Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
347/13.6TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: REMUNERAÇÃO E DESPESAS DO FIDUCIÁRIO
Nº do Documento: RP201051028347/13.6TJPRT.P1
Data do Acordão: 10/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade pelo pagamento da remuneração e das despesas do fiduciário é, em primeira linha, do devedor, uma vez que deve ser suportado pelas quantias objecto da cessão, atento o disposto no art.º 241.º n.º 1 do CIRE e art.º 28.º do Estatuto do Administrador Judicial.
II - O fiduciário pode ver a sua remuneração e despesas suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, que corresponde actualmente ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, no valor devido pelo trabalho realizado e despesas suportadas, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam tal pagamento.
III - Do regime do art.º 241.º do CIRE, que manda afectar os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão, à remuneração ao fiduciário, retira-se que a fixação e o pagamento da remuneração deverá ocorrer no fim de cada ano, pois só nesse momento será possível saber se foram entregues valores pelo devedor que o permitam, bem como avaliar o trabalho desenvolvido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 347/13.6TJPRT.P1- Apelação 2ª

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Teles de Menezes
2º Adjunto: Mário Fernandes

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
1. A responsabilidade pelo pagamento da remuneração e das despesas do fiduciário é, em primeira linha, do devedor, uma vez que deve ser suportado pelas quantias objecto da cessão, atento o disposto no art.º 241.º n.º 1 do CIRE e art.º 28.º do Estatuto do Administrador Judicial.
2. O fiduciário pode ver a sua remuneração e despesas suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, que corresponde actualmente ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, no valor devido pelo trabalho realizado e despesas suportadas, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam tal pagamento.
3. Do regime do art.º 241.º do CIRE, que manda afectar os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão, à remuneração ao fiduciário, retira-se que a fixação e o pagamento da remuneração deverá ocorrer no fim de cada ano, pois só nesse momento será possível saber se foram entregues valores pelo devedor que o permitam, bem como avaliar o trabalho desenvolvido.

Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Nos presentes autos de processo especial de insolvência, foi declarada a insolvência de B…, por sentença proferida a 14 de Março de 2013.
Foi nomeada Administradora da Insolvência C…, tendo sido determinado, quanto ao pagamento da sua retribuição e despesas, o seguinte: “Nos termos dos artigos 60° do CIRE, 26°, n.ºs 5 e 6 do Dec.-Lei n.º 32/2004, de 22/07 e do 3°, n°s 1 e 2 da Portaria nº 51/2005 de 20/01, dê-se pagamento ao Sr. administrador da insolvência, a adiantar pelo IGPJ e a reembolsar pela massa insolvente logo que disponha de recursos, da quantia de € 250.00 (duzentos e cinquenta euros) a título de primeira prestação para despesas; a segunda prestação de provisão para despesas, no montante de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) será paga após a elaboração do relatório previsto no artigo 155° do CIRE. Em conformidade com os citados preceitos, dê-se pagamento ao mesmo administrador da insolvência, a adiantar pelo IGFPJ e a reembolsar pela massa insolvente logo que disponha de recursos, de € 1.000,00 (mil euros) a título de primeira prestação da remuneração; a segunda prestação da remuneração, no montante de € 1.000,00 (mil euros) vence-se seis meses após nomeação do Sr. Administrador.”
A 22 de Maio de 2013 foi determinado o encerramento do processo, por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas e restantes dívidas da massa, conforme consta da acta da assembleia de credores e foi admitido o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelo insolvente, tendo sido nomeada fiduciária a Administradora da Insolvência.
Em 2 de Outubro de 2013 foi determinado o pagamento à Administradora de Insolvência da quantia de € 2.460,00 a título de honorários e despesas, adiantada pelo IGFEJ.
Por requerimento de 30 de Janeiro de 2015 veio a Administradora da Insolvência/Fiduciária solicitar a fixação de uma remuneração anual pelo exercício das funções de fiduciária, a pagar pelos cofres, por inexistência de activo, num mínimo de € 250,00.
