pagamento das indemnizações por danos morais.
XL. Os montantes e os prazos fixados na decisão não são, em qualquer dos casos, adequados ou sequer razoáveis e, em momento algum o tribunal teve a preocupação de apurar quais as condições económicas e financeiras da recorrente, ou, sequer, a sua capacidade para proceder ao pagamento das quantias que fixou (manifestamente exageradas, no que concerne desde logo aos danos não patrimoniais).
XLI. Assim, por desajustada, irrazoável e desacompanhada de um qualquer juízo de praticabilidade dentro de limites aceitáveis do sacrifício (que não seja apenas e tão só um documento que o tribunal se recusou, antes, a valorar positivamente), a imposição do dever de ressarcir os lesados, no prazo e montantes fixados viola o disposto no artigo 51.º n.º 1, a) e n.º 2 do Código Penal, devendo, também nesta parte, ser revogado o acórdão recorrido.
XLII. Quanto ao pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes, tendo presente, por um lado, os valores (realmente) em causa, e por outro o pressuposto de que no âmbito dos danos não patrimoniais não há uma indemnização verdadeira própria, mas antes uma reparação" e, impondo, ainda, a lei que o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais ou morais deve ser calculado, haja dolo ou mera culpa, segundo critérios de equidade, "atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado ou titular do direito de indemnização, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações da moeda, etc, surge como incontornável o exagero e a desproporção dos montantes das indemnizações fixadas, violando o tribunal recorrido, desta forma, o disposto no artigo 496.º n.º 3 e 494.º do Código Civil, devendo, também nesta parte ser revogada a decisão recorrida.
XLIII. E, por tudo o mais quanto se alegou, deverá, também e por consequência, cair a decisão, na parte que, relativamente ao dano patrimonial, julga procedente a pretensão dos demandantes de "serem ressarcidos da quantia de 36.299,78€, acrescida de juros de mora, calculados, à taxa legal, desde 28.06.2006, até integral pagamento. "
XLIV. Inexiste nos autos qualquer facto ou documento que esclareça em que a sociedade G…, S.A., sucedeu — e se é que isso aconteceu — nos direitos e nas obrigações da "G…, Limitada", pelo que, sempre haveria que averiguar de que forma a G…, S.A. legitima a sua intervenção no processo, em 06.09.2012.
XLV. Nos persentes autos não tem aplicação a Lei n.º 5/2008, e, por outro lado, não foi fundamentada na sentença recorrida a recolha de ADN, limitando-se a decisão a determinar a recolha sem ir para além disso, pelo que, também quanto a este ponto se impõe a revogação da decisão recorrida.
Termos em que e melhores de direito, requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido. Assim se fazendo JUSTIÇA.
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta, de forma muito precisa, os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 3166-3196]. A assistente, por seu lado, considera que o recurso é manifestamente infundado [fls. 3205-3223].
4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 3237].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 2932-2988]:
«(…) A) – FACTUALIDADE PROVADA
Da discussão da causa, resultam provados os seguintes factos com relevo para a decisão (consigna-se, desde já, que alguns deles se mostram repetidos em virtude de terem sido alegados em diversas peças processuais, nem sempre de forma absolutamente coincidente, pelo que a sua eliminação poderia comprometer a compreensão da lógica da alegação):
Das acusações (para as quais remete o despacho de pronúncia)
1. A arguida, H…, é advogada, sendo titular da cédula profissional n.º ….. da Ordem dos Advogados.
2. Em 20 de Novembro de 2000 foi instaurada a ação de processo comum a que coube o n.º 456/2000 - a que mais tarde foi atribuído o n.º 71/09.4T4AGD -, do Juízo de Trabalho de Águeda, em que era autor I… e ré a sociedade comercial por quotas com a firma “G…, Lda.”, constituída em 1987, da qual eram sócios B…, C…, D…, E… e F…, transformada, em 28 de agosto de 2008, em sociedade anónima com a firma "G…, S.A.".
3. Em 08 de janeiro de 2001, a referida sociedade outorgou procuração forense a favor da arguida, a fim de esta a representar judicialmente no referido processo, conferindo-lhe “os mais amplos poderes forenses por lei permitidos, incluindo os de assinar cheques judiciais, precatórios chegues, receber as respetivas importâncias e delas dar quitação”.
4. Em 23 de Janeiro de 2001, a arguida apresentou a contestação e requereu a junção aos autos da aludida procuração.
5. Em 15 de Outubro de 2002, a aí ré sociedade “G…, Lda.” efetuou um depósito à ordem desse processo, no valor de 36.561,62 €, a título de prestação de caução, cuja guia de depósito foi junta aos autos em 18 de Outubro, a fim de ser fixado efeito suspensivo a recurso que havia sido por si interposto.
6. Decidido o recurso, que foi julgado procedente, revogando o Tribunal da Relação de Coimbra a sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho em 1ª Instância, absolvendo a ré da totalidade dos pedidos formulados pelo ali autor, em 13 de Novembro de 2003 a arguida requereu o levantamento daquela caução.
7. Por despacho judicial de 20 de Novembro de 2003, foi indeferido tal requerimento em virtude de a decisão proferida nesses autos ainda não ter transitado em julgado uma vez que havia sido interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo aí autor.
8. Em 29 de Junho de 2005, a arguida requereu novamente o levantamento daquela caução.
9. Em 27 de Setembro de 2005, foi proferido despacho judicial a autorizar o requerido levantamento.
10. Em 24 de Outubro de 2005, a arguida requereu a “passagem do precatório-cheque, no montante da quantia que se encontra depositada, acrescida dos respetivos juros, a ser expedido para o escritório da mandatária, ora signatária, que tem procuração com poderes para o ato”.
11. No dia 4 de Novembro de 2005, foi emitido precatório-cheque no valor de 36.561,62 €, acrescido de 511,05 € de juros, no montante total de 37.072,67 €, a favor da ali ré, e foi o mesmo remetido à arguida, na qualidade de mandatária judicial, para o seu domicílio profissional, em Ílhavo.
12. A arguida recebeu o aludido cheque e, em 11 de Novembro de 2005, apresentou-o na M…, que emitiu à sua ordem o cheque bancário n.º ………., no montante de 36.880,00 €, sendo que ao valor de 37.072,67 € foi deduzido o imposto de selo, no montante de 185.36 €, e que os restantes 7,31 € foram-lhe entregues em numerário, com os quais pagou as despesas do cheque bancário.
13. Na posse do referido cheque, a arguida depositou-o no mesmo dia na conta bancária n.º .-………......, de que era titular no Banco N…, a qual tinha um saldo de 1.669,34 €, passando a registar um saldo de 38.549,34 €.
14. No dia 18 de Novembro de 2005, a arguida subscreveu, em proveito próprio, produtos de Fundos (N… - Liquidez) no valor de 29.995,98 €, sendo tal valor debitado na referida conta, que também era utilizada por aquela para pagar despesas pessoais.
15. Em 2 de Dezembro de 2004 tinha sido instaurada a ação de processo comum n.º 686/04.7TAAGD, do Juízo de Trabalho de Águeda, em que era autora J… e ré a sociedade “G…, Lda.”.
16. A aludida sociedade outorgou procuração forense a favor da arguida, conferindo-lhe “os mais amplos poderes forenses, incluindo os poderes de receber custas de parte e precatórios cheques”, a fim de esta a representar judicialmente no referido processo.
17. Assim mandatada, em 25 de Janeiro de 2005 a arguida apresentou a contestação e requereu a junção aos autos da respetiva procuração.
18. Em 12 de Janeiro de 2006, a arguida requereu a junção de documento comprovativo da prestação de caução por depósito, no valor de 13.513,09 €, a fim de ser fixado efeito suspensivo a recurso interposto.
19. Essa quantia de 13. 513,09 € proveio da referida conta bancária titulada pela arguida.
20. A arguida sabia que tinha recebido o precatório-cheque no valor de 36.561,62 €, acrescido de 511,05 € de juros, no montante total de 37.072,67 €, por causa da sua qualidade de mandatária da sociedade “G…, Lda.” no aludido processo e que o montante por ele titulado não lhe pertencia.
21. Sabia que tinha de ser prestada aquela caução no processo n.º 686/04.7TAAGD, o que fez, e que tinha de entregar o remanescente à sociedade “G…, Lda.”, o que não fez, usando-o antes em proveito próprio.
22. A arguida fez, assim, seu o valor de 23.366,91 € (correspondente à diferença entre a quantia de 36.880,00 €, que recebeu do primeiro processo, e a quantia de 13.513,09 €, que depositou à ordem do segundo), não obstante saber que não lhe pertencia e que o devia entregar à aludida sociedade.
23. Ao atuar da forma descrita, no exercício das suas funções de mandatária judicial, fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de fazer seu o aludido montante de 23.366,91 €, não obstante saber que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização da sociedade "G…, Lda.", a quem o devia entregar.
24. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
25. Por seu turno, em 20 de Agosto de 2004 havia sido instaurado nos Juízos de Águeda o processo de expropriação n.º 1813/04.0TBAGD, no qual eram expropriante o “Instituto de Estradas de Portugal, IEP” e expropriados B…, C…, D…, E… e F…, respeitante à expropriação da parcela nº .., a estes pertencente, a ocupar para efeito da construção da EN … – … / ….
26. Em 14 de Julho de 2004, a entidade expropriante tinha efetuado um depósito, no valor de 36.276,18 €, na M…, à ordem do Mmº Juiz de Direito titular do processo, respeitante à indemnização por aquela expropriação.
27. Em 24 de Agosto de 2004 foi proferido despacho judicial de adjudicação à entidade expropriante da propriedade correspondente àquela parcela.
28. Uma vez que não houve recurso da decisão arbitral, em 11 de Novembro de 2004, foi proferido despacho judicial que atribuiu aos expropriados a indemnização fixada, e já depositada, no referido valor de 36.276,18 €.
29. Em 24 de Novembro de 2005, B…, C…, D… e E… outorgaram procurações forenses a favor da arguida, a fim de esta os representar no referido processo, conferindo-lhe “os mais amplos poderes forenses, incluindo os de receber custas de parte e precatórios cheques”.
30. Assim mandatada, em 7 de Fevereiro de 2006 a arguida requereu o pagamento da indemnização fixada e a junção aos autos das quatro procurações.
31. Em 6 de Junho de 2006, foi proferido despacho judicial a ordenar o pagamento da indemnização.
32. Em 16 de Junho de 2006, a arguida requereu a “passagem do precatório-cheque, no montante da quantia que se encontra depositada, acrescida dos respetivos juros, a ser expedido para o escritório da mandatária, ora signatária, que tem procuração com poderes para o ato”.
33. Em 22 de Junho de 2006, foi emitido o precatório-cheque no valor de 36.276,18 €, acrescido da quantia de 206,01 € relativa a juros, no montante total de 36.482,19 €, a favor dos expropriados e foi o mesmo remetido à arguida, na qualidade de mandatária, para o seu domicílio profissional, em Aveiro.
34. A arguida recebeu-o e, em 28 de Junho de 2006, apresentou-o na M…, que emitiu à sua ordem o cheque bancário n.º ………., no montante de 36.299,78 €, correspondente à dedução do imposto de selo, no valor de 182,41 €, ao valor de 36.482,19 €.
35. Na posse do cheque, a arguida depositou-o no mesmo dia na conta bancária n.º .-………......, de que era titular no Banco N…, e fez seu o montante nele titulado de 36.299,78 €.
36. A arguida sabia que tinha recebido o precatório-cheque por causa da sua qualidade de mandatária dos mencionados B…, C…, D… e E… no aludido processo.
37. Sabia ainda que o montante titulado pelo cheque não lhe pertencia e que tinha de o entregar aos expropriados, o que não fez, vindo antes a usá-lo em proveito próprio.
38. Ao atuar da forma descrita, no exercício das suas funções de mandatária judicial, fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de fazer seu o aludido montante de 36.299,78 €, apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização dos expropriados, a quem o devia entregar.
39. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Do pedido de indemnização civil formulado no processo apenso
40. Em virtude de ter ficado privada da quantia de € 23.366.91, a demandante sociedade "G…, S.A." sofreu uma penhora nos créditos da ARS-Aveiro, uma vez que julgara ter dinheiro suficiente depositado à ordem do processo n.º 71/09.4T4AGD para satisfazer o crédito que deu origem à penhora, e não conseguiu cumprir o plano de pagamento da prestação mensal que tinha para com a O….
41. A demandante B… sente-se enganada, tendo sido “apanhada de surpresa” com o descrito comportamento da demandada pois tinha-a como uma profissional honesta e competente.
42. Após descobrir o comportamento da demandada atinente ao levantamento da caução, sente-se culpada por não se ter apercebido mais cedo da descrita atuação daquela, ao mesmo tempo que se sente impotente perante os irmãos e acionistas da “C…, S.A.”, uma vez que era ela, na maioria das vezes, a recetora de todas as informações prestadas por aquela, representando um elo de ligação com os restantes sócios.
43. A B… sempre trabalhou muito para que a sociedade “G…, S.A. fosse bem-sucedida, sempre se esforçando para que a família se mantivesse unida e sem problemas.
44. Tentando cuidar do andamento dos vários processos relativos à família e sociedade, foi quem mais insistiu junto da demandada para obter informações, confiando nas respostas que a demandada lhe ia dando.
45.Perante o sucedido sente-se incapaz e incompetente perante os irmãos e abalada.
46. O demandante C… foi gerente da sociedade “G…, Lda.” entre os anos de 2000 e 2006, tendo sido ele quem negociou a avença mensal a pagar à demandada pela realização do seu trabalho.
47. Tal avença incluía os honorários por assuntos relativos, quer à sociedade “G…, Lda.”, quer aos membros da família K….
48. Sempre o referido demandante gostou do trabalho da demandada, no qual sempre confiava, tendo-a como uma profissional competente, tanto mais que ela era amiga de longa data de uma das suas irmãs, a E….
49. Em 2006, o C… ficou desempregado, tendo passado por uma fase difícil da sua vida, sobretudo a nível económico.
50. O demandante, que estava desempregado, com algumas dívidas para pagar, tentou suicidar-se e tem sido acompanhado por um psiquiatra, ficando com problemas de ansiedade e insegurança como até aí não tinha tido.
51. A demandante E… era amiga de liceu da demandada, tendo com esta muito mais que uma relação profissional, confiando plenamente na sua conduta, tendo-a como uma amiga e uma boa profissional.
52. Foi por indicação desta demandante que a sociedade “G…, Lda.” e a família K… contrataram os serviços da demandada.
53. Quando a demandante E… foi informada por outros demandantes do sucedido com a caução voltou a ficar surpresa, uma vez que já tinha sido confrontada com a apropriação do cheque da indemnização pela expropriação.