Foi indeferido o requerido, com a seguinte fundamentação: “Antes de mais, devemos recordar que o fiduciário na esmagadora maioria dos casos prestou anteriormente funções no mesmo processo como administrador da insolvência (como é o caso), tendo então recebido honorários num montante elevado (especialmente em situações em que o trabalho não é de todo árduo, como no casos em que não há bens para liquidar) e que nessa condição recebe ainda um montante considerável para despesas que não são reembolsáveis, ainda que essa verba não seja totalmente utilizada (muito longe disso), como também sucederá na maior parte dos casos. A remuneração do Fiduciário constitui encargo do devedor (art. 240º n.º 1 C.I.R.E.) e é assegurada mediante a afetação dos rendimentos cedidos pelo mesmo devedor (art. 241º n.º 1 al c) do C.I.R.E.), e corresponde ao montante de 10% das quantias objeto da cessão (art. 25º da Lei n.º 32/2004 de 22-7). Assim sendo, indefere-se o requerido por falta de fundamento legal.
Tendo sido solicitados esclarecimentos sobre tal decisão, foi proferido o seguinte despacho “O despacho que recusou a retribuição à Sr.ª Fiduciária a suportar pelos Cofres foi fundamentado na lei, inexistindo razão para prestar qualquer esclarecimento adicional ou revogar o mesmo, apenas se sublinhando mais uma vez que a Sr.ª Fiduciária enquanto exerceu neste processo as funções de Administradora de Insolvência de Insolvência para além de auferir honorários em montante muito acima do que é pago normalmente aos colaboradores da justiça (ainda por cima num processo em que teve intervenção tão escassa), recebeu um montante considerável para despesas que não teve que reembolsar, apesar de seguramente não as ter suportado. Assim sendo indefere-se mais uma vez o requerido. Notifique. Caso a Sr.ª Fiduciária mantenha a disposição de ser substituída nesse cargo, deverá reafirma-lo a este processo no prazo de 5 dias, de forma a que o tribunal a substitua naquele cargo, e comunique ainda à Comissão de Apreciação e Controlo da Actividade dos Administradores da Insolvência e aos restantes tribunais (designadamente do Comércio) a sua indisponibilidade para intervir nessa qualidade nos processos de insolvência.”
Não se conformando com tal decisão, vem a Fiduciária nomeada dela interpor recurso, pedindo a sua substituição por outra que fixe uma remuneração mínima e justa, a ser adiantada pelo Cofre Geral dos Tribunais, ou caso assim não se entenda, seja ordenada a sua substituição por outro fiduciário, sem as consequências do art.º 16.º do EAI, apresentando, para o efeito as seguintes conclusões:
I. Em 22-05-2013 foi proferido despacho de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação de custas e restantes dívidas da massa.
II. Decidiu-se também pela admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante e pela nomeação da Recorrente como Fiduciária, passando esta a exercer essa funções.
III. Em 29-01-2015 a Recorrente solicitou ao Tribunal que lhe fixasse os honorários enquanto Fiduciária.
IV. O Tribunal recorrido despachou no sentido de que a remuneração iria corresponder a 10% das quantias objecto da cessão, até ao limite de 5.000,00 € - art. 240.º do CIRE.
V. O insolvente não tem procedido à entrega de qualquer rendimento, nem se prevê que o venha a fazer, porque ele não tem rendimentos acima do montante de rendimento disponível que se encontra fixado.
VI. Não satisfeita, a Recorrente solicitou ao Tribunal recorrido que esclarecesse aquele despacho, por entender que este lhe devia fixar um montante de remuneração certo e determinado ab initio, o qual devia ser adiantado pelo Cofre Geral dos Tribunais.
VII. Todavia, o Tribunal recorrido não fixou essa remuneração mínima e até deu a entender que, se o insolvente nunca vier a entregar qualquer rendimento, a Recorrente não será remunerada pela suas funções nem será reembolsada das despesas que tiver no exercício das mesmas.
VIII. Isto porque, 10% de nada é nada!
IX. Ou seja, dos despachos supra transcritos resulta que a Recorrente prestará um serviço gratuito, a mando do Tribunal e em benefício de terceiros, o que é inadmissível! Ora,
X. É verdade que o art. 25.º do Estatuto dos Administradores da Insolvência (Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho), agora art. 28.º da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, prevê que a remuneração do Fiduciário corresponda a 10% do montante cedido.
XI. Mas também é verdade que o art. 241.º do CIRE prevê que a remuneração e as despesas do próprio Fiduciário sejam primeiramente suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais.
XII. O Fiduciário deve afectar os montantes recebidos “ao reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do Administrador da Insolvência e do próprio Fiduciário que por aquele tenham sido suportados”– art. 241.º, n.º 1, b).
XIII. Como os deve afectar “ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas”– art. 241.º, n.º 1, c).
XIV. Logo, se o Fiduciário deve reembolsar o Cofre Geral dos Tribunais das suas remunerações e despesas que este adiantar, é porque essas remunerações e despesas devem ser adiantadas por esse cofre.
XV. Daqui resulta que, no final do primeiro ano de cessão, o Fiduciário afecta os valores que recebeu ao pagamento das custas do processo de insolvência, ao reembolso do Cofre Geral dos Tribunais, ao pagamento da sua remuneração e distribui o restante pelos credores da insolvência – tudo conforme o art. 241.º do CIRE.
XVI. É também isso que parece resultar da interpretação conjunta do art. 240.º, n.º 2, e do art.º 60.º do CIRE, onde se fala no direito à remuneração do Fiduciário.
XVII. O que não se aceita é que a lei possa prever que alguém, nomeado pelo Tribunal e que está ao serviço do Tribunal, e portanto do Estado, tenha de exercer essas funções sem receber qualquer remuneração.
XVIII. Não só porque tal contraria a lei, nos termos que acima ficaram expostos, mas também porque tal lei seria notoriamente inconstitucional.
XIX. Uma lei que obriga alguém a trabalhar gratuitamente é uma lei que viola claramente o art. 59.º da Constituição da República Portuguesa, onde se garante a retribuição do trabalho.
XX. Tendo o próprio Estado a obrigação de assegurar que o trabalho é retribuído – n.º 2 do art. 59.º da Constituição da República.
XXI. Sendo certo que essa lei poria em prática um regime de escravatura, há muito abolido da nossa civilização.
XXII. Assim, entende-se que o Tribunal recorrido devia ter proferido despacho no sentido de fixar a remuneração mínima a pagar à signatária, ordenando o seu adiantamento pelo Cofre Geral dos Tribunais – sendo essa a mais correcta interpretação da lei. Por outro lado,
XXIII. Como a Recorrente não está disposta a trabalhar gratuitamente, nem queria estar a recorrer desse despacho, sugeriu ao Tribunal recorrido que, a manter a interpretação da lei supra descrita, que implicaria aquele regime de trabalho pro bonno, a substituísse daquelas funções de Fiduciária.
XXIV. A verdade é que o Tribunal recorrido entendeu que os fundamentos alegados pela Recorrente não se enquadravam nos requisitos definidos pelo art. 17.º do Estatuto dos Administradores da Insolvência (Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho), agora art. 16.º da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, fazendo crer que se tratou de um pedido de escusa.
XXV. Pelo que recusou a substituição da Recorrente, mantendo-a em funções, ainda que gratuitamente. Ora,
XXVI. O CIRE começa por referir-se ao Fiduciário como “entidade, neste capítulo designada Fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência nos termos e para os efeitos do artigo seguinte” – art. 239.º, n.º 2, do CIRE.