54. Voltou a sentir-se enganada e, novamente, culpada uma vez que foi por sua indicação que os seus irmãos que à data representavam a sociedade "G…, Lda." contrataram a demandada.
55. Voltou a sentir que tinha arrastado os irmãos para aquela situação, e a sentir-se atrapalhada, culpada por não se ter apercebido antes do carácter da demandada.
56. Por outro lado, voltou a sentir-se traída pela demandada por quem tinha boa estima e uma grande relação de amizade, tendo confiado no seu trabalho, até pela relação de amizade que sempre as uniu.
57. A demandante E… sente-se ainda mais culpada por a situação também ter incomodado os seus irmãos da forma descrita, sobretudo o irmão C….
58. A demandante F… queria que não existissem mais problemas no seio da família e da sociedade.
59. Sentiu-se enganada e revoltada por não aceitar que a demandada os tivesse enganado a todos durante tanto tempo.
60. Sente-se também revoltada com o facto de agora vir a demandada dizer que ficou com tal dinheiro a título de honorários quando na realidade existia uma avença que era paga mensalmente e nenhuma quantia estava em dívida, nem nunca tendo antes a demandada mencionado que existiam valores por pagar.
61. A demandante D… foi sócia da sociedade "G…, Lda." desde 1987 até 2008, ocasião em que se tornou acionista por força da transformação daquela em sociedade anónima, com a firma “G…, S.A.”, tendo desempenhado o cargo de gerente e de administradora da sociedade.
62. A referida demandante gosta de ver a família unida e feliz e pensa que os factos praticados pela demandada vieram afetar todos os demandantes e mesmo a atividade da sociedade.
63. Sentiu-se chocada e incrédula com a apropriação do precatório cheque da expropriação e do valor de € 23.366,91, correspondente ao remanescente da caução, estando indignada com tais factos.
64. Todos os irmãos ficaram novamente afetados a nível psicológico e emocional com o comportamento da demandada uma vez que se tratava de uma relação profissional que se estendia há alguns anos.
65. Nunca esta demandante tinha esperado que a demandada fosse capaz da descrita conduta no que respeita à caução.
66. A referida demandante sente-se injustiçada, abatida e cansada com todo este episódio.
67. Sente-se sobretudo preocupada com o seu irmão C…, que muito sofreu e sofre à conta de toda esta situação.
Do pedido de indemnização civil formulado no processo principal
68. Existia entre a demandada e, pelo menos, os demandantes B…, C…, E… e D… uma relação de grande confiança profissional.
69. Foi proposto pela demandada (advogada da sociedade e da família à data), que o dinheiro da indemnização fosse por ela levantado, fazendo-se posteriormente a divisão, acordando todos os demandantes com essa sugestão, tendo para o efeito sido outorgadas procurações por aqueles, com exceção da F…, a fim de os representar, intervindo no processo de expropriação apenas a partir de 24 de Novembro de 2005.
70. Nunca a demandada informou os demandantes da emissão do precatório cheque referente à indemnização pela expropriação, nem nunca lhes deu informações claras sobre o respetivo processo.
71. Sempre que os demandantes instavam a demandada sobre o processo e sobre o pagamento da indemnização por expropriação, aquela respondia que não tinha ainda recebido o dinheiro da indemnização, que o Estado se atrasava nestes pagamentos, chegando mesmo a dizer à demandante B… que “O Estado se atrasava embora o tribunal já tivesse dado ordem ao Instituto de Gestão Financeira para ser feito o pagamento”, acrescentando que “ia fazer um requerimento ao processo para ver como estava a situação” ou expressões de sentido idêntico.
72. Após insistência de alguns dos demandantes, sobretudo de B…, que mantinha um contacto mais próximo com a demandada, esta disse àquela que ‘já tinha recebido uma resposta do juiz em relação ao pagamento da indemnização e que o Instituto de Gestão Financeira estava a demorar entre 6 e 8 meses a pagar” ou outra expressão de teor idêntico.
73. Após insistência de alguns dos demandantes junto da demandada para saber informações acerca da indemnização e nunca havendo uma resposta clara por parte daquela, em finais de Outubro/inícios de Novembro de 2009, a demandante B… pediu-lhe o número do processo de expropriação.
74. Na posse de tal informação, o demandante C… ligou para o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-estruturas da Justiça, tendo-lhe sido informado que não estava pendente qualquer pagamento relativamente àquele processo.
75. Confrontada por alguns dos demandantes com tal informação, a demandada justificou-se dizendo que tal se deveria ao facto de o número do processo ter mudado e que iria tentar saber o número novo.
76. Já desconfiados desta atuação da demandada, decidiram os demandantes telefonar para o tribunal de Águeda, tendo-lhes sido dito que o processo estava arquivado.
77. Nesse mesmo dia, 5 de Novembro de 2009, a demandante B… e a contabilista da sociedade "G…, S.A." foram a Águeda consultar o processo.
78. Ao efetuar tal consulta, tomaram então conhecimento que em 22 de Junho de 2006 tinha sido emitido um precatório cheque no valor de €36.482,19 a favor dos demandantes, do que a demandada nunca os tinha informado.
79. Como consequência direta e necessária do descrito comportamento da demandada, B… sentiu-se e ainda se sente enganada, tanto mais que foi “apanhada de surpresa” com tal comportamento pois tinha-a como uma profissional honesta e competente.
80. Após descobrir o comportamento da demandada, sente-se a demandante culpada pelo que aconteceu, sentindo-se ainda incompetente perante os irmãos uma vez que era, na maioria das vezes, a recetora de todas as informações prestadas pela demandada, representando um elo de ligação entre a ela e os restantes irmãos.
81.Foram os demandantes B… e C… quem mais insistiu junto da demandada para obter informações sobre o processo de expropriação.
82. A referida demandante/assistente sempre se esforçou para que a família se mantivesse unida e sem problemas, tentando cuidar do andamento dos vários processos relativos à família e à sociedade de que ela e os irmãos eram sócios e, posteriormente, acionistas, confiando nas respostas que a mesma lhe ia dando quando solicitava informações, mesmo nas situações em que os irmãos - restantes demandantes - lhe diziam que estranhavam a demora na entrega da indemnização no âmbito do processo de expropriação.
83. A demandante não tinha competência técnica para por em causa as informações que lhe eram prestadas por uma advogada.
84. Mediante o sucedido sente-se incapaz e incompetente perante os irmãos e, também, perturbada.
85. Teme ainda que a família não recupere o dinheiro da indemnização do processo de expropriação, o que lhe tem causado grande preocupação e angústia, que não consegue ultrapassar.
86. O demandante C… foi gerente da sociedade G…, Lda. entre os anos de 2000 e 2006, tendo sido ele quem negociou a avença mensal a pagar à demandada pela realização do seu trabalho.
87. Tal avença incluía o trabalho relativo a processos da sociedade G…, Lda., e a processos referentes à família K….
88. Sempre este demandante gostou do trabalho da demandada, tendo-a como uma profissional competente, sempre confiando no trabalho dela tanto mais que era amiga de longa data de uma das suas irmãs, a E….
89. Em virtude de em 2006 ter ficado desempregado, tendo passado por uma fase difícil da sua vida, sobretudo a nível económico, tinha necessidade do dinheiro que adviria para si (e para os seus irmãos) do processo de expropriação a título de indemnização.
90. Foi este demandante, juntamente com a demandante E…, quem insistiu mais para saber informações acerca de tal processo, sempre acreditando no que a demandada ia dizendo e nas informações que a mesma prestava, e que a irmã E… ia dando aos restantes demandantes.
91. Quando, achando estranha tanta demora no pagamento da indemnização, e pela grande necessidade que tinha do dinheiro, ligou para o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-estruturas da Justiça e lhe disseram que não havia pagamentos pendentes relativamente a tal processo, tendo posteriormente a irmã B… consultado o processo em Águeda e descoberto o comportamento da demandada, C… ficou transtornado e perturbado com a situação, tanto mais que estava a passar por uma fase difícil da sua vida a nível económico uma vez que estava desempregado e com dividas para pagar, vendo toda a sua vida desorganizada.
92. Tal situação levou-o a um estado emocional e psíquico perturbado uma vez que desde sempre esteva habituado a trabalhar, a ter dinheiro para os seus gastos, nunca tendo estado em posição semelhante à que se encontrava.
93. Acreditava poder contar com a parte do dinheiro da indemnização que lhe cabia para equilibrar e reorganizar a sua vida.
94. Quando descobriu que a demandada se apropriou do dinheiro da indemnização, o demandante ficou desesperado e sem saber o que fazer para organizar a sua vida, sentindo-se enganado, perpassado por um sentimento de revolta e de indignação.
95. Com os factos praticados pela demandada - ao apropriar-se do cheque emitido no âmbito do processo de expropriação -, a situação de fragilidade do demandante agravou-se uma vez que temeu não conseguir reaver o dinheiro da indemnização que lhe caberia que era essencial para prover ao seu sustento e para fazer face aos encargos e dividas que tinha, chegando mesmo a pensar que não iria conseguir sair da situação económica conturbada em que se encontrava, sentindo-se incapaz de resolver a sua situação.
96. Tendo o demandante julgado, aquando da descoberta da apropriação do cheque pela demandada, que a última forma de resolver os seus problemas tinha desaparecido e que não havia mais nenhuma solução à vista, sentiu vergonha pela situação em que se encontrava, designadamente perante a família, os amigos e pessoas mais próximas.
97. Como consequência direta e necessária de toda a sua descrita situação, o demandante C… chegou a tentar o suicídio, vendo-se, consequentemente, forçado a procurar ajuda médica, tendo vindo, desde então, a ser acompanhado por um psiquiatra.
98. Ficou, ainda, com problemas de ansiedade e insegurança, medos e anseios, vontade de não viver, nem acordar de manhã.
99. A demandante E… era amiga de liceu da demandada, tinha com ela muito mais que uma relação profissional, confiando plenamente na sua conduta, tendo-a como uma amiga e uma boa profissional.
100. Foi por indicação desta demandante que a sociedade “G…, Lda.” e a família K… contrataram os serviços da demandada.
101. Quando a demandante E… foi informada por outros demandantes do sucedido ficou admirada, estupefacta, que a demandada pudesse ter enganado toda a sua família acerca do pagamento da indemnização pela expropriação.
102. Sentiu-se enganada, mas também culpada, uma vez que foi por sua indicação que os irmãos contrataram a demandada como advogada.
103. Sentiu que tinha arrastado os irmãos para aquela situação, e sentiu-se atrapalhada, acusando-se a si própria por não se ter apercebido antes do carácter da demandada.
104. Teme que ela e a família nunca recuperem o valor da indemnização de que são destinatários.
105. Sentiu-se traída pela demandada por quem tinha boa estima e uma grande relação de amizade, tendo confiado cegamente no seu trabalho, até pela relação de amizade que sempre as uniu.
106. A demandante não tinha competência técnica para por em causa as informações que lhe eram prestadas por uma advogada.
107. Sente-se ainda mais culpada por saber que a situação afetou os seus irmãos da forma descrita, sobretudo o seu irmão C…, sentindo-se revoltada e envergonhada com todo o sucedido.
108. A demandante F… queria que não existissem mais problemas no seio da família e da sociedade.
109. Quando descobriu que a demandada tinha recebido o cheque da indemnização e se tinha apropriado do mesmo, sem nada dizer e contra a vontade e com o desconhecimento de todos, sentiu-se enganada e revoltada, não conseguindo aceitar que aquela os tivesse enganado a todos durante tanto tempo.
110. Sente-se também revoltada com o facto de agora vir a demandada dizer que ficou com tal dinheiro a título de honorários, quando na realidade existia uma avença que era paga mensalmente e nenhum dinheiro estava em dívida, nem nunca tendo antes a demandada mencionado que existiam valores por pagar.
111. A demandante D… foi sócia da sociedade "G…, Lda." desde 1987 até 2008, ocasião em que se tornou acionista por força da transformação daquela em sociedade anónima, com a firma “G…, S.A.”, tendo desempenhado o cargo de gerente e de administradora da sociedade.
112. A demandante gosta de ver a família unida e feliz, acreditando que os factos praticados pela demandada vieram afetar todos os demandantes.
113. Confiava que a demandada era uma profissional competente e honesta, sempre acreditando nas suas palavras quando aquela informava “que o Instituto de Gestão Financeira demorará mais algum tempo a pagar”, embora estranhasse tanta demora.
114. Quando ficou a saber, no final de 2009, que o precatório cheque emitido no âmbito do processo de expropriação tinha sido emitido em Junho de 2006 e que a demandada se tinha apropriado desse valor, nunca tendo dito nada sobre isso, sentiu-se incrédula, estando indignada com tais factos.
115. A demandante está perturbada com o comportamento da demandada, triste e magoada, uma vez que já havia uma relação profissional entre esta e a sociedade de que foi gerente desde, pelo menos, o ano de 2000.
116. Nunca esta demandante tinha esperado que a demandada fosse capaz desta conduta.
117. A demandante sente-se abatida e cansada com todo este episódio pois se, por um lado, nem ela nem a família receberam a indemnização a que tinham direito, por outro, este processo já se arrasta desde 2006 o que aumenta a sua angústia.
118. A demandante sente-se injustiçada e, sobretudo, preocupada com o seu irmão C…, que muito sofreu e sofre em virtude de toda esta situação.
Da contestação à acusação
119. A arguida praticou, no exercício das suas funções e no interesse dos lesados, alguns dos atos descriminados na nota de honorários de fls. 465 e ss..
120. Todos os seus constituintes concordaram que o dinheiro da expropriação fosse levantado, na totalidade, por si, cabendo-lhe fazer, posteriormente, a sua divisão, nos termos e por quem aqueles lhe viessem a indicar.
121. Os pais dos expropriados eram, à data, titulares do direito de usufruto sobre a parcela expropriada.
122. Até à presente data, B…, C…, D… e E… nada pagaram, em nome próprio, à arguida, a título de honorários, pelos serviços por esta prestados no âmbito do referido processo de expropriação, tendo-a reembolsado do valor de 53,40 € por ela despendido com a obtenção das certidões fiscais juntas aos autos.
123. Para que a arguida pudesse, em seu nome e em sua representação, solicitar ao competente serviço de Repartição de Finanças as ditas certidões fiscais, os referidos B…, C…, D… e E… outorgaram-lhe as procurações constantes de fls. 168, 171, 176 e 179 dos autos.
124. A arguida já lhes vinha prestando serviços, enquanto advogada, desde data não concretamente apurada, no âmbito de um processo de avaliação e de divisão da P…, imóvel de que eram comproprietários, avaliado em largas centenas de milhar de euros, praticando, nesse âmbito, alguns dos atos descriminados na nota de honorários junta por cópia a fls. 465 e ss..