XXVII. Mas não se encontra, neste ou noutro artigo, qualquer regra que trate dos pedidos de substituição e/ou escusa por parte do Fiduciário em equiparação com o Administrador da Insolvência.
XXVIII. Aliás, o Fiduciário nomeado num processo não tem de ser obrigatoriamente a mesma pessoa que desempenhou as funções de Administrador da Insolvência.
XXIX. O art. 17.º do Estatuto dos Administradores da Insolvência (Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho), agora art. 16.º da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, não se refere uma única vez ao Fiduciário.
XXX. Se o legislador tivesse querido que as regras desse regime se aplicassem ao Fiduciário tê-lo-ia dito expressamente – e não o fez directamente nem por remissão.
XXXI. Pelo que é forçoso concluir que aquele regime não se aplica ao Fiduciário e portanto não podia o Tribunal recorrido ter recusado a substituição da Recorrente invocando esse normativo. Em suma,
XXXII. Entende-se que o Tribunal recorrido interpretou erradamente os normativos dos art. 60.º, 240.º e 241.º do CIRE e art. 25.º (agora 28.º) do EAI, quanto à questão da remuneração do Fiduciário.
XXXIII. E bem assim interpretou erradamente os art. 239.º do CIRE e art. 17.º (agora 16.º) do EAI, quanto à questão da substituição da Recorrente, enquanto Fiduciária - os quais deviam ter sido interpretados no sentido que a Recorrente acima expôs.
XXXIV. A par disto, e quanto à primeira questão, entende-se que o Tribunal recorrido não respeitou o art. 59º CRP, não cuidando de garantir à Recorrente uma remuneração pelo seu trabalho.
XXXV. A entender-se que a interpretação vertida no despacho recorrido é a mais correcta, então o art. 25.º (agora 28.º) do EAI é inconstitucional, na medida em que não garante remuneração para alguém que presta o seu trabalho ao próprio Estado e a pedido deste.
O recurso começou por não ser admitido pelo tribunal recorrido, tendo havido reclamação da Recorrente, que foi julgada procedente e em consequência foi requisitado o processo principal, com vista à apreciação do recurso.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine:
- da remuneração do fiduciário, nomeado nos termos do artigo 239.º n.º 2 do CIRE, dever ser paga por adiantamento do Cofre Geral dos Tribunais;
- da substituição do fiduciário não ter de observar as regras previstas no Estatuto do Administrador Judiciário para o Administrador da Insolvência
III. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão da causa são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da remuneração do fiduciário, nomeado nos termos do artigo 239.º n.º 2 do CIRE, dever ser paga por adiantamento do Cofre Geral dos Tribunais
A figura do fiduciário surge no CIRE associada ao instituto da exoneração do passivo restante e à cessão do rendimento disponível.
Ao regular a cessão do rendimento disponível, estabelece o art.º 239.º n.º 2 do CIRE: “O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal, de entre as inscritas na lista oficial dos administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.”
A respeito da remuneração do fiduciário, regula o art.º 240.º do CIRE que, no seu n.º 1, vem estabelecer que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor. Por seu turno, o n.º 2 deste artigo, dispõe: “São aplicáveis ao fiduciário, com as devidas adaptações, os n.º 2 e 4 do artigo 38.º, os artigos 56.º, 57.º, 58.º, 59.º e 62.º a 64.º; é também aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 60.º e o n.º 1 do art.º 61.º, devendo a informação revestir periodicidade anual e ser enviada a cada credor e ao juiz.”
Entre as normas aplicáveis ao fiduciário, com as devidas adaptações, por remissão do art.º 240.º n.º 2, está o art.º 60.º n.º 1 que se refere à remuneração do Administrador da insolvência nomeado pelo juiz, dispondo que este tem direito às remunerações previstas no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
Temos assim um regime legal que consagra o direito do fiduciário às remunerações previstas no Estatuto do Administrador Judicial e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis realizar, sendo que, o Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, contempla expressamente a remuneração do fiduciário, no seu art.º 28.º, estabelecendo que esta corresponde a 10% das quantias objecto da cessão, com o limite máximo de € 5.000 por ano.