125. Entretanto, foi a arguida incumbida pelos irmãos K… de os representar também em outros assuntos, como sejam o da compra e venda de um prédio sito em Águeda e o da venda das participações sociais de que eram titulares no “G1…“ à Q….
126. Este último negócio, caso fosse concretizado, envolveria aproximadamente um milhão de euros.
127. Para além disso, a arguida vinha prestando a alguns dos membros da família K… outros serviços jurídicos, nomeadamente tratou de um processo judicial e de um recurso de contraordenação ao C….
128. Por todos esses serviços, B…, C…, D… e E… e F… nada pagaram, em nome próprio, à arguida, tendo esta intentado contra eles a ação ordinária que, sob o processo n.º 2374/12.1T2AVR, corre termos na Secção Central Cível desta Comarca, nos termos e pelos fundamentos que constam da petição inicial ali apresentada, junta por cópia a fls. 1456 e ss., pedindo a condenação daqueles a pagarem-lhe, a título de honorários e despesas por todos os serviços ali descritos, a quantia de 44.585,07 €, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal.
129. Na referida ação, a arguida, ali autora, pedia que lhe fosse reconhecido o direito de retenção que entendia assistir-lhe sobre a quantia de 36.299,78 € que tem na sua posse e a compensação entre o crédito que entende ter sobre os ali réus e esta quantia.
130. Os ali réus contestaram a aludida ação nos termos e pelos fundamentos da contestação que ali apresentaram.
131. Quando aproximadamente no final do ano de 1999, inícios de 2000, sociedade “G…, Lda.“, proprietária do laboratório de análises clínicas, precisou de um advogado que a representasse e que se ocupasse dos seus assuntos jurídicos, a E… sugeriu o nome da arguida, que foi aceite pelos restantes sócios, seus irmãos.
132. Em data não concretamente apurada, mas aproximadamente no ano de 2003, a arguida celebrou com a sociedade comercial ”G…, Lda.” um contrato de prestação de serviços jurídicos mediante a remuneração mensal de 250,00 €, que foi aumentando, para valores e em datas não concretamente apuradas, cifrando-se em 505,00 € em Novembro de 2009.
133. Os termos e as condições desta avença foram negociados com C…, na presença do representante do gabinete de contabilidade que prestava assessoria ao mencionado Laboratório, S….
134. Ficou combinado que o valor acordado incluiria já o IVA devido, à taxa legal, as despesas de expediente do escritório, bem como as despesas com as necessárias deslocações entre o escritório da arguida e as instalações do laboratório, tendo ficado excluídas despesas judiciais, preparos e outros encargos com os processos de que fosse incumbida.
135. Os serviços jurídicos prestados pela arguida, na parte relativa à sociedade “G…, Lda.“, passavam nomeadamente por elaborar cartas, declarações, reclamações, exposições, requerimentos, contratos de prestação de serviços, contratos de arrendamento, contratos de trabalho, etc, solicitar os mais diversos documentos às entidades competentes, elaborar registos, preparar escrituras, representar a sociedade judicialmente em várias ações em que esta fosse parte, representá-la, também, extrajudicialmente, tratar de todas as questões do foro laboral e, ainda, aconselhamento jurídico nas mais diversas áreas do giro da sociedade.
136. Em novembro de 2009, em reunião com o novo advogado dos lesados/demandantes, a arguida transmitiu-lhe que estes lhe deviam uma avultada quantia, ficando então combinado que ela lhe remeteria todos os elementos dos processos que tinha a seu cargo, bem como as pertinentes notas de honorários.
137. Quando pretendeu esclarecer pessoalmente a situação, a arguida telefonou à E…, a qual não lhe atendeu o telefone.
138. Findo o prazo de cinco dias acordado com o novo mandatário para a arguida apresentar a nota de honorários, sem que aquela o tenha feito, os lesados apresentaram a queixa criminal que deu origem aos presentes autos (processo principal).
139. À data da instauração da ação referida em 2, I… era, ainda sendo, marido de F…, filha do Dr. T…, irmã de B…, C…, D… e E…, todos sócios da sociedade "G…, Lda.".
140. Na referida ação, I… reclamava o pagamento de uma quantia que ascendia, na altura, a 9.314.295$00, indicando a sua mulher, F…, como sua testemunha.
141. Depois de um período de ausência e de afastamento relativamente aos destinos da sociedade, entre 2000 e 2004, período durante o qual viveu na Grécia, a B… regressou a Portugal e veio a assumir a gestão (inicialmente sem ter sido nomeada formalmente para o cargo, o que viria a acontecer em 03.08.2006) da empresa “G…, Lda.”.
142. Desde 2005 era a B… a interlocutora, em nome da sociedade, da arguida, sendo com ela que discutia e decidia todas as questões judiciais e não judiciais de que se ocupava, enquanto advogada da empresa.
143. Foi por sugestão da arguida e com o conhecimento e acordo da B… que a caução do processo n.º 586/04.7TAAGD foi prestada com parte do dinheiro da caução prestada no processo do I…, em virtude de a primeira ter dito à segunda que o juiz titular deste processo tinha permitido afetar uma parte da caução àqueloutro processo.
144. Na sequência do recurso interposto pelo I… para o Supremo Tribunal de Justiça, foi ordenada a repetição do julgamento em primeira instância, o que aconteceu em 13 de Maio 2009.
145. Repetido o julgamento e proferida nova decisão em primeira instância, regressou o processo ao Tribunal da Relação de Coimbra, onde veio a ser proferido, em 24 de Setembro de 2009, acórdão que decidiu condenar a “G…, Lda.” a pagar ao autor, I…, a quantia de 15.093,65 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral embolso.
146. A sociedade “G…, Lda.” interpôs recurso de revista dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o que fez ainda representada pela aqui arguida.
147. Este recurso este foi admitido e mandado subir em 6 de Novembro de 2009.
148. Foi sensivelmente por esta altura que a relação profissional entre a sociedade “G…, S.A.” e a arguida chegou ao fim, tendo esta renunciado ao mandato que aquela lhe havia conferido, no âmbito desse processo, em 26 de Novembro de 2009.
149. Em 21 de Dezembro de 2009, o Dr. U… juntou aos autos procuração forense, outorgada a seu favor pela sociedade "G…, S.A.", não apresentando, no entanto, as necessárias alegações de recurso, razão pela qual veio o mesmo a ser julgado deserto, tendo transitado em julgado a decisão condenatória.
150. Quando, em 29 de Junho de 2005, a arguida requereu o levantamento da caução prestada no processo em que era autor I…, desse mesmo requerimento notificou o seu colega, mandatário daquele.
151. A quantia depositada a título de caução no processo em que era autora J… foi devolvida à sociedade "G…, Lda." em Outubro de 2006, na sequência de despacho judicial ali proferido em 5 de Setembro de 2006.
152. Quando recebeu o cheque respeitante a tal restituição da caução, a contabilista da sociedade entrou em contacto com o escritório da arguida, questionando sobre a necessidade de emitir um qualquer tipo de recibo ao IGFFIJ.
153. A essa questão respondeu a arguida, nos termos do fax remetido em 24 de Janeiro de 2007, ali dizendo não haver necessidade de passar qualquer recibo, uma vez que tal cheque dizia “respeito ao depósito obrigatório-caução, que foi efetuado no processo da J… para obter a suspensão do recurso interposto proveniente do levantamento da caução do processo do I1…”.
154. Com data de 31 de Março de 2009, a “G…, S.A.” remeteu à arguida o pedido efetuado pelos auditores da sociedade, “V…”, conforme comunicação junta por cópia a fls. 377 e 378 dos autos.
155. A arguida remeteu ao novo mandatário constituído pelos lesados, pelo menos, alguns dos elementos dos processos que tinha em mãos, na qualidade da mandatária da sociedade "G…, S.A.", incluindo do processo do I… que, à data, ainda se encontrava pendente.
156. Como, à data, se encontrava a correr prazo para apresentação de alegações no âmbito de recurso de revista interposto em nome da sociedade pela arguida, esta renunciou à procuração por forma a poderem, o colega e a sociedade, beneficiarem da suspensão daquele prazo.
157. Em Dezembro de 2009, veio o Dr. U… requerer a junção àqueles autos de procuração outorgada pela sociedade “G…, S.A.”.
158. Na altura em que não foram apresentadas as alegações, a sociedade “G…, Lda.” - ou quem quer que fosse - não solicitou à arguida a restituição daquela caução, nem após o trânsito em julgado da decisão que, em definitivo, condenou a sociedade a pagar a I… a quantia global de 15.093,65 €, acrescida de juros à taxa legal, nem solicitou que tal quantia fosse paga por intermédio daquela caução.
159. A arguida é advogada há mais de 19 anos, não lhe sendo conhecidas condenações em sanções disciplinares.
160. A arguida é reconhecida, pelo menos por alguns colegas, como uma advogada tecnicamente competente, responsável e leal, sendo por eles respeitada e querida, e considerada uma pessoa amável, gentil e educada.
161. É casada e tem uma filha menor a seu cargo.
Do relatório social
162. A arguida cresceu inserida na sua família de origem, residente em Aveiro, constituída pelos pais e três filhos, dos quais ela é a segunda.
163. A situação socioeconómica, cultural e relacional estável da família contribuiu para que esta iniciasse o percurso escolar em idade própria, sem registo de problemas, tendo concluído o 12º, com 17 anos, após o que prosseguiu os estudos na Faculdade de Direito da Universidade … onde, no ano 1992/1993, se licenciou, tendo, posteriormente, efetuado estágio de advocacia, que concluiu em 1995.
164. Em termos profissionais, tem vindo a exercer advocacia, inicialmente, com o patrono, em Ílhavo, mais tarde em escritório próprio, em Aveiro, e, a partir de 2007/2008, em ….
165. Em termos relacionais, a arguida autonomizou-se da família de origem, em 1997, passando a viver num apartamento próprio, localizado em Aveiro, sem nunca ter deixado de manter relacionamento de grande proximidade afetiva com pais e irmãos.
166. Casou aos 31 anos, com a aqui testemunha W…, também advogado de profissão. O casal viveu em Aveiro até 2005, ano em que migrou e se fixou em …/…, região onde o marido da arguida tem “raízes familiares” e onde lançou e tem vindo a dedicar-se a um projeto de Ecoturismo.
167. O casal tem uma filha, nascida em 13 de Março de 2006, num contexto de gravidez de risco que obrigou a arguida a reduzir, substancialmente, a atividade laboral.
168. Atualmente, a arguida reside com o marido e a filha, em …, uma aldeia rural de …, onde habitam uma moradia T4, com boas condições, integrada no empreendimento de ecoturismo “X…”, no qual é sócia do marido.
169. A arguida e o marido continuam a exercer advocacia, atividade de que retiram proventos para fazer face às despesas do agregado familiar.
170. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
*
B) – FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influírem na decisão, designadamente os que resultem excluídos em face dos provados ou estejam em oposição com estes, destacando-se os seguintes:
Do pedido de indemnização civil do processo apenso
a) - Desde que teve conhecimento da atuação da demandada relativamente à caução, a demandante B… nunca mais conseguiu ter relações profissionais e sociais como até aí, desconfiando sempre da palavra das pessoas, tornando-se uma pessoa bastante mais fria e distante nas relações que mantém;
b) O demandante C… tinha grande necessidade do dinheiro (da caução);
c) A demandante E… deixou de confiar nas pessoas, não conseguindo relacionar-se com as mesmas como até aí;
d) Desde então que não indica mais ninguém para tratar dos assuntos da sociedade e da família, estando com medo de se desiludir outra vez e de compelir a família para novos problemas.
e) A demandante F… sempre confiou no trabalho da demandada, existindo já uma relação profissional de alguns anos com a mesma, e só por isso concordou que tratasse dos processos.
f) Em virtude da atuação da demandada quanto à caução, agravaram-se os desentendimentos entre a demandante F… e o marido e a relação com os demais demandantes ficou afetada, nunca mais conseguindo confiar nas pessoas e exigindo desde então informações detalhadas no âmbito profissional;
g) Preocupa-a sobretudo o estado emocional do seu irmão C…, que se sentiu mais incomodado com a situação;
h) A demandante D… temeu que o episódio atinente à caução contribuísse para que todos os irmãos se desentendessem e se afastassem;
i) Os demandantes B…, C…, F..., D… e E… ficaram afetados a nível económico em virtude da retenção do remanescente da caução pela demandada;
Do pedido de indemnização civil do processo principal
j) A proposta da demandada referida no item 120 dos factos provados deveu-se ao facto de existirem alguns desentendimentos entre o marido de F… (que chegou a exercer o cargo de gerência da sociedade “G…, Lda.”), esta última e os restantes sócios e ora demandantes;
k) A demandante B… viu o seu brio profissional abalado em consequência do sucedido;
l) Desde então nunca mais conseguiu ter relações profissionais e sociais como até aí, desconfiando sempre da palavra das pessoas, tornando-se uma pessoa bastante mais fria e distante nas relações que mantém, e sentiu a sua reputação como gerente e administradora da sociedade "G…, S.A." afetada;
m) O demandante C… sentiu vergonha pelo facto de toda a sua família ter sido enganada pela demandada;
n) Até à data dos factos praticados pela demandada nunca o demandante C… tinha tido os sentimentos descritos nos factos provados;
o) A demandante E… deixou de confiar nas pessoas, não conseguindo relacionar-se com elas como até aí;
p) Desde então que não indica mais ninguém para tratar dos assuntos da sociedade e da família, estando com medo de se desiludir outra vez e de compelir a família para novos problemas;
q) A demandante F… sempre confiou no trabalho da demandada, por isso tendo concordado que a demandada tratasse do processo de indemnização.
r) Aceitou que a divisão do dinheiro da indemnização fosse feita pela demandada contra a vontade expressa do marido, porque já tinham existido uns desentendimentos entre este - antigo gerente da sociedade “G…, Lda.” - e os irmãos;
s) A demandante tinha a demandada em boa conta e como profissional séria e, apesar de estranhar a demora no pagamento da indemnização, confiou nas informações que a demandada ia dando a todos, de “que o Estado demorava a pagar”;
t) Tais factos causaram à demandante F… sérios problemas relacionais, tendo-se agravado os desentendimentos com o marido, nomeadamente acesas discussões diárias, pelo menos mais do que uma vez por semana, não se falando enquanto casal, não dormindo no mesmo leito, o que muito a entristece;
u) A relação com os demais demandantes ficou afetada, nunca mais conseguindo confiar nestes, e exigindo desde então informações detalhadas no âmbito profissional;
v) Mesmo sabendo que o comportamento da demandada afetou a família a nível económico, preocupa-a mais que a tenha afetado a nível psicológico, preocupando-a sobretudo o estado emocional do seu irmão C…;
w) Quando a demandante D… assentiu em que a divisão do valor da indemnização fosse feito através da demandada fê-lo com consciência de que seria aquela a melhor forma, para que não houvesse desentendimentos;
x) Viu a sua competência profissional enquanto gerente posta em causa pela atuação da demandada, temendo ainda que com o comportamento desta a família se desintegre, que os ora demandantes se afastem uns dos outros, deixando de falar entre si, conviver ou estar juntos;
Da contestação à acusação
y) A arguida vinha prestando os seus serviços enquanto advogada no âmbito do processo de expropriação desde 2003;
z) A decisão referida em 120 foi tomada pelos expropriados por força de divergências existentes entre eles quanto à forma de repartir o dinheiro da expropriação pois embora todos eles fossem comproprietários, em partes iguais, da parcela expropriada, uns achavam-se com mais direitos do que outros, no tocante à repartição do valor da indemnização;
aa) Concretamente, existiam grandes divergências quanto à forma de repartir este valor entre a expropriada F… e os restantes irmãos;
bb) Alguns dos lesados/demandantes entendiam que deveriam repartir o valor da expropriação também pelos pais (usufrutuários da parcela) enquanto outros discordavam desta opção e outros ainda entendiam que apenas à mãe deveria ser entregue uma parte do valor da indemnização, mas já não ao pai;
cc) Quando levantou e depositou o dinheiro da indemnização a arguida deu disso conhecimento aos lesados, ficando a aguardar uma decisão por parte destes quanto à forma de o repartir;
dd) Os expropriados nunca chegaram a um acordo quanto à forma de repartição do valor da indemnização ou, se chegaram, nunca o comunicaram à arguida e nunca lhe solicitaram a entrega daquele montante;
ee) Nessa ocasião, os constituintes da arguida sabiam - porque interpelados nesse sentido por ela - que tinham contas a acertar, isto é, honorários pagar e despesas a reembolsar, não só respeitantes ao aludido processo de expropriação, como também a muitos outros processos em que esta os havia patrocinado, e que aqueles não lhe haviam pago;
ff) Os serviços prestados aos membros da família K… ascendem a mais de 40.000 €;
gg) Inicialmente não foi fixada qualquer avença, sendo a arguida paga, casuisticamente, pelos serviços prestados;
hh) Ficou acordado que os serviços jurídicos a prestar pela arguida sê-lo-iam, exclusivamente, à sociedade comercial ”G…, Lda.”;
ii) A situação descrita em 137 e 138 deixou a arguida chocada, deprimida, o que a impediu de reagir prontamente, com a imediata instauração da ação de honorários contra os aqui lesados/demandantes.
jj) O montante de 23.366,91 € ficou na posse da arguida com o conhecimento da sociedade "G…, Lda.", a aguardar, designadamente, o desfecho do processo em que era autor I… para que, caso aquela viesse a ser condenada, a título definitivo, ao pagamento de uma qualquer quantia, esse montante sairia do aludido remanescente da caução;
kk) Nos anos de 2001 e de 2002 a sociedade “G…, Lda.” não procedeu ao pagamento da avença acordada com arguida, no valor mensal de 325 €, perfazendo o montante global de 7.800,00 €;
ll) Por esse motivo a sociedade "G…, S.A." autorizou a arguida a cobrar-se desse valor através do remanescente da caução do processo em que era autor I…;
mm) Desde que contrataram novo mandatário, a arguida e os acionistas da empresa não mais tiveram qualquer contacto com ela porquanto tinham indicações expressas daquele no sentido de não mais a contactarem, o que a deixou chocada;
nn) O mandatário de I… deu conhecimento a este de que a arguida havia requerido o levantamento da caução;
oo) O I… mencionou tal facto à sua mulher, F…, e esta aos restantes irmãos, sócios e gerentes da “G…, Lda.”;
pp) A arguida respondeu à carta mencionada em 155, mediante fax enviado em 13 de Julho de 2009, nos termos constantes de fls. 379 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos;
qq) Quando juntou a procuração ao processo n.º 71/09.4T4AGD, o novo mandatário inteirou-se de toda a tramitação processual antecedente, designadamente do facto de, no âmbito de tal processo, ter sido levantada, há muito, a caução aí inicialmente prestada;
Da contestação ao pedido de indemnização civil do processo apenso
rr) A sociedade "G…, Lda." não havia pago à demandada o correspondente a dois anos de avença mensal.
A restante alegação não expressamente mencionada reveste natureza conclusiva, jurídica, mostra-se repetida ou é simplesmente irrelevante.
*
C) – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A livre convicção do Tribunal resultou da análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente declarativa, testemunhal e documental, segundo os princípios da lógica e as regras da experiência comum.
A prova oral mostra-se gravada em sistema digital e os documentos constam dos autos, pelo que de seguida limitar-nos-emos a salientar, de forma resumida, em que medida alguns recortes probatórios, conjugados entre si, permitiram formar convicção positiva ou negativa sobre os factos em discussão.
Assim, a factualidade atinente à profissão da arguida e sua inscrição na Ordem dos Advogados resulta do conjunto da prova, designadamente documental, mormente a remetida por aquela entidade aos autos.
A natureza jurídica, objeto, composição dos órgãos sociais e demais factos relevantes desde a constituição da sociedade "G…, Lda.", atualmente "G…, S.A.", resultam comprovados pelo teor da certidão permanente da respetiva ficha de matrícula na Conservatória do Registo Comercial, que se encontra a fls. 259 e ss. dos autos.
A factualidade concernente à relação entre a aludida sociedade, B…, C…, D…, E… e F…, sócios/acionistas daquela, de que alguns deles foram ou são gerentes/administradores, e a arguida, na qualidade de advogada, as diversas intervenções processuais desta nos processos n.ºs 71/09.4T4AGD, 686/04.7TAAGD e 1813/04.0TBAGD, na qualidade de mandatária judicial daqueles (com exceção da F…, que não lhe outorgou procuração), designadamente com vista ao levantamento de quantias monetárias, e destino dado a estas (quantias) mostram-se comprovados documentalmente e foram globalmente admitidos pela arguida. Com efeito, esta admitiu expressamente que os factos descritos nas acusações - para as quais remetia o despacho de pronúncia - referentes às questões processuais eram verdadeiros, bem como que deu o destino ali mencionado às quantias monetárias que levantou na qualidade de mandatária judicial da sociedade e dos quatro primeiros referidos demandantes, ou seja, o depósito em conta bancária por si titulada, refutando, porém, tê-lo feito sem o conhecimento e autorização daqueles e com a intenção de se apropriar de tais quantias.
Concretizando melhor, a arguida interveio nos processos n.ºs 71/09.4T4AGD e 686/04.7TAAGD, na qualidade de mandatária judicial da sociedade "G…, Lda.", e no processo n.º 1813/04.0TBAGD, na qualidade de mandatária judicial dos irmãos K… (com exceção da F…), aí expropriados.
No que tange às ocorrências processuais no âmbito do processo n.º 71/09.4T4AGD do Juízo de Trabalho de Águeda - que I… (marido da F…) moveu à sociedade "G…, Lda.", na qual desempenhou funções de gerente -, com relevo para a questão do levantamento do valor da caução, resultam as mesmas comprovadas pela certidão integral extraída do mesmo, a qual consta a fls. 209 e seguintes do processo n.º 167/12.5T3AVR, apenso aos presentes autos. Salientam-se as seguintes peças constantes da referida certidão:
- procuração outorgada pela sociedade "G…, Lda." em 08.01.2001, que se encontra a fls. 218 do aludido processo apenso;
- contestação apresentada pela arguida em 23.01.2001, a fls. 219;
- guia de depósito obrigatório da quantia de 36.561,62 €, a título de prestação de caução, efetuado pela sociedade “G…, Lda.”, que se encontra a fls. 232;
- requerimentos e despachos judiciais de fls. 233 a 241;
- termos de fls. 232 vº e 242 e ofício de notificação da remessa do precatório cheque à arguida.
Mais relevam a este respeito os esclarecimentos prestados pela M… a fls. 244 e 389 (do processo apenso) e cópias acompanhantes, designadamente do precatório cheque e do cheque bancário (fls. 245 a 247).
De igual modo se atendeu à informação prestada pelo N… e documentos por este remetidos, a fls. 449 a 473 dos autos, que comprovam o depósito do cheque bancário em conta titulada pela arguida e por W…, o qual foi removido da titularidade da mesma em 29.01.2009, bem como os de fls. 515 e 516, relativos à operação de subscrição de fundos;
Atendeu-se, ainda, aos elementos processuais resultantes da certidão extraída do processo n.º 686/04.7TAAGD, movido por J… à sociedade "G…, Lda.", a fls. 165 e ss. do processo apenso, mormente os que se encontram a fls. 203, 204 (referentes à caução aí prestada), a qual viria a ser restituída àquela sociedade conforme resulta de fls. 361 do processo apenso.
Por seu turno, no que respeita aos factos atinentes à indemnização no âmbito do processo de expropriação releva, desde logo, a certidão integral extraída do processo de expropriação com o n.º 1813/04.0TBAGD que consta de fls. 39 e seguintes dos presentes autos, de que se destacam:
- o documento de fls. 13 dos autos, correspondente à cópia da guia de depósito da quantia referente à indemnização pela expropriação da parcela n.º 88 à ordem do Juiz, efetuado previamente à distribuição do respetivo processo;
- fls. 119 e 120, referentes ao conteúdo do despacho judicial de adjudicação e respetiva notificação aos interessados;
- a outorga das procurações por parte de B…, C…, D… e E… a favor da arguida, a fim de esta os representar no referido processo e respetivo conteúdo mostra-se plasmada a fls. 124 a 127 dos autos.
- os diversos requerimentos e despachos judiciais referentes à atribuição e levantamento da indemnização que constam a fls. 144 e ss.;
- a cópia do precatório cheque de fls. a 313 dos autos.
Mais se analisou a informação prestada pela M… a fls. 426 e a cópia do cheque bancário emitido e, bem assim, os documentos remetidos pelo N…, que se encontram a 823 e 996 dos autos, donde resulta o depósito do mesmo em conta bancária ali titulada pela arguida.
Mas se a arguida admite a essencialidade dos factos objetivos que vimos de analisar, refuta por completo a atuação dolosa que lhe é imputada, mormente que tenha atuado sem o conhecimento e autorização dos lesados ao levantar e depositar em conta bancária própria as quantias monetárias referidas nas acusações e que tenha tido intenção de se apropriar das mesmas.
É incontornável, uma vez que, conforme supra se analisou, se mostra documentalmente comprovado e a própria arguida o admite, que esta depositou em conta bancária de que era titular no N… os dois cheques bancários emitidos na sequência dos precatórios cheques referidos na factualidade provada, um referente à restituição de caução prestada pela sociedade "G…, Lda." no âmbito do processo n.º 71/09.4T4AGD e outro relativo à indemnização por expropriação no domínio do processo n.º 1813/04.0TBAGD, que recebeu no exercício das suas funções de mandatária judicial da sociedade "G…, Lda." e dos expropriados, com exceção da F….
Outrossim é indubitável, porque assim o referem a assistente e demais demandantes e a própria arguida o admite, que até à presente data esta última não entregou àqueles as quantias que depositou em conta bancária por si titulada, deduzidas do montante de 13.513,09 € que depositou, a título de caução, à ordem do processo n.º 686/04.7TAAGD.
Contudo, na contestação e nas declarações que prestou em audiência de julgamento sustentou a arguida, em resumo, no que concerne ao dinheiro proveniente da restituição da caução que o levantou com o conhecimento dos legais representantes da sociedade "G…, Lda." e que foi autorizada pelo gerente, à data, C…, a cobrar-se do valor correspondente a dois anos de avenças, no montante global de 7.800,00 €, que estavam em dívida. Já no que tange à quantia referente à indemnização pela expropriação, sustentou a arguida que foram os próprios expropriados que lhe pediram para proceder ao seu levantamento e que lhe disseram para ficar com ela na sua posse até lhe darem indicações para a entregar porque havia desavenças entre eles quanto à sua divisão.
A versão da arguida - além de contrariada pelas declarações prestadas pela assistente e restantes lesados e pelos depoimentos de algumas testemunhas bem como pelo teor de alguns documentos - revela-se, desde logo, e só por si, inconsistente quanto a alguns concretos aspetos quando analisada à luz das regras da experiência comum.
Assim, importa, desde logo, assinalar que a arguida depositou ambos os cheques em conta bancária pessoal, cotitulada por si e pelo seu marido (também ele advogado, com quem partilhava o escritório), e não em conta específica, separada, com a designação de conta-clientes, conforme manda o art. 97º, n.º 1, al. a), do Estatuto da Ordem dos Advogados. Note-se que embora tenha referido que essa conta funcionava como conta-clientes, afeta à atividade de advocacia, acabou por admitir que efetuava pagamentos de despesas pessoais com fundos provenientes da mesma, o que, aliás, também resulta da análise dos respetivos extratos bancários juntos aos autos. Ademais, mostra-se documentalmente comprovado e foi admitido pela arguida que, quatro dias após o depósito da quantia de 36.880,00 €, titulada por cheque bancário que lhe foi emitido pela M… na sequência da apresentação do precatório cheque referente ao valor da caução, foi efetuada a subscrição de produtos financeiros “Fundos N… Liquidez” em seu próprio nome, no valor de 29.995,98 €. Ora, antes do depósito daquela quantia de 36.880,00 € a referida conta registava um saldo de apenas 1.669,34 €, pelo que é evidente que a subscrição dos mencionados produtos financeiros foi suportada pelo montante resultante da restituição da caução e respetivos juros. Pretendeu a arguida apresentar uma justificação para a referida subscrição em proveito próprio alegando que tal procedimento era automático por parte da entidade bancária quando a conta atingia determinado montante. Tal alegação, já em si própria inconsistente, mostra-se completamente infirmada pela prova documental, mormente pela informação prestada pelo N…, a fls. 515 e 516 dos autos, donde resulta que a operação de subscrição de fundos foi efetuada pela entidade bancária na sequência de ordem transmitida através do Serviço N… Net, em 18.11.2005, pelas 10h39m19s, sendo a autenticidade da mesma atestada pelo regular acesso ao serviço através da introdução pelo cliente do seu “Nome”, “Acesso” e “Código Secreto”, elementos de identificação estes que são únicos, pessoais e intransmissíveis.
Além disso, a descrita atuação da arguida é totalmente desconforme com o prescrito no Estatuto da Ordem dos Advogados e com o que, de acordo com as regras da experiência comum, constituem as boas práticas profissionais, a fim de evitar a confusão entre os fundos próprios do advogado e os dos seus clientes, tal como referido por uma das testemunhas de defesa, Dr. Y…, que também exerce a atividade de advocacia.