De considerar ainda, com interesse para esta questão, o que dispõe o art.º 241.º do CIRE, que se reporta às funções do fiduciário. De acordo com a previsão do n.º 1: “O fiduciário notifica a cessão dos rendimentos do devedor àqueles de quem ele tenha direito a havê-los, e afecta os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão:
a) ao pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida;
b) ao reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas;
c) ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas;
d) à distribuição do remanescente pelos credores da insolvência.”
A responsabilidade pelo pagamento da remuneração e das despesas do fiduciário é assim, em primeira linha, do devedor, uma vez que deve ser suportado pelas quantias objecto da cessão, atento o disposto no art.º 241.º n.º 1 do CIRE e art.º 28.º do Estatuto do Administrador Judicial.
Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/09/2013, no proc. n.º 1714/09.5TBVNG-J.P1, in. www.dgsi.pt : “…é o devedor quem paga, anualmente, através do rendimento cedido aos credores, a remuneração e as despesas do fiduciário. Essas despesas e remuneração são destacadas dos montantes recebidos, no final de cada ano em que dure a cessão, para serem pagas ao fiduciário, antes de serem pagos os credores, conforme decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 241º.”
O problema põe-se então, quando as quantias objecto da cessão não existam ou sejam insuficientes para o pagamento da remuneração e despesas do fiduciário, o que pode não ser raro, considerando até as prioridades para a afectação das quantias cedidas, estabelecidas no art.º 241 n.º 1 do CIRE. É precisamente isso o que se passa no caso em presença.
A decisão recorrida, indefere o pedido da fiduciária, de fixação de uma remuneração anual pelo exercício das funções a pagar pelos cofres, invocando como argumento o facto da mesma já ter anteriormente exercido funções no processo como administradora de insolvência, tendo então recebido honorários e um montante considerável para despesas, não reembolsável, considerando ainda que a remuneração do fiduciário corresponde ao valor de 10% das quantias objecto da cessão e é assegurado mediante a afectação dos rendimentos cedidos pelo devedor, não havendo fundamento legal para o tribunal fixar uma remuneração.
Crê-se, no entanto, que não pode ser essa a solução, pois tal pode determinar que a fiduciária não seja remunerada pelo exercício das funções para as quais foi nomeada pelo tribunal.
O argumento invocado na decisão recorrida no sentido de que a fiduciária já exerceu no mesmo processo a função de administradora da insolvência, tendo sido remunerada pela mesma, em valor tido como considerável, não pode servir de pretexto para não se estabelecer qualquer remuneração pelo exercício das funções de fiduciária. Na verdade, trata-se de actividades distintas, autónomas e delimitadas no tempo em momentos diferentes, havendo previsão legal da remuneração de ambas as funções, como se viu, com critérios até algo diferentes para a sua determinação, não podendo de forma alguma dizer-se que a remuneração auferida pelo administrador de insolvência comporta já as funções que o mesmo possa eventualmente vir a exercer como fiduciário.
Por outro lado, o facto da remuneração do fiduciário dever corresponder a 10% do valor das quantias cedidas e dever ser assegurado pela afectação dos rendimentos cedidos pelo devedor, não pode determinar que, caso tais quantias não existam, o fiduciário não seja remunerado. Em última análise poderia chegar-se ao ponto do fiduciário não ser remunerado pelas suas funções, para as quais é nomeado pelo tribunal, nem ser reembolsada das despesas que teve no exercício das mesmas, o que não é concebível e vai até contra o direito constitucional contemplado no art.º 59.º n.º 1 al. a) da CRP que prevê que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho.