Além das apontadas incongruências da versão da arguida, sem prejuízo de outras que a seu tempo assinalaremos, deparamo-nos com outras contingências de prova que a comprometem e que analisaremos de seguida.
Previamente, porém, convém clarificar que decorre da globalidade da prova, mormente das declarações da própria arguida, da assistente, B…, dos demandantes C…, D…, E… e F…, do depoimento da testemunha Z… e, ainda, da prova documental, mormente da certidão da ficha de matrícula da Conservatória do Registo Comercial, que até 2005, altura em que a assistente B… regressou do estrangeiro, o C… era o interlocutor da arguida enquanto gerente da sociedade familiar “G…, Lda.”, de que todos eram sócios. Após o regresso da B…, passou esta a representar a sociedade - ainda que não tivesse sido formalmente nomeada para o cargo de gerência, o que apenas viria a acontecer em 18.01.2007 (cfr. a referida certidão) -, bem como os demais irmãos quanto às questões patrimoniais da família. Mesmo a F…, que não outorgou procuração a favor da arguida uma vez que, segundo explicou, esta representava a sociedade “G…, Lda.” no processo judicial do Tribunal de Trabalho que o seu marido lhe moveu, afirmou que sempre “deu carta branca” à B… para esta tomar as decisões que entendesse mais convenientes aos interesses da família.
Neste contexto, é pacífico que os principais interlocutores da arguida foram o demandante C… e a assistente, B…. Convém sublinhar que esta última, mais do que qualquer outra pessoa, prestou declarações de forma particularmente circunstanciada e coerente, ainda que visivelmente emotiva, perpassando patente sentimento de revolta que evidenciou ao relatar determinados factos, de um modo que apenas a imediação permite percecionar. Não obstante, tal emotividade não comprometeu a sua credibilidade, antes conferindo consistência à sua versão dos factos, a qual resulta, de resto, abundantemente corroborada por outros elementos de prova (declarativa, testemunhal e documental).
Posto isto, no que respeita ao montante resultante da restituição da caução, a arguida sustentou (nas declarações que prestou em audiência de julgamento e na contestação, ainda que nem sempre de forma coincidente) que nos anos de 2001 e de 2002 a sociedade “G…, Lda.” não procedeu ao pagamento da avença consigo acordada, pelo que em 2005/2006 encontrava-se em dívida o montante global de 7.800,00 €, tendo o C… assumido que deveriam ser pagos os honorários da avença relativos àqueles anos, tendo sido autorizada a cobrar-se desse valor por força do remanescente da caução do processo do I…. Repare-se, porém, que a arguida reteve a quantia de 23.366,91 €, ou seja, quase o triplo do valor alegadamente em dívida!
OC… negou perentoriamente a existência de qualquer dívida de honorários relativos à avença e, bem assim, que tenha dado autorização para a arguida ficar na posse do remanescente da caução, referindo, aliás, que a sociedade tinha tido enorme dificuldade em reunir a quantia para a prestar, tendo, por isso, a expectativa de a reaver de acordo com o que lhe havia sido transmitido pela arguida.
Da conjugação do teor dos documentos juntos aos autos, quer pela assistente (a fls. 2696 a 2726), quer pela arguida (a fls. 706 a 797 e 2799 a 2802) e, ainda, das declarações de C… e da E… bem como dos depoimentos das testemunhas Z… e S…, que revelaram ter conhecimento direto de tais factos, resulta que pese embora a arguida tenha sido contratada pela sociedade "G…, Lda." como sua advogada, em regime de avença, na sequência de indicação da E…, sua amiga de longa data, até aproximadamente 2003 era a sociedade “L…, Lda.”, empresa que prestava os serviços de consultadoria à "G…, Lda.", que lhe pagava a avença. Dito de outra forma, a sociedade "G..., Lda." pagava à “L…, Lda.”, de que era legal representante o referido S…, e para quem trabalhava, à data, a Z…. Por seu turno, a “L…, Lda.” emitia os competentes recibos e, após, pagava à arguida pelos serviços por esta prestados à sociedade "G…, Lda.". A partir de 2003, passou a ser esta sociedade ("G…, Lda.") a efetuar o pagamento, inicialmente por cheque e posteriormente por transferência bancária, dos serviços prestados pela arguida diretamente a esta.
Acresce que a fls. 284 dos autos, consta uma declaração emitida pelo técnico oficial de contas da sociedade "G…, S.A." atestando que não existe qualquer fatura ou pedido de pagamento de honorários da arguida na contabilidade daquela como estando em dívida, o que foi também corroborado pela testemunha Z…, contabilista da mesma.
Em suma, analisados os referidos documentos e depoimentos, sendo certo que em particular a testemunha Z… - técnica oficial de contas que tratava da contabilidade da sociedade "G…, Lda." desde 2000, até 2005 por conta da “L…, Lda.” e, desde então, como trabalhadora daquela - explicitou e confirmou o teor de alguns dos referidos documentos juntos pela assistente, não resulta minimamente demonstrada a alegada dívida de honorários pelos serviços prestados pela arguida nos anos de 2001 e 2002 - ou noutros -, pelo que soçobra, desde logo, um dos argumentos da tese por esta preconizada.
A dado passo das suas declarações, confrontada, desde logo, com o facto de ter mantido na sua posse montante equivalente ao triplo dos honorários que alegadamente lhe eram devidos, a arguida passou a afirmar que, em relação à sociedade, as contas de honorários estavam saldadas porque a quantia de aproximadamente 23.000,00 € que reteve se destinava a pagar o montante de aproximadamente 8.000,00 € em dívida, uma indemnização/compensação pelo facto de cessar a avença e, ainda, de as avenças até aí serem de valor exíguo, mais afirmando que isso foi acordado com a gerência da sociedade, mais concretamente com a assistente, em 2008, em data que não concretizou.
Não podemos deixar de assinalar, desde logo, as seguintes incongruências: no início das suas declarações, a arguida referiu que teria sido o C…, em 2005 ou 2006, a autorizar que se cobrasse dos honorários alegadamente devidos pela sociedade, referentes aos anos de 2001/2002, no valor de 7.800,00 €; em momento posterior, já referiu que em 2008 foi acordado um acerto de contas com a administração da sociedade, que nessa altura era já representada pela assistente; também o âmbito do acordo foi variando - num primeiro momento só contemplava o valor global dos honorários correspondentes a dois anos de avença e, num segundo momento, já incluía também uma compensação pela cessação da avença e pela exiguidade do seu valor até àquela data, embora a arguida não tenha concretizado os valores em causa. Ora, se em 2005 ou 2006, o C… a autorizou a arguida a cobrar-se da alegada divida de honorários, que segundo a própria ascendiam a apenas 7.800,00 €, e se apenas em 2008 foi efetuado o alegado acerto de contas incluindo outras verbas a título de compensação/indemnização, fica por explicar com que justificação aquela efetuou, aproximadamente três anos antes, em 18.11.2005, a subscrição, em proveito próprio, de produtos financeiros no montante de 29.995,98 €, ou seja, como já se disse, mais do triplo do valor de que estava alegadamente autorizada a cobrar-se (7.800,00 €).
Além das assinaladas incongruências, a versão aduzida pela arguida foi absolutamente contrariada pela assistente que, negando de forma contundente o alegado acordo de acerto de contas com a sociedade, afirmou que apenas teve conhecimento que aquela tinha recebido o valor da caução em fevereiro de 2011, quando se deparou com a retenção de comparticipações devidas por entidade estatal ao Laboratório e, após averiguação, soube que tinham sido penhorados créditos da sociedade para garantir o pagamento da indemnização devida ao I…, na sequência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Mais explicou as razões pelas quais, apesar de ter tido conhecimento da condenação definitiva da sociedade a pagar a referida indemnização, estava convencida de que o remanescente da caução continuava depositado à ordem do processo e seria afetado ao pagamento daquela, pelo que foi surpreendida pela referida penhora, explicitando quais as consequências que da mesma advieram para a sociedade. Explicou ainda que na primeira reunião entre a arguida e o novo advogado, ocorrida em Novembro de 2009, aquela admitiu que tinha na sua posse o valor da indemnização da expropriação mas nada disse sobre o dinheiro resultante da restituição da caução (o que a própria arguida admitiu em audiência, alegando que tal não foi abordado porque considerava essas contas saldadas), o que ajuda a compreender por que razão efetivamente só viria a ser apresentada queixa a esse respeito mais tarde, dando origem ao processo 167/12.5T3AVR).
Em abono da sua tese, a arguida juntou cópia de uma comunicação escrita, datada de 13.07.2009, e do relatório de verificação de transmissão por fax (que se encontram a fls. 379 e 380 dos autos) que alegadamente teria enviado em resposta à carta datada de 31.03.2009 (cuja cópia está a fls. 377/378), que lhe havia sido dirigida pela "G…, S.A.", na qual era solicitado que, tendo em vista uma auditoria que estava a ser efetuada pela “V…, S.A.”, facultasse a esta as informações ali descriminadas, designadamente a “Importância dos honorários devidos a V.Exas. e gastos vencidos não cobrados a 31 de Dezembro de 2008, referentes a serviços prestados até essa data”.
É o seguinte o teor, na parte que para aqui releva, do aludido documento de fls. 379:
“(…)
Na sequência da V/ carta, mencionada em epígrafe, irei, logo que possa, facultar todas as informações solicitadas à V…, S.A.
Nos termos do acordado com V. Exas. irei comunicar aos V/ auditores que em 31 de Dezembro de 2008 se encontravam regularizados os montantes de honorários e despesas referentes a serviços prestados até essa data - considerando desde logo a quantia resultante da caução levantada, a liquidação de custas, despesas e encargos por mim suportados e a regularização dos montantes que se encontravam em dívida, a título de honorários. Da carta enviada ser-vos-á dado conhecimento” (sublinhado nosso).
Com este documento pretende a arguida demonstrar o invocado acordo com a administração da sociedade "G…, S.A." e que, pelo menos, a partir daquela data aquela tinha conhecimento de que ela havia levantado o dinheiro da caução e retido o remanescente, após a prestação de caução no processo movido por J…, como compensação pelos honorários e valores que considerava serem-lhe devidos (pela sociedade).
A assistente e a testemunha Z… afirmaram perentoriamente que nunca receberam a comunicação escrita junta por cópia a fls. 379, por fax ou outro meio. A assistente referiu ainda que a arguida não enviou à "G…, S.A." nem à “V…” a carta a que se faz referência no documento de fls. 379, sublinhando que habitualmente a arguida não utilizava uma linguagem tão formal nas comunicações que lhe dirigia, afirmando ainda que no ano anterior enviou uma carta similar (à de fls. 377/378) à arguida e esta não respondeu.
Conforme decorre das atas da audiência de julgamento, notificada a “V…, S.A.” para, “no prazo de 10 dias, informar se recebeu alguma comunicação da arguida no ano de 2009, designadamente referente ao assunto a que se reporta a carta de fls. 379”, da qual foi enviada cópia, veio aquela entidade, a fls. 2791, responder negativamente.
Também a assistente foi notificada para, no mesmo prazo, “informar se rececionou algum documento, transmitido por fax na hora a que se reporta o relatório de transmissão a fls. 380 e, em caso afirmativo, juntar cópia de tal documento”, tendo vindo informar que “não existem quaisquer documentos recebidos nesta data ou em datas próximas, via fax e remetida pela arguida”.
Ouvida a testemunha AB…, que foi empregada forense da arguida no período compreendido entre os anos de 2001 e 2009, num primeiro momento, de forma precipitada, começou por afirmar que foi ela que enviou o documento de fls. 379 por fax. Confrontada com a data e hora do relatório de envio por fax (de fls. 380), afirmou que, afinal, não teria sido ela a enviar a aludida comunicação porque estaria na sua pausa para almoço, acabando por referir que afinal enviou apenas aqueloutro documento que se encontra a fls. 362 dos autos. Não obstante, afirmou que recorda-se do documento de fls. 379 porque o arquivou na pasta da sociedade "G…, S.A." e por causa do assunto ali tratado, que se relacionava com a questão da venda das ações. A absoluta incongruência desta última afirmação, sobre o conteúdo da comunicação, confere com a forma nervosa como a dita testemunha depôs. Aliás, ficou patente para o Tribunal a preocupação da testemunha em confirmar, a todo o custo, a autenticidade do documento de fls. 379 dos autos, não tendo o seu depoimento merecido credibilidade.
Ocorre que a fls. 1824/1825 foi junto pela assistente uma cópia de um email que a arguida afirma conter um parágrafo com o seguinte teor “Extra laboratório, agradecia-te se voltasses a perguntar ao Meritíssimo Juiz qual o (novo) prazo de pagamento da expropriação da P…” que não constava do email original, para prova do que juntou a cópia de fls. 1869, donde efetivamente não consta tal parágrafo, pese embora não possa deixar de assinalar que este não apresenta o aspeto gráfico habitual.
Conquanto tais emails não relevem, em termos probatórios, para a questão da retenção da quantia resultante da restituição da caução, mas antes para a questão da indemnização da expropriação, o desfasamento do conteúdo de ambos serve para assinalar exemplos concretos de patente manipulação do teor de documentos atinentes a comunicações escritas entre a arguida e a assistente.
Pese embora o esforço do Tribunal para averiguar da autenticidade/falsidade de tais documentos, não foi possível formar convicção sobre se os documentos de fls. 379 e 380 são verdadeiros ou se foram forjados para juntar aos autos e sobre quem adulterou o aludido email datado de 16.09.2009.
Concatenados os elementos de prova disponíveis, resultou para o Tribunal uma dúvida insuperável que compromete irremediavelmente a convicção sobre a autenticidade da comunicação escrita junta por cópia a fls. 379 e, bem assim, do relatório de envio por fax de fls. 380 dos autos, tal como, refira-se, desde já, do conteúdo do referido email.
Deste modo, a versão da arguida, já por si inverosímil, perde um dos elementos de prova (documental) em que assentava, soçobrando no confronto com a tese da assistente, que se revelou circunstanciada, sustentada por outros elementos de prova, lógica e coerente em face das regras da experiência comum.
Debrucemo-nos, agora, sobre a quantia correspondente à indemnização por expropriação.
Em síntese, sustentou a arguida que ficou com a quantia referente à indemnização na sua posse por vontade dos expropriados em virtude de haver desavenças entre eles relativamente à sua divisão, pelas razões que aduziu, designadamente, por um lado, pelo facto de haver um litígio entre a F… e os restantes irmãos por causa de um imóvel implantado na quinta de que foi expropriada uma parcela e, por outro, quanto à repartição da indemnização também pelos pais, ou por apenas um deles.
Sucede, porém, que tal alegação foi perentoriamente negada pela assistente e seus irmãos, os quais explicaram, de forma coerente e globalmente convergente entre si, que não obstante pontuais discordâncias quanto a questões menores, que explicitaram, e que foram ultrapassadas, todos estavam de acordo em que o valor da indemnização da expropriação fosse repartido entre os cinco irmãos e a mãe.
Por outro lado, a assistente descreveu, de forma sentida, em que circunstâncias, depois de várias interpelações à arguida, que foi apresentando diversas explicações (falsas), e em face da insistência em particular do irmão C…, que atravessava graves dificuldades financeiras, apenas em novembro de 2009 veio a descobrir que o valor da indemnização da expropriação já tinha sido levantado pela arguida em Junho de 2006.
O relato efetuado pela assistente foi corroborado pelas declarações dos lesados C… e D…, que revelaram terem tido intervenção e/ou conhecimento direto de alguns dos episódios referidos por aquela. Também a testemunha Z…, que trabalhava com a assistente na mesma sala e que a acompanhou em algumas das diligências junto do Tribunal e da M…, corroborou as declarações daquela, relatando os factos em que interveio e de que teve conhecimento direto de forma globalmente coincidente.
A versão da assistente mostra-se igualmente sustentada pela prova documental. Veja-se, a título exemplificativo, os emails enviados ao IGFIJ em 29 julho de 2009 e 11 de agosto de 2009 (juntos a fls. 798 e 799), donde decorre que nessas datas a assistente ainda interpelava aquela entidade sobre quando seria paga a verba da indemnização resultante da expropriação. Consta ainda dos autos outro email, datado de 16.09.2009, junto pela assistente, no qual está escrito “Extra laboratório, agradecia-te se voltasses a perguntar ao Meritíssimo Juiz qual o (novo) prazo de pagamento da expropriação da P…”, ao qual, pelas razões já anteriormente explicitadas, não atenderemos.
Os dois primeiros emails referidos comprovam, pois, que, pelo menos, em agosto de 2009 os expropriados ainda desconheciam que a arguida tinha levantado o montante da indemnização em junho de 2006.
Mas, como se disse, decorre de forma segura, especialmente das declarações da assistente e do depoimento da testemunha Z…, que apenas em novembro de 2009 tomaram os demandantes conhecimento de tal levantamento, após o que a primeira contactou outro advogado.
Mais referiu a assistente que foi na sequência da reunião com o novo advogado, ocorrida novembro de 2009, que tendo a arguida sido confrontada com o levantamento da indemnização em 2006 veio esta invocar que aquela e os irmãos lhe deviam honorários por diversos serviços que lhes prestou ao longo de anos, não incluídos no contrato de avença que mantinha com a sociedade “G…, S.A.”.
Efetivamente, a arguida sustentou que não entregou ainda o valor da indemnização aos lesados em virtude de estes lhe deverem honorários.
Recorde-se, porém, que a arguida começou por afirmar que ficou com o dinheiro da indemnização na sua posse a aguardar que os seus constituintes chegassem a acordo sobre o critério de divisão, não conseguindo explicar de modo minimamente consistente como é que ao longo de três anos eles não alcançaram tal acordo, não lho transmitiram e nem sequer a interpelaram para que lho entregasse, conforme sustentou, sendo certo que, conforme referido pelos próprios lesados e por várias testemunhas, pelo menos o C… e a F… tinham dificuldades económicas, tendo a assistente também sofrido um incidente em casa para cuja reparação carecia de dinheiro.
Se esta justificação da arguida para a manutenção do dinheiro na sua posse se mostra inverosímil, a explicação aduzida para a não restituição é ainda menos plausível.
Senão vejamos.
A fim de justificar o alegado crédito de honorários, a arguida sustentou que ao longo dos anos foi prestando serviços de advocacia à assistente, seus irmãos e respetivos pais, relacionados com questões que se prendiam com o património familiar e a sua qualidade de sócios da sociedade “G…, S.A.” e, ainda, questões particulares de alguns deles, que exemplificou, os quais não estavam incluídos no contrato de avença celebrado com a sociedade "G…, Lda.", cujo âmbito explicou. Descreveu os serviços prestados à família K…, designadamente aos cinco irmãos, por forma globalmente correspondente à vertida na nota de honorários cuja cópia juntou aos autos, salientando a sua intervenção na avaliação da “P…” com vista à sua divisão, que não chegou a ser efetuada, a transmissão de propriedade do imóvel onde laborava o Laboratório de Análises Clínicas sedeado em … e a negociação da venda das participações sociais dos cinco irmãos K…, com a necessária conversão das quotas em ações, à “Q…”, que viria a frustrar-se.
A testemunha W…, advogado e marido da arguida, que com esta partilhava o escritório de advocacia, afirmou que em setembro ou outubro de 2000 participou num jantar em que foi discutida a avença, a qual não incluía os honorários por serviços prestados aos membros da família, serviços particulares. Contudo, o depoimento desta testemunha, que resultou contrariado pela demais prova produzida, como se seguida explicaremos, não se afigurou isento, o que comprometeu a sua credibilidade. Com efeito, além de a arguida ser sua mulher e colega de escritório, o que só por si já suscita algumas reservas quanto à sua isenção, conforme resulta dos documentos remetidos pelo N… que se encontram a fls. 820 e 996 e seguintes, as quantias que aquela levantou, seja a da caução, seja a da indemnização, foram depositadas em conta bancária de que ambos eram cotitulares (embora, em data posterior - 29.01.2009 - ele o tenha deixado de ser), sendo, por isso, por demais evidente o interesse desta testemunha no desfecho dos presentes autos.
A assistente, os demandantes C…, D…, E… e a testemunha Z… contrariam frontalmente esta tese, sustentando, em suma, que os serviços mencionados pela arguida estavam incluídos no valor da avença celebrada com a "G…, Lda." e que a arguida foi remunerada pelos mesmos mediante o aumento sucessivo daquele valor.
Concretamente, o demandante C… explicou que foi ele, que à data era gerente da sociedade "G…, Lda.", que contratou a arguida quando entraram em litígio com o I…. Relatou em que circunstâncias, ele e o S…, que era, recorde-se, o gerente da “L…”, empresa que prestava consultadoria à sociedade "G…, Lda.", abordaram a arguida e negociaram os termos da avença, tendo sido acordado que era para ela tratar dos assuntos da sociedade e também de alguns assuntos que os sócios pudessem ter. Afirmou perentoriamente que quando abordaram a arguida ficou bem claro que a avença era para ela ser advogada da sociedade e da família.
A testemunha S… confirmou que assistiu a uma conversa entre o C… e a arguida a respeito de uma avença, não recordando, porém, o conteúdo, o que é compreensível atento o longo lapso de tempo decorrido pois tal conversa teria ocorrido aproximadamente em 2000, ano em que foi instaurado o processo judicial que opunha I… à sociedade "G…, Lda.".
O C…, a assistente e a testemunha Z… relataram de modo convergente que ao longo do período em que a arguida prestou os seus serviços de advogada foi renegociado por diversas vezes o valor da avença em virtude de ela se queixar do volume de serviço decorrente de resolução das referidas questões que se prendiam essencialmente com o património familiar e societário. A assistente descreveu de forma mais pormenorizada algumas dessas negociações, tendo as suas declarações sido corroboradas pela testemunha Z…, na parte em que tinha conhecimento direto das mesmas.
Além daqueles, também as demandantes D… e E… referiram algumas situações em que a arguida tratou até de assuntos particulares, designadamente do C…, do pai, e do marido daquela última, a testemunha AC…, que também o confirmou, tendo os mesmos pago apenas despesas judiciais (taxas de justiça e custas).
É inquestionável que algumas das intervenções da arguida em assuntos que se prendiam com bens da propriedade da família K… assumiram alguma complexidade técnica e terão envolvido considerável dispêndio de tempo, o que, em abstrato, confere consistência à sua tese de que tais serviços não estariam englobados na avença paga pela sociedade "G…, S.A.".
Contudo, além de contrariada pela assistente e seus irmãos, bem como pela testemunha Z…, existe um conjunto de circunstâncias que, analisadas segundo as regras da lógica e da experiência comum, reforçam a versão daqueles em detrimento da sustentada pela arguida.
Senão vejamos.
Importa atentar desde logo no facto de a arguida ser amiga de infância da E…, o que é aceite consensualmente por ambas e pelos demais irmãos daquela e algumas testemunhas, tendo sido por sugestão desta que foi contratada para prestar os seus serviços de advogada. Dada a relação de amizade pessoal é natural que a arguida se predispusesse a receber remuneração mais parca pelos serviços que prestava ou, pelo menos, que não tivesse “coragem” de exigir o pagamento dos serviços que prestava à família K… além do valor mensal que lhe era pago pela sociedade de que todos eram sócios.
Por outro lado, resulta das declarações da própria arguida, da assistente e, essencialmente, do C… e Z… que havia uma enorme confusão entre os interesses da sociedade "G…, S.A." de que os cinco irmãos eram sócios e os interesses pessoais destes, por razões óbvias. Com efeito, muitas das despesas pessoais dos sócios eram suportadas pela sociedade e integradas na contabilidade desta, aumentando, desse modo, os custos e diminuindo, consequentemente, o lucro tributável. A título de exemplo, a própria assistente referiu que a avaliação da “P…” foi paga pela sociedade "G…, S.A.". Tal situação era claramente vantajosa, em termos financeiros, quer para a sociedade, quer para os sócios, era indiferente à arguida, sendo prejudicial apenas aos interesses fiscais do Estado. É neste contexto que se percebe que havia interesse em que a avença, paga pela sociedade "G…, Lda.", abrangesse não só os serviços prestados pela arguida a esta como também aos seus sócios, todos membros da família K….
Acresce que não é crível que a arguida tratasse de questões tão complexas que não se prendiam com a sociedade com a qual mantinha o contrato de avença durante um período de tempo tão prolongado sem exigir o pagamento de honorários à assistente e seus irmãos se tais serviços não estivessem incluídos naquele contrato. Note-se que, conforme decorre das declarações da própria arguida, questionada sobre a data em que efetuou a interpelação para o pagamento dos honorários que considerava estarem em dívida, aquela referiu que tal ocorreu em 19.11.2009, na reunião que teve com o novo advogado constituído pelos demandantes, o Sr. Dr. U…, ou seja, já depois de a assistente ter descoberto que ela havia recebido o dinheiro da indemnização da expropriação em Junho de 2006 e que ao longo de três anos tinha andado a ocultar tal facto, alegando que o “Estado demorava muito a pagar” (sic). Mais admitiu a arguida que nessa reunião disse que estavam em dívida cerca de 44.000,00 € de honorários, que teria que ser feito um encontro de contas e que iria apresentar a nota de honorários em cinco dias. Todavia, conforme resulta da prova documental constante dos autos, designadamente de fls. 1519 a 1544, a arguida apenas viria a apresentar a nota de honorários em Fevereiro de 2011!
É, pois, absolutamente inverosímil que ao longo de aproximadamente nove anos a arguida não tenha interpelado de forma expressa e clara os membros da família K… para lhe pagarem os honorários (de valor tão significativo, refira-se) que considerava serem-lhe devidos além da avença paga pela sociedade "G…, Lda." e, ainda mais, que quando confrontada com a cessação da relação de confiança e a constituição de novo advogado tenham sido necessários dois anos para coligir os elementos necessários à elaboração da nota de honorários.
Além disso, não pode deixar de assinalar-se duas circunstâncias comprometedoras: por um lado, que a arguida apresentou a nota de honorários já depois de se ter iniciado este processo criminal; por outro, que apenas instaurou a ação de honorários contra a assistente, C…, D…, E… e a F… (que não chegou a outorgar-lhe procuração) em data próxima da dedução de acusação contra si nos presentes autos.
Finalmente, também não é despiciendo o conteúdo do requerimento de fls. 2463 e 2464, datado de 06.01.2015, subscrito pela ex.ma mandatária, à data, da arguida, e pela mandatária dos demandantes, no qual se afirma: “Arguida e ofendidos alcançaram já um princípio de entendimento que permitirá a referida reparação integral e consequente extinção da responsabilidade criminal” e “A arguida tem o propósito sério de ressarcir os ofendidos e estes de aceitar tal ressarcimento, sendo certo que ainda não conseguiram ultimar todos os trâmites formais e materiais para o efeito”.
Acresce que conquanto alegue que só não entregou as quantias monetárias aos mandantes em virtude de estar a exercer o direito de retenção pelos honorários que estes lhe devem mas que tem a disponibilidade financeira das mesmas, apenas meses depois de notificada para o efeito veio juntar, em audiência de julgamento, documento emitido por entidade bancária, datado de 29.04.2015, no qual se declara que a arguida é titular da conta de depósitos à ordem ali identificada que naquela data apresenta um saldo contabilístico/autorizado no valor de 59.666,69 €. Como é sabido, saldo contabilístico/autorizado não é o mesmo que saldo efetivo, pelo que não se comprova a invocada disponibilidade financeira das verbas em causa que, de todo o modo, como vimos, deveriam estar cativas em conta-clientes específica para o efeito.
No que respeita aos factos atinentes ao dolo de apropriação, somos remetidos para um processo psíquico, nas suas vertentes cognitiva e volitiva, que se insere no domínio da vida interior dos indivíduos. Caso não sejam admitidos pelo agente dificilmente podem ser percecionados pelas testemunhas ou por outros elementos de prova, sendo, por isso, insuscetíveis de apreensão direta. Temos, por isso, de nos socorrer da análise dos factos materiais, designadamente dos comportamentos em apreciação e de outros factos indiciários para, em face dos padrões de normalidade dos seres humanos e das regras da experiência comum, abstraindo de qualquer patologia que possa afetar a forma de pensar, de sentir ou de querer, interpretá-los e extrair conclusões sobre esse processo interior, de cognição e volição.
No caso vertente, a arguida repudiou veementemente ter agido com intenção de se apropriar das quantias monetárias em causa.
Contudo, os descritos recortes probatórios, analisados e conjugados entre si, são inequivocamente concludentes no sentido de que a arguida procedeu aos levantamentos das quantias referentes à caução e à indemnização, depositou-as em conta bancária por si titulada, sem conhecimento dos demandantes, de quem os ocultou, dispondo das mesmas em proveito próprio, e que apenas quando foi descoberto o seu esquema de atuação passou a invocar os direitos de compensação e de retenção como forma de tentar legitimar a sua atuação. O cotejo de tais circunstâncias factuais permite concluir que a arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, estando perfeitamente ciente da ilicitude das suas condutas, tanto mais que é advogada.