O art.º 30.º do Estatuto do Administrador Judicial prevê a possibilidade do pagamento da remuneração do administrador da insolvência ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, quando a massa insolvente for insuficiente para o efeito. Embora aí não seja contemplada norma equivalente para o fiduciário, quando não existam quantias cedidas pelo devedor, não pode deixar de equiparar-se as duas situações, sob pena, como se referiu, de poder chegar-se a uma situação em que o fiduciário está a exercer as funções para as quais foi nomeado pelo tribunal, sem auferir qualquer rendimento, o que pode ocorrer, caso aquelas quantias não existam.
Em abono desta interpretação, temos também o art.º 241.º n.º 1 al. b) do CIRE, que prevê expressamente o reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do próprio fiduciário que por ele tenham sido suportadas, revelando que tal pagamento pode ser suportado pelo cofre.
O fiduciário nomeado pelo tribunal tem assim a possibilidade de ver a sua remuneração e despesas suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, que corresponde actualmente ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, no valor devido pelo trabalho realizado, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam o seu pagamento.
Conclui-se por isso, tal como já decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/01/2013, no proc. n.º 419/12.TBOAZ-F.P1, in. www.dgsi.pt, bem como o acórdão já anteriormente citado, no sentido de que a remuneração e despesas do fiduciário nomeado pelo tribunal, podem ser suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, quando os valores recebidos a título de cessão de rendimentos não existirem ou não forem suficientes para suportar aquele pagamento.
Quanto ao momento em que deve ser fixada pelo tribunal a remuneração do fiduciário, do regime legal não resulta que tal deva ser feito quando da sua nomeação e previamente ao exercício das funções, como pretende a Requerente. Pelo contrário, tal não seria adequado, uma vez que nesse momento ainda não se sabe qual o trabalho em concreto que será desenvolvido. Aliás, no caso em presença, tal pedido nem sequer foi inicialmente formulado pela Recorrente e ponderado pelo tribunal. O despacho recorrido incide sobre o pedido de pagamento de remuneração efectuado pela Recorrente quando já havia sido nomeada fiduciária há mais de um ano.
Do regime do art.º 241.º, que manda afectar os montantes recebidos, no final de cada ano em que dure a cessão, à remuneração ao fiduciário, retira-se que a remuneração deverá ocorrer no fim de cada ano, quando do envio da informação ao juiz, nos termos previstos no art.º 240.º n.º 2 parte final. É que, só nesse momento será possível saber se foram entregues valores pelo devedor que permitam o pagamento em causa, bem como avaliar o trabalho desenvolvido pelo fiduciário, o que não pode deixar de ser relevante para efeitos da determinação da remuneração, nos casos em que a mesma tem de ser fixada pelo tribunal.
Concluindo-se pela possibilidade do fiduciário nomeado pelo tribunal ver a sua remuneração e despesas suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, que corresponde actualmente ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, no valor devido pelo trabalho realizado, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que o permitam, impõe-se a substituição da decisão recorrida por outra, que fixe a remuneração do fiduciário em função do trabalho prestado, a suportar pelo Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (substituto do Cofre Geral dos Tribunais).
- da substituição do fiduciário não ter de observar as regras previstas no Estatuto do Administrador Judiciário para o Administrador da Insolvência
Atento o sentido da decisão e uma vez que o pedido de substituição foi formulado pela Recorrente apenas para o caso de ser entendido que não há lugar à fixação de remuneração do fiduciário e seu pagamento através do Cofre Geral dos Tribunais, fica prejudicado o conhecimento desta questão suscitada, tendo em conta o disposto no art.º 608.º n.º 2 do C.P.C.
IV. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que fixe a remuneração do fiduciário pelo trabalho prestado, valor que deverá ser suportado pelo actual Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, sem prejuízo do seu reembolso nos termos legais.
Sem custas.
Notifique.

Porto, 28 de Outubro de 2015
Inês Moura
Teles de Menezes
Mário Fernandes