Por seu turno, os factos extraídos dos pedidos de indemnização civil considerados provados, na parte concernente aos danos, emergem das declarações dos próprios demandantes e dos depoimentos das testemunhas indicadas a deporem a esse respeito, na medida em que estas revelaram ter conhecimento direto dos mesmos por serem familiares ou amigos daqueles, destacando-se, ainda, a testemunha AD…, médico psiquiatra que vem acompanhando o demandante C… desde a tentativa de suicídio, que explicou em que medida a situação a que se reportam os autos contribuiu para a depressão que aquele apresentava. Cumpre salientar que embora os demandantes tenham óbvio interesse no desfecho do processo, mormente quanto ao enxerto cível, em particular no que tange aos danos morais, prestaram declarações de forma sentida, corroboradas pelos depoimentos testemunhais, e consentâneas com as regras da experiência comum sobre os sentimentos dos seres humanos quando confrontados com situações idênticas às refletidas nos autos, sobretudo quando, além da relação profissional, existem relações de amizade, como é o caso. Sublinhe-se, ademais, que o próprio C…, os demais demandantes e algumas das testemunhas relataram em que medida aquele foi particularmente afetado pela conduta da arguida, sem que, no entanto, tenham afirmado que a mesma foi a causa direta da tentativa de suicídio, antes transparecendo das suas declarações que, no quadro de depressão que o assolava, motivado essencialmente por problemas de índole financeira, a circunstância de a arguida se ter apropriado da parte da indemnização que lhe caberia contribuiu significativamente para o agravamento do mesmo.
No que tange ao percurso de vida e condições pessoais, familiares e profissionais da arguida, o Tribunal baseou-se essencialmente no teor do relatório social, que se mostra circunstanciado e devidamente fundamentado, e nos depoimentos das testemunhas de defesa, em particular Y… e AE…, ambos advogados e amigos daquela, na parte em que as mesmas revelaram ter conhecimento direto dos factos e as suas afirmações se revelaram consentâneas com os demais elementos de prova e as regras da experiência comum.
Finalmente, quanto à ausência de antecedentes criminais registados, o Tribunal baseou-se no certificado de registo criminal, meio probatório idóneo à comprovação e tal facto.
*
Os factos considerados não provados foram determinados pela falta de prova da veracidade dos mesmos, por ter resultado provado algo diverso ou, até mesmo, o contrário ou, ainda, por ter o Tribunal ficado com dúvidas inultrapassáveis, como resulta, de forma expressa ou implícita, das considerações supra exaradas, para as quais remetemos.
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, a recorrente (i) argui a falta de legitimidade do Ministério Público para promover o exercício da ação penal relativamente ao processo apenso – por falta de queixa da ofendida; subsidiariamente, (ii) a prescrição do referido direito de queixa; (iii) argui a nulidade da sentença – por falta de fundamentação no que diz respeito à determinação da pena única aplicada; (iv) impugna a decisão proferida sobre matéria de facto; (v) rebate a qualificação jurídica dos factos; (vi) invoca a extemporaneidade do pedido de indemnização civil; (vii) questiona a medida da pena única fixada; (viii) contesta a condenação e os valores das indemnizações civis firmadas; e (ix) suscita a questão da inaplicabilidade da Lei n.º 5/2008.
8. Questão prévia. Com a motivação de recurso, a recorrente “junta” [fls. 3130] dois documentos sem indicar disposição legal que suporte e justifique tal junção. Ora, nos termos do disposto no artigo 165.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal: “O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.” Não é o caso. Assim, porque os documentos não podem ser juntos aos autos, determinaremos o seu desentranhamento e consequente restituição à apresentante [ver Resposta do Ministério Público].
9. (i) Falta de legitimidade do Ministério Público para promover o exercício da ação penal no processo apenso, por falta de queixa da ofendida [conclusão I]. A recorrente não atentou que o crime em causa [Abuso de confiança (qualificado), do artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Cód. Penal] tem natureza pública [não assim o do n.º 1 - n.º 3]. Com tal, a ação penal é iniciada oficiosamente pelo Ministério Público, sem necessidade de intervenção do ofendido ou de outras pessoas [artigo 48.º do Cód. Proc. Penal]. Improcede este fundamento do recurso.
10. (ii) A recorrente argui a prescrição do exercício do direito de queixa, uma vez que a “ofendida” teve, desde pelo menos janeiro de 2007, conhecimento efetivo de que a recorrente tinha em seu poder o valor correspondente à caução prestada no processo de I… e a participação criminal só foi apresentada em março de 2011 [conclusão II e fls. 3038]. Sustenta tal pretensão no disposto no artigo 115.º, n.º 1, do Cód. Penal.
11. A questão mostra-se prejudicada pela decisão anterior. Na verdade, a promoção da ação penal por parte do Ministério Público não está, no caso concreto, dependente do exercício do direito de queixa por parte da ofendida ou de outra qualquer pessoa. Pelo que improcede mais este fundamento do recurso.
12. (iii) Nulidade da sentença por falta de fundamentação da pena única aplicada [conclusões XXXVI a XXXVIII]. Diz a recorrente que [é] incontornável a ausência de fundamentação do acórdão, quanto à determinação da natureza e medida da pena única, aqui cabendo também uma fundamentação deficiente” [conclusão XXXVII].
13. Não é verdade. Depois de uma longa e pormenorizada avaliação das circunstâncias ligados à prática dos factos [artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal – ver fls. 3000 a 3007] que o levaram à determinação das penas parcelares, o acórdão recorrido iniciou a análise dos elementos que, de acordo com a lei [artigo 77.º, n.º 1, do Cód. Penal], balizam a pena conjunta do concurso para conclui pela respetiva fixação. Aí se pode ler [fls. 3008-3009]:
"(…) Os ilícitos perpetrados pela arguida estão em relação de concurso efetivo, nos termos do art. 77º, n.º 1, do Código Penal, pelo que há que proceder a cúmulo jurídico das penas aplicadas, aplicando-se uma pena unitária que terá em consideração os factos e a personalidade pela mesma evidenciada. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2013, “com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.
Na determinação concreta da pena conjunta é importante a averiguação sobre se ocorre ou não ligação entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele” (disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt).
No caso vertente, há que ter em consideração, por um lado, que ambos os ilícitos são da mesma natureza e que foram praticados em datas muito próximas, e, por outro lado, que as consequências dos mesmos perduram até à atualidade, tendo decorrido aproximadamente 10 anos sem que a arguida nada tenha feito para as reparar, escudando-se no exercício de direitos que sabe não lhe assistirem, o que indicia uma personalidade propensa a comportamentos desajustados.
Assim, atento o disposto no n.º 3 do art. 77º do Código Penal, decide-se condenar a arguida na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…)”
14. A recorrente pode não concordar [e não concorda, como veremos infra] com a decisão proferida. O que não pode – até por respeito à verdade – é dizer que há omissão ou deficiente fundamentação do acórdão no que concerne à determinação da pena conjunta do concurso [artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Cód. Proc. Penal]. Aliás, importa lembrar que o dever de fundamentação da pena conjunta do concurso não pressupõe uma justificação alongada com as exigências do n.º 2 do artigo 374.º do Cód. Proc. Penal, nem exige o rigor e a extensão previstos pelo artigo 71.° do Cód. Penal, bastando uma referência sucinta, resumida, sintética aos factos, colhendo o essencial para estabelecer as conexões existentes entre os factos e a ligação à personalidade do autor daqueles [Ac. STJ de 18.01.2012 (Cons. Raul Borges), em www.dgsi.pt].
15. A fundamentação apresentada satisfaz as exigências da lei. Pelo que improcede mais este argumento do recurso.
16. (iv) A recorrente impugna a decisão de dar como provados os pontos 20 a 24 [conclusão III], 35 (parte), 37, 38, 39, 47 e 87 [concussão XV] e todos aqueles que deles decorrem [conclusão XXX]; e como não provados os pontos jj) (parte), ll), mm), oo), pp) e qq) [conclusão XIII] e z), aa), bb), cc), dd) ee) e hh) [conclusão XVII]. Para tanto, invoca os documentos de fls. 379-380 e 672 e ss. e 798-799, a declaração bancária junta em audiência de julgamento e o fax de fls. 362-364 [conclusões VI, XVI, XVII]; e bem assim, os depoimentos das testemunhas F…, C…, E… e AC…, em excertos que transcreve [ver fls. 3055-3083]. No essencial, a recorrente entende que foi feita prova de que o levantamento do precatório-cheque referente à caução (processo apenso), a 11 de novembro de 2005, no montante de 37 072,67 €, foi realizado com o conhecimento e consentimento da ofendida, tanto assim que nunca a interpelou para lhe entregar a quantia, quantia que a recorrente ainda “tem em seu poder”, pelo que dela não se apropriou nem utilizou em proveito próprio [conclusão IX]; por outro lado, entende que os elementos de prova também demonstram (impõem) que o levantamento do precatório-cheque referente à indemnização devida pela expropriação (processo principal), a 22 de junho de 2006, no montante de 36 482,19 €, ocorreu com autorização e conhecimento dos demandantes que decidiram que a quantia ficasse “na posse” da arguida até acordarem “numa forma de repartição do dinheiro entre si” [conclusão XIX].
17. Não tem razão. Acompanhamos, na íntegra, a Motivação do acórdão recorrido que, de forma clara, objetiva e abrangente articula a valoração de todas as provas produzidas, assumindo a decisão de dar como provados e não provados os factos elencados. Diga-se que nem a prova documental nem os excertos da prova testemunhal referidos pela recorrente “impõem” decisão diversa da recorrida [artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Cód. Proc. Penal] – o que sempre determinaria o insucesso da impugnação formulada.
18. Assim, salienta-se que dos documentos (analisados de forma muito detalhada pelo acórdão) nada resulta que “imponha” a afirmação de que os ofendidos conheciam e autorizaram os levantamentos dos precatórios-cheques pela arguida. Na verdade, sobre o fax de fls. 362-364 e os documentos de fls. 379-380: além das contradições e incongruências do depoimento da testemunha AB… (empregada forense da arguida), denotando um esforço contínuo no sentido de justificar a existência dos referidos documentos (o que, aliás, levou o tribunal a não dar credibilidade a tal depoimento) regista-se que outros esforços foram feitos no sentido de aferir a autenticidade dos mesmos, mas todos eles se revelaram infrutíferos: “Pese embora o esforço do Tribunal para averiguar da autenticidade/falsidade de tais documentos, não foi possível formar convicção sobre se os documentos de fls. 379 e 380 são verdadeiros ou se foram forjados para juntar aos autos e sobre quem adulterou o aludido email datado de 16.09.2009 [ver Motivação].
19. Os documentos juntos com a petição inicial da ação de honorários procuram documentar as despesas alegadas. Por si, não impõem nem a existência de qualquer acordo estabelecido entre os ofendidos e a arguida no sentido de esta reter as quantias em causa, nem sequer a efetiva existência de um direito de crédito da arguida sobre os ofendidos – quanto mais de um direito de retenção ou um direito de compensação validamente exercidos [artigos 755.º e 847.º, do Cód. Civil].
20. Sobre os documentos de fls. 798-799: deles apenas decorre que, pelo menos em agosto de 2009, os expropriados ainda desconheciam que a arguida tinha levantado o montante da indemnização em junho de 2006. Portanto, nada que apoie ou favoreça a indicação de que os ofendidos haviam acordado com a arguida que esta levantasse e depositasse a quantia em causa e a retivesse até eles acertarem, entre si, uma forma de a repartir.
21. Por último, quanto à “Declaração” da agência bancária, a fls. 2899, segunda a qual a arguida “apresenta um saldo contabilístico/autorizado de 59.666,69 €”: como refere a Motivação, “saldo contabilístico/autorizado” não é o mesmo que “saldo efetivo”, pelo que nada assegura quanto à não utilização da quantia pela arguida ao longo dos mais de 10 anos transcorridos.
22. E dos depoimentos prestados, cujos excertos a recorrente transcreve, nada mais se retém do que a explorada dúvida quanto à forma de repartição da verba entre os demandantes. Como essa questão justificasse a retenção do dinheiro. Tanto mais que as testemunhas não a identificaram como impeditiva da distribuição. Com a experiência profissional que a arguida acumula, estranha-se que ela não tenha optado por versões simples, muito usadas e tecnicamente perfeitas como por exemplo, o agendamento de uma reunião entre todos os demandantes com a finalidade expressa de se libertar do encargo de ter à sua guarda a quantia, ou a realização de um depósito à ordem do cabeça-de-casal além de outros expedientes que, havendo vontade séria e clara de resolver o assunto e obtendo prévio pagamento pelos seus honorários, a arguida não teria deixado de usar.
23. Quer do decurso do tempo escoado desde os referidos levantamentos [sem que a arguida tivesse esboçado a mínima intenção de entregar as quantias aos ofendidos]; quer dos depoimentos das testemunhas [até os invocados até pela recorrente]; quer a oportunidade [tardia, porque posterior à abertura do inquérito] da instauração da ação cível com pedido de condenação no pagamento de honorários em dívida; quer ainda da imediata aplicação em proveito próprio de uma das quantias em produtos financeiros – revelam e demonstram, ao abrigo das regras da experiencia [artigo 127.º, do Cód. Proc. Penal] e para além de qualquer dúvida razoável, que não houve conhecimento nem autorização do levantamento e depósito dos precatórios-cheques em conta titulada pela arguida.
24. Os factos falam por si: a arguida levantou as importâncias em causa e, contrariando as mais elementares regras de deontologia profissional [v.g., artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do atual Estatuto] e de bom senso, depositou-as em conta bancária de que é titular, chegando mesmo a, nos dias imediatos, subscrever, em proveito próprio, produtos financeiros – tudo isto comunicar aos ofendidos e sem, prontamente, lhes exigir os honorários a que se julga com direito.
25. Em suma: os elementos de prova indicados pela recorrente não “impõem” decisão diversa da recorrida [art. cit.]. Pelo que improcede mais este fundamento.
26. Sobre a alegada contradição entre os factos constante do ponto 40 e os referidos nos pontos 149, 153, 155, 157 e 158 da matéria de facto provada [conclusão XII]. A recorrente volta a não ter razão. O facto de se ter verificado uma alteração de mandatário judicial, de este não ter recorrido de uma decisão judicial, e de não ter sido reclamada a entrega da quantia [cujo recebimento se desconhecia] não permite concluir que a ofendida perdeu a oportunidade de cumprir um plano de pagamentos que veio a incumprir. Não se verifica, pois, qualquer contradição.
27. (v) Qualificação jurídica dos factos. Diz a recorrente que não se verificam os requisitos do crime de abuso de confiança [conclusões XXXI e XXXII]. Esta alegação vem no seguimento do pedido de modificação da decisão proferida sobre matéria de facto – pedido que, como vimos, não foi acolhido.
28. Assim, atentos os factos provados e, em particular, o declarado nos pontos 1 a 39 dos Factos Provados, concluímos que se mostram verificados os pressupostos objetivos e subjetivos [tipo objetivo e tipo subjetivo do ilícito] dos apontados crimes de Abuso de confiança [qualificado], do artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Cód. Penal – e que, no essencial, se carateriza por uma “apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio” [ver Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 94].
29. (vi) Extemporaneidade do pedido de indemnização civil. Segundo a recorrente, o pedido de indemnização civil formulado no processo principal entrou para além do prazo fixado pelo artigo 77.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal – pelo que é extemporâneo e como tal deve ser rejeitado [conclusões XXXIV e XXXV].
30. Diz o n.º 1 do artigo 77.º do Cód. Proc. Penal: 1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada. Assim, ao contrário do que sustenta o acórdão recorrido [“(…) o n.º 1 do citado preceito refere-se exclusivamente aos casos em que o assistente deduza acusação, designadamente em face da natureza particular do ilícito criminal em causa, o que não sucede no caso vertente, que recai na previsão do n.º 2 (…)”], cremos que resulta claro da Lei que o prazo para o assistente deduzir pedido de indemnização civil coincide com o prazo para deduzir acusação [nesse sentido, Ac. STj de 05.06.2003 (Cons. Pereira Madeira) e Ac. RP de 08.04.2015 (Maria Dolores Silva e Sousa), ambos em www.dgsi.pt].
31. Prazo que não foi respeitado pela assistente nos presentes autos. Porém, a assistente (e os restantes demandantes civis) foram notificados para, querendo, deduzir o pedido de indemnização civil no prazo de 20 dias [de acordo com o n.º 2 do cit. art.] – e a demandada não arguiu qualquer irregularidade. O pedido foi depois admitido por despacho judicial e a recorrente, uma vez mais, conformou-se com a decisão e não reagiu, denunciando a prática de ato processual ao arrepio das normas legais. Pelo que a irregularidade considera-se sanada [artigos 118.º, 119.º, 120.º e 123.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal]. Improcede mais este fundamento.
32. (vii) Medida da pena. A recorrente começa por assinalar que não foram atendidos, no acórdão recorrido, critérios de proporcionalidade material na fixação da pena única dentro da moldura do cúmulo, pelo que se mostra violado o disposto no artigo 77.º n.º 1 do CP, devendo o mesmo ser revogado [conclusão XXXVIII].
33. Retomamos a linha de exposição que desenvolvemos supra, quando conhecemos da alegada omissão ou deficiente fundamentação da pena conjunta do concurso. A recorrente não contesta o processo de determinação das penas parcelares [2 anos e 6 meses de prisão e de 3 anos de prisão], fazendo incidir a sua discordância apenas sobre a medida da pena única [4 anos e 6 meses de prisão]. Insiste que mesmo não reduzindo o processo de determinação da pena única a uma operação aritmética, mas considerando um critério quantitativo orientador e ponderando o essencial dos factos e da personalidade da arguida sempre a pena a aplicar se deveria aproximar da pena parcelar mais elevada do que efetivamente ocorreu na caso dos autos.
34. Admitimos que tem razão. Os factos são claros e apesar de serem fortemente censuráveis não transmitem uma gravidade do ilícito global muito acima da média. Por outro lado, a personalidade da arguida, vista de forma unitária no quadro geral da sua vivência pessoal, familiar, profissional e social não aporta elementos de relevante preocupação. Tudo ponderado e apoiados em grande medida nas considerações feitas pelo acórdão recorrido, entendemos necessário ajustar a pena conjunta do concurso que agora se fixa em 4 anos de prisão.
35. O segundo ponto de discordância da recorrente prende-se com a fixação dos prazos “não superior a 30 dias” e de “6 meses” para liquidação das importâncias em que foi condenada [dever a que se acha subordinada a suspensão da execução da prisão]. Salienta que esta decisão é desajustada, irrazoável e desacompanhada de um qualquer juízo de praticabilidade dentro de limites aceitáveis do sacrifício a impor ao condenado, pelo que viola o disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) e 2, do Cód. Penal.
36. Também aqui tem razão. Por um lado, não se apuraram as condições económicas da arguida. O relatório social revela que é advogada em …, que o marido é também advogado e dedica-se a um projeto de ecoturismo, têm uma filha com 10 anos de idade, vivem em aldeia rural da mesma localidade, numa moradia T4 com boas condições, integrada no referido empreendimento e fazem face às despesas do agregado familiar com os proventos que obtêm do exercício da advocacia [pontos 159-169 dos Factos Provados]. Estes dados não permitem aferir, em concreto, os rendimentos e as despesas efetivamente suportadas pela arguida para, assim, se poder avaliar a condição económica em que vive. Por outro lado, como bem salienta a recorrente, não faz sentido invocar a informação bancária segundo a qual a arguida tem disponibilidade financeira para acorrer a um montante de valor próximo daquele de que se apoderou quando, em sede de apreciação da matéria de facto, se recusou (fundadamente) a credibilidade de tal informação, invocando que a mesma não traduz, necessariamente, a existência de um saldo efetivo na conta. Se, por falta de credibilidade, não serviu para a decisão da matéria de facto não pode agora servir para justificar uma prontidão de pagamento aos demandantes.
37. Tudo ponderado, atenta a falta de factos que documentem, em concreto, a situação económica da arguida e o volume das quantias em causa [cujo total, contabilizando os juros em dívida, ultrapassa já os 90.000 €], nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal, decidimos fixar em 3 anos o prazo para cumprimento do dever a que está subordinada a suspensão da execução da prisão – o pagamento das quantias em que vai condenada, acrescidas de juros de mora, conforme determinado.
38. (viii) Valores das indemnizações civis fixadas. A recorrente insurge-se contra a existência de danos indemnizáveis, exceciona a ilegitimidade ativa da demandante G…, S.A" e contesta o montante das indemnizações fixadas que considera desproporcionado face aos parâmetros legais [conclusões XLII e XLIII].
39. Em linha com o anteriormente defendido – a atipicidade criminal dos factos –, a recorrente sustenta que “inexistindo crime, inexiste obrigação de indemnizar” [fls. 3107]. A questão já foi conhecida e decidida no sentido de que se verificam os pressupostos objetivos e subjetivos dos apontados crimes de Abuso de confiança [qualificado], do artigo 205.º, n.º 1, e 4, alínea b), do Cód. Penal. Portanto, neste aspeto, a argumentação não vinga.
40. Em segundo lugar, a recorrente suscita a questão da ilegitimidade ativa da demandante "G…, S.A.". Alega que “inexiste nos autos qualquer facto ou documento que esclareça em que medida e de que forma a sociedade G…, S.A., sucedeu – e se é isso que aconteceu – nos direitos e nas obrigações da ‘G…, Limitada’” [fls. 3109].
41. Não é verdade. Como a própria recorrente reconhece, foi dado como provado que “2. Em 20 de Novembro de 2000 foi instaurada a ação de processo comum a que coube o n.º 456/2000 (…) em que era autor I… e ré a sociedade comercial por quotas com a firma “G…, Lda.”, constituída em 1987, da qual eram sócios B…, C…, D…, E… e F…, transformada, em 28 de agosto de 2008, em sociedade anónima com a firma "G…, S.A." [ponto 2 dos Factos Provados]. Sobre esta matéria o acórdão dá a seguinte Motivação: “A natureza jurídica, objeto, composição dos órgãos sociais e demais factos relevantes desde a constituição da sociedade "G…, Lda.", atualmente "G…, S.A.", resultam comprovados pelo teor da certidão permanente da respetiva ficha de matrícula na Conservatória do Registo Comercial, que se encontra a fls. 259 e ss. dos autos” [fls. 2962-2963].
42. A recorrente não impugnou esta decisão da matéria de facto, pelo que se tem por definitivamente assente. Acresce que foi junta aos autos certidão da Conservatória do Registo Predial/Comercial de Águeda [fls. 257-271] que, entre outras ocorrências, regista a “Transformação em sociedade anónima” [Insc. 6 AP 2/20080826 – fls. 262]. Assim, mostra-se assegurada a legitimidade ativa da demandante civil como sujeito da relação controvertida e titular do interesse direto em demandar [artigo 30.º, do Cód. Proc. Civil].
43. Por último, a questão dos valores das indemnizações por danos não patrimoniais [B… a quantia de 4.000,00 €; C… a quantia de 5.000,00 €; D… a quantia de 3.000,00 €; E… a quantia de 4.000,00 €; F… a quantia de 2.000,00 €, acrescidas de juros de mora] – que a recorrente considera exagerados e desproporcionados face aos parâmetros legais .
44. Aqui tem razão. Como se sabe, o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser fixada, equitativamente, em função do grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [artigo 494.º, ex vi do artigo 496.º, nº 3, ambos do Cód. Civil].
45. Ora, já o dissemos, desconhece-se a real situação económica da demandada. Nem o facto de ser advogada em … nem a circunstância de o marido “se dedica[r] a um projeto de ecoturismo” [ponto 166 dos Factos Provados] são por si só reveladores de uma qualquer situação económica, muito menos de uma que se anteveja como estável, confortável ou consolidada. Na verdade, a “situação económica do agente” só se releva quando são conhecidos os valores de proventos por si auferidos e das despesas que suporta.
46. Por outro lado, importa lembrar que os atrasos na liquidação das importâncias em dívida são, por natureza, compensados pela estipulação dos juros de mora [artigo 804.º, n.º 1, do Cód. Civil]. Aqui tratamos apenas de calcular os danos não patrimoniais suportados individualmente pelos demandantes. E entre estes, apenas aqueles que pela sua gravidade merecem a tutela do direito [art. 496.º, n.º 1, cit.].
47. Assim, atentos os factos provados – que, com diferentes graus, revelam incómodos suportados pelos demandantes em consequência direta do comportamento da recorrente – e tendo em consideração o falta de elementos que caraterizem a situação económica da demandada, entendemos como justos e adequados os seguintes valores de indemnização pelos danos não patrimoniais: B… a quantia de 900 €; C… a quantia de 1.000 €; D… a quantia de 3.000,00 € / 500 €; E… a quantia de 4.000,00 € / 900 €; e F… a quantia de 2.000,00 / € 400 €, acrescidas de juros de mora].
48. (ix) Inaplicabilidade da Lei n.º 5/2008. Por fim, a recorrente sustenta que o acórdão recorrido é nulo ao determinar a recolha de amostra de células humanas para fins de investigação criminal: em seu entender a referida Lei “não tem aplicação” no caso em apreço e não foi fundamentada, pelo que, também quanto a este ponto se impõe a revogação da decisão [conclusão XLV].
49. Tem razão, mas apenas em parte. Quanto ao primeiro aspeto, não se alcançam as razões pelas quais o caso dos autos se deve considerar excluído do âmbito de aplicação da referida Lei. Na verdade, diz o n.º 2 do artigo 8.º: “2 - Quando não se tenha procedido à recolha da amostra nos termos do número anterior, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, e após trânsito em julgado, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída.” É evidente que a condenação estipulada nos autos satisfaz a exigência determinada, pelo que a Lei lhe é aplicável.
50. Já a falta de fundamentação específica no acórdão traduz-se num obstáculo formal (e substancial) insuperável. De acordo com o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, consagrado pelo artigo 30.º, n.º 4, da CRP e reafirmado no artigo 65.º, n.º 1, do Cód. Penal, “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”. A justificação da proibição do efeito automático das penas é a de obviar a um efeito estigmatizante das sanções penais e impedir a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade das penas – impondo a ponderação, em concreto, da adequação da gravidade do ilícito à da culpa e afastando-se a possibilidade de penas fixas ou ex lege.
51. O que significa que a decisão de ordenar a recolha, após trânsito em julgado, do perfil de ADN da arguida para fins de investigação criminal sempre teria de ser fundamentada e justificada à luz de critérios de culpa, necessidade e proporcionalidade da medida. A omissão de fundamentação constatada acarreta a nulidade (parcial) do acórdão [artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Cód. Proc. Penal], suscetível de agora ser suprida [n.º 2].
52. Porém, as circunstâncias concretas do caso dos autos não impõe (nem justificam) tal medida. Na verdade, a arguida não tem antecedentes criminais e o seu perfil de personalidade que revela qualquer tendência criminosa, mantendo uma perfeita integração social, familiar e profissional – pelo que não se vislumbram indícios de perigo de continuação criminosa ou outros receios relevantes que permitam inferir a necessidade da recolha e subsequente conservação deste tipo de dados [sobre o tema, de forma exaustiva, Ac. RL de 11.10.2011 (Agostinho Torres): “Iº A recolha de amostras de ADN, a que se refere o art. 8º, nº2, da Lei nº5/08, de 12-2, não é automática face a uma condenação transitada em julgado, pressupondo a existência de grave perigo de continuação criminosa ou outros receios relevantes que possam ou permitam inferir a necessidade daquela recolha e subsequente conservação; IIº Determinando aquela recolha, a sentença deve fundamentar em concreto aquele perigo, de modo a convencer da sua necessidade e proporcionalidade” – em www.dgsi.pt].
53. Assim, determinaremos a eliminação da ordem de recolha do perfil de ADN da arguida para fins de investigação criminal.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Sem tributação – face à procedência, ainda que parcial, do recurso [artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal].

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Determinar que se desentranhe e devolva à arguida os documentos juntos com a motivação de recurso;
● Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida H…, em função do que:
a) reduzem a pena conjunta do concurso para 4 [quatro] anos de prisão, que substituem por pena da suspensão de execução da prisão, de igual período, sujeita a regime de prova e condicionada à obrigação de pagamento, no prazo de 3 [três] anos, das seguintes quantias:
- à sociedade G…, S.A., a quantia de 23.366,91 € [vinte e três mil trezentos e sessenta e seis euros e noventa e um cêntimos] e respetivos juros de mora; e a B…, C…, D…, E… e F… a quantia de 36.299,78 € [trinta e seis mil duzentos e noventa e nove euros e setenta e oito cêntimos] e respetivos juros de mora;
b) reduzem os montantes das indemnizações por danos não patrimoniais (mantêm-se as fixadas por danos patrimoniais nos valores já referidos) para os seguintes valores:
- a B… a quantia de 600,00 € [seiscentos euros]; a C… a quantia de 700,00 € [setecentos euros]; a D… a quantia de 500,00 € [quinhentos euros], a E… a quantia de 600,00 € [seiscentos euros] e a F… a quantia de 400,00 € [quatrocentos euros], acrescidas de juros de mora, calculados, à taxa legal, a partir da presente decisão até integral pagamento; e em
c) revogar o acórdão na parte em que ordenou a recolha do perfil de ADN para fins de investigação criminal e a sua inclusão na base de dados.
Sem tributação.

Porto, 15 de junho de 2016
Artur Oliveira
José Piedade